segunda-feira, 30 de abril de 2012

Crítica: Anjos da Lei



Para a Hollywood de hoje, o cinema e a televisão de ontem são uma mina de ouro, ou melhor de dólares. É um tal de requentar (e rebentar) filmes e séries que não tem mais fim. O programa da vez é o Anjos da Lei, seriado protagonizado por Johnny Deep (Tom Hanson), em fins dos anos 1980 e começo dos 1990, onde um grupo de jovens policiais se infiltrava nas escolas para investigar os mais diversos crimes cometidos ou não por alunos. O título original da série é 21 Jump Street e se refere ao endereço de uma igreja abandonada e QG do grupo.

Anjos da Lei (21 Jump Street, EUA, 2012), dirigido por Phil Lord e Chris Miller, com “roteiro” de Michael Bacall (o mesmo de Projeto X, por isso não estranhe a "festa" parecida) e Jonah Hill, é uma “comédia” de ação recheada de (velhas) piadas escatológicas e de conotação sexual (de humor duvidoso e indefectível obsessão pela genitália masculina) e com “diálogos” que nem os insones Tico e Teco aguentam. Comparar o filme à série é bobagem, ambos são esquecíveis após a projeção.


A recente produção trata da parceria policial entre Tom Hanson (Channing Tatum) e Doug Penhall (Jonah Hill), que cursaram o colegial na mesma época, mas não cultivaram amizade..., descartados pela parvoíce e pela nerdice. Agora, a dupla (de diferenças físicas e mentais, evidentemente!) vai precisar de toda “esperteza” para desbaratar uma gangue que está agindo no colégio, traficando uma droga que coloca em risco a vida dos “ingênuos” alunos estadunidenses.

Anjos da Lei até começa engraçadinho, com a premissa de uma boa comédia (ou melhor, paródia!). No entanto, basta a dupla executar a primeira prisão para se perceber o engano e ver que se trata de mais uma bobagem ao gosto (?) do público adolescente, que não está nem aí para as mesmas piadas e as mesmas situações vexatórias das últimas produções norte-americanas (e também brasileiras!). Ou seja, quem gosta de filmes do “gênero” (droga/basbaquice/sexo) não vai ter do que reclamar. É capaz de gostar até das enfadonhas cenas típicas de perseguição, inclusive daquela em limusines.

Ah, tem ainda uma “surpresinha!” para quem se lembra (ou não!) da série televisiva. Talvez o que há de melhor neste filme que não disse a que veio, mas que promete (não perder a boquinha!) virar franquia.

terça-feira, 24 de abril de 2012

Crítica: Sete Dias com Marilyn



Norma Jean Baker (1926 - 1962) e James Byron Dean (1931 - 1955), estrelas que desapareceram cedo do universo cinematográfico, mas não perderam o brilho. Marilyn Monroe e James Dean, dois mitos trágicos. Dois belos atores cujas vidas e mortes continuam repletas de especulação e despertando calorosas discussões sobre o ser ou o não ser de cada um.

Sete Dias com Marilyn (My Week with Marilyn, RU, 2011) é um drama com pitadas de bom humor inglês. Baseado nos diários de Colin Clark, que foi o terceiro assistente (faz tudo) de produção de The Prince and the Showgirl (1957), ele busca desvelar o real e o imaginário sobre a (explosiva?) parceria cinematográfica entre Marilyn Monroe e Laurence Olivier, e traça um novo perfil da atriz norte-americana, que era muito maior que a sua beleza. Quem assiste a esta ingênua e deliciosa comédia, e vê a esplendorosa Marilyn ofuscar o, então, maior ator da Inglaterra, não imagina o barril de pólvora nos bastidores. Isso, se tudo o que já foi dito sobre as duas estrelas for realmente confiável.


O filme The Prince and the Showgirl (O Príncipe Encantado, EUA, RU, 1957) é baseado na peça teatral The Sleeping Prince, de Terence Rattigan, encenada em Londres, pela primeira vez, por Laurence Olivier e sua mulher Vivien Leigh, em 1953, e na Broadway, nos EUA, em 1956. Marilyn Monroe se apaixonou por ela, adquiriu os direitos e, querendo provar que era uma atriz séria, atravessou o oceano para dividir as glórias de uma produção cinematográfica com o grande Sir Laurence. Na tela, “engessada” num vestido branco, ela brilha do começo ao fim e Olivier não passa de uma sombra dele mesmo. Rodar este filme teria sido uma experiência traumatizante para todos os participantes, principalmente para Laurence Olivier (coprodutor, ator e diretor) e para Marilyn Monroe (coprodutora e atriz). No set, um renomado astro e uma bela estrela em ascensão mundial, numa peleja de talento sem fim. Farpas e mais farpas voaram em todas as direções (dos dois, tão iguais nas suas diferenças). Laurence desceu do salto e maltratou Marilyn. O Sir não mediu o verbo para achincalhar a dama. É o que dizem!

Porém, no meio dos egos cruzados, havia uma testemunha ocular da história: Colin Clark (1932 - 2002). Aos 23 anos e apaixonado por cinema, o jovem bem nascido, “fugindo” da sua tradicional família, foi parar na produtora de Laurence Olivier e acabou contratado como o terceiro assistente (faz tudo) de direção, nesta que prometia ser a produção da década. Era o seu primeiro trabalho e, decidido a aprender tudo sobre a profissão, começou a fazer anotações diárias sobre o que rolava antes, durante e depois das filmagens. 38 anos depois os seus diários começaram a ser publicados. Em 1995 ele lançou The Prince, The Showgirl and Me: Six Month on the Set with Marilyn and Olivier, que virou documentário (2004), e, em 2000, My Week with Marilyn, onde relata uma conturbada semana que passou na companhia de Marilyn Monroe, quando ela esteve em Londres, filmando a deliciosa comédia.


Já se especulou um bocado sobre o rocambolesco episódio cine-teatral envolvendo Laurence Olivier e Marilyn Monroe. Mas, após a publicação dos diários de Colin Clark, desvelando os bastidores de The Prince and the Showgirl, o assunto voltou à baila, aparentemente pondo fim ao disse-me-disse. Sete Dias com Marilyn, dirigido com muita propriedade por Simon Curtis, é uma grande declaração de amor ao exercício cinematográfico e, na redundância, à Marilyn Monroe. O filme, narrado na primeira pessoa, se atém às anotações de Colin Clark (Eddie Redmayne) que, aos poucos, desvela as fortes características de Marilyn Monroe (Michelle Williams) e de Laurence Olivier (Kenneth Branagh). Olivier é o ator clássico tradicionalíssimo e Monroe é atriz instintiva. Colin não julga, não critica a mudança de humor das estrelas e muito menos a motivação de cada um. Aprendeu logo sobre a insegurança dos artistas, a quem atende, sem reclamar, com o carinho e atenção de uma ama-seca. O que faz lembrar o belíssimo A Noite Americana (La nuit américaine, 1973), de François Truffaut, onde o cineasta Ferrand enfrenta problemas parecidos (com atores e bastidores) para realizar o filme Je vous presente Pamela.

Sete Dias com Marilyn é melancólico, engraçado e, por vezes, irônico, ao ressaltar a importância e a diferença dos métodos de interpretação. Enquanto para Marilyn, representar era acreditar na verdade (da personagem), a Laurence bastava fingir a verdade (da personagem). Essa discordância teria provocado o desequilíbrio emocional e a ruptura profissional de ambos, justificando a presença constante de Colin Clark (dentro e fora do set), atendendo e suprindo as necessidades afetivas de Monroe, na ausência do seu marido Arthur Miller (Dougray Scott). A companhia do assistente foi fundamental para Marilyn resolver as suas emoções conflituosas, ganhar segurança na sua interpretação e conseguir finalizar as gravações. A semana que Marilyn e Clark passaram juntos, trocando confidências, marcou para sempre a vida do jovem (também) perdidamente apaixonado por ela, no seu rito de passagem para o show business.


Sete Dias com Marilyn é um filme tocante, intensamente bonito. Não se pretende a uma biografia de Marilyn Monroe, porque a excelência da narrativa é fruto de anotações curtas (quase fofocas cinematográficas) sobre dois temperamentais artistas. Não fosse fato real, seria uma trama típica de clássicos do cinema hollywoodiano dos anos 1940/1950. Kenneth Branagh e Michelle Williams estão arrebatadores como o detestável Laurence Olivier e a apaixonante Marilyn Monroe, ambos na medida certa da arrogância e da sensualidade. Mesmo sem referências para o espectador, Eddie Redmayne também convence como o jovem empreendedor Colin Clark, apaixonado por cinema e por Marilyn.

A cuidadosa fotografia (envelhecida) de Ben Smithard dá um relevo especial à primorosa cenografia (de época), principalmente no set de filmagem de The Prince and the Showgirl e uma luminosidade espetacular nas sequências externas. É chavão, é clichê, mas a “câmera” de Smithard realmente ama a Marilyn/Michelle, acompanhando ou congelando a sua imagem em “clicks” facilmente reconhecíveis pelo público. Outro destaque, que deve fascinar principalmente quem conhece o filme original, é a fidelidade com que Simon Curtis recriou algumas cenas de O Príncipe Encantado. Enfim, Sete Dias com Marilyn é mais uma bela e envolvente homenagem aos fazedores de cinema. Um deleite para as retinas cansadas de tantas babas melodramáticas. Bem, acho que é melhor deixar um espaço para o público descobrir outros predicados.

Crítica: O Diário de um Jornalista Bêbado



Ultimamente, quanto não está pirateando pelo Caribe, Johnny Depp, está pescando papeis interessantes, curiosos e ou de mero passatempo em filmes idem. No momento, aqui no Brasil, ele trança as pernas em O Diário de um Jornalista Bêbado (The Rum Diary, EUA, 2011), com roteiro e direção de Bruce Robinson, baseado no livro homônimo de Hunter S. Thompson (1937 - 2005), uma produção que (por causa do teor alcoólico?) apenas tange o drama-denúncia, a comédia-denúncia, e o romance-denúncia, numa história enfadonha. Depp é Paul Kemp (alter ego de Thompson), um jornalista alcoólatra que, na década de 1960, vai “trabalhar” no jornal San Juan Star, em Porto Rico, onde conhece e se apaixona (simples assim!) por Chenault (Amber Heard), noiva do megaempresário (mau caráter!) Sanderson (Aaron Echhart), e se vê metido numa negociata (corriqueira!). O clichê (rebatido!) nem é dos piores, mas a narrativa é de fazer o “Santo” entornar o cálice bem antes do bebum.

O Diário de um Jornalista Bêbado é um filme para se ver, preferencialmente, em estado do ressaca. Só assim é possível saber se vale o esforço (ou deixa pra lá!), já que sóbrio é difícil de engolir esse drama descompromissado com qualquer coisa relevante (?) ao jornalismo gonzo ou bonzo. Superficial e caricato até nas questões pretensamente socioeconômicas que ameaça explorar (uma criança miserável daqui, um diálogo piegas sobre especulação imobiliária e outras jogatinas dali, uma greve qualquer acolá), sai de lugar algum para lugar nenhum. Ou melhor, sai dos EUA, “pra umazinha” saideira (sem fim!) no quintal americano, Porto Rico (dos anos 1960), e de volta para os EUA. Zumbi que é bom, nada! Nem eles querem saber de cérebro podre!


É um filme para fãs convictos de Depp (que dá conta do copo!) e não muito de Thompson (quem?). Tem um bom elenco, mas nenhum “personagem” cativante. A direção é fraca e as atuações mornas. Se bem que, com um roteiro que não diz a que veio e que já vai tarde..., exigir boas interpretações (com diálogos tolos) é ir longe demais pelo mar do Caribe. Quem pode “faz papel” de gente bonita (Aaron e Amber), quem não nasceu photoshopeado se vira como chapado (Giovanni Ribisi) ou parceiro de bebedeira (Michael Rispoli). Com seu “humor” raso, e uma sequência pastelão, Bruce Robinson perde o bonde da história com “mais uma do Thompson”. A biografia do jornalista e escritor (mostrando à maioria dos espectadores quem foi o tal sujeito) seria bem mais eficiente do que a notícia “bombástica” que Kemp insiste em publicar e, de tão velha, não serve nem para embrulhar peixe.

domingo, 22 de abril de 2012

Crítica: O Príncipe do Deserto



As aparências realmente enganam. Quem pensa que O Príncipe do Deserto (Black Gold, França, Itália, Tunísia, Catar, 2011), de Jean-Jacques Annoud, tem a ver com O Príncipe da Pérsia: As Areias do Tempo (Prince of Persia: The Sands of Times, 2010), de Mike Newell, está atolado em outro deserto. A sua trama está mais próxima de uma crônica de costume do que de uma lenda maravilhosa (apesar do seu encantador clima de 1001 Uma Noites), como pode erroneamente sugerir o título. Árabe por Árabe, o mais próximo, se o espectador insistir (mesmo) em comparar adagas, é o fabuloso Lawrence da Arábia (Lawrence of Arabia, 1962), de David Lean..., por causa da (sempre) nefasta aculturação.


A narrativa ágil conduz o público a uma mítica Arábia do início do século 20, com suas tradições e contradições, onde dois líderes guerreiros põem fim a um conflito tribal. Nesib, Emir de Hobeika (Antonio Banderas) e Ammar, Sultão de Salmaah (Mark Strong), decidem que nenhum dos dois ocupará uma faixa de terra chamada de Cinturão Amarelo, entre as duas cidades. Para selar o acordo, conforme o costume, Nesib, a pretexto de “adoção”, toma como reféns os dois filhos de Ammar, o jovem Saleeh (Akin Gazi) e o garoto Auda (Tahar Rahim). Anos depois Nesib recebe a visita de um americano (Corey Johnson), representante da indústria petrolífera do Texas, interessado em explorar petróleo (black gold). A proposta é vantajosa para Nesib (e seu povo), que sonha com escolas, hospitais, estradas..., mas um detalhe pode emperrar a negociação, o pedaço de terra que interessa ao texano é exatamente o Cinturão Amarelo. Uma ferida mal cicatrizada pode voltar a sangrar e os filhos de Ammar, bem como os de Nesib, talvez não sejam moeda de troca suficiente para acalmar os ânimos, se o acordo de paz for quebrado.


Baseado na adaptação de Menno Meyjes, para o livro South of the Heart: A Novel of Modern Arabia (1957), do escritor suíço Hans Ruesch, o diretor francês Jean-Jacques Annoud realizou um filme fascinante. Intenso e sem receio de se perder numa nuvem de poeira, ele cavalga pelo deserto, costurando pequenos assuntos caros aos árabes e também aos capitalistas ocidentais, colocando em cena uma oportuna discussão sobre os valores da tradição (religiosa) e a importância do desenvolvimento (socioeconômico), na leitura secular do Sagrado Alcorão e na visão imediatista do Profano Petrodólar. Um pragmatismo que pode não ser (de todo) assimilado pela grande plateia, sempre à cata de histórias fáceis e que não exijam muito dos seus neurônios.


O Príncipe do Deserto é um belo drama de proporções épicas (com romance e ação), que foge ao estabelecido pela indústria americana. Todavia, como petróleo no olho dos outros é colírio colorizante, compreende-se (até) porque ele não caiu no gosto (também da crítica) estadunidense. Será que o maquiavélico final tem algo a ver com a indigestão? O tio do sonso que o diga, se a hipocrisia o permitir!

Emoldurado pela magnífica fotografia de Jean-Marie Dreujou, o filme emociona ao mergulhar nas multicolorida cultura árabe, desvelando cenários de beleza ímpar. O elenco é competente na sua discrição e distanciamento, evitando a criação de personagens caricaturais. A trilha, grandiloquente, incomoda um pouco, porém não chega a atropelar a narrativa que trabalha muito bem as inquietações do protagonista Auda, cujas ações podem parecer previsíveis, numa leitura apressada. Afinal, a jornada do herói é um conceito (literário) “universal”, exaustivamente explorado por escritores, roteiristas hollywoodianos e já faz parte do inconsciente do espectador que, dependendo do objeto de interesse, finge não perceber a história “revivida”. O Príncipe do Deserto é um espetáculo que, se não satisfizer no todo, com certeza vai encantar nos detalhes.

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Crítica: Raul - o Início, o Fim e o Meio



Raul Seixas (1945 - 1989) era o mestre da diversificação musical. Mesmo dizendo que Raul Seixas e Raulzito sempre foram o mesmo homem, havia algo que “os” distinguia, além da simplicidade melódica que arrebatavam corações e mentes: a intenção da composição (ora sofisticada, ora banal). Enquanto Raulzilto romantizava, Raul contestava, mesmo que contraditoriamente, como em Eu Quero Mesmo: Por muito tempo eu sentia vergonha das coisas que eu sinto/ E disfarçando, escrevia difícil só pra complicar/ Quando a flor é uma flor e não tem outro jeito da gente dizer/ Pra que mentir (...) Eu quero mesmo é falar de amor! (...) Eu tinha medo de ver a beleza da simplicidade/ Nunca falava "eu te amo" com medo de alguém me gozar (...). O que não quer dizer que fosse uma regra. Metamórfico, às vezes trocava um pelo outro, como se pode ouvir na boa parceria com o músico Leno (que fez dupla com Lilian, na Jovem Guarda) em Vida e Obra de Johnny McCartney, gravado em 1970/71, censurado na época e lançado em 1995, pela Natal Records.

Raul Seixas é o grande nome do rock brasileiro. Ele, que dizia não ter “nada a ver com a linha evolutiva da música popular brasileira”, sampleou a boa música estrangeira e a dele também. Desconstruiu a música romântica (brega!) e o rock, misturou tudo com baião, xaxado, batuque e serviu ao público o seu som raulseixista. A sua melhor definição foi dada por Zeca Baleiro em sua deliciosa Toca Raul: Mal eu subo no palco/ Um mala um maluco já grita de lá/ - Toca Raul!/ A vontade que me dá é de mandar/ O cara tomar naquele lugar/ Mas aí eu paro penso e reflito/ como é poderoso esse Raulzito/ Puxa vida esse cara é mesmo um mito (...) Em todo canto que eu vou/ Tem sempre algum grande fã do cara/ É quase uma tara/ Jovens velhos e crianças/ Malucos e caretas/ Parece uma seita/ Por isso eu paro penso reflito/ Como é poderoso esse Raulzito/ Puxa vida esse cara é mesmo um mito (...).
  

Inconstante no amor, o músico baiano acreditava na sua arte, mas vacilou com as drogas lícitas e ilícitas e perdeu o chão, a identidade, o palco e a vida aos 44 anos. Com tantas histórias, causos, folclores, intrigas, misticismo, gerando livros e até homenagem choramingas (em 2009) por um canal aberto de TV, o quê documentar? Em Raul - o Início, o Fim e o Meio (Brasil, 2012), o diretor Walter Carvalho procurou fugir do lugar comum para mostrar facetas ainda desconhecidas do precursor do Rock Brazucada. Para tanto, entre 2009 e 2010, foi de Salvador à Suíça, passando por São Paulo e Rio de Janeiro e EUA, ouvindo o que ex-mulheres, filhos, amigos de infância, músicos, profissionais da área musical, parceiros, fãs tinham a dizer e ou material inédito a mostrar. Das 94 entrevistas foram aproveitadas 54 e as 400 horas de depoimentos e material de arquivo, após uma minuciosa edição, resultaram num filme de 130 minutos. Pode parecer muito, mas pelo que se vê na tela, fica um gostinho de quero mais.

Entre os bem falantes se encontram Caetano Veloso, Tom Zé, Luiz Carlos Maciel, Bráulio Tavares, Toninho Buda, Roberto Menescal, Sylvio Passos, entre outros. Os depoimentos mais intensos (e excessivos?) são os das ex-esposas (Edith e Glória) e das ex-companheiras (Kika, Lena e Tânia); o mais sarcástico (?) o de “EU” Paulo Coelho, que diz ter iniciado Raul no mundo das drogas pesadas, e que acaba protagonizando uma mítica e fatal cena com uma mosca suíça. Carlos Roberto, outro grande parceiro de Raul, apesar da mesma brabeza de seus galos de rinha, desvela alguns curiosos segredos da sua fiel amizade com o roqueiro maluco beleza. Ao parceiro tardio Marcelo Nova sobra (o desnecessário) constrangimento de um julgamento público, pelo simples fato de dividir o palco (e os últimos 50 shows) e o ótimo disco Panela do Diabo, com Raul Seixas (já debilitado pela pancreatite, diabetes, drogas etc).


Raul - o Início, o Fim e o Meio não é um (perigoso!) filme de fã, já que Carvalho só foi a um show de Raul e apenas ouvia seus discos, através dos filhos. Um diferencial que lhe deu mais liberdade para fazer uma leitura imparcial do astro: Ao começar, minha única intenção era conhecer Raul Seixas. Eu não faço filme para provar nada. Achava e continuo achando que um mito como Raul Seixas não tem explicação e nem deve ter. Ele está no inconsciente das pessoas - o documentário pode enriquecer a relação da multidão de fãs que ele deixou e dos que continuam a aparecer mais de 20 anos depois de sua morte. Todavia, vale ressaltar que o doc não é um show musical de Raul e muito menos uma coletânea de videoclipes, como muitos fãs esperam. Mas um emocionante retrato (breve?), por vezes divertido, inquietante e impactante, sobre a sua vida pessoal e profissional. Traz algumas cenas fortes (sacrifício animal) e outras de uma beleza contagiante, como a do resgate do caderno de anotações e desenhos de Raulzito que, quando criança, sonhava em ser ator, roteirista e diretor de cinema, influenciado pelos filmes do seu ídolo Elvis Presley. O filme Balada Sangrenta (King Creole), estrelado pelo Rei do Rock, inclusive, tem nostálgicas citações. Uma delas, feita por um dentista, com certeza, vai arrepiar os amantes do cinema.

 Walter Carvalho, que dividiu a direção com Evaldo Mocarzel e Leonardo Gudel (autor do roteiro), não teve a pretensão de esgotar o assunto sobre “o cara” do rock brasileiro. Também porque esta parece ser uma missão impossível: Eu não queria decifrar o mito. Cinema não é tribuna, não é para analisar, decifrar - é para sentir. O espectador pode ter uma certeza: Raul Seixas é tudo o que está na tela - e muito mais.


Nota: Em 1973, quando Raul Seixas lançou KRIG-HA, BANDOLO!,  ganhei um LP ao participar de um concurso de uma revista Editora Abril, se não me engano POP. Em 1974, ilustrei a música Gita, de Raul e Paulo Coelho, e ela foi publicada na página central do Segundo Caderno do Correio Braziliense, ilustrando a matéria Raul Seixas: contínua metamorfose, de João José Miguel. As ilustrações estiveram a um passo de virar ilustração também de uma edição especial sobre Raul, mas sua gravadora mudou os planos. Em 1980, um Salão de Artes Plásticas de Brasília, premiou um artista que havia copiado e esculpido, em madeira, 14 dos meus 16 desenhos, sem me dar qualquer crédito. Em 1989, quando Raul Seixas morreu eu estava em São Paulo, para um seminário sobre Direito Autoral e ouvi a notícia num telejornal no saguão do hotel.  Em 2012, no lançamento do filme em Brasília, Waldo França, um velho amigo, se lembrou dos desenhos, que ainda tenho comigo (veja a foto da página que encontrei perdida em um arquivo), e me falou da forte impressão que o filme lhe causou.

terça-feira, 10 de abril de 2012

Crítica: Titanic 3D



Atlântico Norte, domingo, 14 de abril de 1912, um grande iceberg e um imponente navio, com 2.223 pessoas a bordo, em rota de colisão. Um iceberg vagando a esmo e um navio, com toda a pompa do nome Royal Mail Steamer Titanic, o “inafundável”, navegando festivo e despreocupado em sua viagem de Southampton, Inglaterra, para Nova York, EUA.  23h40: a desatenção, o erro de cálculo, o choque dos gigantes. Saldo: 1 navio a pique, 1517 mortes, 706 resgates. Um desastre sem precedentes. Uma tragédia anunciada, 14 anos antes, pelo escritor Morgan Robertson (1861 - 1915) em seu livro Futility, or the Wreck of the Titan (1898), onde narra o choque e o afundamento do possante navio Titan, em mês, local e circunstância parecida, ou mera coincidência?

85 anos depois, em meio a pesquisas históricas e aventureiras (e algumas controvérsias sobre o assunto), foi lançado nos cinemas, com roteiro e direção de James Cameron, a quinta (e definitiva?) recriação da tragédia marítima que intriga e fascina a humanidade: Titanic. Uma produção grandiosa, superlativa do princípio ao fim. Custou 200 milhões e arrecadou um 1,25 bilhão; ganhou os principais prêmios do cinema e, em 14 indicações ao Oscar, recebeu 11 estatuetas. Um perfeito exemplar do cinemão de qualidade que sabe usar (a seu favor!) todos os clichês possíveis, sem cair no ridículo. Um docudrama espetacular que emociona o espectador pela sobriedade com que explora a trágica ventura daqueles que embarcaram num navio tão seguro que “nem Deus conseguiria afundar”.


A Cameron interessa falar de quem pereceu e ou sobreviveu à fatídica viagem, e não, necessariamente do colosso dos mares, conforme registra nos poéticos prólogo e epílogo. A sua preocupação é o regaste de um passado de contrastes e confrontos, de glamour e de miséria em um mundo em ebulição e à beira da Primeira Grande Guerra. No seu titânico convés cabem todas as dores e prazeres dos navegantes, até mesmo uma encantadora história de amor entre o pobre artista plástico Jack Dawson (Leonardo DiCaprio) e a garota “righ societyRose Bukater (Kate Winslet), noiva do riquíssimo Caledon Hockley (Billy Zane). Uma história sedutora, de ação e aventura, que conduzirá o espectador à intimidade dos mais diversos passageiros que embarcaram em uma viagem transatlântica onde a aparência, que diferencia (e isola) as classes sociais, os iguala nos sonhos (e no destino).

Titanic (Titanic, 1997, EUA) caiu nas graças do público jovem, principalmente feminino, que deve retornar às salas (ainda que curioso com a intensidade da “nova” leitura visual), mais pela trágica e cativante história do belo casal enamorado. 15 anos depois o filme, com suas pequenas e doloridas crônicas familiares, mantém a sua excelência narrativa e as suas memoráveis sequências continuam arrepiando, indiferente aos “D”. Não parece ter envelhecido um dia sequer. Ah, vale lembrar que, quem desdenhava da ótima performance de todo o elenco (inclusive de DiCaprio e Winslet), vai continuar babando veneno, porque ela continua a mesma. Quem foi “o rei do mundo” aqui, ainda não perdeu a majestade em outras atuações posteriores.


Cameron é um diretor (grandiloquente!) que sabe contar e editar histórias que agradam ao grande público e dividem a crítica especializada, que costuma se incomodar com a simplicidade de seus roteiros, diálogos e (até das) frases feitas: “Hasta la vista, Baby” (Exterminador do Futuro 2) ou “I’m the King of the world!” - “Eu sou o rei do mundo!” (Titanic)..., mas reconhece a eficácia da sua edição. Aliás, muito do sucesso de Titanic se deve à (premiada) edição que lhe dá uma fluidez inacreditável em imperceptíveis 3h15 de projeção. O ritmo, a edição, o corte certo na hora certa são fundamentais no “tempo” cinematográfico de uma narrativa, pena que muitos realizadores não se preocupam com esse detalhe e acabam transformando suas pérolas em pedregulhos.

Aos 100 anos do desastre marítimo que causou a morte de centenas de passageiros, sem distinção de raça, credo e ou de classe social, o Titanic retorna às telas, e, ironicamente, convertido em 3D, prática criticada por Cameron e que se popularizou na indústria cinematográfica após o seu avassalador Avatar. A tecnologia usada para agregar maior qualidade (desnecessária!) ao filme, atualizando o já incrível visual, vai surpreender os velhos espectadores, que haviam perdido o fôlego com os magníficos efeitos especiais da versão 2D, e mais ainda os novos, que têm se decepcionado com as “conversões 3D” (pega trouxa) de muitas produções recentes. Os detratores que criticaram a conversão, sem ter visto o resultado, vão morder a língua em pelo menos 99%. Pois, a impressão que se tem é a de que Titanic realmente foi filmado em 3D.


A nova empreitada (remasterização 4k e conversão 3D estereoscópico) cameroniana, que custou a bagatela de 18 milhões de dólares, tem tudo para agradar até os mais saudosistas, que insistem em não abrir mão da melancólica trama em 2D. Cameron revolucionou o 3D e agora faz o mesmo ao apostar em novas técnicas de conversão que garantem a tão falada (ilusão de) profundidade. Mas, será que vale o custo do esforço? Depende do produto! No caso de Titanic, que é um clássico contemporâneo, ele ganhou muito com atualização, afinal tem toda uma nova geração a ser tocada por sua emocionante história. Mas, ele é um caso à parte. É um filme tão grandioso, tão espetacular, que a quantidade de “D” não faz diferença, é um mero detalhe. Porém, um detalhe que merece ser apreciado.

Nota: Hoje em dia, viajar ainda é uma grande aventura. O que não mudou, em um cruzeiro marítimo, é o nível do céu e ou do inferno que cabe a passageiros e tripulantes, conforme classe e aptidão. 

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Crítica: Xingu



Xingu é um filme que precisava ser feito. É uma história que precisava ser bem contada, antes que algum estrangeiro norte-americano lançasse mão e botasse índio bilíngue falando espanhol e inglês americano, ou coisa pior.

Eu me lembro de uma frase que pautava o Projeto Rondon e que chamou a minha atenção: “matar um índio, jamais, se preciso for, morrer por ele”, uma “tradução” da frase original: “morrer, se preciso for, matar, nunca”, do marechal Cândido Mariano da Silva Rondon (1865 - 1958). Era adolescente, não tinha idade e nem formação para participar e morria de inveja dos novos “bandeirantes”. Nessa época havia (também) muita notícia desencontrada sobre o trabalho de socialização que Orlando, Cláudio e Leonardo Villas Bôas desenvolviam junto às comunidades indígenas. Com o tempo as informações sobre a árdua lida dos irmãos acabaram encontrando foco. As ações que colocaram em prática, para garantir (com alguma dignidade) a sobrevivência dos povos indígenas, ainda hoje causam rebuliço e frio na espinha de governantes, agropolíticos, agroempressários, que continuam defendendo uma política (de ocasião) extrativista ampla, geral e irrestrita.


Assim como Rondon, os irmãos Villas Bôas procuraram conhecer, registrar e preservar a cultura indígena. Em 1958, quando da morte de Rondon, o antropólogo Darcy Ribeiro (1922 – 1997) fez um belo discurso em sua homenagem e, entre outros princípios, citou este: “O segundo princípio de RONDON é o do respeito às tribos indígenas como povos independentes que, apesar de sua rusticidade e por motivo dela mesma, têm o direito de ser eles próprios, de viver suas vidas, de professar suas crenças e de evoluir, segundo o ritmo de que sejam capazes, sem estarem sujeitos a compulsões de qualquer ordem e em nome de quaisquer princípios.” Claudio Villas Bôas também apostava na cultura: Se achamos que nosso objetivo aqui, na nossa rápida passagem pela terra é acumular riquezas, então não temos nada a aprender com os índios. Mas, se acreditamos que o ideal é o equilíbrio do homem dentro de sua família e dentro de sua comunidade, então os índios têm lições extraordinárias para nos dar". Na trilha aberta por um segue a passos largos o outro.


Os heroicos Orlando (1914 - 2001), Claúdio (1916 - 1998) e Leonardo Villas Bôas (1918 - 1961) tinham consciência dos seus limites, estrangeiros que eram em terras nacionais indígenas. Mas sabiam da importância e da necessidade de cruzarem pacificamente a fronteira sociocultural e evitar (o impossível!) que outros homens (mal intencionados) chegassem antes. Assim, entre uma batalha e outra, abriram 1.500 quilômetros de picadas, percorreram 1.000 quilômetros de rios, abriram 19 campos de pouso, desbravaram 43 vilas e cidades, contataram 14 tribos e enfrentaram mais de 200 casos de malária. O preço foi alto, mas valeu a pena entrar num embate (ainda longe do fim) que garantiu direitos mínimos aos povos da floresta, até então considerados “ninguém”.


Xingu (Brasil, 2011), de Cao Hamburger, é um pertinente registro da histórica saga dos irmãos Orlando (Felipe Camargo), o responsável pelas articulações entre as desiludidas etnias e o titubeante poder oficial, Claúdio (João Miguel), o homem de campo inconformado com a situação dos silvícolas, sertanista extremamente consciente das consequências de cada gesto de “benevolência” dos brancos (inclusive dos seus): “Nós somos o antídoto e o veneno, e Leonardo Villas Bôas (Caio Blat), o impulsivo e romântico desbravador que via a Expedição Roncador-Xingu como algo importante, porém, cansativo. A narrativa abrange o período que vai da Expedição Roncador-Xingu (1943) à criação da reserva indígena Parque Nacional do Xingu (1961). O fascinante drama, que lembra um documentário ao vivo, tamanha a entrega do elenco de atores (destaque para a excelência de José Miguel) e não-atores (os indígenas) ao projeto cinematográfico, é inspirado em fatos reais. Com roteiro do próprio Hamburger, em colaboração com Elena Soarez e Anna Muylaert, o épico traz à tona um Brasil de ontem, mas que ainda hoje insiste em tropeçar nos próprios erros.  


Cao é um cineasta que se destaca pela elegância na direção. Um dos poucos diretores que consegue dizer muito com o mínimo, sem jamais subestimar a inteligência do espectador e sem abusar de clichês. Xingu é a sua versão (compacta) de tudo que ouviu e leu (e filtrou) sobre os Villas Bôas, das desavenças familiares aos intensos conflitos com as tribos e posseiros, sem negligenciar as conturbadas negociações governamentais para a implantação do “território indígena”. É um filme que instrui, emociona e também constrange ao falar de direitos (reais), conquistas e barganhas. Em sua singularidade, não esgota o assunto sobre a posse da terra e das almas evangelizadas (e perdidas) desde os primeiros invasores europeus. No entanto, ao retratar com eficiência o trabalho dos irmãos Villas Bôas espera-se (ao menos) que desperte interesse (estudantil) e até abra discussão (comunitária) sobre um tema tão caro à maioria dos brasileiros.

Xingu foi rodado em belíssimas locações. A paisagem mítica e selvagem (cenário perfeito para a trama) garante o realismo na excepcional fotografia de Adriano Goldman, emoldurando uma história que, além da reflexão, convida o espectador urbano a fazer uma viagem sensorial. Um filme imperdível!

Fotos: Beatriz Lefèvre
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