quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Crítica: Mary and Max



Tem desenho medíocre que passa e repassa em todas as salas possíveis e imagináveis. Mas que é esquecido tão logo se sai do cinema. Tem bobagens ruins de doer, como os tolos e infantilóides: Alvins e os Esquilos ou Tá Chovendo Hambúguer, que estouram a boca do balão nos EUA e no resto do mundo, enquanto pouco ou nada se ouve falar de outras produções de indiscutível qualidade. Animações que, por mais que se queira, dificilmente chegam às salas de cinemas daqui. Estou falando de Mary and Max (Mary and Max, 2009), o belíssimo filme realizado (com massa) em stop motion, por Adam Elliot, diretor australiano que em 2004 ganhou o Oscar de Melhor Curta de Animação por Harvie Krumpet.


Mary and Max tem um clima um tanto quanto mórbido e fala principalmente da exclusão familiar e social, vividas por Mary Daisy Dinkle (dublada por Bethany Whitmore, criança, e Toni Collette, adulta), uma menina de 8 anos, que mora em Monte Waverley, na Austrália, e por Max Jerry Horovitz (na voz de Philip Seymour Hoffman), um homem solitário e gordo, de 44 anos, que vive em Nova York. Mary é uma garota inquieta (na sua solidão), filha única de pais ausentes. Um acidente, disse-lhe a sua mãe (alcoólatra). Segundo o avô, os bebês eram feitos e achados por seus pais no fundo de suas cervejas. Se na Austrália os bebês são encontrados em copos de cerveja, ela logo deduziu que na América eles seriam encontrados em latas de coca-cola. Porém, Max lhe escreveu que, na América, os bebês não são encontrados em latas de coca-cola, mas conforme a sua mãe lhe ensinou, aos quatro anos, eles vêm de ovos postos por rabinos (ou se você não for judia, postos por freiras católicas, ou se você for atéia, postos por prostitutas sujas e solitárias).


Os questionamentos de Mary, que confunde a pronúncia ou a grafia de certas palavras, chegam a Max em cartas manuscritas, que ele reponde, datilografando numa velha máquina Underwood. Dois mundos tão iguais e tão diferentes, unidos através de um aleatório endereço encontrado numa lista telefônica. O mundo de Mary é colorido em tons de marrom e o de Max em preto, branco e cinza, com um toque de vermelho. Distantes também na idade, ambos sofrem solitários a dor da indiferença num mundo onde cada um é cada vez mais cada um. Mais que entender o desprezo daqueles que os rodeiam, Mary e Max querem entender a si mesmo. E sem metáforas.


Narrado com entusiasmo por Barry Humphries, Mary and Max é pontuado pelo ir e vir de cartas, enquanto a vida se arrasta num subúrbio australiano ou se atropela na urbana Nova York, carregando os tipos “normais” ou “iguais” com suas esquisitices e má educação. Mary e Max querem um amigo que não seja imaginário, animal de estimação ou boneco de brinquedo. Ele é ateu, comunista e sócio do Fã Clube de Ficção Científica de Nova York. Ela é uma menina que sonha em se casar com alguém chamado Earl Grey (marca do seu chá favorito) e morar num belo castelo, na Escócia, e ter nove filhos, dois patos e um cachorro chamado Kelvin. Ambos buscam amizade verdadeira (como a que assistem no desenho Os Noblets) e autoconfiança. As cartas trocadas podem ser o primeiro passo.


Mary and Max é uma animação cujo tema dificilmente interessará a uma criança ou até mesmo a um adolescente, mesmo que (com certeza) já tenha vivenciado algumas de suas difíceis situações. Jogando com diversas formas de humor, fina ironia e forte carga dramática ele fala de alcoolismo, tabagismo, suicídio, rejeição, distúrbios psicológicos (Síndrome de Asperger, Cleptomania, Agorafobia), diferenças (físicas, sociais, mentais, sexuais)..., e principalmente de amizade, do valor da amizade, da necessidade de amizade entre os humanos. Em qualquer lugar do mundo urbano ou suburbano o homem é igual em seu preconceito e na ausência de responsabilidade. Com esta fascinante animação Adam Elliot nos dá uma obra de profunda reflexão (sobre o que é ser e ou estar normal) que pode despertar sentimentos escondidos a sete chaves e, possivelmente, fornecer a chave para a sua compreensão.



Mary and Max é um filme para adultos (de qualquer idade) que acreditam num cinema além do refrigerante e da pipoca. Um filme para quem gosta de arte e de dar trabalho pros macaquinhos que adoram tirar folga quando um corpo se ajeita na poltrona do cinema. Uma animação pra quem sempre soube que havia vida inteligente em outros países, mas que os imensos painéis americanos não deixavam ver. Vale ressaltar que, apesar do tema pesado, o filme é um convite à vida!

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