quinta-feira, 29 de março de 2018

Crítica: Jogador N.º 1



Jogador N.º 1
por Joba Tridente*

Steven Spielberg é um diretor que ao longo de sua carreira vem alternando com naturalidade, mas nem sempre com a mesma qualidade, a direção de dramas e dramalhões (para adultos) com a direção de filmes de ação e aventura com pitadas de suspense e mistério (para jovens de todas as idades) que, a mim, é onde se sai melhor. Da sua verve melodramática, cito apenas Lincoln (2012) e The Post - A Guerra Secreta (2017). Já da fase mais divertida gosto da grande maioria, com alguma ressalva.

Jogador N.º 1 (Ready Player One, 2018), baseado no romance de ficção científica homônimo de Ernest Cline, do qual só li a sinopse que se desvela diferente do filme roteirizado pelo autor e Zak Penn, é uma experiência visual e tanto. A história catastrofista, situada em 2045, apresenta uma parcela dos norte-americanos enfrentando crise energética sem precedentes. Sinais de pobreza são visíveis na periferia de Columbus, Ohio, onde proliferam as favelas (ou pilhas) de contêineres que servem de moradia aos mais miseráveis. Em vez dos androides/replicantes de Blade Runner, perambulando pelas ruas e interagindo com humanos, encontramos pessoas manipuladas por um programa de realidade virtual inspirado na cultura pop dos anos 1980/1990, chamado OASIS, criado pelo visionário James Halliday (Mark Rylance), com uma multiplataforma onde os obcecados jogadores podem jogar, estudar, trabalhar, viajar por mundos além da imaginação..., e assim “esquecer” ou camuflar os dissabores da vida.


Com a morte de Halliday, a nova onda dos viciados usuários é colocar os seus avatares à caça de três chaves especiais, escondidas no hipnotizante mundo virtual, que darão ao vencedor humano o prêmio Easter Egg (Ovo de Páscoa) e o direito a todos os bens do criador do jogo eletrônico, incluindo o controle do OASIS, conforme seu testamento. Nessa alucinante e alucinada caça ao tesouro trilionário, aos modos do clássico Deu a Louca no Mundo (1963), de Stanley Kramer, encontramos o time da “utopia”, formado por Wade Watts/Parzival (Tye Sheridan), Art3mis (Olivia Cooke), Aech (Lena Waithe), Daito (Win Morisaki) e Shoto (Philip Zhao), e o time da “distopia”: Nolan Sorrento (Ben Mendelsohn), CEO da “Division Oology” na Innovative Online Industries (IOI), e seu “exército” de nerds e geeks e gamers.

Jogador N.º 1, dirigido com empenho por Steven Spielberg, é uma inebriante viagem retrô por uma montanha russa com mais de duas horas de trilhos em rota de colisão com personagens e objetos (de desejos) populares de videogames, música e filmes dos anos 1980/1990. Acredito que o grande público (alvo) adolescente não tem o menor conhecimento da maioria deles..., não que faça alguma diferença para se acompanhar (com interesse e ou enfado) a peleja dos avatares protagonistas com os enlouquecidos obstáculos. Talvez por isso algumas cenas-referências, como a do Hotel Overlook (de O Iluminado, do Stanley Kubrick, 1980), são bem explicadinhas.


Ah, é bom saber que a quase totalidade desses “saudosistas” encontros ou topadas com trocentos personagens são tão rápidos (e toscos) que se o espectador piscar já era. O que também não faz a menor diferença na história reconhecer algum personagem que atravessa a tela feito o The Flash e ou agir como se estivesse à procura de Wally, da série de livros infantojuvenis Onde está o Wally (1987), ilustradas pelo britânico Martin Handford.

Excetuando os personagens e as coisas realmente mais célebres, o que se “vê” são bandos de coadjuvantes estranhos que, no máximo, valem um risinho e uma cutucada no amigo ao lado. As sequências pouco maiores trazem ícones como o Robô Gigante (de O Gigante de Ferro, do Brad Bird, 1999), já visto no trailer, e outros muito mais populares, até mesmo de Spielberg, que seria sacanagem revelar aqui. Provavelmente, depois de ouvir falar em Buckaroo Banzai, você vai querer assistir ao cultuado filme de ficção científica As Aventuras de Buckaroo Banzai (1984), de W.D. Richter.


Jogador N.º 1 é um bom filme-passatempo. Esteticamente é bonito, mas deve empolgar mais a quem tem intimidade com games e fica na torcida dos jogadores profissionais em campeonatos de jogos eletrônicos tão em voga..., ou a quem se basta com um fiapo de trama (clichê) que vai desfiando ao longo da narrativa até sobrar nada ao se deixar a sala de cinema. É uma pena que o roteiro (raso e escapista) não vá além da aventura virtual de um grupo de jovens ambiciosos contra um grupo de empresários ambiciosos na caça de um tesouro que pode livrar o primeiro de uma vida miserável (mas não do aprisionamento à tecnologia virtual) e dar ao segundo o controle mundial de um lucrativo jogo virtual viciante. O curioso é que, embora seja um filme juvenil que transpira a moral spielberguiana, não há jornada do herói de nenhum dos adolescentes na disputa de inteligência (artificial e humana).


Enfim, considerando que, tecnicamente, em sua mistura de atuação real (20%?) com animação (80%?), Jogador N.º 1 utiliza o que há de mais atual em CGI fotorrealista, aproximando-o, em efeitos especiais, ao Valerian e a Cidade dos Mil Planetas (2017); que o elenco de atores é eficiente (com destaque para Mark Rylance, entre os humanos, e i-Rok entre os avatares animados) e dá conta dos seus limitados personagens; que o tradicional relacionamento traumático entre pai e filho, está em cena, mas (felizmente!) de forma bastante subjetiva  e metafórica; que tem algumas músicas bacaninhas; que carece de humor (só ri amarelo duas vezes!) e a ação praticamente contínua pode cansar quem não é um gamer..., levando se em conta que é um filme de ficção científica (bem) infantojuvenil repleto de ação e aventura da grife Spielberg, diretor que, por mais redundante que possa parecer, ainda satisfaz às expectativas de muitos fãs adultos, se gosta do gênero fantasia e ação, vá e tire as suas próprias conclusões. As minhas (com alguma rabugice) são apenas mais umas entre dezenas de considerações críticas mundo afora!


*Joba Tridente: O primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros vídeo-documentários fiz em 1990. O primeiro curta (Cortejo), em 35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003), de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba.

domingo, 25 de março de 2018

Crítica: Madame



MADAME
por Joba Tridente*

Temas sociais, no cinema, podem ser tão interessantes e reflexivos, quanto irritantes, principalmente se (tão somente) partidários. Depende muito da linguagem, da intensidade do roteiro, da amplidão do contexto, do direcionamento e coerência do discurso. O cinema de mim pra mim mesmo, que só fala para iguais claudica e estaca pouco além de sua aldeia, sobretudo se maniqueísta. Para dialogar com o inimigo (?) faz-se necessário um bom jogo de cintura, flexibilidade, no mínimo, razoável..., e uma boa dose de humor (preferencialmente humor negro e jamais humor grosseiro). Pois, se apreende muito mais com mensagem subliminar do que com semente de abacate goela abaixo.

Madame (Madame, 2018), filme francês (em língua inglesa), dirigido por Amanda Sthers, escritora, dramaturga, roteirista e cineasta francesa, na sua segunda incursão no cinema (estreou em 2009, com Je vais te manquer), traz a público uma curiosa crônica de costumes burgueses contemporâneos (?). Uma sátira social saborosamente meditativa e aparentemente leve, em sua pluralidade multicultural. Um conto de princesa, abóbora e ratazanas.


Era uma vez... Numa vistosa casa em Paris, o rico casal americano Anne (Toni Collete) e Bob (Harvey Keitel) passa uma temporada de luxo. Ali, a vida corre às mil maravilhas entre patrões ostensivos e empregados invisíveis. Cada um sabe exatamente o papel que lhe cabe e principalmente a sua posição no tabuleiro de xadrez do mercado capitalista que “gera” oportunidades de trabalho para imigrantes. Diz o senso que patrão manda e empregado acata. Certo? Bem, hoje em dia (?) há controvérsias!

O casamento de madame Anne não está assim um donuts..., tampouco as finanças de Bob, mas a aparência é tudo, principalmente em Paris. Levado a negociar uma Santa Ceia de Caravaggio, para honrar compromissos, o casal decide oferecer um suntuoso jantar para um seleto grupo de 12 amigos europeus, entre eles o negociante de arte britânico David Morgan (Michael Smiley). Porém, toda via do azar com suas encruzilhadas, o alcoólatra e escritor (ou vice-versa) Steven (Tom Hughes), filho do primeiro casamento de Bob, aparece de surpresa e o pai o convida para esse encontro de celebridades. A supersticiosa Anne, ansiosa para resolver a tragédia do fatídico número de “13 de convidados” e sem tempo para mais um convite, decide transformar a sua governanta Maria (Rossy de Palma, a musa de Pedro Almodóvar, Jean-Paul Gaultier e Thierry Mugler), de pessoa simples a misteriosa e nobre espanhola, para compor o grupo..., com a recomendação dela beber e falar o mínimo.


Mas..., assim como na origem da crendice que azara o número 13, na Mitologia Nórdica, envolvendo o Deus da Trapaça Loki, como o 13º convidado que entrou de penetra num Banquete Celestial para 12 e provocou a morte de Balder, o Deus da Paz..., querendo fazer gracejo e ou tirar proveito da situação ridícula, o insolente Steven insinua para David, atraído pelo porte picassiano de Maria, os títulos e riquezas dela na Espanha. Daí que, antes que se dê conta do que está acontecendo, para desespero da maquiavélica Anne, a governanta (temporariamente promovida a nobre) Maria começa a namorar o apaixonado David. É claro que, como em todo bom Conto de Fadas, a invejosa madame real fará de tudo para acabar com a felicidade romântica da inocente madame forjada. Porém, até mesmo em um conto de princesa e príncipe de meia idade, quando se joga com o Destino, só após a cartada final se sabe quem fica e quem deixa a mesa. Estão abertas as apostas!


Madame fala (com muita propriedade) da tênue linha que liga a submissão à opressão funcional, por onde se equilibram os empregados domésticos (sujeitos às contingências dos patrões). O disfarce que “iguala” classes sociais diferentes, dando também status de madame a uma mera governanta imigrante, não vem de uma oportunidade, de uma brincadeira de ocasião (enquanto a patroa não vem), mas de um imposição social da senhoria...,  e se continua, é por mera dependência capital da burguesia despudorada capaz dos piores golpes para satisfazer seus desejos pessoais e materiais. Quanto ao imbróglio que enreda e amordaça a gentil Maria, embora no desenrolar da trama se saiba das reais intenções do trapaceiro Steven ao ampliar a farsa da misteriosa espanhola, a profundidade alcançada pela flecha da mentira no coração de David é incerta. Ainda que na bela sequência final (após a tormenta - numa metáfora arrepiante - a bonança parecer subjetiva) ele dê uma dica.

Se você é um cinéfilo e chegou até aqui, provavelmente está pensando que já viu alguma história (de Cinderela por um dia) parecida no cinema e ou na tv. É possível, ao menos na “troca” de identidade. O que difere e distingue a curiosa trama de Madame daquelas em filmes melodramáticos, onde personagens femininas simplórias oportunamente vasculham o guarda-roupas da patroa, se disfarçam (por diversão) em pessoas de classe alta e vivem um bela história de amor (“com beijo na chuva e final feliz”), é o modo como Amanda Sthers escancara a relação de aparência (“Ela é da família!”) entre empregados (invisíveis) e patrões (ostensivos), sem fazer alarde. Afinal “gente fina”, no alto da sua mentalidade burguesa, não gosta de escândalo..., porque expõe as suas mazelas cuidadosamente maquiadas.


Na arte, cada espectador absorve aquilo que o satisfaz (ou o entretém). Desse modo, o que me pareceu grandioso em Madame, pode ser repelido por um espectador que “esperava mais do discurso social” e ou ficou insatisfeito com o nível dos diálogos ácidos servidos em pratos salpicados de racismo e gotas de sexismo com pinceladas de assédio, no refinado banquete. Que me desculpem os críticos adeptos do politicamente correto, não dá pra se sentir ofendido diante de um cardápio que troça igualmente do estereótipo (?) dos norte-americanos, dos britânicos, dos franceses, dos irlandeses, dos espanhóis... Ah, o modus vivendi de cada um, que nos aproxima e nos distancia na “aldeia global”. A cada dia é mais difícil saber (ou traduzir!) o que é idiossincrasia e o que é hipocrisia étnico-racial.


Por conta do roteiro conciso de Sthers e Matthew Robbins, a narrativa (onde menos é bem mais do que se vê e ou se lê), em algum momento, pode dar a impressão de irregularidade no desenvolvimento dos arcos paralelos e mesmo dos personagens. Mas são pontos irrelevantes, meramente reforços ilustrativos (até descartáveis) que não influem na essência do enredo elegante e divertido que nos faz refletir sobre a fragilidade das relações sociais (nem sempre humanas).

Enfim, com sua narrativa bem humorada (às vezes melancólica, é verdade) que não exige do público nenhuma formação em sociologia ou antropologia para entender e ou se ver nas entrelinhas, Madame, que traz a expressiva Rossy de Palma roubando as cenas do excelente elenco, faz valer o seu ingresso pela cadência com que apresenta o desenrolar de uma história social (crítica na abordagem do racismo, da relação de trabalho doméstico, do sexo de conveniência) de forma direta, sem ranço de tese acadêmica partidária. Não é nenhuma obra-prima e muito menos o filme definitivo sobre o assunto, mas, com certeza, dá muito o quê pensar e discutir após a sessão..., inclusive sobre alguns achados (sombra e luz) técnicos!


*Joba Tridente: O primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros vídeo-documentários fiz em 1990. O primeiro curta (Cortejo), em 35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003), de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba.

sexta-feira, 23 de março de 2018

Crítica: Círculo de Fogo: A Revolta



Círculo de Fogo: A Revolta
por Joba Tridente*

Fã incontestável da fantasia de ficção científica Círculo de Fogo (Pacific Rim, 2013), fiquei surpreso e revoltoso ao saber que a (desnecessária) continuação Círculo de Fogo: A Revolta (Pacific Rim: Uprising, 2018) não seria também dirigida por Guillermo del Toro (A Forma da Água), mas pelo novato em cinema Steven S. DeKnight. Esta sequência, embora tenha ocupado a mente de quatro roteiristas (entre eles DeKnight), está muito aquém do impactante filme anterior, com a história original de Travis Beachan roteirizada por ele e del Toro. O que não quer dizer que não tenha material para agradar a um público (menos exigente) chegado a uma diversão passageira e esquecível com robôs e monstrengos alienígenas.


Passaram-se dez anos desde a morte do heroico Comandante Stacker Pentecostes (Idris Elba) em combate submarino com os Kaijus (Monstros Gigantes, em japonês). Agora que já não há mais carne, escama, estrume, piolhos etc dos lagartões para comercialização, a nova onda de muitos oportunistas, em meio ao caos, é roubar partes metálicas e eletrônicas das carcaças dos velhos robôs Jaergers (Caçadores, em alemão) e vender no próspero mercado negro. Um dos marginais catadores de “relíquias” é Jake Pentecostes (John Boyega), filho (sequer citado no filme anterior) do lendário Comandante Pentecostes e irmão da ex-piloto Mako Mori (Rinko Kikuchi), adotada ainda criança pelo seu pai (como se viu em sequência irretocável no filme anterior).

Toda via da virtude (tardia) no entanto, este rebelde sem causa, que já foi um promissor piloto de Jaerger, vai rever seus “instintos” criminosos ao se defrontar com a ladra adolescente prodígio Amara (Cailee Spaeny) e os dois forem parar no posto militar e centro de pesquisa onde Mako e o piloto Nate Lambert (Scott Eastwood) cuidam do treinamento de um grupo multiétnico de jovens. Por outro lado, enquanto os Kaijus não mandam notícias ácidas e as ondas quebram mansas no Pacífico, a empresa chinesa Shao Industries, dirigida pela inflexível Liwen Shao (Jing Tian), com assessoria do cientista (maluquete) Dr. Newt Geiszler (Charlie Day), ainda às turras com o também cientista (maluquete) Hermann Gottlieb (Burn Gorman), desenvolve drones para substituir pilotos humanos no exoesqueleto dos Jaegers.


Como nem sempre quantidade de cabeças pensantes significa qualidade resultante, ato a ato a impressão é a de que os roteiristas gastaram mais massa cinzenta na criação de um (até) razoável argumento do que no desenvolvimento do roteiro raso na sua previsibilidade..., ainda que (no previsível) guarde duas pequenas surpresas na prateleira de conveniências clichês. Daí que, se não há profundidade de conteúdo, evidentemente não há necessidade de um volume dramático maior que o rasteiro apresentado na narrativa linear direcionada para o grande público juvenil, mais ocupado com as divertidas (porém cansativas) cenas de destruição urbana que com o passado dos personagens (de diferentes etnias e classes sociais) e seus conflitos juvenis de rotina. Desse modo, uma vez que todos estão ali para enfrentar um inimigo em comum, o melhor mesmo é desapegar logo dos condenados, aceitando essa trupe sem passado (interessante ou não) e com suas idiossincrasias genéricas rumo a um futuro incerto. Sem personalidade na arena, sem torcida do espectador...

Se é inevitável a comparação entre os dois Círculo de Fogo, há que se notar que, no fascinante filme noturno de del Toro, mesmo com pouca luminosidade, é possível apreciar a variedade de formas e tamanhos dos lagartões e temer a sua selvageria Godzilla. Há um equilíbrio notável entre drama e ação, com pitadas de humor e redenção e algo trash nas sequências memoráveis de luta em terra e mar..., destaco as cenas do inesperado Berço de Newton, do divertido navio como arma e da comovente menina do sapato vermelho. A mim, esta vibrante e inesquecível obra de Guillermo del Toro, que decentemente homenageia a cinematografia japonesa com seus lagartões monstrengos e cidades de papelão, é um dos melhores filmes do gênero.


Na versão diurna do morno Círculo de Fogo de DeKnight, o destaque maior fica para os fantásticos Jaergers (o que chama mais a atenção é um alaranjado que lembra o Deadpool), já que os ameaçadores Kaijus não são muito distintos uns dos outros. Seus personagens humanos (com a profundidade de um pires raso) são generosamente genéricos e (vendo de fora), com alguma ousadia (sul-coreana?), poderiam render muito em um outro contexto, digamos marginal e ou desmilitarizado. Há boas cenas de luta, sem dúvida, com destaque para os embates na Sibéria e no Monte Fuji, e umas duas gags visuais engraçadinhas, envolvendo robôs e humanos..., mas não me lembro de algo realmente memorável no script que não sabe se direciona a história para o riso ou para as lágrimas.


Bem, se existe um segundo filme Círculo de Fogo, com movimentação intensa numa base militar de pesquisa científica e monitoração de aliens, é porque os Kaijus podem atacar a qualquer momento e o apocalipse temido por Stacker Pentecostes não está totalmente descartado. Óbvio! Mas, e quanto ao subtítulo A Revolta? A quê ou a quem serve (na primeira opção dos realizadores o subtítulo era Turbilhão/Maelstrom)? Será a Revolta dos humanos (em seus exoesqueletos robóticos Jaergers) por mais uma vez ter de enfrentar os Kaijus invasores? Ou será a Revolta dos monstruosos Kaijus por mais uma vez ter de enfrentar os Jaergers (com seus humanos em conexão neural) defensores da Terra? Hmmm, a se pensar.

Enquanto penso..., considerando que Círculo de Fogo: A Revolta é um thriller de ação e ficção científica juvenil; que a sua trama simplória está mais para diversão ligeira do que para reflexão; que todo o elenco apenas cumpre o combinado e nada mais; que a sua vocação para o humor, mesmo trash, é nula, uma vez que a dupla de cientistas (Newt e Hermann) perdeu totalmente a graça e o rumo; que, pra variar, a trilha sonora é insuportável, mas os efeitos especiais e o 3D IMAX são muito bons; notando que a ameaça no pós-crédito sugere continuidade (já ocorrida em 2013)..., pode ser que, além dos adolescentes despretensiosos ele agrade a algum público adulto distraído...


*Joba Tridente: O primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros vídeo-documentários fiz em 1990. O primeiro curta (Cortejo), em 35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003), de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba.

segunda-feira, 19 de março de 2018

Crítica: Pedro Coelho



PEDRO COELHO
por Joba Tridente

Conforme envelhecemos, talvez pela fugacidade dos dias e ou das novidades lúdico-culturais de pouca qualidade que nos chegam aos borbotões, vamos sendo “traídos” por nosso cérebro carregadinho de boas lembranças infantojuvenis. Como, por exemplo, das encantadoras séries televisivas que exploravam o mundo campestre do traquinas Peter Rabit e seus Amigos (The World of Peter Rabbit and Friends), o dia a dia bucólico do doce Pequeno Urso (Little Bear), os questionamentos da vida da Turma do Charlie Brown (The Charlie Brown and Snoopy Show), que tanto alegravam quanto faziam a garotada pensar no cotidiano fora dos tubos da tv. O ritmo dos dias eram outros..., ao menos para as crianças. Será?


Com tanta onda saudosista nos cinemas, eis que, 116 anos depois de vindo à luz, através da mente brilhante da escritora e ilustradora britânica Beatrix Potter, e despertado o interesse literário de crianças, jovens e adultos, bem como servido de tema de estudos e ensaios acalorados, Peter Rabbit (Pedro Coelho) e seus amigos de aventuras desastradas ganham uma versão cinematográfica com atores e animação computadorizada (em espetacular CGI) que vem dando o quê falar. Sempre que a adaptação de um clássico da literatura e ou a refilmagem de um clássico do cinema é anunciada, os fãs (puristas) ficam em polvorosa, imaginando o que as obras originais vão ganhar e, principalmente, o que vão perder com a adaptação para uma nova mídia e um novo público em tempos digitalmente tão acelerados. Foi assim recentemente com O Touro Ferdinando, dirigido por Carlos Saldanha, que, apesar da qualidade gráfica, dividiu opiniões de público e crítica. Não está sendo diferente com a alucinada e anárquica versão de Pedro Coelho (Peter Rabbit) dirigida por Will Gluck (Annie, Amizade Colorida, A Mentira).


Contando com uma técnica impressionante em CGI, que, com sua riqueza de nuances e texturas, chega a dar a impressão de 3D (sem óculos), a trama traz Pedro, suas irmãs Flocos, Flux e Rabo-de-Algodão e o gordinho primo Benjamin, às voltas com o velho Severino/McGregor (Sam Neill), que não quer saber de coelhos invadindo a sua horta e roubando os seus legumes e verduras. O rebelde Pedro, que não está nem aí para as ameaças do ancião que prometeu transformá-lo em recheio de torta, sempre dá um jeito de rapinar hortaliças e ainda zombar dele. É uma briga diária e hereditária, pois, assim que o velho sofre um infarto fulminante, Pedro e sua gangue (que querem se apossar da propriedade) passam a enfrentar, com muito mais vigor e violência, o seu sobrinho Tomas/McGregor (Domhnall Gleeson), um jovem urbano que, afora os coelhos, odeia a vida campestre e sonha com uma loja de brinquedos em Londres. A batalha (na base do toma lá, dá cá) entre os dois machos vai crescendo e torna-se cada vez mais agressiva quando se dão conta de um interesse amoroso em comum: Bea (Rose Byrne), a vizinha artista plástica que cuida dos coelhos travessos que lhe servem de modelo para as telas. Para saber como termina esse duelo animal, só assistindo.


Pedro Coelho é uma versão atualizada e levemente (mesmo!) inspirada na adorada criação de Beatrix Potter. Portanto, se um velho leitor e ou antigo espectador da animação clássica espera ver uma adaptação fiel da graciosa e crítica fábula (ilustrada por belas aquarelas) que narra as peripécias do desobediente coelho Pedro, vestindo casaco azul e sapatos marrons, dando vazão aos seus instintos ao roubar as cenouras da horta do senhor McGregor, vai se decepcionar. No máximo verá as boas lembranças passando rapidamente num comovente flashback e ou num fiapo da trama.

Nesta releitura escrita por Rob Lieber e Will Gluck é até possível perceber uma réplica frágil do esqueleto da narrativa original tentando emergir em meio à linguagem contemporânea de entretenimento musicadinho, mas sucumbindo ao ritmo acelerado da história do coelho, agora órfão também de mãe, que ainda veste casaco azul e sapatos marrons, porém é malandro, vingativo, sádico, egoísta, mentiroso..., tem seus instintos exacerbados. A razão de tanto distúrbio seria a orfandade. Bem, pode não ser fácil para o jovem Pedro aceitar a perda dos pais e ter de cuidar das trigêmeas Flocos, Flux e Rabo-de-Algodão, mas será que é dor pra tanta rebeldia e maldade..., ainda que embalada num clima cartum/pastelão?


Pedro Coelho é uma produção australiana com cara de britânica, repleta de gags ferinas (algumas politicamente incorretas) e piadas grosseiras ao gosto estadunidense (?)..., a se basear na versão dublada brasileira, onde o humor fica (um pouco) a desejar. Toda via da fábula moralizante, no entanto, deixando de lado sequências polêmicas (como a da alergia a amoras, pela qual a Sony já se desculpou publicamente: “Sinceramente nos arrependemos de não estar mais conscientes e sensíveis a esta questão e realmente pedimos desculpas.”) ou incômodas (da violência chiste) e tendo noção de que a criançada (de qualquer época) não é assim tão inocente quanto se imagina e ou se deseja, este é um filme de ação e aventura (repito: tecnicamente irretocável!) que pode até ser visto com entusiasmado interesse pela nova geração de espectadores acostumada à truculência cotidiana. Também, nada impede dele despertar nesse público (se) leigo a curiosidade pela bela obra literária original, já em Domínio Público..., ampliando o seu leque de leitura e de observação do mundo instintivo (humano e animal) ao seu redor.

Enfim, considerando a excelência gráfica que dá um realismo de cair o queixo aos animais antropomórficos (imortalizados por Beatrix Potter em belas aquarelas) que pululam por cenários deslumbrantes em movimentos de câmera surpreendentes; levando em conta que, mesmo com roteiro irregular e discutíveis “liberdades poéticas” (principalmente na caracterização de Pedro/Peter), há espaço para os pequenos dialogarem sobre culpa e perdão, ciúme e paixão, amor e redenção; observando que o elenco humano é tão bom quanto o de CGI; esquecendo a trilha com suas musiquinhas datadas e se conformando com o humor assim-assim..., Pedro Coelho, realmente vai dividir plateias entre os (jovens) que vão amar e os (mais velhos) que vão odiar. Ou não! A liberdade de livre expressão de sentimento (a favor ou contra) ainda faz parte do show..., menos no Facebook, é claro!


*Joba Tridente: O primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros vídeo-documentários fiz em 1990. O primeiro curta (Cortejo), em 35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003), de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba.

quinta-feira, 15 de março de 2018

Crítica: Tomb Raider: A Origem



Tomb Raider: A Origem
por Joba Tridente*

Nunca fui um jogador de jogos eletrônicos..., nem de ocasião. Conheço alguns de ouvir falar e de propaganda. Diante de um videogame me sinto totalmente fora de controle. Um náufrago num tabuleiro revolto e sem farol. É mais fácil conduzir a minha vida inconstante do que personagens diversos por labirintos digitais. O que não quer dizer que não admire a evolução do desenho gráfico dos jogos e o desenvolvimento dos roteiros que despertam a atenção de milhões de pessoas em várias partes da Terra. Já assisti a uns dois ou três jogos transformados (na base do corte, recorte e edição) em “animação” de longuíssima metragem (meio sem pé nem cabeça, na verdade) por aficionados. Porém, quando um famoso jogo de ação e aventura vira filme de telona e desperta a minha curiosidade, não penso na história da plataforma original que desconheço (como outros milhares de espectadores), mas naquela que está sendo contada agora, independente da fidelidade a uma ideia original anterior. Plataforma nova, script novo. Acho que por isso gostei mais de Warcraft - O Primeiro Encontro de Dois Mundos, de Duncan Jones do que de Assassin’s Creed, de Justin Kurzel.


O drama infantojuvenil de ação e aventura Tomb Raider: A Origem (Tomb Raider, 2018), com direção do norueguês Roar Uthaug (A Onda) e roteiro (levemente inspirado no jogo eletrônico de 2013) de Geneva Robertson-Dworet e Alastair Siddons, é a terceira visita da heroína (sem habilidades sobre-humanas, mas dona de outras espertezas) aos cinemas. Angelina Jolie viveu a personagem-título há 17 anos em Lara Croft: Tomb Raider e há 15 em Lara Croft: Tomb Raider - A Origem da Vida. Lembra? Se não se lembrar não faz a menor diferença. Este novo capítulo de Tomb Raider, agora protagonizado por Alicia Vikander (Ex Machina, A Garota Dinamarquesa), no físico de Lara Croft, é assim, digamos, hmmm..., bem, um misto de Indiana Jones e os Caçadores da Arca Perdida (1981), de Steven Spielberg, com filmes “B” de múmias e de ilhas misteriosas perdidas em um mar qualquer...


Desta vez somos apresentados a uma aborrecida Lara de 21 anos. A pobre menina biliardária que, sabe-se lá se pelo “trauma” do desaparecimento do seu excêntrico pai Lord Richard Croft (Dominic West), há sete anos, e ou se por rebeldia sem causa, pra não morrer de fome nas ruas do Est London, largou a faculdade, trabalha como ciclista mensageira e treina MMA, possivelmente esperando fazer fortuna (por conta própria) nos ringues. A vida da garota triste (quase indigente) vai indo de mal a pior quando uma aposta de caça a raposa, com outros ciclistas, acaba por devolvê-la à sua desprezada realidade de herdeira bilionária e a uma pista de onde poderia estar o seu pai (dado como morto). Movida mais pela emoção que pela razão, com a ajuda do barqueiro Lu Ren (Daniel Wu), ela parte em rumo a uma ilha mística, perdida no Mar do Diabo que “costeia” o Japão, onde estaria enterrada a poderosa Rainha Xamanista Himiko..., cujo legado maligno é cobiçado (é claro!) por um anônimo chefe de sociedade secreta aspirante a senhor capitalista do mundo.


Com muita ação e pouca convicção nas corridas de Lara pelas ruas, cais, florestas e túneis sagrados, cansativos tiroteios e alguma luta corporal para justificar a pancadaria do MMA no prólogo..., Tomb Raider: A Origem tem um fiapo de história (sobrenatural), apenas o suficiente para agradar o seu juvenil publico alvo. É tudo tão previsível (incluindo o despertar argucioso e lutador de Lara) e já visto em outros filmes ao estilo Indiana Jones que você perde nada se precisar ir se aliviar no banheiro. Se a motivação dos protagonistas não é lá essas coisas, a do insosso vilão Mathias Vogel (Walton Goggins), então, é de doer e não de temer.


Assim, considerando o ótimo elenco (bem esforçado no manejo dos seus personagens inconsistentes); a trama preguiçosa e os diálogos sofríveis (apenas pra costurar cenas); a ausência total de humor (embora tenha umas duas soluções bônus de sobrevivência risíveis: paraquedas e ponte), o mistério raso e a desculpa de todo filme de origem não precisar ser muito claro a que veio (mesmo com personagem celebridade); o ritmo que vai do bom ao claudicante..., levando em conta a notável qualidade dos efeitos especiais em 3D IMAX (as sequências da chegada do barco Endurance à ilha e a da fuga pelo rio são excelentes), ainda que pouco envolvente para os leigos, Tomb Raider: A Origem deve agradar (ao menos) aos iniciados, desde que se contentem com uma narrativa que tem nada a ver com a história do videogame homônimo.

Ah, não é preciso esperar até o último crédito para a cena “pegadinha” (dos próximos capítulos)..., ela vem logo em seguida do “fim” do filme.


*Joba Tridente: O primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros vídeo-documentários fiz em 1990. O primeiro curta (Cortejo), em 35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003), de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba.

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