quarta-feira, 30 de maio de 2012

Crítica: Branca de Neve e o Caçador



Quem gosta de literatura oral sabe que os contos populares reunidos em publicações sofrem alterações (independente ao quem conta um conto aumenta um ponto) para atender (principalmente) aos interesses de mercado. Já era assim na época de Charles Perrault (1628 - 1703) e de Jacob Grimm (1785 - 1863) e Wilhelm Grimm (1786 - 1859), cujas histórias em comum (anteriormente “destinadas” ao leitor e ou ouvinte adulto) têm lá as suas diferenças. Onde Perrault era trágico, os Grimm eram românticos ou divertidos. Aos poucos o mundo infantil nos livros foi ganhando cor, fantasia, magia, encantamento. Todavia, com as novas mídias contemporâneas, provavelmente muitas narrativas adaptadas do passado serão cada vez mais irreconhecíveis no futuro.


Branca de Neve e o Caçador (Snow White and the Huntsman, EUA, 2012), filme de fantasia e aventura, dirigido por Rupert Sanders, é mais uma das várias adaptações do famoso conto, compilado por Jacob e Wilhelm Grimm, que chega aos cinemas. Publicado entre 1812 e 1822, em edições de Contos da Criança e do Lar (Kinder-und Hausmaërchen), esta releitura de Branca de Neve é uma boa miscelânea de várias versões. Com um olho no público adolescente e outro na atual onda de monstrengos que apavoram nas telas, enfrentando bonitões e bonitonas, a tradicional narrativa ganhou ares mais sombrios, mais góticos..., sem esquecer a fantasia claramente influenciada pelos geniais animes do mestre Hayao Miyazaki, como o belo Princesa Mononoke (1997). 


Procurando não bagunçar a estrutura central do conto, o roteirista Evan Daugherty deu asas (de corvo, morcego, pássaro azul, borboleta etc) à imaginação ao acrescentar cores fortes e pesadas no revestimento de seus personagens. Branca de Neve (Kristen Stewart) perdeu a inocência, virou uma jovem arrojada e ganhou um look (mais contemporâneo) com ares de Joana D’Arc. O Caçador (Chris Hemsworth) foi transformado num inconsolável beberrão e imbatível mercenário movido a ouro e vingança. A bela madrasta Ravenna (Charlize Theron) está mais malvada e sanguinária. Os anões mineradores mudaram de ramo, o novo negócio pode não ser o mais lucrativo, mas é o que garante a sobrevivência dos (agora) oito representantes de uma raça extinta: O líder Beith (Ian McShane) e seu braço direito Nion (Nick Frost), o genioso Gort (Ray Winstone); os guerreiros durões Coll (Toby Jones) e Duir (Eddie Marsan); o jovem Gus (Brian Gleeson); o sábio vidente cego Muir (Bob Hoskins)  e seu filho e guia Quert (Johnny Harris). O arqueiro Willian (Sam Claflin), amigo de infância de Branca de Neve e filho do Duque Hammond (Vincent Regan), ocupa a vaga de príncipe, por enquanto (?).


A versão (ou seria visão?) pós-moderna do estreante diretor britânico, não economiza no visual dark e na alegoria para recontar a história da famosa princesa de pele branca como a neve, cabelos negros como o carvão e lábios vermelhos como a rosa: “Queria criar um mundo rico e fantástico, mas queria separar conto de fada de fantasia; são duas coisas bem diferentes para mim. Queria criar algo que fosse físico, mas também muito emocional, fazer algo grandioso, um filme em escala épica que também carregasse emoção. Várias vezes, você assiste a um filme com visual muito trabalhado, mas que tem pouco sentimento. Eu queria encontrar a emoção da história”.

Egresso da publicidade, Rupert Sanders segue à risca a cartilha do entretenimento juvenil. A história é bem narrada e não faltam ação e excelentes efeitos especiais (soturnos e lúdicos), apesar da escorregadela no “efeito-anão”, também problemático em O Senhor dos Anéis. Todos os malefícios do mundo, que sempre fizeram parte do universo dos contos populares (e foram amenizados pelos Grimm), estão presentes na trama, assim como algumas passagens sinistras (fuga na floresta) da versão animada da Disney. Sanders trabalha de forma interessante alguns signos da narrativa: como a maçã (em duas belas sequências), a entidade (dourada) do espelho e os dois lados (sombra e luz) da mesma floresta. A sua opção por um terror mais psicológico é oportuna, mas se os signos (metáforas) serão decifrados pelo jovem espectador, aí já é outra conversa.  


Rupert se lembrou de realçar as maldades de Ravenna e o terror de Branca de Neve, que nasceu tal e qual o desejo da rainha (Liberty Ross) mas não imaginava que a beleza a condenaria à prisão, após o assassinato do seu pai, o rei Mingus (Noah Huntley), e à morte, para satisfazer o capricho de imortalidade da sua perversa madrasta. No entanto ele se esqueceu do humor que sempre dá um sabor (e um alívio!) especial aos dramas mais pesados. Ainda assim, Branca de Neve e o Caçador é um bom filme para o público jovem e deve agradar aos mais velhos e curiosos em releituras. Ele prende a atenção do começo ao final aberto, já que, dependendo da bilheteria, deve resultar em mais dois. Não é nenhuma obra-prima, mas a sua Branca de Neve alternativa dá o que pensar.

Charlize Theron é o grande destaque do elenco, com a ofuscante interpretação da perversa Ravena, que cresce mais com a ajuda de maquiagem e efeitos em sequências assustadoras. Chris Hemsworth está num bom momento com seu solitário caçador brigão e, se tivessem mais espaço e tempo, com certeza a ótima trupe dos anões roubaria todas as cenas. Quanto aos bonitinhos Kristen Stewart e Sam Claflin, se não vão além do combinado, também não comprometem o riscado. 

quinta-feira, 24 de maio de 2012

Crítica: Homens de Preto 3



No final do século passado, mais precisamente há 15 anos, os humanos crédulos e ou incrédulos finalmente tiveram a chance de conhecer os lendários Homens de Preto, que apavoram ufólogos profissionais e amadores, desde a década de 1940, em todo o mundo onde os ETs botam os pés, patas ou tentáculos. Eles são mais comuns nos EUA, lugar preferido de 9 em cada 10 ETs vindo espaço sideral e de algumas partes da Terra. Se bem que esses últimos só são tratados como ETs, mas não chegam a ser uma grande ameaça..., ou não eram até um certo 11 de setembro.

Enfim, lá na terra do Tio Sam os misteriosos Homens de Preto são conhecidos pela sigla MIB (Men in Black) e são mais vaselina que qualquer militar da Área 51. Também, não é para menos, a sua agência é muito mais sofisticada e está muito bem instalada, mesmo que disfarçada, no coração de Nova York. Quanto aos Homens de Preto em “ação” no Brasil, por exemplo, eles são constantemente confundidos com os leões de chácara de boates e assemelhados, segurança de parlamentares, celebridades e assemelhados..., o que é muito bom para os originais HDP, pois podem agir truculentamente na surdina e, sem despertar suspeita, nos livrar de todo mal que caí dos céus.


Bom, após este descartável prólogo, chegou a hora de falar da volta espetacular dos Homens de Preto estadunidenses que deram o ar da graça em 1997 e depois foram abduzidos. Eles retornaram em 2002, para novamente sumirem do mapa norte-americano e só reaparecer em 2012, cumprindo a promessa de desvelar mais um capítulo da fantástica saga envolvendo humanos e ETs pela soberania do planeta. É claro que sem o aval do governo dos EUA, que nega veementemente a existências de extraterrestes (inclusive) com fluência em inglês americano.

Dirigido pelo mesmo Barry Sonnenfeld, dos MIB anteriores, Homens de Preto 3 (MIB 3, EUA, 2012), novamente ganha o espectador pelo excelente humor (às vezes pastelão) leve, familiar e sem apelos escatológicos, além da ação desenfreada provocada por ETs alucinados. Homens de Preto é, sem dúvida, uma das melhores paródias sobre ETs, mesmo quando parece equivocada (para os mais exigentes) em MIB 2, que (vá lá!) acabou se enrolando na trama, mas revelou o admirável Frank, o cão falante e parceiraço do Agente James ou “J” (Will Smith), enquanto o Agente Kevin ou “K” (Tommy Lee Jones) vegetava nos correios. Homens de Preto 3 chega muito mais divertido e explosivo (?) que seus antecessores.


Baseado no roteiro simples, mas bem amarrado, de Etan Cohen, a comédia de ficção científica gira em torno do acerto de contas entre o vilão Boris, o Animal (Jemaine Clement), um ETs malvadão, com a cara do Danny Trejo (Machete), que quer se vingar do Agente K (Lee Jones), mas acaba tropeçando no decido Agente J (Smith), sempre interessado em saber mais sobre o seu mal-humorado e reservado parceiro. Esse encontro de vida e morte se dá quando Boris volta no tempo para matar o K e o J vai atrás para evitar o assassinato, acreditando que esta pode ser a única oportunidade de realmente conhecer o parceiro e amigo..., e alguns “segredos” do Universo. Quanto ao Frank? Se prestar atenção vai ver que ele está por todo lado, no presente e no passado.

O bacana nessa viagem no tempo é que até na “queda para o passado” tem gags espalhadas pelo caminho. A da Quebra da Bolsa é a melhor. O passado não fica atrás na preconceituosa Nova York de 1969, com seus hippies e “tipos estranhos”, como Andy Warhol (Bill Hader) e o seu famoso estúdio The Factory (A Fábrica) repleto de maluquetes. A garotada desligada talvez nem saiba quem foi Warhol (1928 - 1987), mas isso o Google resolve. Agora, genial mesmo é ver Josh Brolin interpretando o Agente K, aos 29 anos, com todos os trejeitos encarnado por Tommy Lee, e as tiradas do Agente J (parece improviso!) sobre a idade do parceiro e outras considerações. Algumas cenas do passado são espelho do futuro e mesmo que a piada se repita, ela sai diferente. Outra boa sacada é a dos codinomes que, juntos, ganham novos significados: JK, OK etc.


Os ETs (servidos nos restaurantes chineses) são bonitos e divertidos, mas quem rouba a cena, pela ordem, é o desmiolado Boris (que barbariza em 1969, inclusive com ele mesmo) e o angelical Griffin (Michael Stuhlbarg), um alienígena ansioso, de fala rápida (tipo Woody Allen), que “vive” num reino de múltiplas realidades possíveis e está sempre se confundindo com as visões do passado, do presente e do futuro. A grande novidade é a presença de Emma Thompson, no papel de O, ironicamente (uma mulher!) a nova chefe dos MIB, substituindo o misteriosíssimo recém-falecido Zed.

É difícil comentar Homens de Preto 3, com seu clima retrô, sem sentir uma coceirinha na língua para falar de muitos outros detalhes dos achados tecnológicos do roteiro. Mas isso estraga de vez a graça de ver a evolução de toda aquela “parafernália bélica” e também ao filme. Afinal este não é um Titanic e ou Romeu e Julieta que todo mundo sabe como começa e termina e mesmo assim vai ver. Prefiro deixar em aberto, já falei mais do que devia e, acredite, rindo só de lembrar das cenas hilárias do princípio e quase até o fim. Bom, o quase é por conta do que o Agente J descobre sobre o passado do Agente K. A revelação emociona mas, como diz Sonny, personagem no fascinante O Exótico Hotel Marigold: Tudo vai dar certo no final. Então, se não estiver tudo certo, é porque ainda não é o final.

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Crítica: Flores do Oriente



Quando se trata de atrocidades de guerra, muitos países procuram negar (sempre) e ou jurar desconhecer (sempre) qualquer “deslize” cometido por seus guerreiros no calor da ação. Por mais que a história prove o contrário alguns povos insistem na amnésia e inocência dos seus soldados “a serviço da paz mundial”. Conforme a ocasião, a memória vira bolha de sabão, bola de neve ou bola de ferro.

Flores do Oriente (Jin líng shí san chai - Flowers of War, China, Hong Kong, 2011), do diretor Yimou Zhang, é um drama que tem como pano de fundo o massacre de mais de 300.000 chineses (civis e militares) e o estupro de milhares de mulheres, homens e crianças, cometidos por militares japoneses, em 1937, quando o Império Japonês invadiu Nanquim. Estes crimes de guerra praticados durante a Segunda Guerra Sino-Japonesa (1937 - 1945) ficaram conhecidos (e são lembrados anualmente pelos chineses) como o Massacre de Nanquim ou o Estupro de Nanquim. Infelizmente este não é um caso isolado e ou “privilégio” indecoroso dos japoneses. Tamanha barbárie já foi cometida antes e continuou (?) na pauta de outros “povos” depois.


Baseado no livro As 13 Mulheres de Nanquim, da romancista Yan Geling, que colaborou com o roteiro de Liu Heng, o filme gira em torno de um grupo de civis abrigado em uma igreja católica, na tentativa de sobreviver ao cerco japonês à cidade. Inspirada em fatos reais, a história é narrada por Shu (Zhang Xinyi), uma adolescente que, na companhia de outras estudantes, está sob a proteção do jovem George (Huang Tianyuan). Entre os refugiados encontram-se também um agente funerário estadunidense, John Miller (Christian Bale), e 14 prostitutas, lideradas pela bela Yo Mo (Ni Ni). A relação entre todos é de desconfiança e terão que encontrar um ponto em comum nas suas diferenças (que são muitas) para enfrentar o sanguinário inimigo..., e o próprio medo.

Flores do Oriente é um ótimo melodrama. Ele emociona, provoca e também incomoda com algumas sequências violentas (nunca gratuitas). A uma mais intensa (assalto dos soldados a igreja) a alternativa é fechar (fisicamente) os olhos. Em vez de fugir dos clichês clássicos, piegas, tão comuns em dramas de guerra, Zhang procura dosar habilmente todos eles, inclusive o descartável altruísmo (tão caro ao cinema norte-americano) do beberrão e oportunista John. Um personagem meio inverossímil (ou seria fora de sintonia?), numa China dos anos 1930, mas que funciona bem como escada para os atos (possivelmente) mais heroicos de outros personagens. Por falar em heroísmo, preste atenção na emblemática cena final das 13 “mulheres” (congelada) por trás dos créditos, e decifre.


Alguns críticos viram exagero e até um certo revanchismo na personificação dos (apavorantes) militares japoneses, mas é bom que se diga (e se lembre) que os terríveis acontecimentos são narrados do ponto de vista de uma criança sujeita a violência física e psicológica. Acredito, porém, que estes militares não personificam apenas os japoneses, mas todos aqueles coniventes e praticantes de tais brutalidades em qualquer tempo. Assim como o fictício John (Bale) parece ser mais que uma caricatura do estrangeiro “caçador de relíquias” que (estranho numa terra estranha), diante da tragédia iminente, acaba agindo mais por instinto de sobrevivência do que de humanidade. Pode até ser que um cidadão egoísta (feito John) mude o seu comportamento, em uma situação extrema, e se torne solidário à dor alheia, mas se o fizer, creio, será movido pelo instinto de sobrevivência do tipo: salvando outros salvo a mim mesmo.

Também foi alvo de parte da crítica o valor de cada refugiado na difícil decisão final do grupo. É algo a se pensar. No entanto, o que leva à controversa (?) decisão, não é a diferença entre mulheres jovens e adultas, mas a sorte e ou o azar de (ao menos uma delas) estar no lugar errado na hora errada. Escolha do destino? Talvez! Todavia não parece ser essa a preocupação de Zhang ao discutir, mesmo que superficialmente, a presença de crianças e ou de prostitutas no campo de batalha, uma vez que, conforme o desenrolar dos eventos, todos estariam sujeitos à barbárie. A ele interessa mais compreender a razão de uma pessoa dar a sua vida pela de outra e ou se expor ao perigo para confortar um moribundo, o que (de certa forma) nos remete ao seu contagiante Nenhum a Menos (1999).


Os filmes de Yimou Zhang possuem uma aura fascinante, uma estética única no ritmo e dramatização da narrativa, onde a fotografia não é um mero registro da ação. A isso ele deve muito ao mestre Zhao Xiaoding que, em Flores do Oriente, impressiona com nuances em tons ocre e cinza (em quase todo o filme) e o minimalismo em pequenos detalhes, como a transbordante luminosidade do vitral da igreja e os coloridos vestidos das prostitutas. Em alguns momentos de beleza estonteante, que podem ser confundidos com pieguice barata, a fotografia de Xiaoding prescinde do texto criando uma atmosfera que vai muito além da palavra.

Acostumado a trabalhar com protagonistas profissionais e iniciantes, o diretor revela três bons novos atores: Ni Ni (Yo Mo), Zhag Xinyi (Shu) e Huang Tianyuan (George), e abre espaço para as marcantes intepretações de Tong Dawei (o corajoso Major Li), Atsuro Watabe (o dissimulado Coronel Hasegawa), Shigeo Kobayashi (o cruel Tenente Kato) e do apresentador de TV Cao Kefan (Sr. Meng, capaz de qualquer sacrifício para resgatar a sua filha Shu). Apesar da estranheza de seu personagem norte-americano no ninho chinês, Christian Bale tem uma interpretação correta. Para felicidade do espectador, esta produção (cujo tema, por vezes, a torna palatável ou indigesta) não é para brilhos isolados. O que a torna melhor quando se pensa sobre o seu enredo e no quanto somos traídos por uma leitura mais apressada. 

quarta-feira, 16 de maio de 2012

Crítica: Conspiração Americana



O que a grande maioria sabe sobre Abraham Lincoln é que, na noite de 14 de abril de 1865, enquanto ele assistia à peça Our American Cousin, no Teatro Ford, em Washington, o ator John Wilkes Booth, entrou no seu camarote, e atirou à queima-roupa. Depois, saltou para o palco, gritou: Sic semper tyrannis! (algo como: Assim sempre - acontece - aos tiranos!), e sumiu no tumulto. Lincoln morreu na manhã seguinte em decorrência do tiro na nuca. Booth fugiu e foi morto 12 dias depois.

Em 2010 Robert Redford filmou Conspiração Americana (The Conspirador, 2010, EUA), que estreou nos Estados Unidos da América em 15 de Abril de 2011 (of course!). Um ano depois (e após o lançamento em DVD e Blu-ray), ele estreia por aqui. Apesar do título, o drama não se ocupa em desvelar fatos relevantes ao obscuro assassinato do presidente norte-americano e ou sobre a conspiração (?) que, a se acreditar no roteiro raso (e confuso) de James Solomon e Gregory Bernstein, assim como o veredicto do tribunal militar, seria motivada por vingança. Um ato que o Tio Sam e seus sobrinhos estadunidenses entendem (e degustam) muito bem!


Curioso, mas superficial, Conspiração Americana trata especificamente do julgamento sumário de Mary Surratt (Robin Wright), dona de uma pensão onde teria se reunido o grupo do confederado John Wilkes Booth (Toby Kebell), que tramou o sequestro e posteriormente o assassinato de Lincoln. A curiosidade, no caso, vem da hipocrisia dos “representantes” do poder judiciário, escancarada pelo recém-herói da Guerra de Secessão e relutante advogado Frederick Aiken (James McAvoy), que se vê obrigado a defender a civil (Mary) diante de uma junta militar que já tem o veredicto. Como (historicamente) pouco se sabe sobre os outros assassinos do presidente norte-americano, aqui também não fica claro a participação de Surratt. O que reforça a ideia de que Redford está mais interessado na reação da lei ao ato terrorista (?) do que na ação criminosa.

Há quem diga que, nas entrelinhas, Redford está falando do 11 de Setembro, de Bush e de Guantánamo. Pode ser que sim. Pode ser que não. Afinal, no campo das artes cada espectador apreende o que quiser, uma vez que, dependendo do processo da informação, um “motivo” é (tão somente) o que é ou não. Simples, uns viajam no açúcar e outros no tabaco! Metáforas à parte, Conspiração Americana é um drama de tribunal que se desenvolve lento, com flashbacks redundantes. O excelente elenco é esforçado, mas os personagens (mal resolvidos?) não cativam. Nem mesmo o (razoável) embate sobre Direito Constitucional empolga ou tapa os buracos (falta de assunto) do enredo pouco inspirado. Depois de certo tempo a discussão (penal) que não é obvia, é puro clichê.

sexta-feira, 11 de maio de 2012

Crítica: O Exótico Hotel Marigold


Sempre que penso em filmes sobre o amor na maturidade eu me lembro de Caminhando sob a Chuva da Primavera (A Walk in the Spring Rain, 1970), estrelado por Anthony Quinn e Ingrid Bergman, com direção do britânico Guy Green (1913 - 2005), que vi na minha juventude. Não sei se a lembrança vem da beleza (oriental) do título e ou da singeleza (trágica) do seu enredo, que trata da relação extraconjugal entre um camponês e a mulher de um professor. Tem uma fotografia linda e uma emocionante sequência sob a chuva da primavera. Depois me recordo da inebriante sensação ao assistir (no Festival de Brasília) o antológico filme Chuvas de Verão (1977), com Jofre Soares e Miriam Pires (divinos!), sob a direção de Cacá Diegues. Não foram os únicos que vi (até hoje), mas os mais marcantes.

A causa dessa nostalgia incontida é a estreia de O Exótico Hotel Marigold (The Best Exotic Marigold Hotel, Reino Unido, 2012), do diretor John Madden, uma deliciosa comédia romântica (meio dramática) que traz no seu elenco alguns dos melhores atores britânicos. A trama gira em torno de sete personagens, todos na terceira idade e cada um com a sua razão para trocar a úmida Londres pela ensolarada Jaipur, na Índia, em busca de conforto e tranquilidade num hotel de luxo para idosos: Evelyn (Judi Dench) é uma mulher forte, mas que perdeu o chão ao descobrir-se viúva e endividada; o solitário Graham (Tom Wilkinson), juiz de Suprema Corte, é um homem em busca de redenção; Douglas (Bill Nighy) é calmo e Jean (Penelope Wilton) é estressada, um casal em constante pé de guerra; Norman (Ronald Pickup) e Madge (Celia Imrie), são apenas companheiros de viagem, porém fogosos; a xenófoba governanta Muriel (Maggie Smith) quer apenas tratar o quadril deslocado. Um grupo unido pelo acaso e cujo destino será decidido quando puser os pés naquele exótico país, com seus cheiros, sabores e cores, e descobrir que o tal resort não é exatamente o da publicidade. Mas Sonny (Dev Patel), o proprietário, fará de tudo para provar o contrário, já que: “Na Índia, temos um ditado: tudo vai dar certo no final. Então, se não estiver tudo certo, é porque ainda não é o final.


Baseado no romance These Foolish Things, de Deborah Moggach, o filme é um achado precioso na balbúrdia temática (de gosto cada dia mais duvidoso) que tomou conta das salas de cinema. Impressiona a delicadeza com que Madden trata alguns temas pertinentes como o sexo, o trabalho, a família, o preconceito, a solidão, o amor na terceira idade. Bem como a transformação que cada um passa ao se deixar envolver pela cultura e costumes locais. A narrativa não adoça os problemas que atingem inesperadamente os sete aposentados, apenas propõe um outro olhar (mais esperançoso) sobre eles. Leve e gracioso, O Exótico Hotel Marigold toca o espectador sem escandalizar e ou subestimar sua inteligência e sentimentos. Também porque não é preciso ser (ou estar) velho para compreender os percalços de se envelhecer numa sociedade a cada dia mais egocêntrica e egoísta. Nem tão pouco esperar sentado a morte chegar, já que ela pode vir a qualquer hora ou demorar.

O Exótico Hotel Marigold tem um charme especial e rema contra a maré de clichês, passa ao largo da pieguice e, apesar do retrato cru que desenha da terceira idade, troca a melancolia pelo bom (e estranho) humor inglês. Se o roteiro de Ol Parker tem a sua excelência, a interpretação de todo o elenco não fica atrás. Há veracidade em cada diálogo, gesto, olhar dos atores veteranos e também dos indianos. Que prazer assistir a quem sabe dizer o que quer dizer um texto. Mesmo quando mínimo ou sem o uso da palavra, como faz Tom Wilkinson em sua peregrinação para corrigir um “erro” que cometeu no passado. Que prazer assistir a oito histórias tão bem contadas e amarradas. Utópico ou não, funciona! 

quinta-feira, 10 de maio de 2012

Crítica: Battleship - A Batalha dos Mares



No princípio havia uma folha de papel em branco. Ela foi quadriculada e virou um tabuleiro. Palco perfeito para qualquer jogo de estratégia. Era (?) um tempo de avanços e recuos de nações na exposição de seu poderio bélico na terra, no mar, no ar. Era (?) um tempo de espiões. Era (?) um tempo de jogatina política. Era um tempo em que realmente se rabiscava tudo numa folha de papel em branco e tinha-se (?) um telefone (ou um telégrafo) ao alcance das mãos, ao se desvelar o segredo do “inimigo”. Um bom jogo de estratégia pode ser jogado nas mais diversas plataformas ou até mesmo sem elas. Em 1931 os amantes do Batalha Naval (antes rabiscado em qualquer pedaço de papel) adoraram a ideia da Milton Bradley Company lançar o jogo comercialmente. Ele virou febre, mania, moda, online, passou... Hollywood o redescobriu e resolveu inventar uma história infantojuvenil que o justificasse numa plataforma cinematográfica.

Quando se trata de guerra (real ou fictícia) os autoproclamados xerifes do mundo se arrepiam. Antes os estadunidenses se preocupavam com a Guerra Fria, hoje se atrapalham com a Guerra Quente. Assim, para não ferir sensibilidades europeias, arábicas e ou asiáticas, na falta de um oponente terrestre de peso, Hollywood decidiu trazer (ou seria convidar?) um do espaço sideral. Ah, pra quê!? Os recém descobertos goldilocksianos, a muito anos-luz do Havaí, aceitaram o convite enviado (em 2005) pela NASA e, em apenas sete anos, resolveram ver o que os havaianos tinham a lhes oferecer. Inebriados pela beleza e poluição do planeta, os ETs chegaram atropelando satélites e alguns edifícios na China (?), caindo no mar do paradisíaco arquipélago, prontos para trocar fogo com os ultranacionalistas marines norte-americanos, em exercício de rotina ali por Pearl Harbor.


Bem, todos sabem que ETs do mundo todo (e de fora dele) adoram odiar os Estados Unidos da América do Norte e ou seus domínios. Em Battleship - A Batalha dos Mares, com seu ufanismo-exaltação às velhas e novas forças militares (típica dos filmes do gênero), não é diferente. Mas poderia, se o rebelde sem causa (com potencial!) Alex Hopper (Taylor Kitch), não tivesse lido o clássico chinês A Arte da Guerra, de Sun Tzu, certo de que o autor era japonês (Hollywood está trocando jovens idiotas por panacas filosóficos) e se tornado (em apenas dois dias!) um estrategista militar incomparável. Só pode ser uma piada (ruim!).

Explico melhor: Alex é o vagabundo (com potencial!) irmão de Stone (Alexander Skarsgaard), comandante do navio USS Samson. Um belo dia, ao se apaixonar (à primeira vista) por Sam (Brooklyn Decker), filha do almirante Shane (Liam Neeson), comandante do navio USS John Paul Jones, atenta contra o bom senso, comete um delito e, como punição (!), vai servir a marinha já com um posto de oficial naval. Encrenqueiro (com potencial!), ele é motivo de chacota. Mas, como quem ri por último ri melhor, indiferente ao turbilhão de clichês, adivinha quem vai salvar o havaiano mundo norte-americano? Não responda ainda, porque, nesse festival de sandices americanófilas, você ainda pode “vibrar” ou “chorar” com o improvável brilho de um desafortunado marinheiro paraplégico (frustrado e perigoso!), um cientista bobalhão (mais veloz que o Flash!), um oficial japonês mais inteligente (?) que um oficial americano, uma fisioterapeuta sem noção, um soldado adolescente e a sua histórinha sobre lagartos, um punhado de marinheiros aposentados e caquéticos...


Battleship - A Batalha dos Mares (Battleship, EUA, 2012) é um filme de ação literalmente explosivo, do “roteiro” pífio de Erich Hoeber e Jon Hoeber (que só conseguiram acertar em RED) à direção equivocada de Peter Berg. Ele parece cumprir à risca a máxima do saudoso Chacrinha (Abelardo Barbosa): Eu estou aqui para confundir! Eu não estou aqui para explicar! Ou seja, sobra por quês do começo ao fim: Por que só tem duas mulheres no elenco, uma negra (no mar): Rihanna (a “especialista” em armas Cora Raikers) e uma loira (em terra): Brooklyn Decker (a “fisioterapeuta”), que não têm a menor ideia das suas “funções”? Por que o boné de Rhiana está sempre colado naquela peruca horrorosa (não cai nem quando ela afunda na água!)? Por que Raikers é a única marinheira a bordo? Por que os ETs e os humanos estão brigando? Por que um sujeito vagal feito Alex, em vez de ir para a cadeia vai para a marinha e, mesmo sem nenhuma experiência, torna-se tenente? Por que..., ah, me cansei.

Desastres à parte, possivelmente o mais comprometedor nessa produção milionária seja a montagem miserável. São tantos o buracos que, de duas, uma: ou esqueceram de filmar cenas que poderiam dar (!) algum sentido (?) à trama ou foram todas surrupiadas pelo montador. Diretor: da escola Michael Bay de futilidades, mas está a quilômetros do explode-mundos hollywoodianos (com involuntário humor trash) Roland Emmerich. Diálogos: para suicidar o Tico e o Teco. Efeitos especiais: explosões, aeronaves que mudam de forma mas (ainda!) não viram robôs transformers. Ets: lagartos (como sempre!) vestindo armaduras parecidas com as do Homem de Ferro e do Game Halo. Romance: ora, esse é um filme para a garotada que vai ao cinema facebookear e se entupir de pipoca e refrigerante. Enfim, só não é pior porque não é convertido em 3D.

terça-feira, 8 de maio de 2012

Crítica: Piratas Pirados!



O cinema tem dessas coisas, quando se pensa que nada mais pode esperar de um tema esgotadíssimo, como o de piratas, é surpreendido pela melhor paródia do gênero nos últimos anos: Piratas Pirados.

Piratas Pirados (The Pirates! Band of Misfits, EUA, Reino Unido, 2012) é mais uma divertidíssima animação stop motion (do estúdio Aardman) dirigida por Peter Lord (A Fuga das Galinhas). Baseada no excelente roteiro e no livro The Piratas! In an Adventure With Scientists, de Gideon Defoe, a trama (com muita ação pastelão) fala da desventurada venturosa vida do pirata Capitão Pirata e seu inabalável desejo de ser eleito (pelo menos uma vez!) o Pirata do Ano. Como ser uma celebridade tem lá o seu (alto!) preço, ele e a sua tripulação praticamente inepta (composta pelo o ponderado Pirata de Echarpe ou Número 2; o ingênuo Pirata Albino; a parruda mascote Polly; o velho Pirata da Gota; o (nada?) misterioso Pirata Curvilíneo com a “sua” barba ruiva; o multifuncional Pirata com Próteses) acabam se metendo em hilárias confusões, na tentativa de conseguir a maior pilhagem já vista nos sete mares e desbancar os premiáveis piratas de sempre: Black Bellamy e Cutlass Liz.


Nessa viagem em busca de ouro e fama, o vaidoso Capitão Pirata vai conhecer e arranjar um jeito de se livrar do solitário choramingas Charles Darwin (sequestrado do HMS Beagle), do seu serviçal “homempanzé” Sr. Bobo (Eu achei que dando a um macaco um monóculo e cobrindo a sua enorme buzanfa, ele deixaria de ser um símio e se tornaria um... “homempanzé”, digamos.), e da pérfida Rainha Vitória (Sinto ódio daquelas cantorias ridículas, dos seus chapéus ridículos e daqueles malditos rosnados intermináveis! Quero que os afunde, almirante. Estraçalhe. Esmague. Alimente-os aos tubarões! Ouviu bem? EU ODEIO PIRATAS!), todos interessados no papagaio Polly, o mascote do navio. Darwin quer provar que o papagaio é um “extinto” pássaro Dodô e ganhar o prêmio Cientista do Ano e a Rainha Vitória quer provar uma coisa mais substanciosa e ganhar o reconhecimento dos estadistas participantes do Rare Creatures Dining Club. Quanto ao Sr. Bobo, bem, ele não é levado a sério.

A saga dos azarados piratas, carregada de nonsense (Londres é a cidade mais romântica do mundo!), não subestima a inteligência de ninguém. Muito pelo contrário, aguça ainda mais com as “dicas” espalhadas em cada sequência. Se o espectador ficar esperto (é difícil perceber todas na primeira vez!) vai começar a rir antes da piada ser contada (atenção ao navio remendado com sobras de outros navios!). Um recurso também explorado (pela mesma esquipe) na fantástica animação Operação Presente, de 2011. A Conferência Anual dos Cientistas da Royal Society é antológica. Um misto de Irmãos Marx com Os Muppets.


A comédia, codirigida por Jeff Newitt, aposta no tradicional humor absurdo britânico e não deixa velhas e novas celebridades (escritores, personagens, cientistas, geógrafos, artistas, compositores) fora dos seus sete mares de satirização. Sobra até para o Homem Elefante, Jane Austen, Shakespeare e Elvis Presley. Nenhum dos “retratados” sai incólume desse mar salgado de doces tolices. Piratas Pirados que, pela inteligência dos diálogos, pode ser considerado um Monty Pithon para toda a família, deve agradar (em cheio) aos pais, por causa das inúmeras referências. Algumas remetem o espectador mais antenado ao (menosprezado pela crítica e público) engraçado e bom filme Piratas (1986), de Roman Polanski, estrelado por Walter Matthau.

Piratas Pirados é um belo e imperdível filme em inspiradíssimo 3D. A graça e a perfeição dos bonecos (de massa), aliadas a uma trilha divertida, às vezes, executada (ao vivo!) por alguns personagens, são um espetáculo à parte. Só não deixe a sala antes dos últimos créditos, pois o filme continua em diversos cartazes e vídeos espalhados pela tela. Acho que está pintando um forte candidato ao Oscar e outros prêmios cinematográficos.

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