quinta-feira, 27 de setembro de 2018

Crítica: Pé Pequeno


Pé Pequeno
por Joba Tridente

Pode parecer estranho, mas tem gente, principalmente adulta, que nunca ouviu falar de Yeti, Abominável Homem das Neves e ou Pé Grande (possivelmente por ter passado toda a vida no Saara)..., que conheci através da literatura, do cinema e das histórias em quadrinhos ainda criança. Mas, agora, para jogar um pouco mais de luz solar sobre esta lendária criatura gelada dos Himalaias, chega aos cinemas a adorável animação Pé Pequeno (Smallfoot, 2018), dirigida por Karey Kirkpatrick (Os Sem-Floresta).


Pé Pequeno, cujo roteiro, escrito por Karey e Clare Sera, teria por base o (desconhecido!) livro Yeti Tracks, do animador espanhol Sergio Pablos (Meu Malvado Favorito), traz uma pertinente história repleta de questionamentos sócio-políticos, midiáticos, científicos e religiosos para (re)significar a existência de seres (de) Pé Grande e seres (de) Pé Pequeno em suas respectivas sociedades. Mas não se preocupe, é nada que espante a criançada e ou que sequer provoque tédio nos jovens e adultos.

Nesta parábola contemporânea, que não subestima a inteligência de espectador algum, a curiosa história é contada do ponto vista de Migo, um Pé Grande que leva uma vida tranquila em sua aldeia, plantada no pico da mais alta montanha do Himalaia, treinando para um dia substituir o seu pai Dorgle na arriscada e hereditária tarefa de acordar diariamente o sol. Para todos os habitantes, acomodados em suas funções rotineiras, aquele lugar eternamente coberto de neve e rodeado de nuvens é um Paraíso. Ou era até Migo chocar a todos ao revelar o seu encontro acidental com um lendário Pé Pequeno, fato que contraria a incontestável doutrina sagrada dos Yetis, cujos registros em pedras garantem que tal ser não existe. Como avalanche de dúvida pouca é bobagem, o desconforto do Guardião das Pedras e chefe político e espiritual da aldeia e a inquietação dos Yetis aumentam ainda mais quando (para provar a existência do que “não existe”) o Abominável Homem das Neves, com a ajuda dos jovens questionadores da verdade absoluta Meeche, Gwangi, Kolka e Fleem, leva para casa Percy, um Pé Pequeno capaz de tudo para alavancar a audiência do seu programa infantil de tv sobre a natureza. A partir daí, com os até então sólidos pilares daquela Utopia comprometidos, o confronto de culturas, de linguagem e, principalmente, de ideias capazes de revolucionar toda a mítica história que tem direcionado a vida dos Pé Grande é inevitável.


Pé Pequeno é uma comédia que diverte e surpreende o espectador com a profundidade das colocações político-sociais e as discussões que contrapõem ciência e crendice (dos personagens antigos e jovens) e a coragem de quebrar paradigmas. O uso inteligente de gags visuais (algumas impagáveis!), de piadas nonsense ou pastelão e de diálogos bem afinados com a nossa realidade são essenciais para fazer o público rir e também pensar seriamente no mundo do lado de cá da ficção cinematográfica. Pois, ainda que no cotidiano do mundo o choque cultural e o choque de opiniões (midiáticas ou não) provoquem mais estragos que a barreira da língua, há que se estar aberto para novos conhecimentos, mas sem desprezar as tradições.


Enfim, levando em conta o desenvolvimento psicológico e a coerência dos personagens, a excelência do roteiro e da direção; pensando na importância do humor para tratar de assuntos sérios; notando que a animação em CGI é de ótima qualidade; ressaltando que, diferente da maioria das produções hollywoodianas, onde todo o universo conhecido e desconhecido fala o inglês americano, o povo do Pé Grande e o povo do Pé Pequeno têm língua própria (que soa estranha para ambos) e por isso recorrem à linguagem (universal) dos sinais (desenhos e gesticulação) para se entenderem..., ou quase; lembrando que, por gostar cada vez menos de trilhas sonoras, as músicas não me pareceram memoráveis, mas que tampouco comprometeram o bom ritmo da narrativa..., com sua trama inusitada e envolvente, Pé Pequeno é uma animação admirável e na medida certa para toda e qualquer a família (pensante!) que gosta de filmes que, mesmo bem fora da caixinha, não dispensam um (esperançoso) desfecho altruísta..., mas nada piegas.


*Joba Tridente: O primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros vídeo-documentários fiz em 1990. O primeiro curta (Cortejo), em 35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003), de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba.

quarta-feira, 19 de setembro de 2018

Crítica: O Mistério do Relógio na Parede


O Mistério do Relógio na Parede
por Joba Tridente

Passada a febre do genial Harry Potter, cuja magia deixou saudade em muito leitor e espectador, os grandes estúdios (inclusive de animação) vêm tentando (em vão) emplacar algum novo personagem (ou personagens) com carisma suficiente para gerar rendosas franquias. Mas não está fácil. A mais recente promessa a chegar aos cinemas é a fantasia infantil O Mistério do Relógio na Parede (The House with a Clock in Its Walls, 2018), dirigido por Eli Roth.


O Mistério do Relógio na Parede segue os passos do garoto Lewis Barnavelt (Owen Vaccaro), que acabou de perder os pais e vai viver com o excêntrico Tio Jonathan (Jack Black), em uma estranha mansão na fictícia New Zebedee, nos EUA dos anos 1950. Lewis é um menino de 10 anos, introvertido, carente de afetos e de amigos, que aos poucos descobre que o Tio Jonathan e sua melhor amiga, Sra. Zimmerman (Cate Blanchett), são feiticeiros e ele poderá se tornar um aprendiz de magia. Se obedecer algumas regras poderá até ajudar a decifrar os tique-taques do misterioso relógio oculto em algum lugar da velha casa cheia de segredos e surpresas. Mas sabe como são as crianças carentes e curiosas..., um vacilo amigável pode botar tudo a perder. Ao menos é o que o mago Isaac Izard (Kyle Maclachlan), com sua visão “distorcida” da humanidade, espera que aconteça. Todavia da magia de teatro ou de casarão, no entanto, para todo ataque maligno há sempre um contra-ataque benigno. Desde que você saiba quem e ou o quê atacar, obviamente...


O roteiro rasteiro (e sem novidades no gênero) de Eric Kripke tem por base o primeiro volume de uma série juvenil (de 12 livros) escrita por John Bellairs (1938-1991), em 1973, e que já foi adaptado para a televisão em 1979. A sua trama de aventura e magia (bem) infantil (mesmo) tem um ritmo (digamos) médio..., mas com ação (meio pastelão) suficiente para entreter mais que aborrecer o seu público alvo (meninos de 7 a 10 anos) com objetos animados, piadas escatológicas e efeitos especiais bacaninhas. Já os acompanhantes adultos, creio, vão dar (???) um ou outro sorrisinho amarelo e, talvez (!!!) achar tudo meio claudicante..., feito um relógio precisando de corda ou de reparos. Como, por exemplo, o discurso moralista ridículo e antiquado do “vilão” (com boas intenções, mas metodologia errada) para erradicar o mal da Terra.


Previsível em grande parte de sua narrativa, possivelmente, por ser tratar de um filme extremamente infantil, o inócuo O Mistério do Relógio na Parede não apresenta uma sequência memorável ou um diálogo qualquer que se destaque. Seus personagens são rasos e a “solução” dos mistérios é pífia. Ainda que a história original tenha sido escrita 24 anos antes que a de Harry Potter, é impossível assistir a cada ação de magia, feitiçaria ou bruxedo sem se lembrar da popular franquia cinematográfica inglesa que tocou espectadores de todas as idades. Ou da deliciosa animação ParaNorman (2012)..., além de um punhado de fracassos que é preferível esquecer bem esquecido...


Enfim, considerando o suspense leve (sem sustos e a quase total ausência sangue humano); vendo que a (batida) questão escolar (adaptação e bullying) é colocada de forma apressada; notando que o roteiro é frouxo, o “humor” é insosso (para o espectador adulto) e a direção é hesitante; lembrando que o elenco é muito bom, mas não rende, já que seus personagens caricatos não convencem; acreditando que este deve ser o primeiro de uma provável franquia (dependendo da bilheteria) e que, portanto, se ocupa mais em apresentar (que aprofundar) os personagens (rasos); ciente de que O Mistério do Relógio na Parede é um filme (muito) infantil, na minha visão de (muito) adulto, acredito que deva encontrar e fazer a felicidade (tão somente) de um público jovem nada exigente e que sequer sabe quem é Harry Potter...


*Joba Tridente: O primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros vídeo-documentários fiz em 1990. O primeiro curta (Cortejo), em 35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003), de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba.


quinta-feira, 13 de setembro de 2018

Crítica: O Predador


O Predador
por Joba Tridente

O ano em que fizemos o primeiro contato com um Predador a gente nunca esquece: 1987, tendo no front Arnold Schwarzenegger, no auge da fama, sob a direção de John McTiernan e roteiro de Jim e John Thomas, escrito em 1985 e cujo título original, Hunter, vai servir de discussão semântica no mais recente contato com o extraterrestre rastafári em O Predador (The Predator, 2018), dirigido por Shane Black, coautor do roteiro com Fred Dekker. Nesses 31 anos o monstrengo de terríveis mandíbulas, que há princípio, só matava terroristas, traficantes, bandidos, reapareceu meio assim-assim,, na telona, em Predador 2 (1990) e Predadores (2010)..., e depois em mais duas esquecíveis (se é que alguém se lembra!) escorregadas num confronto (?) com o Alien em 2004 e 2007.


Desta vez a aventura começa com uma vertiginosa perseguição no espaço sideral, culminando numa desastrosa entrada em órbita terrestre da nave alienígena do Predador..., que vai dar de cara justamente com um franco-atirador militar norte-americano Quinn McKenna (Boyd Holbrook), em plena ação contra traficantes. A situação não é boa nem para o extraterrestre e nem para o humano. Um predador em fuga, tentando desesperadamente encontrar alguns pertences saqueados, não tem limites para abrir caminho até eles. Um militar (acuado pelo governo e responsável pelo saque) é capaz até mesmo de criar um grupo de defesa..., formado pelos ex-soldados em tratamento psiquiátrico: Nebraska (Trevante Rhodes), Coyle (Keegan-Michael Key), Nettles (Augusto Aguilera), Lynch (Alfie Allen) e Baxley (Thomas Jane)..., para proteger o seu filho autista de cobiçada inteligência Rory (Jacob Tremblay)Segredos e (requentadas) conspirações, envolvendo o governo dos EUA, vão se desvelando no decorrer da agitada trama (pouco convincente em suas três diretrizes: extraterrestre, governamental e militar), que não dispensa, na corrida contra o tempo, nem cães predadores (muito mal resolvidos em CGI) e nem cientista como Casey Bracket (Olivia Munn), que se mostra bem mais que uma exobióloga no tratamento com extraterrestres. Saber mais do que isso pode estragar a sua sessão de cinema, principalmente se for novato neste Universo Predador.


O Predador (2018) traz um olhar tresloucado para o futuro (de uma nova franquia), mas sem deixar de lado a ideia original do passado..., pelo menos no “prólogo” (que faz referência ao filme de 1987, substituindo reféns da guerrilha por reféns de traficantes). Ainda que ágil, seu enredo (vago?) é um tanto mirabolante (para não dizer confuso), com exageros (meio trash), personagens caricatos, piadas grosseiras e humor que beira o pastelão, tiroteios cansativos e inúmeros decepamentos "gore” (tradicionais à mitologia do extraterrestre), mas que assustam a ninguém, já que o suspense é inócuo.

Enfim, considerando que o enredo (impossível de se levar a sério) tem um quê de já visto e com seu viés oitentista está mais propenso à diversão pipoca (e precisa mais?) do que à elucubração cientificista, ainda que se desenrole num fio tênue entre a comédia, a paródia e o drama; notando que o elenco é muito bom e que relevei uns dois personagens caricatos; vendo que o CGI não é dos melhores (ao menos em 3D); lembrando que quem rouba as cenas é o grupo de malucos (The Lonies)..., se você também é fã do Predador, desde que não busque comparação com o clássico de 1987 e seja nada exigente, há uma boa chance de se entreter com este O Predador...  


*Joba Tridente: O primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros vídeo-documentários fiz em 1990. O primeiro curta (Cortejo), em 35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003), de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba.

quinta-feira, 6 de setembro de 2018

Crítica: Alpha

ALPHA
por Joba Tridente

Nos últimos anos as salas de cinemas têm sido tomadas principalmente por produções espetaculares, repletas de super-heróis em ação na Terra e no Universo além, voltadas para o publico juvenil e adulto. Eis que, neste finzinho de inverno sul-americano e na contramão da pancadaria norte-americana, nos chega um singelo exemplar no melhor estilo de épico pré-histórico: Alpha, dirigido com habilidade e farta imaginação por Albert Hughes (O Livro de Eli).


Situado na Europa de 20.000 anos atrás, ali pelo final da Idade do Gelo, o roteiro simples, mas envolvente, de Daniele Sebastian Wiedenhaupt, nos traz a curiosa história de amizade entre o pré-adolescente Keda (Kodi Smit-McPhee) e o lobo Alpha (Chuck, um cão-lobo checo)..., sugerindo o momento de domesticação dos canídeos pelos homens. Keda é filho Tau (Jóhannes Haukur Jóhannesson), um chefe Cro-Magnon, e na sua primeira caça aos bisontes, onde se confirmará o seu rito de passagem (de jovem para adulto), ele sofre um grave acidente e é dado como morto pelos membros da tribo. Ao recobrar a consciência e tendo apenas uma tatuagem estelar para se orientar, Keda inicia o longo e difícil caminho de volta para casa. Uma jornada (do herói) que fará na companhia de Alpha, um lobo que feriu e depois curou, após o enfrentamento com a alcateia. Durante a acidentada viagem de retorno, um protegerá o outro, pois, como disse Antoine de Saint-Exupéry, em O Pequeno Príncipe (1943): “Tu te tornas eternamente responsável por aquele que cativas”.


Acompanhando a rota da fala inusitada..., que anteriormente repercutiu o fascinante A Guerra do Fogo (1981), de Jean-Jacques Annaud, com diálogos em língua original escrita por Anthony Burgess e Desmond Morris..., para Alpha foram criadas cerca de 1.500 palavras, que, infelizmente, no Brasil não serão ouvidas pelos espectadores, já que todas as cópias (com a estúpida desculpa de ser filme infantojuvenil) serão dubladas. Uma pena, pois, segundo a crítica norte-americana, a língua usada no filme é bem interessante (e rara nesse tipo de entretenimento, já que, do ponto de vista cinematográfico estadunidense, o inglês é falado da pré-história terrestre a qualquer canto futurístico do Universo onde o homem jamais esteve) e valoriza o contexto. A ironia maior é que geralmente Hollywood refilma produções estrangeiras de sucesso, porque o publico americano odeia legendas e agora está se deliciando (sem perceber) com a “brincadeira” linguística. Será que por aqui, onde infelizmente cresce o número de filmes dublados (sempre pelas mesmas cansativas e automáticas vozes a serviço (?) de um público com preguiça mental), o dublaram (e muito mal!) porque não sabiam traduzir a fictícia língua pré-histórica? E olha que os diálogos são mínimos...


Enfim, com sua interessante e econômica trama (pontuada com mensagens edificantes: Ele lidera com o coração e não com a lança. Levante a sua cabeça e seus olhos a seguirão.), Alpha se conecta facilmente tanto aos espectadores infanto-juvenis (público alvo) quanto aos mais velhos (principalmente se amantes dos cães). Não faltam recursos estéticos para um apreciável mergulho (ou seria sobrevoo?) numa paisagem árdua, porém deslumbrante, que reproduz satisfatoriamente a visão da paleontologia, emoldurada pela sensível fotografia de Martin Gschlacht e efeitos especiais que se destacam em sequências de tirar o fôlego, como a da alucinante caça aos bisontes e a do drama de Keda preso sob o gelo...


Se você relevar algumas liberdades poéticas (que em momento algum comprometem a narrativa) ou não se importar com a ousadia do figurino inacreditavelmente bem cortado e bem costurado (acho que é do mesmo desenhista de moda e costureiro bíblico do ridículo Noé, de Darren Aronofsky), com certeza vai apreciar este admirável conto de ação e aventura (cujo foco vagueia entre o infantil o juvenil e o adulto) ao falar (sem pieguice!) de autoconhecimento, de superação e de amizade. A época (pré-histórica) aqui é um mero detalhe, já a questão de sobrevivência humana (e a relação com os cães) continua inalterada milênios depois...


*Joba Tridente: O primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros vídeo-documentários fiz em 1990. O primeiro curta (Cortejo), em 35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003), de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba

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