quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Crítica: Mary and Max



Tem desenho medíocre que passa e repassa em todas as salas possíveis e imagináveis. Mas que é esquecido tão logo se sai do cinema. Tem bobagens ruins de doer, como os tolos e infantilóides: Alvins e os Esquilos ou Tá Chovendo Hambúguer, que estouram a boca do balão nos EUA e no resto do mundo, enquanto pouco ou nada se ouve falar de outras produções de indiscutível qualidade. Animações que, por mais que se queira, dificilmente chegam às salas de cinemas daqui. Estou falando de Mary and Max (Mary and Max, 2009), o belíssimo filme realizado (com massa) em stop motion, por Adam Elliot, diretor australiano que em 2004 ganhou o Oscar de Melhor Curta de Animação por Harvie Krumpet.


Mary and Max tem um clima um tanto quanto mórbido e fala principalmente da exclusão familiar e social, vividas por Mary Daisy Dinkle (dublada por Bethany Whitmore, criança, e Toni Collette, adulta), uma menina de 8 anos, que mora em Monte Waverley, na Austrália, e por Max Jerry Horovitz (na voz de Philip Seymour Hoffman), um homem solitário e gordo, de 44 anos, que vive em Nova York. Mary é uma garota inquieta (na sua solidão), filha única de pais ausentes. Um acidente, disse-lhe a sua mãe (alcoólatra). Segundo o avô, os bebês eram feitos e achados por seus pais no fundo de suas cervejas. Se na Austrália os bebês são encontrados em copos de cerveja, ela logo deduziu que na América eles seriam encontrados em latas de coca-cola. Porém, Max lhe escreveu que, na América, os bebês não são encontrados em latas de coca-cola, mas conforme a sua mãe lhe ensinou, aos quatro anos, eles vêm de ovos postos por rabinos (ou se você não for judia, postos por freiras católicas, ou se você for atéia, postos por prostitutas sujas e solitárias).


Os questionamentos de Mary, que confunde a pronúncia ou a grafia de certas palavras, chegam a Max em cartas manuscritas, que ele reponde, datilografando numa velha máquina Underwood. Dois mundos tão iguais e tão diferentes, unidos através de um aleatório endereço encontrado numa lista telefônica. O mundo de Mary é colorido em tons de marrom e o de Max em preto, branco e cinza, com um toque de vermelho. Distantes também na idade, ambos sofrem solitários a dor da indiferença num mundo onde cada um é cada vez mais cada um. Mais que entender o desprezo daqueles que os rodeiam, Mary e Max querem entender a si mesmo. E sem metáforas.


Narrado com entusiasmo por Barry Humphries, Mary and Max é pontuado pelo ir e vir de cartas, enquanto a vida se arrasta num subúrbio australiano ou se atropela na urbana Nova York, carregando os tipos “normais” ou “iguais” com suas esquisitices e má educação. Mary e Max querem um amigo que não seja imaginário, animal de estimação ou boneco de brinquedo. Ele é ateu, comunista e sócio do Fã Clube de Ficção Científica de Nova York. Ela é uma menina que sonha em se casar com alguém chamado Earl Grey (marca do seu chá favorito) e morar num belo castelo, na Escócia, e ter nove filhos, dois patos e um cachorro chamado Kelvin. Ambos buscam amizade verdadeira (como a que assistem no desenho Os Noblets) e autoconfiança. As cartas trocadas podem ser o primeiro passo.


Mary and Max é uma animação cujo tema dificilmente interessará a uma criança ou até mesmo a um adolescente, mesmo que (com certeza) já tenha vivenciado algumas de suas difíceis situações. Jogando com diversas formas de humor, fina ironia e forte carga dramática ele fala de alcoolismo, tabagismo, suicídio, rejeição, distúrbios psicológicos (Síndrome de Asperger, Cleptomania, Agorafobia), diferenças (físicas, sociais, mentais, sexuais)..., e principalmente de amizade, do valor da amizade, da necessidade de amizade entre os humanos. Em qualquer lugar do mundo urbano ou suburbano o homem é igual em seu preconceito e na ausência de responsabilidade. Com esta fascinante animação Adam Elliot nos dá uma obra de profunda reflexão (sobre o que é ser e ou estar normal) que pode despertar sentimentos escondidos a sete chaves e, possivelmente, fornecer a chave para a sua compreensão.



Mary and Max é um filme para adultos (de qualquer idade) que acreditam num cinema além do refrigerante e da pipoca. Um filme para quem gosta de arte e de dar trabalho pros macaquinhos que adoram tirar folga quando um corpo se ajeita na poltrona do cinema. Uma animação pra quem sempre soube que havia vida inteligente em outros países, mas que os imensos painéis americanos não deixavam ver. Vale ressaltar que, apesar do tema pesado, o filme é um convite à vida!

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Quem TV vê TV Quem


arte postal: Sônia/Oficina em Juranda-PR

Quem TV vê TV Quem

Não sou muito de ver TV. Não tenho paciência pra mesmice. Novela, então..., quando estou com tempo só a do chá das 6. Outras, só os primeiros capítulos, que são os mais elaborados, e, às vezes, os últimos. Assim, na hora de bebericar um chá, me ligo na novelesca, pra não ver programas de baixaria e bobices nos outros canais. Se começa a chatear zappeio até o fim do chá. E me desligo. Não me acabo numa TV por assinatura. A maioria dos canais pagos é tão ruim quanto os abertos. Mesmo sendo pagos. E filme bom é filme visto no cinema.

De ano a ano as novelas alcançam outros canais e vão ficando cada vez piores na sua repetência. Dizem que o custo de uma novela daria pra fazer dezenas de filmes..., alguns até com melhor qualidade do que se vê por aí. Mas o público quer saber de novela e não de cinema. Assim...

Enquanto isso em uma novela:
- Como é que um sujeito (chato) que quer se esconder da família, da polícia e de seus inimigos, continua com a mesma cara, barba e cabelo? Não seria mais fácil cortar e parecer um pouco mais diferente e/ou (ao menos) demorar o reconhecimento?
- Como é que uma mulher que aparenta no máximo 30 anos pode ter filhos adolescentes de quase 18 anos? Se teve filhos ainda na adolescência, por que não se discute isso?
- Por que em plena era da informatização alguém faria um curso de dactilographia?
- Como uma pessoa pode ser demitida e não receber (e nem saber existir) Fundo de Garantia e Salário Desemprego, ficando, da noite pro dia, na miséria?

Enquanto isso em outra novela:
- Por que um sujeito fotógrafo famoso numa novela das 21 horas é exatamente o mesmo sujeito e fotógrafo famoso (até na barba) de um personagem caboclo/aviador que vai pra Europa e é premiado em uma novela que fez época às 18 horas? Ah, magia das novelas!

Enquanto isso numa novela que acabou:
Paraíso, versão 2009, foi uma das novelas mais sem noção que já passaram na TV brasileira. Paraíso (na trama) é o nome de uma cidade, praticamente no meio do nada. Lá pras bandas de Mato Grosso. Um lugar onde não tem agência dos Correios e nem rodoviária, banco, escola. O comércio não passa de um posto de gasolina, um bar/restaurante/boteco, uma pensão, uma farmácia, um taxi e uma igreja sempre vazia. O lugarejo é uma ilha rodeada de fazendeiros e administrada por um prefeito sem vice e sem vereadores. A população ali é mínima e 100% de fofoqueiros. Um punhado de homens e um punhado de mulheres e todos fofoqueiros. Não se tem nada a fazer ali. Só um ou outro tem família. Na purgativa Paraíso vivem dois chatos chorões: Zeca “Diabo” e Santinha.

E então: aparecem por ali dois sujeitos (sem família) metidos a espertos, “formados” em publicidade e jornalismo, que pensam em instalar, na praça, um “moderníssimo” serviço de auto-falante, pra vender anúncios (ou seria reclames?) e noticiar (?) aos moradores. Em vez disso abrem uma rádio e na cidade, que não tem nem televisão, todos passam a ouvir a rádio. A partir daí, aquele lugarejo regido pela igreja católica (que não comemora nem a semana santa), e que já teve até um (minúsculo) cinema, finalmente começa evoluir. As fofocas mudam o foco e em pouco tempo uma financeira e duas lojas de marca se estabelecem na “cidade”, pra vender seus serviços pra ninguém. A rádio passa de mão em mão e qualquer basbaque consegue colocá-la no ar. Lá pelas tantas, um dos fundadores da rádio, que tinha ido embora daquele vilarejo esquecido no meio do nada, volta pra lançar um jornal (um jornal!), ali onde as pessoas nunca viram um helicóptero e tem uma ponte quebrada, Mas, como Paraíso quer sair do anonimato, mesmo não tendo serviços essenciais, termina com a inauguração de um aeroclube. Pode?!?

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Crítica: Encontro de Casais


Encontro de Casais
Encontro de Casais
uma divertida viagem numa canoa furada

Estréia, neste Natal, mais uma comédia americana sobre relacionamento amoroso. Quem gosta de cinema e vê de tudo um pouco ou quase tudo que chega às telonas, conhece de cor e salteado todos os clichês do cinema americano, principalmente das comédias românticas do tipo opostos que se atraem, depois de algumas confusões e indefectíveis piadas escatológicas, trombadas e escorregões. Certo? É ver pra crer ou nem precisar ver. É assim, mesmo. Quem viu (ou vê) uma comédia americana, já viu todas. Quando começa o Encontro de Casais, um espectador estraga prazeres (feito eu) com toda certeza vai dizer, já vi isso (desentendimento de casal) e já sei como vai terminar. Comédia romântica americana é previsível demais. Certo? Errado! Encontro de Casais (Couples Retreat, EUA, 2009), com direção de Peter Billingsley e roteiro de Vince Vaughn, Dana Fox e Jon Favreau, é uma comédia que navega contra a maré da previsibilidade até mesmo na esquisitice.

Construído na linha amor estranho amor, bem ao gosto (mas sem a ousadia) de Woody Allen, Encontro de Casais diverte ao colocar quatro casais amigos numa terapêutica canoa furada, em uma ilha paradisíaca. A história é a seguinte: numa última tentativa de salvar o seu casamento, Jason (Jason Bateman) e Cynthia (Kristen Bell) decidem participar de uma terapia de casais, chamada Eden, num resort no Tahiti. Como o programa custa caro, tentam convencer três casais de amigos: Dave (Vince Vaughn) e Ronnie (Malin Akerman), Joey (Jon Favreau) e Lucy (Kristin Davis), e Shane (Faizon Love) e Trudy (Kali Hawk) a embarcarem com eles, em troca de um grande desconto e sem a obrigação de participar da terapia. O lugar fantástico lembra tanto A Ilha da Fantasia que a gente acha que logo vão aparecer Tattoo (Hervé Villachaize) gritando: “É o avião! É o avião!“ e o Sr. Roarke (Ricardo Montalban) recebendo os convidados. Nesta ilha da terapia, os casais são recebidos com muitos sorrisos por Sctanley (Peter Serafinowicz), que dá os votos de boas vindas e o aviso de que, pra usufruir daquela maravilha ao redor, todos serão obrigados a participar das terapias que exigem concentração e entrega total. O que, numa ilha de tantos prazeres (comida e bebida) e desejos (pegação/sexo), não é nada fácil. Malditas letrinhas miúdas!

O humor apresentado em Encontro de Casais é meio nonsense e aposta mais na sugestão da imagem do que no diálogo. Apesar do absurdo jovial de ambos. É um humor mais próximo (mesmo que distante) do inglês do que do americano. Talvez, por isso, algumas situações podem ser engraçadas pra um espectador e entediante pra outro. Vai tudo da leitura “terapêutica” das terapias convencionais, estranhas, bizarras e/ou até “educativas”, como a de Tantra Yoga, orientada por Salvadore (Carlos Ponce), um musculoso e sensual Yogue (que sai das águas azuis, feito um Deus Grego, numa sunga sumária, para ensinar posições sexuais). Há uma boa carga de humor negro na crítica ao padrão dos terapeutas e na necessidade de padronizar os casais, cada um com seu uniforme, distintos pela estampa escura e desordenada dos psicanalistas e pela cor diversificada por casal (lavanda, amarelo escuro, ouro, laranja).

Encontro de Casais, com seu humor alternativo (já partilhado por Vince Vaughn e Jon Favreau em outras comédias amorosas), provocante e leve, é um filme simpático, com uns dois ou três vacilos que não o comprometem. Recheada de gente bonita e de tipos curiosos, no cenário encantador de Bora Bora, na Polinésia Francesa, a comédia é um convite ao relaxamento, diversão e, de quebra, terapia de casais quase de graça.

sábado, 19 de dezembro de 2009

Crítica: Alvin e os Esquilos 2


Alvin e os Esquilos 2
Alvin e os Esquilos 2
proibido para maiores de 10 anos

Eu não assisti ao primeiro filme da série: Alvin e os Esquilos (Alvin and the Chipmunks), mas, pelo que li a respeito, vi que não faz a menor diferença. Alvin e os Esquilos 2 (Alvin and the Chipmunks 2: The Squeakuel/EUA/2009) segue o molde infantojuvenil dos chatíssimos filmes musicais escolares (com aborrescentes que cantam ou pensam que cantam e/ou jogam ou pensam que jogam futebol americano), em que os alunos podem tudo, desde que não percam um título (ou um dinheiro) qualquer que pode salvar a escola ou um curso (?) ou um filme (lá deles, que chega aqui).

A nova aventura de Alvin e os Esquilos 2, dirigido por Betty Thomas, começa numa turnê do trio de esquilos na França, quando um acidente tira de circulação Dave Seville (Jason Lee), o agente do grupo. Enviados à Los Angeles, para frequentar a escola, os esquilos acabam ficando sob a guarda de Toby (Zachary Levi), um sobrinho de Dave. O sujeito é um tipo bobão, viciado em jogos eletrônicos, que só pensa em comer, dormir e jogar. Na escola, Alvin, Simon e Theodore não estão livres de confusões, nem sempre provocadas por eles, mas vão ter tempo para descobrir a importância da amizade, do profissionalismo, do egoísmo e, também, o amor, quando conhecerem The Chipettes, trio de esquilas formado por Brittany, Eleanor e Jeanette. Isso tudo regado com uma musiquinha distorcida aqui e uma dancinha insinuante ali.

Em Alvin e os Esquilos 2 a combinação de humanos com esquilos digitais fica a desejar, assim como ficou em Garfield. Mas, como o filme é dirigido a crianças, com certeza as menos espertas nem notarão. De qualquer sorte (ou azar) o filme segue o padrão clichê de “comédia” americana (muito copiado por brasileiros) com seu “humor” recheado de “piadas” escatológicas de peido, (sobras de) comida, banheiro, lixo..., além de escorregadas e tropeções. Resta saber se alguma criança ainda acha graça nisso. É um filme que se arrasta (apesar dos agitados esquilos) sem ousadia ou inventividade, pelo menos para os adultos. A impressão é a de que os roteiristas, Jonathan Aibel e Glenn Berger, e a diretora, Betty Thomas, não acreditam ou apostam na inteligência ou desenvolvimento intelectual das crianças do século 21. Ou acham que esquilos falantes e cantantes, que se comunicam com humanos, já é inusitado o suficiente.

Alvin e os Esquilos 2, com sua violência moderada, é simplório e previsível do princípio ao fim e (talvez) por isso pode agradar crianças abaixo de dez anos, mas dificilmente terá algum atrativo para os pais ou acompanhantes. A não ser que (o adulto) seja fã dos esquilinhos fofinhos de voz irritante (bem ao gosto americano) e seu pop de FM.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Crítica: AVATAR



Avatar, a mais nova investida cinematográfica de James Cameron, é de deixar qualquer espectador embasbacado com seu magnífico visual em 3-D estereoscópico. Usando e abusando do que há de mais avançado na tecnologia 3-D, o diretor (roteirista e produtor) transforma uma história sobre a exploração de minerais, em um planeta virgem (que para alguns pode até aparecer banal e piegas), num espetáculo contagiante e capaz de tocar o mais insensível crítico dos naturalistas.

Avatar é uma fábula ecologicamente correta. A história se passa em Pandora, uma lua orbitando o planeta gasoso Poliphemus, em Alfa Centauro. É um lugar deslumbrante, como a Terra já foi um dia, com densa vegetação que abriga, além de fantásticas formas de vida animal e vegetal, a civilização dos Na’Vi, pacífica raça humanóide. O seu equilíbrio é quebrado com a chegada de terráqueos em busca de um minério raro e caro. Os invasores, com todo o seu poderio bélico, só têm um propósito: a exploração a qualquer preço. Mesmo que este seja o da vida dos nativos e do perfeito equilíbrio da riquíssima fauna e flora. Como não podem sobreviver à atmosfera de Pandora, usam a manipulação genética para criar híbridos humano-Na´Vi, chamados de Avatares, controlados através da projeção de consciência, e se infiltrar entre os nativos e minar as suas forças. Jake Sully (Sam Worthington), um fuzileiro naval paralítico, e Grace (Sigorney Weaver), uma cientista, ambos comandantes de híbridos, serão o fiel da balança na batalha que se anuncia.

Parece uma história conhecida, não é? Na Terra, vemos e ouvimos diariamente do que a ambição desmedida do homem é capaz. Mas não vemos e nem ouvimos soluções..., apenas promessas ao vento. Avatar fala de um futuro ainda possível. Pelo menos na ficção ou no sonho, já que, por aqui, o que continua nos assombrando é o pesadelo diário imposto pelos senhores do mundo desenvolvido, em seus encontros datados para confabular sobre nada. Pois nunca há clima para se discutir uma solução para o clima. Temas como este (invasão, depredação, domínio, força militar, capitalismo, exploração) não são novidades no cinema (nem de animação), o que difere é o enfoque, a forma de tratar o assunto. Com seu tocante e profundo discurso humanista, é difícil não se deixar envolver pela história tão próxima da nossa realidade e torcer por um final diferente do conhecido, quando o que está em jogo é bem mais que a exploração irracional dos recursos naturais. Sociologia barata, dirão os detratores. Barata ou não (em Avatar saiu caríssima), o tema é tratado com precisão, nas entrelinhas. Jamais o cinema viu um assunto exposto com tamanha beleza e dor. Talvez um dia os homens de negócio consigam enxergar a Terra além das cifras.

Avatar é um filme de (muita) ação e com cenas de tirar o fôlego. Nele encontramos referências (ou lembranças) de outros filmes (e literatura) de ficção científica e fantasia. Mas nunca com tal qualidade tecnológica. Nunca tão palpável. O filme arquitetado por James Cameron só se tornou possível com o desenvolvimento de câmeras para a captação de imagens em 3-D estereoscópico. Ferramenta indispensável para o enriquecimento da narrativa e do espetáculo que se apresenta. Em Avatar o efeito 3-D não é mero exibicionismo de um brinquedo novo, mas um coadjuvante de luxo a serviço da história, do cinema, da arte. Ou seja, não basta ter toda essa tecnologia à mão se não se sabe o pra quê. Um bom argumento já é um começo, mas a qualidade do roteiro é imprescindível.

Pra quem não tem fobia de altura, assisti-lo em 3-D-IMax pode ser uma experiência única.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Crítica: Embarque Imediato


Embarque Imediato
Embarque Imediato
para onde?

Embarque Imediato (Brasil, 2009), dirigido (e fotografado) por Allan Fiterman é provavelmente o filme mais tolo e sem graça do ano. Pretende-se a história (nada original) engraçada (?) de um jovem desempregado, Wagner (Jonathan Haagensen), que é capaz de fazer qualquer coisa pra realizar o sonho de emigrar pros Estados Unidos da América. Enquanto não chega lá, se envolve com mulheres do lado de cá, entre elas Justina (Marília Pêra) que trabalha no aeroporto do Rio de Janeiro, a responsável pela frustração da sua viagem clandestina (?). Ele também vai conhecer outros tipos caricatos como: Fulano da Silva (José Wilker), que agencia mulheres gordas, Amparo (Marta Nieto), uma espanhola, e Betina (Sandra Pêra), a irmã taróloga/moambeira de Justina. Todos sem noção ou importância.

Com sérios problemas técnicos, a “comédia” (drama? romance?) tem um “roteiro” bobo. A “direção” é pífia e a “atuação” seria cômica se não fosse tragicamente uma canastrice sem fim. Até mesmo num concurso de música as coadjuvantes cantam melhor (e mais afinadas) que Marília Pêra (mas perdem). Às vezes dá a impressão de se estar assistindo a um especial televisivo, querendo virar série, com seu visual cafona e antiquado. Tem até uns dois ou três “palavrões” e uma insossa cena de sexo, pra parecer moderninho e menos infantil. Chega ser risível a pretensão de comédia musical, com o requinte de Almodóvar e glamour de antigos filmes norte-americanos. Como se uma personagem que fala espanhol (e teria “ensinado” o rapaz a “cantar” a música italiana Volare) ou Marília Pêra, vestida (fantasiada?) de Louise Brooks ou Gilda, de Rita Hayworth, fosse o suficiente. A superficialidade dos personagens, aliada à falta de ritmo, de texto, de história, de HUMOR, é fatal. Se o caminho escolhido fosse o do escracho, da sátira, talvez o resultado fosse menos desastroso. Vale lembrar que o tom cinematográfico de Almodóvar não se basta na bela cor ou na saborosa língua ou no fumegante conteúdo ou no irretocável elenco, mas na direção.

Por mais que se torça, para que o cinema brasileiro encontre salas de cinema disponíveis (impossível sem uma grande distribuidora e massificação publicitária) e conquiste o seu público, fica difícil apostar neste piegas Embarque Imediato. Não porque, de certa forma, o tema já foi tratado razoavelmente em produções como Terra Estrangeira, de Walter Salles, Os Desafinados, de Walter Lima Jr., e mesmo sugerido em Um Trem Para As Estrelas, de Cacá Diegues. Mas porque o “itinerário” escolhido para o tal Embarque Imediato tem problemas de pista, de teto e principalmente de pouso. Pra este voo, o piloto, realmente, não tirou brevê.

Na revista Ler & Cia, da Livrarias Curitiba, edição 29 (novembro e dezembro de 2009), seção Diretas, com Marília Pêra, tem a seguinte pergunta: L&C: Existe algum grande papel que você ainda sonhe interpretar, no teatro, no cinema ou na tevê? MP: Gostaria de participar de um grande filme em um papel importante, com grande diretor. Então, tá! Acho que não foi dessa vez.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Crítica: Os Abraços Partidos




Acertando ou errando (?) Pedro Almodóvar continua sendo unanimidade. Seu mais recente trabalho, Os Abraços Partidos (Los Abrazos Rotos, Espanha, 2009), tem dividido inflamadas opiniões. Encontra-se todo tipo de comentário. Uns críticos dissecam a vida do diretor espanhol, outros dissecam a obra e ainda há os que se debruçam apenas sobre o filme. Não tem meio termo, o filme é amado ou achincalhado.

Com um título plural ao do singular e ótimo filme argentino, O Abraço Partido (El Abrazo Partido, Argentina, 2004), do diretor Daniel Burman, que também fala de desejo, rejeição, amores, traição, segredos, reparação, com uma outra latinidade (é claro), Os Abraços Partidos, de Almodóvar, é igual na exposição, mas diferente no acento dramático de seus filmes anteriores. O diretor continua tratando de assuntos pertinentes ao seu universo como: cinema, desejo, sexo, vingança, segredos, ciúme..., mas com alguma variação de gênero. Desta vez o spot não está exatamente sobre as mulheres (Lena e Judit), mas sobre os homens (Mateo/Harry, Enrique, Diego, Raio X). É a partir do mundo deles que descobrimos os segredos que os envolvem e também os escondidos pelas mulheres. São eles os responsáveis pelo silêncio trágico e redenção delas, através de imagens perdidas ou restauradas.

Em entrevistas recentes, Almodóvar disse ter deixado as drogas por amor à vida. No filme, quem deve seguir o conselho é Diego (Tamar Novas), um DJ que, acidentalmente toma uma overdose e vai parar num pronto socorro. Ali, numa conversa “informal” com um roteirista cego, Harry Caine (Lluiz Homar), de quem é secretário, alguns segredos começam a ser desvelados. Diego vai entender o porquê da aversão da mãe Judit (Blanca Portillo), produtora de cinema, e de Caine, por Raio X (Rubén Ochandiano), um jovem cineasta, e seu pai, o magnata Ernesto Matel (José Luiz Gómez). Vai saber quem é a bela Magdalena Rivas (Penélope Cruz), mulher de Ernesto e atriz do filme Chicas e Maletas (Meninas e Malas), de Mateo Blanco, que despertou a paixão desenfreada nos dois homens.

Em Os Abraços Partidos, todos têm segredos. Todos têm uma vida dupla: prostituição, drogas, paixões, culpa, homossexualidade, rejeição... Harry Caine, roteirista, é o duplo de Mateo Blanco, cineasta que ficou cego após um trágico acidente, há 14 anos, e mudou de identidade. Amargurado, é ele quem nos conduz pelos intricados caminhos da sua memória, onde alguns fatos do passado se misturam à realização de um filme, com Lena, a sua grande paixão. Saltando de 2008 a 1994, ponto a ponto o seu relato vai enlaçando, uma a uma, as pessoas que o rodeiam. Nesse ir e vir, da sua própria história, o roteirista, mestre em criar tramas e também em filmá-las, falseando o olhar do espectador, verá que foi vítima do seu próprio ofício. O ciúme fez o resto. Nada mais Almodóvar do que acertar as contas com o passado. Seus filmes parecerem estar em constante catarse. Suas histórias são pedaços de vida, quebrados pelo ciúme ou pela vingança, que aos poucos vão sendo costurados com linhas coloridas e doloridas..., mas sempre com algum humor (às vezes negro).

O ciúme desatinado, na leitura de Almodóvar, lembra O Ciúme, na canção de Caetano Veloso: “O ciúme lançou sua flecha preta/ E se viu ferido justo na garganta (...) Mas na voz que canta tudo ainda arde/ Tudo é perda, tudo quer buscar, cadê (...) Tanta gente canta, tanta gente cala/ Tantas almas esticadas no curtume/ Sobre toda a estrada, sobre toda sala/ Paira, monstruosa sombra do ciúme.” O ciúme, na visão do diretor espanhol, é mais do que uma lágrima sobre um tomate vermelho ou cruzes decorativas que se repetem no apartamento dos amantes. É uma dor que pode ser expiada no reencontro do eu, mesmo que leve 14 anos e que a imagem que se quer abraçar não possa ser retida na memória. Se não se pode mudar o passado, pode-se enterrá-lo definitivamente.

Os Abraços Partidos, na sua pluralidade de sentimentos contraditórios ou não partilhados, é um excelente filme sobre a arte de fazer cinema e de contar histórias. Não é uma aula sobre cinema, é a própria arte em exposição. Pedro Almodóvar é mestre na captação de nuances e na sutileza com que referencia outros mestres da 7ª Arte. O seu cinema é o de amador, daquele que ama o que faz e se repete incansável na busca de um novo olhar. Em uma das mais belas e desconcertantes sequência, ao exorcizar o ciúme (à flor da pele) de seu marido, que assiste a um vídeo gravado pelo filho dele, registrando todos os seus passos e conversas com Mateo, traduzidas por uma leitora de lábios, Magdalena dubla a si mesma numa fala diferente daquela gravada em vídeo. Ao dublar-se ela interpreta e ao interpretar-se transforma o registro do vídeo, criando um subtexto que penetra a imagem na tela e retorna ao espectador do vídeo (Martel) e ao espectador do filme (que vê a ambos) como se real. No tríplice jogo de cena do vídeo e do filme confundem-se a mulher, a atriz e a amante. Num outro momento será Ernesto Martel, corrompido pelo ciúme, quem usará a palavra para ferir a quem ama, através do filme (dentro do filme). É Almodóvar indo ao extremo da metalinguagem e modificando um vídeo dentro filme e um filme dentro do filme, a favor (ou por causa) da palavra. Ou do ciúme!

Os Abraços Partidos é (sim) Pedro Almodóvar do começo ao fim, exposto nas cores do amor, do ciúme, da vingança. No simbolismo no nome e na identidade dos personagens. É a mão e a voz do diretor na plenitude da técnica e do amor ao cinema. É um filme tão igual quanto diferente dos filmes de Almodóvar e, talvez por isso, sujeito ao gosto o ou ao desgosto do espectador.

Crítica: Atividade Paranormal


Atividade Paranormal (Paranormal Activity, EUA, 2009) é um filme curiosamente apavorante. Não tem sangue jorrando, tripa esparramando, cabeça e membros voando, trilha sonora ensurdecedora, criada apenas para provocar medo, comum nas atuais produções de terror. Atividade Paranormal fala de um casal que tem a sensação de que coisas estranhas estão acontecendo na casa onde moram. A garota acha que o “mal” a acompanha desde criança, pra onde quer que vá, e por conta disso o rapaz compra uma câmera de vídeo e começa a filmar tudo o que acontece dentro da casa. Os olhos do espectador são a lente da câmera. Ele só vê as imagens que ela registra, só vai onde ela vai..., e vê, antes do casal, o que realmente acontece na casa, quando os dois estão dormindo. É de dar calafrios. E se o ar condicionado do cinema estiver desregulado o arrepio será muito maior.

O susto que Atividade Paranormal provoca vem tão somente dos inexplicáveis ruídos dentro da casa de Katie Featherston e Micah Sloat, principalmente à noite, e da expectativa que eles causam. Simples e eficaz, com seu terror crescendo a cada gravação (nas imagens e na cabeça do espectador), sem efeitos especiais mirabolantes (filmado com uma câmera doméstica, na mão ou no tripé), ele se aproxima de um outro fenômeno alternativo de pavor, no estilo mockumentary: A Bruxa de Blair (The Blair Witch Project/EUA/1999) dirigido por Eduardo Sanchez e Daniel Myrick. Em ambos, os personagens/atores desconhecidos, que usam o próprio nome, não sabem o que está acontecendo, trabalham com seus próprios temores, agem instintivamente, improvisam e transbordam veracidade. O resultado é tão impressionante que ao final da exibição sempre fica alguma dúvida sobre a história ou sobre o próprio filme.

Numa época em que os estúdios gastam milhões em filmes “de marca”, que vão à bancarrota, Atividade Paranormal é uma grata surpresa. Para quem ainda não sabe, ele foi realizado com apenas 11 mil dólares, pelo desenhista de jogos eletrônicos Oren Peli, e já rendeu mais de 100 milhões, só nos EUA, apenas no boca a boca. Segundo o diretor, é baseado em experiência vivida por ele e uma ex-namorada quando se mudaram pra uma nova casa e começaram a ouvir estranhos barulhos durante a noite. O filme foi realizado em uma semana, em 2007, cada uma dos atores principais recebeu 500 dólares e a casa que serviu de cenário é a do próprio diretor. Os registros "reais", dos estranhos e inquietantes eventos, estão em posse da polícia de San Diego, na Califórnia/EUA, conforme os créditos no filme. Antes de ganhar mercado foi apresentado em festivais alternativos e recusado pelo mais famoso deles, o Sundance. Certo dia, uma cópia caiu nas mãos de Spielberg e o resto é história. Filme e diretor já viraram lenda. Há uma proposta de continuação e o novato diretor (que se mostrou eficientíssimo nesta primeira experiência) já está trabalhando num próximo filme Área 51, lá mesmo, onde as forças norte-americanas escondem os ET’s que capturam. É esperar pra ver.

Ah, não é recomendável ver Atividade Paranormal em sessão noturna, nem Spielberg conseguiu assistir. Mas, como cada um sabe o que faz, deve saber também o que acontece no escurinho do seu quarto, quando um ser “vivo” não está olhando.

domingo, 29 de novembro de 2009

Crítica: 2012



Partindo da premissa que o povo norte-americano é o povo escolhido e que, em se tratando de catástrofe, somente um único cientista norte-americano é capaz de detectar qualquer tragédia e também encontrar a solução, em meio a problemas familiares e a manutenção da ordem democrática dos (e nos) EUA e no resto do mundo que sobrar em pé, o alemão Roland Emmerich vai dando asas à sua imaginação e, à custa de milhões de dólares americanos, realizando os filmes trash mais caros do mundo: Independence Day de1996 (“releitura” de A Guerra dos Mundos, de George Wells (sem dar créditos), em que destrói os ET’s infectando os sistemas de defesa da nave-mãe com um vírus de computador); Godzilla de 1998 (“releitura” do adorável lagartão japonês, que deixa os cenários de papelão, após testes nucleares, e parte pra aterrorizar Nova York, que é muito mais aterrorizada pelo exército que não poupa nem as propriedades da Disney); O Dia depois de Amanhã (um desequilíbrio ecológico congela a Terra, deixando sobrevivente presos na New York Public Library, e ali, pra se aquecerem, em vez das estantes, cadeiras e mesas de madeira, eles queimam os livros – menos a Bíblia).  As ações de seus filmes geralmente começam, passam ou terminam em Nova York e invariavelmente destroem Los Angeles.  E se preciso for, os “mocinhos xerifes do mundo”, invadem um país de 3º ou 4º mundo. Em O Dia Depois de Amanhã, invadiram o México e em 2012 vão atracar na África.


O espectador pode até xingar ao final da sessão, dizer que foi roubado e que o filme é horrível..., mas um tempo depois, ao se lembrar dele, vai achar graça da idiotice que acabou de assistir. Os filmes de Roland Emmerich estão aquém de qualquer crítica, já que são deliciosas bobagens sem pé nem cabeça ou vice-versa. Não foram feitos (e nem tem como) pra serem levados a sério (a não ser por ele). A profundidade de cada um é o de um pires raso. Quem o assiste, só pode esperar diversão desvairada, voluntária ou não. É puro trash. Vai contra os princípios filosóficos do filme trash, mas é trash. É uma grande caricatura, repleta de canastrões, diálogos inócuos, clichês atrás de clichês e muitos efeitos especiais bacanas e, por isso (tirando o alto custo) trash. Por todo o seu passado cinematográfico é claro que 2012 não podia fugir à regra trash super kitsch. Tem espectador que se satisfaz apenas com os trailers, onde passam só as melhores partes (as dos efeitos especiais). Aqui não é diferente, se fosse cortada uma hora de filme ninguém iria perceber.


Para Emmerich, é Deus no céu, o Império Norte-Americano na Terra e um cachorro a salvo e feliz no seio de alguma família norte-americana. Pra quem não presta muita atenção na variação sobre o mesmo “conteúdo” catastrófico das suas produções, vale lembrar que (assim como Spielberg) os seus protagonistas estão sempre em conflito com a família: pais que não compreendem filhos que não compreendem pais que não compreendem mães..., por aí, mas, que no final, todos se redimem. Que lindo! Não importa quão sofisticado (estudado) ou humilde (ignorante) seja o “sujeito” do seu filme (onde mulher é sempre mera coadjuvante) ele será inevitavelmente um homem de caráter, profissional cheio de habilidades. Em 2012, Jackson Curtis (John Cusack) é um escritor e dublê de motorista de limusine (ou vice-versa) pra uma família russa (com cara de comedora de criancinha), enquanto Gordon (Thomas McCarthy), atual marido de sua ex-esposa (por enquanto), é cirurgião plástico e, por força das circunstâncias, se torna um exímio piloto de avião (mais ou menos nessa ordem). Aí, ao dirigir uma limusine ou pilotar um avião (enquanto o mundo desmorona atrás deles), serão os responsáveis pelas melhores e mais divertidas sequências. E assim, entre um efeito especial aqui e a sua repetição ali, entre um clichê aqui e mais dois ali, entre um presidente americano negro, Wilson (Danny Glover) e um cientista negro, Adrian Helmsley (Chiwetel Ejiofor), politicamente corretíssimos acolá, o mundo em 2012 acaba onde (dizem) começou, na África, agora com a forma do crânio de Lucy (aquele fóssil e elo perdido). Uau! Que fofo!  Que gênio!


2012 é sem dúvida um filme de efeitos (e bota efeitos nisso). Roland Emmerich é como a Enterprise do Capitão Kirk: “vai onde nenhum homem jamais esteve”, pena que ele se leve tão a sério na realização catastrófica de seus filmes-catástrofes. Ah, vale lembrar aos religiosos e ufanistas de plantão que a alardeada cena de destruição do Cristo Redentor, no Rio de Janeiro, dura pouco mais que uma piscadela, mal se vê. Portanto, se for ao cinema, por isso, fique atento. E se quiser saber um pouco mais sobre a tal Profecia/Calendário Maia, pesquise antes, porque o filme mal toca no assunto.  Já que até a Cultura Maia vai terra abaixo, em 2012, por que perder tempo com explicações tão banais, não é?!

Bom, e se por um acaso o mundo não acabar em 20 de 12 de 2012, ele ainda tem outra chance em 2112, que é uma data muito mais cabalista: 21 de 12 de 2112..., redondinho tanto na ida quanto na volta. Quem viver, verá!

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Crítica: Julie e Julia


Julie e Julia
o prazer de comer e de amar

Penso que Deus deve ter sido um artista brincalhão para inventar coisas tão incríveis para se comer. Penso mais: que ele foi gracioso. Deu-nos as coisas incompletas, cruas. Deixou-nos o prazer de inventar a culinária.”, diz o mestre Rubem Alves, em Festa de Babete, artigo escrito para o Correio Popular de Campinas (SP).

Maravilhoso! É o mínimo que se pode dizer de Julie e Julia (Julie & Julia, EUA, 2009), filme escrito e dirigido por Nora Ephron e estreladíssimo por Meryl Streep e Amy Adams. O cinema já serviu de veículo pra muito deleite gastronômico. Um dos filmes mais famosos é o magistral dinamarquês A Festa de Babete (Babettes Gaestebud/1987), dirigido por Gabriel Axel, e um dos mais divertidos é a animação Ratatouille (Ratatouille, EUA/2007) dirigida por Brad Bird. Mas Julia e Julie tem um sabor diferente, que não está apenas na comida.

Julia e Julie são dois filmes em um. Duas histórias ligadas por uma terceira. A de Julia Child é baseada no livro My Life in France, a de Julie Powell é baseada no livro Julie & Julia e o ponto de liga é o livro Mastering the Art of French Cooking (Dominando a Arte da Cozinha Francesa), de Julia Child, Simone Beck e Louisette Bertholle. Complicado? Que nada, é muito divertido.

A história da norte-americana Julia Child (Meryl Streep) começa em 1948, quando se muda com o marido Paul Child (Stanley Tucci), que é adido cultural da embaixada americana, para Paris, na França. Ali ela descobre as delícias da cozinha francesa e, não satisfeita em degustar, resolve aprender a cozinhar, sendo a primeira americana a cursar a famosa escola de gastronomia francesa, Le Cordon Bleu. Num tempo em que a mulher era praticamente apenas dona de casa e geradora de filhos, Julia (que não podia ter filhos) queria ir além, tentou vários cursos para preencher o seu tempo até se decidir pela culinária, sempre apoiada pelo apaixonado marido Paul.

A história de Julie Powell (Amy Adams) começa em 2002, logo depois de se mudar do Brooklin para o Queens, nos EUA. Ela está com quase 30 anos, trabalha numa repartição pública, mais para ocupar o tempo do que por prazer, enquanto suas “amigas” são grandes executivas. Decidida a dar um rumo melhor à sua vida, por sugestão do apaixonado marido Eric Powell (Chris Messina), ela cria o blog Julie/Julia Project em que desafia a si mesma a cozinhar, em um ano, as 524 receitas do livro Mastering the Art of French Cooking, e dividir a deliciosa e nem sempre fácil experiência com os leitores.

As histórias de Julia (de época) e Julie (contemporânea) correm paralelas, apesar da distância de 50 anos, movidas pela paixão culinária e pelo companheirismo. Cada uma a seu tempo e, às vezes espelho, aguçam a curiosidade do espectador que se diverte com as aventuras culinárias de Julia (na França) e torce por Julie (no Queens) na sua cozinha mínima onde mal cabem um fogão, uma pia e uma geladeira. O excelente roteiro, que casa perfeitamente as histórias, com um texto espontâneo e tiradas inteligentes, não privilegia atores, mas é impossível ignorar uma Meryl (de 1,70m) no corpo de Julia Child (de 1,90m) ou o mesmo o competente Stanley Tucci. Mas se Streep se agiganta ao incorporar uma típica norte-americana cheia de vida, garra, espalhafatosamente contida, amigável, feliz, com a competência de sempre e mais um pouco, Amy Adams também se sai bem ao dar uma cara jovial e verossímil à sua empreendedora Julie Powell.

Julia e Julie fala do prazer de uma boa mesa e também do prazer de uma boa cama, de uma boa companhia, de uma boa cultura e principalmente da busca e realização pessoal. Toca em questões políticas e sociais do pós-guerra (na Europa) e pós-atentados (nos EUA), sem ser maçante ou perder o foco do assunto-tema. É escrito, dirigido e protagonizado por mulheres, mas não é algo “de mulher pra mulher”, ou um filminho feminininho e bobinho de amores impossíveis com final feliz. Julia e Julie é pra todos os sexos que apreciam um bom cardápio e uma ótima comédia sem escorregões, trombadas e piadas escatológicas. Com belas locações na França e em estúdios dos EUA, é um filme pra homem nenhum botar defeito, principalmente os que adoram cozinhar. Ah, é recomendável fazer um lanche antes da sessão, pra não ficar com fome durante a projeção.

Crítica: O Solista


por Joba Tridente

Pode se dizer que O Solista (The Soloist, EUA, 2009) é um filme sobre a descontinuidade da música e o conserto da vida através da prosa, no dia-a-dia de um instrumentista de rua e de um jornalista de cidade.

Baseado em fatos reais, com pitadas de ficção, O Solista é dirigido com acertos (e vacilos) pelo inglês Joe Wright (dos magníficos Desejo e Reparação e Orgulho e Preconceito), com inspiradas interpretações de Jamie Foxx e Robert Downey Jr. Tem excelente trilha sonora e primorosa fotografia. Um filme tocante, sem dúvida, mas pouco original. O que não é de se estranhar em se tratando de Hollywood. Pra ficar apenas com um similar, temos o belo Shine – Brilhante, filme australiano dirigido por Scott Hicks e que deu o Oscar a Geoffrey Rush, em 1996. Shine é inspirado na vida do pianista australiano David Helfgoot (Geoffrey Rush) que é aceito, ainda criança, numa academia de música de Londres e começa sofrer forte cobrança de seu perfeccionista pai, levando-o a um desequilíbrio mental que deixou sequelas por toda a sua vida.

O Solista fala do relacionamento entre Nathaniel Anthony Ayers Jr (Jamie Foxx), um músico esquizofrênico, que vive nas ruas, e o jornalista Steve Lopez (Robert Downey Jr), que escreve sobre assuntos cotidianos para o Los Angeles Time. A amizade deles começa casualmente, quando Lopez encontra/ouve Nathaniel Ayers, um sem-teto afro-americano, tocando um violino com apenas duas cordas. Curioso e certo de ter uma excelente pauta nas mãos, o jornalista corre atrás de informações sobre o mendigo-músico que abandonou a Julliard School, uma das mais prestigiadas escolas de arte de Nova York. A convivência dará um novo rumo à vida de ambos. Será, talvez, mais profícua para Steve Lopez que, com o sucesso de suas matérias sobre o artista, publicará um livro: The Soloist: A Lost Dream, an Unlikely Friendship, and the Redemptive Power of Music (base do filme). A Nathaniel Ayers, o músico perdido num ponto de fuga inalcançável de sua memória, vivendo tão somente pelo prazer de tocar Beethoven, em praças, ruas túneis, restará um futuro incerto.

O Solista tem todos os ingredientes para ser um grande filme, mas acaba ficando pelo meio do caminho. Quer ser ficção leve, mas flerta com o documentário e com o neorrealismo. Não se basta com a empolgante história do músico, que prefere a rua aos teatros, vai ao inferno americano conhecido como Skid Row, onde se encontra a população dos excluídos sociais (alguns até fizeram figuração), em busca de respostas (?) para a desconexão de Nathaniel. Abordar outros assuntos, mesmo com um ponto em comum, acaba esvaziando o tema central, e até dando foco a situações irrelevantes, “criando” um passado (diferente do real) para o jornalista. Ao falar dos excluídos norte-americanos, da solidão das grandes cidades e da própria invisibilidade do cidadão (sem-teto ou não), que só ganha forma a olhos sensíveis que varam a poluição de gente-coisa, de cidade-coisa, de cultura-coisa, ele apenas cumpre a função de entretenimento sócio-informativo. Excessivamente dramático e chegando a beirar o superficial, alternando entre o sublime e o piegas (talvez por isso), é capaz de levar às lágrimas os expectadores mais emotivos. Assim como deixar em estado de êxtase os apreciadores da música clássica.

O Solista tem um roteiro equivocado, mas ótima interação entre Foxx e Downey Jr. Poderia ser um filme bem melhor, se a direção inglesa não fosse tão americana. Com um pouco mais de empenho, Wright poderia ter dado uma boa enxugada, mandando a indefectível "piada" do banheiro pro ralo que a carregue e também nos poupando da constrangedora “homenagem” ao animado musical Fantasia, de Walt Disney. Será que faltou mão ou inspiração de época?

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Crítica: Arnold


por Joba Tridente

Confesso que não morro de amores por seriados “cômicos” americanos com seu “humor” escatológico, cheio de trombadas e escorregões e falas idiotas (ou as americanalhices “nacionais”). Não importa se protagonizados por brancos, pretos ou mix pb, acho tudo uma chatura só. Talvez porque sejam dublados (odeio dublagem) e as traduções do tal “humor” (americano demais pro meu gosto) fiquem a desejar. Ou ficavam.

Recentemente, por mero acaso, conheci Arnold (Diff’erent Strokes, EUA-1978 - 1986), uma antiga série norte-americana e que só agora é apresentada no Brasil, em canal aberto. A produção tem o seu foco numa família formada por um riquíssimo empresário branco, Philip Drummond (Conrad Bain), pai de uma adolescente, Kimberly (Dana Plato), que decide adotar os dois filhos negros da sua recém falecida governanta: Arnold (Gary Coleman), de 8 anos, e Willis (Todd Bridges), de 13 anos. Os garotos pobres saem praticamente do Inferno pro Paraíso, já que, de uma hora pra outra, deixam a vida difícil do Harlen pra viver confortavelmente numa cobertura em New York.

Trinta anos depois da sua criação o texto do seriado continua atual, ágil e eficiente ao tratar de temas como sexualidade, corrupção, preconceito, alimentação, racismo, educação, esporte, escravidão, trabalho, intolerância etc. Arnod tem um humor saudável, mesmo quando toca na ferida das diferenças. A Família Drummond insiste na tecla da felicidade, mas seus representantes, principalmente na pele de Arnold (com tiradas sensacionais) e Willis, sabem que uma mudança de casa ou um banho de loja não apaga o passado. Ao se defrontar com as suas tradições, Arnold, Willis, Kimberly, crescem e descobrem, no seu dia a dia, que o mundo não é exatamente como eles imaginam, mas que pode ser diferente se a mudança começar dentro de casa ou da sala de aula ou ainda numa quadra esportiva.

O ponto alto da série está em levantar questões diversas e encontrar respostas corretas para elas. Pena que esta visão intelectual (1970/1980), que mistura excelente diversão com educação e sociabilidade, dificilmente (pra não dizer nunca) voltará a fazer presença nas séries de TV nos EUA ou (muito menos) por aqui, onde prevalece o “humor” na base do quanto maior e pior a baixaria, melhor. Infelizmente, no cotidiano escolar, profissional, doméstico é muito mais fácil falar (sem mesmo saber o que é) do que praticar o Politicamente Correto. Hoje o mau gosto predomina não apenas (e principalmente) na TV, mas na cultura geral. Infância e adolescência podem até ser temas recorrentes, mas movidos a tolices comerciais e conteúdo zero.

Longe das intelectolices comuns nas séries do gênero, principalmente nas atuais (onde as crianças são bobas e erotizadas), Arnold, à moda antiga, ainda é garantia de diversão certa para toda a família. O personagem não é um adulto em miniatura, mas, como toda criança nessa idade, dependendo do assunto, louco pra ser. Arnold (que fala sério sobre os mais diversos assuntos e com muito bom humor) passa no SBT, de 2ª a 6ª, por volta das 19h00, por enquanto. Porque, todo mundo sabe que no SBT tudo pode acontecer e a série pode sair do ar de uma hora pra outra ou mudar de horário ou sei lá... Ah, vale lembrar que a série já tem várias comunidades brasileiras na Internet, com revelações sobre os atores e o que aconteceu com a carreira de cada um com o fim do seriado há mais de 20 anos.

domingo, 22 de novembro de 2009

Crítica: Mistéryos


Finalmente, depois do circuito dos grandes festivais de cinema e alguns prêmios, estréia Mistéryos, filme de Pedro Merege e Beto Carminatti, baseado na obra O Mez da Grippe e Outros Livros, do escritor Valêncio Xavier.

Mistéryos conta histórias realmente estranhas, surreais, carregadas de simbolismo, muito parecidas com aquelas publicadas em antigas revistas de Histórias em Quadrinhos, cheias de suspense e algum pavor, pinceladas com nanquim ou tracejada num clima noir. Conduzidas ou observadas por VX (cronista e pesquisador de coisas misteriosas e bizarras), três delas, protagonizadas com graça por Stephany Brito, se destacam: uma que fala do desaparecimento de Jucélia Santos, quando passeava no Trem Fantasma, num Parque de Diversões em Curitiba, no dia 19 de Julho de 1969, no instante em que o homem pisava na Lua; outra que busca desvendar a personalidade de um artista que, na época do cinema mudo, teria feito um filme erótico sobre a poeta Safo de Lesbos; e a terceira, onde nem tudo é o que parece ser quando o assunto é magia.

Mistéryos tem como pano de fundo as ruas de uma Curitiba mal iluminada (anos de 1960) por onde transita, de uma “lenda urbana” para outra, VX, um estranho viajante atemporal buscando reconstituir histórias absurdas a partir de fragmentos colhidos ao acaso. Histórias, historietas e vinhetas contadas, vividas ou sussurradas por ele levam o espectador a lugares esquisitos em busca do impossível: respostas para o inusitado. Talvez elas estejam lá, na pausa da fala, na entrelinha do monólogo de VX, solitário também em sua própria casa repleta de signos. Ali, na alegoria do real e do imaginário, os seus questionamentos o aproximam d’O mundo como vontade e representação (de Arthur Schopenhauer). Mas pode ser mera ilusão, provocada pelo lusco-fusco de três velas, suspensas no ar, confundindo os sentidos. Quando não se conhece a direção a seguir, uma luz tanto pode indicar a entrada como a saída da perdição em si mesmo.

Toda obra (literária, plástica, cinematográfica) está aberta a qualquer leitura, até mesmo àquela em que nem mesmo os seus realizadores pensaram..., ou uma contrária ao que quiseram dizer. Gostar ou não advém da compreensão da obra e Mistéryos não foge a isso. No princípio de todos os mistérios o filme parece rumar ao naufrágio, por conta da ousada linguagem pontuada por um grafismo marcante e uma trilha sonora incisiva. Mas esta impressão logo se dissipa com a presença de um Carlos Vereza inspirado, dando o tom exato ao seu curioso personagem VX e jogando por terra o menosprezo a um filme brasileiro, principalmente se feito no Paraná. Mistéryos é singular, busca e encontra originalidade e universalidade na tradução cinematográfica da literatura visual de Valêncio Xavier. Não é um filme de terror barato, como o cartaz horroroso (feio mesmo!) e nada convidativo sugere. Ele dialoga de uma forma diferente, com as coisas aparentemente comuns, mas não é banal. Assim como o livro, tem características curitibanas, mas não cai no clichê regional ou veste a camiseta de “cinema paranaense”. Mistéryos é cinema e ponto (ou seria e pronto?). Tem uma direção correta e um bom elenco (Carlos Vereza, Stephany Brito, Leonardo Miggiorin, Samir Halabi, Jayme Periard, Lala Schneider) além de contar com a excelência profissional de Alziro Barbosa, na fotografia, e de Fernando Severo, na montagem.

Mistéryos passa ao largo do bairrismo preconceituoso que define filmes conforme o lugar de realização (cinema carioca, cinema paulista) ou nome de seus diretores, como se “tradição” fosse sinônimo de qualidade. Mas enfrenta um problema comum à maioria dos cineastas brasileiros “de outros bairros”, que não têm grandes produtores com potencial de investimento em anúncios televisivos, radiofônicos ou mesmo em outdoor..., a distribuição para as salas de cinema. Chegar às salas não significa que vai arrebanhar um grande público, mas já é um grande passo.

domingo, 15 de novembro de 2009

Crítica: Hotel Atlântico


por Joba Tridente

Hotel Atlântico (Brasil, 2009), baseado em obra literária de João Gilberto Noll, é o mais recente filme de Suzana Amaral, diretora do belo e contagiante A Hora da Estrela (1985), baseado em obra de Clarice Linspector.

Como cinema é cinema e literatura é literatura, livro e filme raramente (e põe raro nisso) se casam. Hotel Atlântico, assim como o seu personagem/protagonista, é um ciclo vicioso de lugar algum para lugar nenhum. Não empolga e nem provoca o estranhamento prometido, já que logo depois da primeira morte, até mesmo quem não leu a obra de João Gilberto Noll, sabe o que vai acontecer. De morte em morte e de encontro em encontro não há mistério e nem surpresa. Tudo é previsível nessa história de um ator que viaja sem destino, ao sabor da estrada que o leva pra qualquer lugar em busca de algo (que só ele sabe) ou de nada (que só ele sabe).

Apesar dos incômodos problemas técnicos, alguns brabos de se ver (perna amputada/dobrada) e outros que passam batido, Hotel Atlântico tem boas atuações e uma fotografia interessante de José Roberto Eliezer. Não é um filme que fica na memória (como A Hora da Estrela), mas pode despertar algum interesse no cinéfilo que curte filmes (a lista é grande) com personagem enigmático (inconformado/outsider) e gosta de refletir sobre o que é ser e estar viajante pela vida.

domingo, 8 de novembro de 2009

Crítica: Fama


por Joba Tridente
Tem certos filmes (todos os bons) que não se deve mexer. Mas, como os produtores e diretores norte-americanos “não sabem disso”, vivem refazendo filmes que não deviam ser refeitos. Agora, infelizes como os tolos “musicais” escolares, bem ao gosto Tradição Família e Patrimônio Disney (movidos a inveja, dor de cotovelo, vingança, testosterona e algum talento discutível), foram ao fundo do baú zumbizar Fama, o filme clássico de Alan Parker, que é um grande painel sobre a importância da arte na vida das pessoas. Inesquecível! Assim, 29 anos depois, estréia nos cinemas um engodo intitulado de Fama (Fame, EUA, 2009), uma “releitura” do clássico ganhador de dois Oscar e que, nas mãos do desconhecido Kevin Tancharoen, virou um arremedo musical.

Ao contrário do Fama de Parker, que é uma ode às artes, esta cópia infame, que diz nada e acrescenta menos ainda à obra anterior, parece destinada a mofar nas prateleiras das lojas ou locadoras. Claustrofóbica e fora de sincronia, não fosse pelo uso de celular e de chatíssima música barulhenta (ao gosto pop/rap), diria que ela continua se passando nos anos 1980. Do prédio da escola aos professores, tudo tem cara de velho, decadente e mofado. Na primeira versão os professores também são velhos, mas eficientes. Demonstram conhecimento ao ensinar ou discutir com os alunos os percalços da vida de artista. Já os protagonistas da versão 2009 não convencem nem a si mesmos, com suas “interpretações” e seus bobos dramas familiares, ainda que mínimos. Pouco confiantes, parecem que vão ficar ali para sempre e não apenas por quatro anos. Os mais azarados, se tiverem sorte, poderão ser incorporados à mobília, como os professores.

É impossível não comparar a atualidade do belo filme de Alan Parker, que discute, com ironia e humor, questões sociais, raciais, sexuais, formação escolar, com o empenho amadorístico de Tancharoen, que apenas repete algumas cenas antigas, sem os elos fundamentais da história, numa produção rasteira e velha. Não basta mudar o sexo, a raça ou a predileção artística dos protagonistas, é preciso justificar e com bom argumento. O esquema “musical” é tão constrangedor que Megan Mullally (a Karen Walker do seriado Will & Grace), no papel de uma professora, ao “cantar” com sua nasalada voz de taquara rachada, bem ao gosto americano, é vista (por outros professores e alunos) como se fosse uma diva, um exemplo a ser seguido. Esta é possivelmente a melhor piada entre outras mediocridades sem graça.

Incapaz de qualquer ousadia do Fama de Alan Parker, em que a meta é o crescimento e o sucesso (pessoal e artístico) dentro e fora da escola, a “releitura” dá a impressão de que, quatro anos depois, os alunos que não estavam prontos para entrar, ainda não estão prontos para sair da New York City High School of Performing Arts. Ao ver as performances deles (com a mesma cara e “talento” do início) é difícil acreditar que tenham alguma chance no concorrido mercado de trabalho. Se valer o slogan do filme: Sonhe Alto! Conquiste Seu Lugar! Viva a Vida!, eles vão ter que procurar outra escola e os professores a aposentadoria. Ou migrar todo mundo para o Fama original.

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Curso Grátis de Animação em 2D

AnimaEdu
Curso de Formação de Animadores em 2D

Tem gente que ainda não acredita, mas há muito que o Brasil deixou de ser o bobo do desenho animado ou dos filmes de animação. Tem animador brasileiro mundo afora e Brasil adentro produzindo pérolas premiadas nos mais diversos festivais de animação.

Para quem gosta de desenhar, tem no mínimo de 16 anos, e é louco por animação e não sabia por onde começar a praticar e chegar ao mercado, Otto Desenhos Animados está lançando o AnimaEdu, um curso, a distância, para formar animadores em 2D.

O curso é online e conta com o patrocínio da Infraero e o apoio da Secretaria Audiovisual do Ministério da Cultura. A seleção para a primeira turma será através de apresentação de desenhos dos interessados.

O AnimaEdu vai utilizar exclusivamente o sistema de ensino baseado na interação virtual entre aluno e tutor, através da Internet. A primeira turma funcionará de maneira experimental, com alunos selecionados a partir do pré-cadastro no site. A partir dessa primeira experiência, o projeto sofrerá os ajustes necessários para ser aberto para o público em geral. A primeira turma começa o curso em novembro de 2009 e deve concluí-lo até janeiro de 2010.

Para inscrição e maiores informações acessar:

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Crítica: Alô, Alô, Terezinha!



Alô, Alô, Terezinha!
 O ridículo bom é o ridículo do outro.

Finalmente chega às salas de cinema o esperado documentário Alô, Alô, Terezinha, de Nelson Hoineff. Se alguns cineastas brasileiros descobriram o filão DOC, o público ainda tem as suas ressalvas. E é bem provável que elas aumentem com este Alô, Alô, Terezinha, um filme que decepciona quem se dispõe a ir ao cinema para saber algo que ainda não saiba ou simplesmente para matar saudades do irreverente Velho Guerreiro.

Alô, Alô, Terezinha não é, exatamente, uma biografia cinematográfica de Chacrinha. Talvez um título mais correto fosse Adeus, Adeus, Terezinha, já que se trata dos sobreviventes dos Programas do Chacrinha (Discoteca do Chacrinha, Cassino do Chacrinha, Buzina do Chacrinha), mais precisamente das suas chacretes. Recheado de imagens de arquivo (que parecem reprodução de fita VHS rodando num vídeo-cassete com cabeçote sujo), o filme resgata uma dançarina aqui e outra ali e elas vão falando (ou desfiando lamúrias) sobre o antes, o durante e o desafortunado depois da “fama”. É um vale tudo sem fim (droga, sexo, prostituição) numa viagem incômoda que vai do vulgar ao grotesco em questão de segundos.

Chacrinha (José Abelardo Barbosa de Medeiros (30/09/1917 – 30/06/1988) “criou” um jeito irreverente de fazer programas de televisão com muitas baixarias, devidamente apropriadas e multiplicadas pelos atuais apresentadores (“Na televisão nada se cria, tudo se copia!”) que transformam cada vez mais a TV brasileira num mundo cão sem nenhuma coleira à vista. Alô, Alô, Terezinha insiste na dose e no desfile vexaminoso de depoimentos (e desnudamentos) de chacretes, de ex-calouros com suas bizarrices, e até mesmo de cantores conhecidos ou esquecidos, sobre o Velho Guerreiro (e muito mais sobre si mesmos), que acrescentam absolutamente nada à biografia do apresentador ou à memória cultural (televisiva) brasileira.

Alô, Alô, Terezinha pretende ser engraçado, mas o seu “humor” é constrangedor. Se Chacrinha dizia que “veio pra confundir e não pra explicar”, Hoineff não faz nem uma coisa e nem outra, apenas expõe o ridículo de todos que passaram pelo Circo do Velho Palhaço. O apresentador tinha nada de sutil, mas grosseria demais também cansa. O ridículo bom é o ridículo do outro.

sábado, 17 de outubro de 2009

Crítica: EVA


por Joba Tridente

Em cinema nem sempre a máxima de um é regra geral para outro. Assim, uma câmara na mão e um idéia na cabeça é para bem poucos.

Após a sessão de lançamento do filme EVA, de Arnaldo Belotto, na Cinemateca de Curitiba, a opinião de algumas pessoas sobre o que tinham achado do filme era: Não achei! Precisei sair antes! Não sei! Totalmente desfocado... E a mulher que o tal fotógrafo fica olhando, ele a matou (afogou), se é que ela estava viva (dormindo ou em coma)? Uma resposta estranha marcou: A mulher era a Bela Adormecida à espera dos 7 Anões e como eles não apareceram, ela foi jogada no mar. Nada como juntar dois contos clássicos (Bela Adormecida e Branca de Neve) para explicar o inexplicável.

EVA é um filme mau humorado onde tudo é reduzido ao monossílábico: fala sem sentido, gestos automáticos, “fotos” que dizem nada, atores sem expressão. Problemas técnicos a parte, é difícil encontrar o foco da história, já que o foco do filme perdeu-se desde a abertura. Comprometida a fotografia, os silêncios e os vazios levam o espectador a lugar nenhum. Não são elementos nem pra uma possível reflexão, já que não há empatia alguma com o tal “fotógrafo” e ou com as suas “fotos”. Misturar contemporaneidade (telefone celular) com velharia (telefone com disco) e outras bugigangas (carro, hotel, portas sem campainha...) é uma alegoria que só torna o fardo do espectador ainda mais enfadonho e não uma compreensão da catarse do “herói” inútil.

EVA é uma obra que não ousa na sua experimentação e foge de qualquer conceito de “filme cabeça”, seja bebendo no cinema novo brasileiro ou europeu. Se a “idéia” (argumento) cinematográfica parece curiosa, ao final o espectador está se lixando para os “problemas” (?) do “fotógrafo” chato e a sua vidinha enfadonha. É evidente que um “fotógrafo” desses só vai “produzir” fotos sem graça e a ponto de contaminar até mesmo a equipe técnica do filme. Aí, não é a meta em busca de linguagem, mas a linguagem em busca de meta. O espectador não quer ser palco, quer continuar sendo platéia.

EVA, pelo que li, concluirá com mais dois filmes: um do antes e outro do depois da morte (ou da ausência de vida) da “personagem” título. É esperar pra ver. Quem sabe acaba fazendo sentido.

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Crítica: Distrito 9



Na canção O Dia Em Que Faremos Contato, de Lenine e Bráulio Tavares, diz a letra: A nave quando desceu, desceu no morro./ Ficou da meia-noite ao meio-dia. (...) Os homens se perguntaram./ Porque não desembarcaram/ Em são Paulo, em Brasília ou em Natal.

Num futuro passado uma gigantesca nave estacionou no espaço aéreo de Johanesburgo. Muitos se perguntaram o porquê dela pairar justamente ali na África do Sul. Logo descobriu-se que ela estava com problemas mecânicos e em seu interior encontravam-se milhares de alienígenas doentes e subnutridos que, resgatados, foram instalados, provisoriamente, num acampamento. Vinte anos depois o acampamento virou uma fétida favela e os pacíficos alienígenas, que só desejam voltar pra casa, são mal tratados e explorados por todo mundo. Envolvidos com tráficos de armas, se alimentando de comida de gato e de coisas encontradas no lixo, enfrentando todo tipo de discriminação, eles vivem em constante atrito com os favelados sul-africanos. O Distrito 9, gueto em que estão concentrados, é um pavio rodeado de pólvora. O governo, que tem interesses escusos, pra tentar acalmar os ânimos e manter um domínio maior sobre os estrangeiros, decide transferir os ETs para uma outra área.


Distrito 9 (District 9, EUA, Nova Zelândia, 2009), filme de Neill Blomkamp, tem sido visto como uma metáfora ao segregacionismo praticado na África do Sul, até bem pouco tempo, e ainda presente em outros países africanos. O diretor garante que não, mas são claras as referências ao apartheid, ao preconceito exacerbado da população local em relação ao seus vizinhos. Tão sublime quanto a narrativa, aparentemente banal, de alienígenas perdidos no espaço e que acabam se perdendo ainda mais, com a “ajuda humanitária” que recebem dos governantes da Terra, é a forma subliminar em que são introduzidas as questões políticas, corrida bélica, busca da alta tecnologia, miséria, crendices, fome, educação, ciência, populismo de ocasião. Na tela, a explosão racial, o ódio do “humano” pelo “estranho”, vai além da aparência, a sua base é mais embaixo. É a escrita torta, mas por linhas certas.

Distrito 9 é uma obra que inverte os (pré)conceitos dos filmes americanos de ficção científica, onde os ETs geralmente são vilões, ao conceber alienígenas indiferentes aos habitantes e ao futuro da Terra. Assim como em RoboCop, de Paul Verhoeven, os jornais e a publicidade são o ponto alto da narrativa, em Distrito 9 a maior parte do filme é realizada como se fosse um grande documentário, utilizando os mais diversos meios de comunicação e de registro fotográficos..., sem mesmo esquecer a insistente descrição das imagens, comum no jornalismo televisivo. Muitas das entrevistas feitas com sul-africanos, com relação a invasão de “estrangeiros”, são reais.


Distrito 9 é um filme de baixo orçamento, mas de grande impacto visual, e numa projeção única desvela dois grandes artistas sul-africanos: o diretor Neill Blomkamp e o espetacular ator Sharlto Copley, na pele do “boa gente” Wikus Van De Merwe, um tolo e ingênuo agente do governo, que deve convencer os ETs a aceitarem a Ordem de Despejo, e que só se dá conta de estar sendo usado, pelo governo, quando é tarde demais. Com a marca do produtor Peter Jackson, de O Senhor dos Anéis, é um filme aberto a continuações. Se vierem, que mantenham a qualidade, para que não se perca o primeiro encanto.

Crítica: Te Amarei Para Sempre



O cinema já nos trouxe muitas histórias de viajantes do tempo. Algumas fizeram mais sucesso que outras e até viraram filmes em série. Já vimos gente viajando através do tempo pelas mais diversas razões: amor, vingança, ambição, tarefa escolar..., e isso tudo com muito humor ou violência ou amor ou suspense ou terror. Mas, acho que nunca se viu uma história como esta d’A Mulher do Viajante do Tempo, com direção de Robert Schwentke, que ganhou um título terrivelmente piegas: Te Amarei Para Sempre.

Baseado no best-seller A Mulher do Viajante do Tempo (The Time Traveler’s Wife), de Audrey Niffenegger, Te Amarei Para Sempre (The Time Traveler's Wife, EUA, 2009) conta a estranha e curiosa história Henry (Eric Bana), um sujeito que, a partir dos seis anos de idade, frente a um terrível acidente de automóvel, descobre-se portador de uma anomalia genética que o faz viajar no tempo. Sem ter nenhum controle sobre si mesmo e sobre essas viagens, rumo ao passado ou ao futuro, onde chega sempre nu, Henry acaba conhecendo e se apaixonando por Clare (Rachel McAdams). Ele a reencontra em algumas dessas viagens e enquanto busca a cura, Clare tenta sobreviver à solidão de ter e não ter o seu amado ao seu lado.

Ao ler um conto ou ver algum filme sobre viagem no tempo, muita gente deve ficar desejosa de tal façanha, imaginando tirar algum proveito. Mas, e se o viajante não tiver controle algum sobre essas viagens para o futuro ou passado e tão pouco souber qual é o seu presente? É tentando decifrar esta interessante questão que embarcamos no bonito drama Te Amarei Para Sempre e viajamos sem saber para onde, a reboque de Henry, numa história sedutora e repleta de fantasia, dirigida com eficiência por Schwentke. No entanto, apesar da trama muito bem resolvida, o filme pode não agradar o espectador que gosta de algo mais previsível, de uma história de amor cheia de reviravoltas rumo a um final feliz. Porém, se ele se deixar levar pela fantasia, como se deliciasse com um Contos de Fadas, onde as coisas acontecem assim-assim, sem maiores explicações, vai ter uma surpresa e tanto e vai querer ver outros filmes que parecem iguais, mas que têm um quê de diferente. E viva a diferença!

Projeção Digital


divulgação

Projeção Digital

enviado por Marcus Mello
ao
ALMANAKITO, de Maria do Rosário Caetano

Caros,
Estou encaminhando para a minha lista de contatos a carta abaixo, que está sendo divulgada nacionalmente a partir de hoje. A iniciativa partiu do Fórum da Crítica, que reúne críticos de cinema de todo o país, e pretende sensibilizar os responsáveis pela baixa qualidade das projeções digitais que têm sido verificadas com frequência. No recente Festival do Rio os problemas foram tão graves que os críticos lá presentes decidiram finalmente se manifestar publicamente a respeito. A ideia é repercutir este documento entre o público através da imprensa especializada, para que este quadro lamentável possa ser revertido com a maior brevidade possível.

Abs, Marcus.

CARTA ABERTA
AOS RESPONSÁVEIS PELA PROJEÇÃO DIGITAL NO BRASIL

A projeção digital chegou ao Brasil com a missão de democratizar o acesso aos filmes e libertar os distribuidores da dependência de cópias em 35 milímetros, cuja confecção e transporte são notoriamente caros. A instalação de projetores digitais permitiria ao público assistir a títulos que dificilmente seriam lançados nas condições tradicionais e ainda ofereceria condições para que espectadores situados longe do eixo Rio-São Paulo (onde se concentram quase 50% das salas de cinema do país) tivessem acesso aos mesmos títulos simultaneamente.

O que estamos vendo, no entanto, é uma total falta de respeito ao espectador no que se refere à exibição do filme propriamente dita. As razões são basicamente duas: projeções incapazes de reproduzir fielmente os padrões de cor e textura da obra e/ou projeções incapazes de exibir os filmes no formato em que foram originalmente concebidos. Sem falar no som, que muitas vezes ganha uma reprodução abafada, limitada ao canal central, muito diferente de seu desenho original.

A adoção da projeção digital pelos dois maiores festivais internacionais do Brasil (o Festival do Rio e a Mostra de São Paulo) e por outros festivais do país, infelizmente, não respeitou o que seriam critérios mínimos de qualidade de projeção de filmes em cinema – algo que é observado com atenção em qualquer festival internacional que se preze. Trata-se de uma situação particularmente alarmante tendo em vista o papel de formadores de plateia que esses eventos desempenham.

Sucessivamente, temos visto um autêntico massacre ao trabalho de cineastas, fotógrafos, diretores de arte, figurinistas, técnicos de som e até mesmo de atores. Apenas para citar um exemplo: Les herbes folles, o novo filme de Alain Resnais, originalmente concebido no formato 2:35:1, foi exibido no Festival do Rio, com projeção digital, no formato 1:78. Isso representou o corte da imagem em suas extremidades, resultando em enquadramentos arruinados, movimentos de câmera deformados e rostos dos atores cortados. Um pouco como se A santa ceia, de Leonardo Da Vinci, tivesse suas pontas decepadas, deixando alguns discípulos de Jesus fora de campo – e da história. Para completar o desrespeito, não há qualquer aviso em relação às condições de exibição e o preço cobrado pelo ingresso não sofre qualquer alteração.

Não nos cabe, aqui, pregar a “volta ao 35mm” nem defender determinada resolução mínima para a projeção digital. Sabemos que, se respeitados determinados critérios técnicos – ou seja, se a empresa responsável pela projeção digital receber do distribuidor o master no formato adequado, se o processo de encodamento for feito corretamente, e se os ajustes necessários para a exibição de cada filme forem realizados cuidadosamente –, a projeção digital pode ser uma experiência perfeitamente satisfatória para o espectador.

Não é isso, porém, que tem ocorrido. Exibidores, distribuidores e os fornecedores do serviço da projeção digital são responsáveis pela má qualidade da projeção e coniventes com esse lamentável descaso geral, que tem deixado críticos e amantes de cinema indignados. É um desrespeito ao cinema e aos seus criadores, mas, sobretudo, ao espectador e consumidor final, que saiu de casa e pagou ingresso para ver um filme.

A situação chegou a um ponto intolerável. Pedimos a todos os profissionais envolvidos com a projeção digital que tomem providências para que tais deformações não se repitam.
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