Em briga
de cachorro grande, ou melhor, de burro grande, sedento de poder, o melhor a
fazer é assistir de camarote. É claro que sair respingado de lama é uma
possibilidade, mas quem entra num circo, com o picadeiro em chamas, é para se
queimar, não é?
Baseado na
peça teatral Farragut North, de Beau
Willimon, Tudo Pelo Poder, dirigido
por George Clooney, se passa em Des
Moines, Iowa, a poucas semanas do partido democrata escolher o candidato ideal
para concorrer à Presidência dos EUA. No primeiro ato o foco está nos
bastidores da campanha do governador Mike
Morris (George Clooney), um político
liberal cujo discurso progressista vem despertando interesse em todos os
segmentos da sociedade. Determinado a vencer este jogo ele confia na
jovialidade e eficiência do diretor de comunicação Stephen Myers (Ryan Gosling)
e na supervisão do experiente Paul Zara
(Philip Seymour Hoffman), que travam
um corpo a corpo com o maquiavélico Tom
Duffy (Paul Giamatti), que
trabalha para o candidato Senador Pullman.
No segundo ato, a descoberta de fatos graves, um envolvendo a estagiária Molly Stearns (Evan Rachel Wood) e outro que relaciona Myers a Duffy, podendo
comprometer toda a campanha, coloca em cheque o compromisso do jovem assessor
com a verdade do candidato que defende e aquela em que ele acredita.
O drama,
com todos os elementos pertinentes ao thriller político, faz um coeso exercício
de reflexão sobre integridade humana. Clooney (o diretor), que escreveu o
roteiro, com Grant Heslov e Beau Willimon, mergulha com maestria num assunto
que sempre rende muito na imprensa americana: fidelidade (partidária e familiar),
explorando bem o afiado papel das redes de comunicação nas investidas da
dissimulada colunista política Ida
Horowicz (Marisa Tomei).
Ao desenhar
a (des)construção de um candidato ao governo americano, a narrativa (catártica
para muitos espectadores) propicia uma leitura que vai muito além do “belo” discurso
óbvio (dos sacrifícios nacionalistas) que embala o cinismo dos pretendentes ao
cobiçado cargo de “senhor do mundo” e daqueles que o assessoram. Uma leitura
que melancolicamente reforça o velho pensamento de que, quando se faz
concessões, abre-se mão dos sonhos coletivos. Num jogo em que a dialética se
torna retórica e se entorna em eloquência, e a única alternativa é ganhar,
talvez o idealismo não seja tudo afinal.
No vale Tudo Pelo Poder, cabe a Sthephen Myers a função de abrir e fechar
as cortinas do palco montado para o show impecável de Mike Morris, ambos prisioneiros do próprio discurso (moralizador?).
Aí é que a excepcional fotografia de Phedon Papamichael faz a diferença. Sem
ser redundante, compõe no cenário, através de luz e sombra, aquilo que o
diálogo oculta ou o que não precisa (ou não pode) ser dito. É à meia-luz que,
por duas vezes, somos apresentados a Myers.
Na primeira, ele é o sujeito iluminado que sonha o sonho do seu candidato e sai
das sombras (do poder) para testar o som (e não o discurso), num palco (à
meia-luz), degustando as palavras. Na segunda, ele é o sujeito frio que volta
às sombras (do poder) para falar sobre os rumos da campanha, num palco (à meia-luz),
degustando o silêncio. Na política os refletores podem iluminar, com a mesma
intensidade, sonhos e pesadelos. Mas, na penumbra, todas as falas são parcas.
Nas
coxias, onde segredos são desvelados e tramas são tecidas, pode se perder a
inocência, mas não o (bom ou mau) caráter. Quando a traição iminente alcança o
ponto e muda a representação, já não importa quem “apunhalou” e ou se deixou “apunhalar”,
uma vez que os despojos apenas mudarão (ou não!) momentaneamente de mãos. Não
fosse a política brasileira repleta de escândalos explícitos que (provados e
comprovados) dão em nada, e assim continuará enquanto o eleitor brasileiro (obrigado a votar) não se importar, o excelente Tudo Pelo Poder, na exposição crua do lixo (corrupção, mentira, blefe,
chantagem) que nos embriaga, até causaria algum barulho. Com narrativa e atuações
magníficas, ele é, sem dúvida, eficiente e (ainda) necessário (ao público
jovem), mas no atual estágio do Paraíso da Impunidade, nem marola.