domingo, 30 de dezembro de 2012

Ensaio Cinematográfico: A Indústria Radical



A Indústria Radical
Leitura de cinema como arte-inquietação
Organizado por Ravel Giordano Paz e Fabio Akcelrud Durão

Ao longo do século xx, ao passo que o desenvolvimento técnico revelava-se em toda a sua potência monstruosa e o capitalismo atingia seu auge com a imposição do American way of life, o cinema se afirmou com uma duplicidade que o marca até hoje: a de um grande negócio e uma grande arte. Os próprios recursos técnicos cinematográficos, assumidos como desafios estéticos ou meras vantagens, se instauram na base dessa duplicidade, e a alimentam permanentemente.

As respostas a essa tensão fundamental são tão diversas quanto o são os cineastas, senão os filmes, que se atreveram a enfrentá-la, e esta coleção de ensaios de vários autores, dividida em duas seções-provocações – "Clássicos, indomáveis?" e "Ágons contemporâneos" –, reúne uma pequena mas significativa amostra dessas possibilidades.

Se em Cidadão Kane, objeto do estudo que abre o volume, é ainda à grandeza interior do humano – embora tragicamente tolhida pela engrenagem do capital – que se presta o uso inovador dos recursos técnicos, o antiestetismo visceral da recente "estética" camp, sobre a qual se debruça o derradeiro ensaio do livro, escancara o desvalor extremo que passou a cercar o humano.

Portanto, se o caráter tão humanamente promissor do cinema é indissociável de sua dignidade estética, é nos extremos da desumanização que se põe à prova e, enfim, se realiza efetivamente esse "caráter": essa sempre dolorosa porquanto irrealizável promessa, do humano em tempos desumanos. Irrealizável ou realizável apenas como mentira consumada, e daí, talvez, a frequente necessidade de sabotá-la, como o fizeram, de formas diferentes, cineastas como Pasolini, Buñuel, Joaquim Pedro de Andrade, Glauber Rocha, David Cronenberg, David Lynch, Lars "von" Trier e Sérgio Bianchi. Ou então de levá-la a extremos que a reafirmem para além das lógicas instituídas: seja a dos renitentes maniqueísmos, o que vale para muitos dos citados e ainda para o Beto Brant de Crime delicado e para os documentários de Errol Morris e Eduardo Coutinho; seja a dos limites da vida regulada, como nos filmes de Herzog, documentários ou não, sempre demandantes de uma radicalidade viva.

A própria "fábrica de sonhos" e seus padrões são muitas vezes afrontados e desconstruídos nessas empresas radicais: e não apenas por cineastas (como os David: Lynch e Cronenberg) que transitam por ela, como por um Sérgio Bianchi que encena a agonística dos gestos dramáticos com o real da vida num diálogo com Machado de Assis; ou um Glauber Rocha cuja paródia delirante dos filmes de ação e glamour, em Terra em transe, cria um espelho sinistro – e, com ele, a consciência implacável – da alienação que mesmo os gestos estéticos radicais não eliminam. Gestos, no entanto, que não deixam de ressoar em nichos poderosos do próprio parque industrial, como atestam as leituras aqui empreendidas da trajetória do vilão singelamente cult-mainstream Darth Vader e dos clássicos do wersternestadunidense, com suas violentas tensões entre o imaginário, o real e o ideológico.

Ravel Giordano Paz



Em quinze ensaios,
um diálogo denso e complexo com o cinema.


• Citizen Kane: gosto de caos e plenitude / Suzi Frankl Sperber
• Édipo rei de Pasolini / Sílvia Maria Azevedo
• "Silêncio!... Filmando (a estupefação)": mutismos em Luis Buñuel / Julio Augusto Xavier Galharte
• O famigerado "baile" da sétima arte: antropofagia de códigos em Macunaíma de Joaquim Pedro (e Mário) de Andrade / Daniela Soares Portela
• Terra em transe: vida, paixão e morte do poeta / Antônio do Amaral Rocha
• Desconcertos de obras bravias: a ópera, o filme e a selva em Fitzcarraldo, de Werner Herzog / Fabiana Abi Rached
• Da fronteira entre o mito e a política: a formação nacional dos EUA nos filmes de faroeste / Cassiano Terra Rodrigues
• O crime delicado de Beto Brant e Felipe Ehrenberg / Paulo Moreira
• Mulholland em Hollywood, Hollywood em Mulholland: drive (with) me. David Lynch e histórias do cinema hollywoodiano / Lígia Maria Winter
• A dialética da intoxicação em Mistérios e paixões / José Carlos Felix, Charles Ponte e Fabio Akcelrud Durão
• Das entranhas em flor: Anticristo de Lars Trier / Ravel Giordano Paz
• Sérgio Bianchi, aprendiz de Machado / Antonio Manoel dos Santos Silva
• Filmes sem futuro: reflexões sobre fins e finais em documentários de Errol Morris e Eduardo Coutinho / Bruno Carvalho
• O Jedi de mil faces: construção e desconstrução da criatura – e do criador – da saga Star Wars / Ademir Luiz da Silva
• Pink Flamingos e a gênese do camp cinematográfico / Pedro Leite


A Indústria Radical - Leitura de cinema como arte-inquietação (408 páginas - R$70,00) - Nankin Editorial.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Crítica: O Impossível



Final de ano sem um inspirador melodrama cinematográfico (edificante), baseado em fatos reais (sempre) envolvendo estadunidenses superando (seus) limites físicos e mentais, a serviço da união e do amor em família..., não é fim de ano hollywoodiano. Mas, será que nessa Árvore de Natal, enfeitada com lágrimas brilhantes, corações abertos e risos de satisfação, há espaço para um enfeite estrangeiro, digamos, espanhol?

Parece que sim! Apostando na emoção sem limites, estreia O Impossível (Lo imposible, Espanha, 2012), filme-catástrofe hiper-realista, dirigido por Juan Antonio Bayona (O Orfanato), que tem como pano de fundo o tsunami que devastou a costa asiática no dia 26 de dezembro de 2004. Baseado na história real da família espanhola Belón, que virou a britânica Bennet (marketing?)..., o drama acompanha os dias de terror vividos pelo casal Maria (Naomi Watts) e Henry Bennet (Ewan McGregor), e seus três filhos: Lucas (Tom Holland), de doze anos, Thomas (Samuel Joslin) de sete e Simon (Oaklee Pendergast) de cinco, que passavam férias em Khao Lak e foram gravemente feridos e separados pelo acidente natural que atingiu a paradisíaca Tailândia.


O roteiro de Sergio G. Sánchez é seco, sem subtramas, vai direto ao nervo para contar a luta pela sobrevivência e reunião dessa família vitimada pelo devastador tsunami, que deixou cerca de 300 mil mortos. Uma família comum (entre muitas) que, durante o sinistro, não se distinguia muito de qualquer outra (local ou turista) sobrevivente, mas que protagonizou uma história “tão inacreditável que a gente não acredita” ser possível. O elenco se entrega com paixão (e dor!) aos seus papéis. Falar o quê da excelência de Watts e McGregor? É mais fácil elogiar a ótima estreia do expressivo Tom Holland e o cativante trabalho dos pequenos Samuel e Oaklee, que, com a naturalidade de qualquer criança, põe a reboque os grandes.

Bayona é preciso na direção de atores e de ação. A impressão é a de que, em se tratando de efeitos e cenografia, evita o exagero..., lhe interessa o essencial, o natural. Aí, o menos se torna muito mais e o que se vê na tela é apenas o que a vista alcança na vida real. O tsunami dura aproximadamente 10 minutos, mas o realismo das imagens é tão intenso e apavorante que parece infindável. Não há exploração gratuita do sofrimento dos sobreviventes desnorteados, apenas o seu registro. Nem mesmo a catástrofe vira espetáculo. Algumas das cenas mais aflitivas, vividas por Maria (Watts) e Lucas (Holland), são de uma delicadeza arrebatadora.


O Impossível não é totalmente isento de clichê. Tem uns dois sutis (válvula de escape?) dispensáveis e uma sequência inicial, no mínimo, estranha (ou fora de contexto!) em que o mar é mostrado como uma entidade maligna (?) à espreita dos incautos turistas na praia, na iminência do seu ataque. Realmente não consegui entender a “metáfora” do “mar monstro”, segundo o diretor e o roteirista. A exagerada trilha chorosa, digo, sonora, de Fernando Velázquez, irrita (!) nos momentos “chora coração!”.

Quem assistiu a docs e ou telefilmes na época, ou mesmo posteriormente, no cinema, ao Além da Vida (2011), de Clint Eastwood e ou o sul-coreano Tsunami, A Fúria do Oceano (2009), vai encontrar alguns pontos em comum, principalmente na reconstituição da avassaladora onda de 98 metros de altura. O bilhete deixado pela mulher de um sobrevivente, inclusive, apareceu em muitos telejornais, emocionando telespectadores em todo o mundo. Todavia, essas observações (muito pessoais) não chegam a sequer arranhar esta produção espanhola com padrão comparável ao melhor do gênero americano.  


O Impossível é visceral e não recomendado para quem tem estômago delicado e ou para quem gosta de se empanturrar de pipoca e refri. A narrativa é incômoda (ferimentos expostos, precariedade hospitalar) e, cá pra nós, é preciso ser muito sádico (ou estar faminto) para apreciar um lanchinho diante da desgraceira generalizada que se vê na telona. Enfim, cada um sabe do seu estômago. Ah, é aconselhável não esquecer o lenço (mesmo de papel). Nunca se sabe se vai ser útil para as lágrimas e ou...

sábado, 15 de dezembro de 2012

Crítica: As Aventuras de Pi



A certa altura da sua história (evolutiva) o homem conceitualizou o Divino nas Coisas da Natureza e a Ciência na Natureza das Coisas. Desde então o embate entre a Religião e a Ciência é contínuo..., e a Fé é um exercício de dois lumes a serviço do abstrato e do concreto.

As Aventuras de Pi, que não é um filme de aventuras, mas de reflexão sobre a essência de Deus, do Homem, do Animal e da Ciência, e por isso seria mais correto manter o título original A Vida de Pi (Life of Pi, EUA, 2012), é um momento raro no cinema, neste finalzinho de 2012 de bobagens homéricas nacionais e norte-americanas. Dirigido pelo genial Ang Lee, para quem não existe esse nhenhenhém de “infilmável”, As Aventura de Pi é uma das mais impressionantes viagens sensoriais (em qualquer “D”) já feitas no cinema. É impossível ao espectador ficar alheio à fascinante narrativa e ou aos incomparáveis efeitos especiais 3D (vale cada centavo!). Nunca o uso da tecnologia foi tão pertinente a serviço da sétima arte.


As Aventuras de Pi é baseado no premiado livro homônimo de Yann Martel, lançado em 2001. O autor se inspirou em uma passagem do livro Max e os Felinos, de Moacyr Scliar (1937 - 2011), publicado em 1981. As duas histórias (pelas sinopses) têm pontos em comum e ou divergentes em suas alegorias, envolvendo jovens perdidos em alto mar e na companhia ocasional um felino (jaguar e tigre). Na web há farto material sobre este caso que deu água pra muita praia. No YouTube pode ser visto um breve vídeo-depoimento de Moacyr Scliar, e no Portal Baixa Cultura pode ser lido, na íntegra, o texto-depoimento do escritor brasileiro sobre a polêmica apropriação da ideia central de seu livro. O fato de, a princípio, ter sido negada e depois confirmada, por Martel, a inspiração para a sua obra (que também não li), não tira o mérito da adaptação de David Magee e da belíssima realização de Lee.

O drama começa com o tranquilo Pi Patel (Irrfan Khan), já adulto e vivendo em Montreal, no Canadá, contando emocionado a sua fantástica história a um incrédulo escritor (Rafe Spall). O seu relato é curiosíssimo e a narrativa que vai se desenhando na tela é de encher os olhos, tirar o fôlego, provocar palpitações, tamanha é a sua beleza (também) visual. Quando nos damos conta do envolvimento com a divertida explicação lógica do seu estranho nome (Pi), na idílica infância (Ayush Tandon), e com os seus profundos questionamentos sobre religião e ciência, na inquieta adolescência (Suraj Sharma), felizmente é tarde demais. Cativos, só nos resta acompanhar extasiados a sua saga de náufrago, dividindo (também) o mar e o barco com uma zebra, uma hiena, um orangotango e um tigre conhecido por Richard Parker.


Pi Patel é um personagem tão atraente quanto aqueles que povoam as páginas da rica literatura indiana. A sua matemática de sobrevivência e observações sobre Deus (onisciente, onipresente, onipotente), a quem busca compreender desde criança, no hinduísmo, no catolicismo e no islamismo, é comovente. Talvez seja mais fácil perceber no outro, do que em nós mesmos (solitários na mesma cobrança e vítimas da idiossincrasia capital), que, aquilo e ou aquele que não se tange nos constrange. Ou como diz este belo poema curto de Helena Kolody (1912 - 2004), Viagem Infinita: Estou sempre em viagem./ O mundo é a paisagem/ que me atinge/ de passagem.

A intensa reflexão de Pi sobre a vida (em terra ou em mar) e a que nos serve a religião e ou a ciência quando a morte bate à porta, nos remete ao A Árvore da Vida (2011), de Terrence Malick, jogando luz em alguns “pontos obscuros” para o grande público. Não sei quanto o roteiro de Magee é fiel ao livro de Martel, mas Ang Lee deixa claro que está fazendo um filme e não um tratado, porém, sem fugir à discussão filosófica do seu desesperado personagem, sempre rápido na ironia que dispensa até a um kit de sobrevivência. Daí que, se o espiritualista vai por água abaixo o espirituoso assume o leme.


Pi Patel (personagem de si mesmo) e Lee (personificador do outro) são ilusionistas de belas (e às vezes trágicas) palavras e belas (e às vezes trágicas) imagens. Ambos contam e recontam a história do náufrago que sobreviveu por 227 dias em alto mar. Há um sabor agridoce na narrativa de ambos. Quando oralidade e cinema se confundem, palavras e imagens não se bastam na respiração suspensa do espectador que, ao final, deverá decifrar o que a luz esconde e ou a sombra desvela em cada relato.

Dizem que nem tudo o que brilha é ouro e ou que o substantivo é mais importante que o verbo e ou que o cinema é ilusão a 24 quadros (Peter Jackson, em O Hobbit, está apostando em 48)... Pi diz que “A fome pode mudar tudo o que você sabia sobre si mesmo.” Se, em sua desconcertante narrativa, Ang Lee nos conduz além de qualquer dogma cinematográfico, o seu fotógrafo Claudio Miranda, confundindo os nossos sentidos, deixa claro que na arte não existe ponto final.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Crítica: O Hobbit: Uma Jornada Inesperada


Depois de muito diz-que-diz e sai-não-sai, eis que finalmente, para a felicidade geral da nação Tolkieniana, estreia O Hobbit, que, de um, virou dois e três. O filme de aventura e fantasia, com ação muito bem calculada, chega cheio de novidades tecnológicas para todos os gostos e bolsos (2D, 3D, 3D High Frame Rate (HFR), IMAX). 

O Hobbit: Uma Jornada Inesperada (The Hobbit: An Unexpected Journey, Nova Zelândia, EUA, 2012), é baseado no clássico da literatura infantil O Hobbit, do escritor J.R.R. Tolkien. Aclamada pela crítica, a premiada obra acabou recebendo suaves alterações (ou ajustes) em edições seguintes e se tornou uma espécie de prólogo à saga literária O Senhor dos Anéis, cuja adaptação cinematográfica foi vista há quase dez anos.


Muita gente (sem ver o resultado!) anda dizendo que, ao contrário de O Senhor dos Anéis (com suas mil e tantas páginas), O Hobbit se bastaria em um único filme, alegando não haver material literário para três. Grande equívoco!  Julgar uma obra literária pela quantidade de páginas e um filme pela duração é simplificar a criatividade do seu autor, a capacidade narrativa do roteirista e do diretor. A excelência de um filme independe de sua metragem e muito menos da fonte inspiradora, que tanto pode vir de uma mera frase, uma nota de jornal, um poema, quanto de um romance enciclopédico. Para quem se deliciar com esta versão de O Hobbit: Uma Jornada Inesperada, os próximos “capítulos” são: O Hobbit: A Desolação de Smaug (2013) e O Hobbit: Lá e de Volta Outra Vez (2014).

Com roteiro de Fran Walsh, Philippa Boyens, Peter Jackson e Guillermo del Toro, o primeiro filme da nova trilogia, dirigida por Peter Jackson, é diversão de qualidade para novos e velhos fãs do Universo Tolkien. A narrativa bem-humorada, repleta de personagens e situações novas, acompanha a jornada épica do pacato e caseiro hobbit Bilbo Bolseiro (Martin Freeman), do Mago Gandalf (Ian McKellen) e de um grupo de 13 anões, liderados por Thorin Escudo de Carvalho (Richard Armitage), para resgatar o Reino de Erebor (terra dos anões), tomada pelo Dragão Smaug.


A viagem rumo às Terras Ermas é longa e perigosa o suficiente para que os 15 determinados guerreiros provem a união do grupo e a sua força e coragem no enfrentamento dos fantásticos: Trolls, Orcs, Wargs, Goblins... Nessa empolgante caminhada, onde são fortalecidos os laços de amizade e reatados os de confiança, Bilbo conhece o enigmático Gollum (Andy Serkis, sublime) e, de quebra, os dois protagonizam a melhor sequência da trama. Vale destacar também as brilhantes performances de Freeman, McKellen, Armitage..., e participações muito especiais de atores/personagens inesquecíveis que retornam à Terra Média: Ian Holm (Bilbo velho); Elijah Wood (Frodo); Cate Blanchett (Galadriel); Christopher Lee (Saruman); Hugo Weaving (Elrond); Orlando Bloom (Legolas).

O Hobbit: Uma Jornada Inesperada tem um bom ritmo (de leitura) e uma riqueza de detalhes impressionante. Gandolf diz que "Todas as boas histórias merecem embelezamento" e O Hobbit esbanja também nesse quesito.  Entre outras maravilhas, quem resiste à convidativa e graciosa aldeia dos hobbits e ou ao deslumbre de Valfenda? Tecnicamente (em 2D), é praticamente irretocável. O praticamente é porque, com tanto tecnologia, ainda me incomoda (desde a trilogia passada) a desproporção dos anões (que nunca estão do mesmo tamanho). A trilha sonora é bacana e o canto dos anões emociona.

Quanto à duração (que consome seis capítulos, mas parece tratar apenas de um), acredito que o prazer de ler e ver depende da história e do seu narrador. Se a narrativa é agradável você quer que ela demore o maior tempo possível. Se não, deixa a sala e ou fecha o livro.

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Crítica: O Homem da Máfia



Para o norte-americano, se algum tema não vira naturalmente filme, uma forçadinha no argumento sempre vem a calhar. Máfia é um deles, mexe e vira recheio vencido de comédia de gosto duvidoso ou tira-gosto de thriller policial embaraçoso, feito O Homem da Máfia, que leva a vida “matando suavemente” em plena crise econômica recente.

O Homem da Máfia (Killing them  Softly, EUA, 2012), de Andrew Dominik, chegado a um pastiche de Tarantino, sem o humor negro, e de Sam Peckinpah (1925 - 1984), sem a criatividade e ou conteúdo estético, é um típico cinema-pegadinha. Ou seja, engana (bem!) com seu preciosismo (de araque) e ares de “modernidade”. Baseado no livro Cogan´s Trade, de George Higgins, o roteiro pífio do próprio Dominik gira em torno de um acerto de contas entre bandidos falastrões de todas as classes sociais, porém igualmente estúpidos e ou imbecis. Verborrágica e capenga a narrativa acredita se bastar em conversa fiada sem fim sobre o órgão sexual masculino e variações sexuais, traições conjugais..., e “técnicas de punição exemplar”. Os conservadores escritores e roteiristas estadunidenses parecem felizes com as suas “descobertas” sobre as prazerosas funções “pecaminosas” do “dick”. Haja!!!!


A “trilha” condutora da “ação” é o áudio e, às vezes, alguma imagem televisiva, analisando a crise financeira, que afetou e também desorganizou o crime organizado. Enquanto os discursos de Bush e Obama, em plena campanha eleitoral, pipocam na telinha, três bandidos basbaques, Frankie (Scoot McNary), Russel (Ben Mendelsohn) e Johnny (Vincent Curatola), aproveitando uma “falha na segurança?” (me poupe!) e acreditando na impunidade (santa ingenuidade!), assaltam uma casa de jogo clandestino. Era para ser engraçado o assalto a uma casa cheia de caricatos mafiosos truculentos? Sorry!

Ora, ora, ora, hein..., os pés de chinelo não perdem por esperar (já o espectador com QI...!) porque a vingança da máfia, através do assassino de aluguel Jackie (Brad Pitt), será “maligna” (ou exemplar!). Conversa vai e conversa vem e conversa vai e conversa vem e entra em cena um tal de Mickey (James Gandolfini), matador grandalhão, beberrão e chorão, apenas para introduzir momentaneamente a única presença feminina no filme, a prostituta Hooker (Linara Washington), protagonizar um abominável erro de continuidade..., e depois sumir. O filme tem outros furos (sem ser de bala), mas deixa pra lá.

Assim, abusando de “diálogo” enfadonho clichê, discurso econômico-eleitoral clichê e violência clichê, a história se arrasta, ‘ironizando” a crise econômica, que não poupa nem os assassinos (obrigados a dar um descontinho básico pelo serviço), e o capitalismo de ocasião dos presidentes norte-americanos. É o suprassumo da inteligência clichê torrando a paciência dos (poucos) espectadores que resistirem a tentação de deixar a sala antes do pretencioso final.

Ah, além da violência em diversos ângulos de câmera lentíssima, O Homem da Máfia tem algumas músicas bacanas e excelentes performances de McNary e Mendelsohn.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Crítica: A Escolha Perfeita



Em Hollywood vira-se a câmera para todo e qualquer assunto que pareça cinematográfico. É claro que nem todo assunto resulta em um bom filme, por mais que force a barra. Se argumentos não faltam, o mesmo não pode ser dito dos roteiros pífios e diálogos ridículos. Mal que vem assolando também o cinema e a televisão brasileira com chulices.

Depois do bom e divertido Rock of Ages (2012), de Adam Shankman, com Tom Cruise, que não caiu no gosto popular, eis que nos chega A Escolha Perfeita, um outro bom e também divertido musical, cuja sinopse (e cartaz!) engana. Na verdade, A Escolha Perfeita não é assim exatamente um musical, mas um filme sobre a paixão de universitários (norte-americanos) pela música cantada a cappella (a capela), ou seja utilizando tão somente o divino dom (ou seria tom?) da voz.

A Escolha Perfeita (Pitch Perfect, EUA, 2012) é uma comédia leve (previsível desde o título) que aborda o universo de grupos musicais acústicos, formados por universitários estadunidenses, e as concorridas competições onde mostram todo o potencial da voz humana como um fascinante instrumento melódico. Recheado de velhas e novas canções pop, em deliciosos arranjos, o filme dirigido por Jason Moore, cujo público alvo é o adolescente e o jovem adulto, é uma versão suave do livro homônimo de Mickey Rapkin.


O roteiro de Kay Cannon acompanha a chegada de Beca (Anna Kendrick), aspirante a DJ em LA, na universidade e o seu envolvimento com o grupo vocal Bella, liderado pela intransigente Aubrey (Anna Camp), com franca colaboração da subserviente Chloe (Brittany Snow). O “famoso” grupo, depois do vexame da última apresentação, está sendo reestruturado e agrega meninas estranhas (deslocadas!), onde se destacam a “gorducha” Fat Amy (Rebel Wilson) e a suave e inaudível Lilly (Hanna Mae Lee), que roubam todas as cenas. Na subtrama, um relacionamento amoroso morno de Beca com o bom rapaz e bom cantor Jesse (Skylar Astin) e a rebeldia tardia (desajustamento social!?) da garota.

A Escolha Perfeita conta uma boa história (de superação e amadurecimento) com ironia e charme jovial, passando mais ou menos ao largo de dramas familiares e bullyng estudantil. Tem piadas para todo gosto (as politicamente incorretas sobre judeus estão entre as melhores). O casal de críticos, John (John Michael Higgins) e Gail (Elizabeth Banks), fazendo comentários ácidos sobre os conjuntos vocais são impagáveis..., lembra os dois velhos rabugentos de Os Muppets.


É um filme bacana e divertido na sua esquisitice. Porém, não fossem as “escorregadas” em (basicamente) três sequências de interferência escatológica (o público alvo deve gostar!) que quebram a harmonia da narrativa, feito uma voz desafinada atravessando uma boa canção, poderia ser muito melhor. O apêndice fétido que ataca o estômago sensível (às adversidades) de Aubrey e ou provoca uma briga (sem pé nem cabeça) entre duas gerações de cantores é mais uma daquelas gratuidades (rendosas?!) da qual Hollywood parece não querer abrir mão tão cedo.

Contratempos cômicos e dramáticos (ou referências: Glee, Fama) à parte, A Escolha Perfeita é uma produção com força musical para emocionar e contagiar o espectador. Tem um elenco competente e uma trilha razoável, que ganha muito com os arranjos a cappella. É um bom programa para fãs do gênero. Só pelos números musicais já vale uma olhadela.

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Crítica: A Origem dos Guardiões



Natal chegando e já começa a pipocar nos cinemas os filmes da época, tipo família, edificante, natalino e animações para todos os gostos e idades.

Fechando novembro, estreia a mais nova aposta da DreamWorks no que pode vir a ser uma divertida franquia muito (mas muito!) animada: A Origem dos Guardiões. Baseada na série literária The Guardians of Childhood (Os Guardiões da Infância), do premiado escritor William Joyce (do fascinante curta-metragem, ganhador do Oscar em 2012: The Fantastic Flyng Books of Mr. Morris Lessmore), o filme apresenta um estranho Conto de Fadas contemporâneo, a começar pela inusitada esquipe protagonista: Papai Noel, Bicho Papão (Pesadelo), Coelho da Páscoa, Fada do Dente, Sandman (Senhor dos Bons Sonhos) e Jack Frost.


São personagens que estão no imaginário das crianças (e ex-crianças) do mundo inteiro. Alguns são mais regionais, como o nórdico Jack Frost (relacionado ao frio, à neve), mas que a fantasia globalizante ajuda a popularizar. Bem, esses seres lendários foram reunidos numa espécie de “Liga Heroica do Mundo da Fantasia”, denominada Os Guardiões, para combater o Bicho Papão, que se prepara para espalhar seus piores pesadelos, principalmente entre as crianças, envolvendo a Terra numa escuridão eterna. É o embate entre a Luz (alegria) e a Treva (medo). Além de combater o mal, nossos heróis precisam fazer com que as crianças não os esqueçam e nem deixem de curtir a infância com muitas brincadeiras, dando asas à imaginação.   

A Origem dos Guardiões (Rise of the Guardians, EUA, 2012), dirigida por Peter Ramsey (Monstros vs. Alienígenas), traz alguma novidade aos temas (Natal, Páscoa, Fadas) excessivamente explorados, como por exemplo, um imenso Papai Noel tatuado, que deve ser muito mais engraçado na versão original, dublado com sotaque russo por Alec Baldwin. Aliás, a versão brasileira, infelizmente, descarta todos os sotaques e assim, quem optar pela dublagem nacional não ouvirá a voz de Hugh Jackman dando vida ao esquentado Coelho da Páscoa (especializados em artes marciais e mestre do bumerangue) ou Jude Law apavorando com o insinuante Bicho Papão (malicioso e perigoso).


A animação, com excelente ritmo e ótimo roteiro de David Lindsay-Abaire busca a originalidade, ou pelo menos um ponto de vista diferente do lugar comum, com seu Papai Noel tatuado, Coelho da Páscoa que parece um canguru, Fada dos Dentes que lembra um beija-flor, Sandman feito de areia dourada...  Porém, por mais interessante que seja a narrativa, alguns momentos remetem a outros filmes do gênero, como Operação Presente (2011), que também discutia a importância da criança e de ser criança imaginativa, além do seu valor para o adulto, reforçando a ideia de que o Natal é muito mais que um mero presente (de Papai Noel).

Uma referência cinematográfica aqui e outra literária acolá, no entanto, não tira nenhum mérito ou sequer ofusca o brilho dessa primorosa produção que traz sequências emocionantes, de pura poesia, protagonizadas por Jack Frost que, apesar de brincalhão (feito o adorável Saci Pererê), se sente deslocado nos dois mundos por não se lembrar do seu passado. Uma dessas cenas antológicas fala sobre o “eu” (O que somos? Como nos vemos? Como nos veem?) e define a personalidade do Papai Noel. Desconcertante!


Na sessão-cabine um crítico levou seu filho, de uns cinco anos, e o piá adorou o filme, tanto quanto o pai. Portanto, acredito que o belo desenho animado não vai provocar tédio nos espectadores acima dos doze anos. É um bom momento para se rever os conceitos da Páscoa e do Natal. Ou, ainda, se quiser, a quantas anda o seu relacionamento com filhos e netos e para onde foi a sua imaginação quando deixou de acreditar na magia (da vida).

Nota: A Origem dos Guardiões  não tem nada a ver com a impressionante animação australiana A Lenda dos Guardiões (2010).

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Crítica: Argo



Em Argo a realidade imita a ficção e a ficção imita a realidade para contar uma história tão absurda que, não fosse baseada em fatos reais, seria inverossímil até mesmo para uma ficção (B) hollywoodiana.  

O thriller político, com uma impagável subtrama cômica, narra fatos pouco conhecidos, relacionados ao resgate de seis norte-americanos, após a explosiva tomada da embaixada dos EUA, em Teerã, em 4 de novembro de 1979. Toda ação, pra lá de cinematográfica, só veio a público em 1997, quando o presidente Clinton revelou a operação da CIA que colocou em prática o mirabolante plano do agente Tony Mendez, especializado em exfiltração, em uma missão quase impossível: resgatar seis funcionários americanos asilados na casa do embaixador do Canadá, no Irã. É interessante ressaltar que, mesmo com a liberação de documentos, do lançamento livro Master of Disguise (2000), de Tony Mendez, e do artigo The Great Escape, que Joshuah Bearman escreveu para a revista Wired, em 2007, só agora, com este fascinante filme dirigido, produzido e estrelado por Ben Affleck, o fato ganha realmente notoriedade.


O prólogo é um breve e importante relato histórico, ilustrado com fotos, desenhos, noticiário..., que situa o espectador nesse imbróglio em que os EUA se meteram (como sempre!) lá nos idos de 1953 e até hoje pagam a conta. A excelência do roteiro de Chris Terrio, com base no livro de Mendez e na matéria de Bearman, busca foco narrativo na sequência de eventos após a tomada da embaixada americana, e na imaginativa trama elaborada pelo agente da CIA, Tony Mendez (Ben Affleck), para resgatar seis funcionários americanos refugiados na casa do embaixador canadense Ken Taylor (Victor Garber).

Argo (Argo, EUA, 2012) é o cinema que (independente da origem) dá prazer assistir. A direção de Affleck é o fiel da balança entre o suspense e o nonsense. Se por um lado a tensão prende o espectador à cadeira, por outro o humor sarcástico, a fina ironia (na homenagem e crítica a Hollywood) arranca boas risadas (não gargalhadas!). É que o plano elaborado por Tony Mendez, para resgatar os seis norte-americanos, consistia em criar uma falsa produção cinematográfica de ficção científica (tipo Star Wars) que seria rodada no Irã (Agente O’Donnell: Essa é a melhor ideia ruim que temos, senhor. De longe.), entrar em Teerã, vender o projeto, e sair de lá com os refugiados, como integrantes da equipe de produção. Para tanto, com o país em convulsão e todo e qualquer estadunidense na mira, Mendez precisava dar credibilidade ao tal filme e recorre, é claro a Hollywood, onde encontra o seu grande amigo John Chambers (Jonh Goodman), que o apresenta ao decadente produtor Lester Siegel (Alan Arkin), ambos atores em performances inspiradíssimas, e a tramoia da fictícia Studio Six Productions acaba saindo melhor que a encomenda.


Argo beira a perfeição. Ben Affleck dirige com muita segurança, o que deixa os ótimos atores em plena sintonia com a inusitada narrativa. Liberdade poética à parte, é um filme muito bem produzido (reconstituição de época, figurino, trilha), editado (William Goldenberg) e brilhantemente fotografado por Rodrigo Prieto, que “experimentou” de tudo (até Super 8) para resgatar aqueles dias de fúria e fazer as imagens do noticiário (que se vê na tela) parecerem reais. Um serviço de mestre que joga com a cor e a luz (e o granulado) para ressaltar ambientes e dar veracidade ao drama e ao cômico, enaltecendo a magia do cinema. Pois, como disse Tony Mendez: Era um jogo sem nenhuma regra, portanto era extremamente arriscado. O detalhe mais perigoso era o capricho das pessoas que estávamos tentando enganar. Não tínhamos como prever o que aconteceria - conosco ou com os reféns - se fôssemos pegos.

terça-feira, 30 de outubro de 2012

Crítica: O Mar Não Está Pra Peixe: Tubarões à vista!



No mundo da animação cinematográfica (?) os animais estão cada vez mais humanos (racionais?)..., haja idiossincrasia. No mundo da ficção cinematográfica (?) os humanos estão cada vez mais irracionais (animais?)..., haja barbárie. Sabe-se lá quem imita (ou inventa) quem!

Multicolorido e apresentando uma fauna aquática diversificada, O Mar Não Está Pra Peixe: Tubarões à vista! traz de volta o peixe-herói , em mais uma luta, praticamente solitária, contra o seu grande (e bota grande nisso) inimigo e rival tubarão Troy, que retorna “bombado” e mais malvado, para tentar dominar o recife e ficar de vez com a ingênua Cordélia, agora acasalada com e mãe de Junior. Ao saber que Troy (e sua gang de tubarões famintos) quer revanche, o estrategista decide treinar seus amigos cabecinhas de vento. Porém, as coisas não saem exatamente como ele planejou e para complicar aparece Dylan, um estranho no ninho, digo, no recife, com uma ideia mirabolante (um espectador constante de desenhos animados vai dizer: eu já vi isto!): montar um espetáculo musical subaquático e trazer humanos para assistir, criando ali uma área livre de tubarões. Bem, nem é preciso dizer que é uma onda de confusão atrás da outra quando os pretendentes a lutadores e artistas entram em ação.


O Mar Não Está Pra Peixe: Tubarões à vista! (The Reef 2: High Tide, EUA, 2012), dirigido por Mark A.Z. Dippé (do abominável Spaw), é uma animação muito animada para o público infantil, ali dos cinco aos dez, doze anos (no máximo!)..., passou disso a desanimação pode ser geral. O roteiro clichê-básico (capaz de entediar os mais velhos), recheado de referência ao cenário artístico pop, é simplório e explora a clássica história edificante e enaltecedora dos valores humanos, digo, aquáticos. Os personagens são facilmente reconhecíveis: herói; desastrado; destrambelhado; artista; esperto; malvado; traidor; inocente etc. Uma galeria de tipos (coadjuvantes) para todos os gostos, mas pouco cativantes. O humor é pastelão-infantil, com uma ou outra indiscrição para o público adulto e nenhuma música (?) ou sequência memorável.

Com uma narrativa rala e previsivelmente didática, na infantilização de um tema (sobrevivência), digamos, adulto, a animação fala um pouco de tudo: Broadway, filosofia oriental, truculência ocidental, cultura Jedi, traição, insegurança, lição de moral etc... Excetuando o peixe Junior, todos os outros animais aquáticos são adultos. Não há sequer um adolescente em crise, apaixonado e ou em pé de guerra com os pais..., coisa rara na animação, hoje em dia! Quem sabe no próximo filme, quando o Junior crescer. O alvo, sem dúvida, é mesmo a criançada despreocupada que (na falta de um assunto mais adequado) se contenta com uma musiquinha, uma dancinha e uma briguinha agitada em águas rasas.


No mundo da fantasia politicamente correta (ou quase) vale tudo (ou quase), até mesmo peixe carnívoro que não come (literalmente) peixe não-carnívoro. A animação tem alguns furos e sequências sem nadadeiras e nem cabeça..., não sei se algum pequeno espectador se importará com tais escorregadelas. O filme em 3D não chegou para a Cabine e não fez falta o efeito da moda. O traço dos cenários e dos multicoloridos personagens é simples e simpático, às vezes lembra um protetor de tela (pouco sofisticado) aquário. A dublagem (em português), com seus chiados cariocas, incomoda que está acostumado com legendas. 

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Crítica: Gonzaga - De pai pra filho



A retomada do cinema brasileiro (de qualidade!) tem feito o espectador (re)conhecer e se (re)descobrir parte de um país de contrastes e de confrontos socioculturais que volta a mostrar a sua cara nas mais diversas leituras e linguagens. Viva o Brasil no cinema de novo! No cinema que não tem vergonha de ser dramático, musical, polêmico ou cômico..., sem perder a classe! É claro que tem aquele telepúblico que (ao trocar a sala de casa pela do cinema) ainda prefere comédia padrão-lixo-tv, só para falar mal. Mas..., quem sabe um dia ele acaba entrando numa sala errada (eu vivo dizendo isso!) e dá de cara com um filme que realmente faça valer o preço do ingresso, como o excelente Gonzaga - De pai pra filho.

Dirigido por Breno Silveira (de Os 2 Filhos de Francisco), que lançou recentemente o comovente À Beira do Caminho (inspirado em músicas de Roberto Carlos), Gonzaga - De pai pra filho (Brasil, 2012), é a cinebiografia de dois ícones da musica brasileira: Luiz Gonzaga do Nascimento (1912 - 1989), o Gonzagão, e Luiz Gonzaga do Nascimento Junior (1945 - 1991), o Gonzaguinha. Cada um, a seu tempo, viveu intensamente a sua vida (nos palcos e, às vezes, em família) numa época (?) de mandos e desmandos (da sova ao cala-boca!). Uma história de amor e de dúvidas sobre um pai e um filho separados e unidos pela música e pela vida estradeira, que precisaram de décadas para curar mágoas e, finalmente se conhecerem. Um filme onde o DNA é o que menos importa.


Para Breno Silveira, que novamente se debruça sobre um assunto musical: Não são biografias que me interessam, mas boas histórias, que emocionem e toquem em questões universais, sentimentos que digam respeito a todas as pessoas. Eu gosto de falar de laços. Há sete anos, a Marcia Braga, produtora, e a Maria Hernandez, idealizadora do projeto,  me procuraram com umas fitas cassetes gravadas pelo Gonzaguinha, em que ele tentava resgatar a história do pai, através de 15 horas de conversa entre os dois. Quando eu comecei a escutar, em cada fita eu percebia a emoção deles e ia me emocionando também. Fiquei impressionado ao entender que pai e filho estavam se conhecendo ali.  Até que, numa das últimas fitas, o Gonzaguinha dizia: “Estou entrando no sertão, sertão que era do meu pai. À minha direita tem uma lua... Deve ser ele, o Velho Lua me olhando... Eu não conheci meu pai direito e, amanhã, é o enterro dele”.  Fiquei emocionado e com vontade de contar essa história.


Livremente inspirado pelas biografias de Luiz Gonzaga e Gonzaguinha e pela obra Gonzaguinha e Gonzagão, Uma História Brasileira, de Regina Echeverria, o filme se passa entre os anos 1920 e 1980. O roteiro de Patrícia Andrade traça um perfil abrangente (e comovente) da carreira musical de Luiz Gonzaga e parte da carreira de Gonzaguinha, com pinceladas significativas das suas conturbadas vidas em família, no sertão (Exu-PE) e na favela (São Carlos-RJ). O grande foco da narrativa, que abre luz para a carreira de Luiz Gonzaga, é a discussão da relação e o acerto de contas entre o pai (inconstante), sonhando em conquistar o mundo, e o filho (amargurado), querendo sumir no mundo.

O ótimo elenco traz atores profissionais e não-atores em desempenhos fascinantes. Para viver os músicos foram escolhidos seis atores: Land Vieira (Gonzaga: 17/23); Chambinho do Acordeon (Gonzaga: 27/50); Adélio Lima (Gonzaga: 70); e Alison Santos (Gonzaguinha: 10/12); Giancarlo Di Tommaso (Gonzaguinha: 17/22); Júlio Andrade (Gonzaguinha: 35/40). O sorriso iluminado da cada Gonzaga emociona, mas a caracterização mais impressionante ficou com Júlio Andrade, perfeito como Gonzaguinha.


Aliás, Júlio é protagonista de um fato interessante que merece constar no folclore cinematográfico. Segundo Breno: No primeiro dia de testes, adentrou o estúdio um cara igual ao Gonzaguinha. Com jeito arrogante, cigarro na mão, magro, barbudo, ele perguntou: “Posso cantar?”. Eu disse que sim, claro.  Para minha surpresa, a voz, o jeito, tudo era igual ao do personagem. Achei que tinham levado um sósia para lá. Mas quando dirigi a primeira cena, entendi que eu estava de frente para um grande ator. Só depois fui saber que era o Júlio Andrade, que se caracterizou para ganhar o papel. E segundo Andrade: Há cinco anos eu conheci a Maria Hernandez, que me contou sobre o projeto do filme. Eu tenho todos os discos do Gonzaguinha, queria muito fazer esse trabalho. Era um fã querendo fazer seu ídolo. E eu comecei a falar isso para todo mundo, até que meu nome chegou aos ouvidos dos produtores de elenco que me chamaram para o teste. No dia, fui de barba, sobrancelha cortada, peruca, roupa anos 80 e sandália. Eu não conhecia o Breno e cheguei lá com uma postura arrogante e ele só me olhava e ria. Contei da minha história com a obra do Gonzaguinha e cantei a música 'Feliz'. Dois dias depois, a Cibele Santa Cruz disse que o papel era meu. Foi a maior alegria da minha vida.


No afinado elenco também se destacam: Claudio Jaborandy, encarnando o sofrido Januário, pai de Gonzaga; Nanda Costa, como Odaléia Guedes, primeira esposa de Gonzaga e mãe de Gonzaguinha e Roberta Gualda no papel de Helena Cavalcanti, segunda esposa de Gonzaga; a linda Cecília Dassi faz uma graciosa Nazinha, primeira namorada de Gonzaga, e Silvia Buarque vive a sofrida e bondosa Dina, madrinha-mãe de Gonzaguinha que, na companhia de Xavier Pinheiro (Luciano Quirino), o primeiro parceiro de Gonzaga, criou o menino. Dina recebeu uma bela homenagem de Gonzaguinha em: Com a perna no mundo (Gonzaguinha da Vida, 1979): Acreditava na vida/ Na alegria de ser/ Nas coisas do coração/ Nas mãos um muito fazer (...) Sentava bem lá no alto/ Pivete olhando a cidade/ Sentindo o cheiro do asfalto/ Desceu por necessidade (...) O Dina/ Teu menino desceu o São Carlos/ Pegou um sonho e partiu/ Pensava que era um guerreiro/ Com terras e gente a conquistar/ Havia um fogo em seus olhos/ Um fogo de não se apagar (...) Diz lá pra Dina que eu volto/ Que seu guri não fugiu/ Só quis saber como é/ Qual é/ Perna no mundo sumiu (...) E hoje/ Depois de tantas batalhas/ A lama dos sapatos/ É a medalha/ Que ele tem pra mostrar (...) Passado/ É um pé no chão e um sabiá/ Presente/ É a porta aberta/ E futuro é o que virá, mas, e daí? (...) ô ô ô e á/ O moleque acabou de chegar/ ô ô ô e á/ Nessa cama é que eu quero sonhar/ ô ô ô e á/ Amanhã bato a perna no mundo/ ô ô ô e á/ É que o mundo é que é meu lugar.


Do baião ao popular, Gonzaga - De pai pra filho traz no seu repertório uma bela seleção da música (sem fronteira) dos dois protagonistas. O pai gonzagueando o baião e o filho gonzagueando a canção. Ritmos norteando gerações. O sentimento de protesto em dois pontos de vista. A seca na sanfona retirante. A grita estudantil no violão. Duras realidades. Duas realidades. As 15 músicas de Gonzaga (o único Rei do Baião) e as 3 de Gonzaguinha dispensam comentários.  Antes que o espectador fã de Gonzaguinha reclame que, de tantas pérolas do compositor, apenas 3 fazem parte do colar melódico, não custa lembrar que o grande foco da biografia cabe ao seu pai. A superprodução, com excelente reconstituição de época, é muito bem emoldurada pela exuberante fotografia de Adrian Teijido. Um filme para matar saudades e preconceitos!
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...