sábado, 30 de novembro de 2019

Crítica: Entre Facas e Segredos



ENTRE FACAS E SEGREDOS
por Joba Tridente

Após a decepcionante versão de Kenneth Branagh para Assassinato no Expresso do Oriente, em 2017,  os fãs de filme de mistério já podem compensar a escorregada do britânico (que em 2020 lança a releitura de Morte no Nilo, já adaptada em 1978 por John Guillermin), com o divertido Entre Facas e Segredos (Knives Out, 2019) do americano Rian Johnson (Looper, Star Wars - Os Últimos Jedi).


A história acompanha as investigações do célebre detetive Benoit Blanc (Daniel Craig), contratado anonimamente, para resolver as circunstâncias da morte (assassinato ou suicídio?) do famoso escritor de suspense Harlan Thrombey (Christopher Plummer), encontrado degolado, em sua mansão, na manhã seguinte à comemoração do seu 85.º aniversário. Harlan era um milionário cercado pelos filhos, noras e netos sanguessugas que ele sustentava de bom grado. Pelo menos é o que faz parecer a sua parentalha feliz com a mesada viciante. E quando se trata de aparência, os Thrombey, sejam eles descendentes e ou agregados, são mestres em causar boa impressão..., ou se safar tentando. Para o detetive da polícia, tenente Elliott (LaKeith Stanfield), a cena da morte do escritor sugere suicídio. Para o experiente Blanc, assim como o vazio no buraco da rosquinha, a cena da morte guarda alguns segredos que ele espera desvelar antes que o Testamento de Harlan apague os vestígios do suicídio (?) ou do assassinato (?). Quanto ao policial Trooper Wagner (Noah Segan), que é apaixonado por romances de mistério e acompanha eufórico os desdobramentos do caso, ele não vê a hora da intrincada trama (que imita a arte literária) fazer sentido e receber o ponto final de Benoit Blanc.


O interessante nessa trama de simplicidade enganosa e muito divertida em suas “reviravoltas”, escrita pelo próprio Johnson, é que, praticamente, desde o princípio, o espectador sabe (ou pensa que sabe) como ocorreu a morte de Harlan e vai ficar matutando se deixou escapar alguma gota do mistério, já que, se está (?) tudo esclarecido, Blanc insiste em encontrar a peça motivacional que falta no vazio da rosquinha. Será que o que foi mostrado não passa de uma farsa? Será que o ato mortal não é tão claro (mesmo que você tenha assistido à ação!) como parece e que o sangue da degola pode ter respingado em mais de um personagem? O que Blanc deixou escapar ao interrogar a filha de Harlan, a empresária Linda (Jamie Lee Curtis), o seu marido Richard (Don Johnson) e Ransom (Chris Evans), o filho playboy do casal? O detetive notou que o cabisbaixo Walter (Michael Shannon), o caçula que administra a editora do pai, a sua esposa Donna (Riki Lindhome) e o filho extremista Jacob (Jaeden Martell) se portam de modo suspeito? E quanto à falsidade em pessoa Joni (Toni Collette), nora de Harlan, e a sua inocente filha Meg (Katherine Langford), estão escondendo o jogo em troca de “migalhas”? Como o espectador poderá ver e ouvir, entre um questionamento e outro, é que todos parecem magoados com algum acontecimento ocorrido na festa de aniversário de Harlan, mas seriam eles capazes de um ato tão insano? Para ter todas as perguntas respondidas, o público vai ter de esperar o epílogo (real)..., logo após o que seria o ponto final definitivo!


Como é de praxe, a narrativa começa meio confusa, mas logo os nós vão sendo atados e quando menos se espera (mesmo!) o espectador já sabe “o” quem (matou), “o” como (morreu) e “o” porquê do tal crime. Bom, sabe mais ou menos. Pois, quando se trata de mistério, o melhor é não acreditar em soluções fáceis, já que nem tudo que se ouve ou se vê em cena tem a ver com o fio da meada que, quando menos desfiar, melhor para enredar. O elenco é brilhante, o roteiro uma delícia e a direção um primor. O script brinca com o farsesco sem apelar para a metalinguagem, assim como trata de questões de imigração, prisões e extremismo governamental (norte-americano?), sem qualquer teor de panfletagem: por isso é que funciona (subliminarmente?)!

Enfim, Entre Facas e Segredos não é um filme hilário, mas tem momentos de excelente humor, principalmente relacionado à Marta Cabrera (Ana de Armas), uma imigrante latina (sabe se lá de onde!) que serve tanto de assistente quanto de cuidadora de Harlan, além de peça-chave para Benoit Blanc destrinchar este imbróglio. Ah, fique atento para não perder uma impagável gag que reverencia um certo trono de uma famosa série de tv. Um espetáculo e tanto para se passar muito bem o tempo...


Joba Tridente: O primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros vídeos-documentários fiz em 1990. O primeiro curta-metragem (Cortejo), em 35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003), de Joseph Zito, rodado em Curitiba, no Paraná, Brasil.

quarta-feira, 20 de novembro de 2019

Crítica: A Grande Mentira



A GRANDE MENTIRA
por Joba Tridente

Dizem que na mesa do pôquer vence quem blefa melhor. Dizem que na mesa da negociata um trapaceiro profissional pode cair do alto do seu castelo de cartas sem nem saber de onde veio a rasteira. Dizem que na mesa da vida a cobrança das ações do passado pode vir antes da sobremesa. Ou não! Vai depender da dose de sorte (esperteza) e ou da dose de azar (estupidez) de cada jogador para se saber quem vai brindar com champanhe ao final da partida. Situações (meramente ilustrativas) que podem ser conferidas no bom thriller A Grande Mentira, dirigido por Bill Condon (Deuses e Monstros, Kinsey, Dreamgirls, Mr. Holmes), a partir da adaptação de Jeffrey Hatcher para o romance The Good Liar (O Bom Mentiroso, 2015), do escritor britânico Nicholas Searle (ex-oficial de inteligência do Reino Unido).


A trama de A Grande Mentira acontece no ano de 2009, em Londres, e envolve o vigarista profissional Roy Courtnay (Ian McKellen) e a vítima da vez Betty McLeish (Helen Mirren). O casal de octogenários viúvos se conheceu num site de relacionamento amoroso, onde Roy costuma caçar as mulheres perfeitas para seus inescrupulosos ataques financeiros. Com sua esperteza aprimorada em anos de golpes, ao lado do cúmplice Vincent (Jim Carter), o maquiavélico Roy acaba encontrando uma forma de se infiltrar cada vez mais na vida da rica e solidária Betty, provocando desconfiança em Stephen (Russell Tovey), o neto da viúva. Toda via mal-intencionada do predador, no entanto, conforme o roteiro se desenrola, largando dicas/pistas para tudo quanto é lado, não é difícil perceber que alguma coisa está fora de ordem e que o enredo hitchcockiano, com suas reviravoltas (até rocambolescas), pode vir a surpreender com o ás da cartada final. O Destino não é mesmo confiável!


Ainda que a história não seja assim uma obra-prima, entre os contos regulares de trapaceiros sedutores e trapaceados charmosos levados ao cinema, A Grande Mentira é um filme que se assiste com curiosidade e prazer. Talvez, relevando alguns excessos do roteiro, nem tanto pelo desafio de você descobrir, com maior ou menor grau de dificuldade, quem está contando a grande mentira ou quem é o bom mentiroso, do título do elogiado romance..., mas pela atuação impecável de Ian McKellen e Helen Mirren. Com os dois em cena, não importa se alguma sequência parece absurda e até gratuita (na violência), e sim a elegância de suas performances dando sagacidade ao casal da ficção. É uma delícia se deixar envolver pelos gestos meticulosos, pelos olhares de Esfinge: “decifra-me ou te devoro” ou “ama-me e te roubo”, pelos diálogos (falsamente) provocativos e convenientemente subtendidos na interpretação de cada um...


Enfim, com um primeiro ato mais leve e audacioso (jogo de gato e rato) e um segundo mais obscuro e intenso (preparo da armadilha) A Grande Mentira mantém o espectador firmemente conectado até o desfecho teatral, onde apropriadamente destila a ironia do humor inglês (numa gag genial) com uma advertência para os incautos: cuidado! Não sei se todo público vai entender a piada que me fez gostar mais do filme (ao relembrá-la primorosamente encaixada no contexto, na hora de escrever esta resenha) e nem me importar se é ou não discutível certos desdobramentos da trama, já que, além de se tratar de mera ficção, me pareceram plausíveis (e juridicamente ainda possível). Ah, se você não matar a charada a tempo, quando a comédia termina seu queixo vai cair, ao perceber que as pistas desveladas estiveram (camufladas?) na sua frente a narrativa inteira. E aí, quem é a isca e quem é o peixe?

Assim, viajando no verde das azeitonas do dry martini, digo, sem receio de cometer spoilers, que a segunda estrofe da bela canção As Aparências Enganam, de Sérgio Natureza e Tunai, imortalizada por Elis Regina, de certa forma sintetiza o enredo de A Grande Mentira: (...) As aparências enganam aos que odeiam e aos que amam / Porque o amor e o ódio / Se irmanam na geleira das paixões / Os corações viram gelo e depois / Não há nada que os degele / Se a neve cobrindo a pele / Vai esfriando por dentro o ser / Não há mais forma de se aquecer / Não há mais tempo de se esquentar / Não há mais nada pra se fazer / Senão chorar sob o cobertor. Bom, isso não quer dizer que você, um adulto sóbrio, também possa ter essa percepção...


Joba Tridente: O primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros vídeos-documentários fiz em 1990. O primeiro curta-metragem (Cortejo), em 35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003), de Joseph Zito, rodado em Curitiba, no Paraná, Brasil.

quarta-feira, 13 de novembro de 2019

Crítica: Um Dia de Chuva em Nova York



UM DIA DE CHUVA EM NOVA YORK
por Joba Tridente

Ah, essas poderosas produtoras puritanas que, preocupadas com suas reputações conservadoras (?), estremecem o mercado do entretenimento em prol do patrimônio da família, do patrimônio da moral e do patrimônio do mercado, pela preservação do patrimônio dos bons costumes norte-americanos. Quebra de contrato (de cinco filmes) da Amazon Studios, mimimi de atores inseguros e factoides à parte..., eis que, dois anos depois do tititi da onda de assédios no reino cinematográfico, finalmente a comédia romântica Um Dia de Chuva em Nova York (A Rainy Day in New York), escrita e dirigida pelo mestre Woody Allen, chega às salas de cinema (que não o boicotaram) em alguns países, inclusive no Brasil.


Um Dia de Chuva em Nova York é um filme nostálgico, com toques de melancolia, trilha sonora envolvente, diálogos irônicos e personagens inquietos..., algo habitual nas obras de Allen, mas que nunca soam redundantes, já que a retórica sempre traz argumentos diferentes. Desta vez o contexto é bem mais juvenil, ao apresentar três jovens (brancos e muito ricos), na faixa dos vinte anos, em busca de um lugar na sociedade, para satisfação pessoal e ou de suas abastadas famílias: Gatsby Welles (Timothée Chalamet), culto e sem rumo, apaixonado pela boemia e por um bom piano num bar esfumaçado;  Ashleigh (Elle Fanning), aspirante a jornalista e apaixonada por cinema; Shannon (Selena Gomez), apaixonada por moda.

A trama de encontros, desencontros e revelações bombásticas, acontece praticamente num dia chuvoso de sábado, quando o casal de universitários Gatsby e Ashleigh vai passar um fim de semana romântico em Nova York. Ela, porque conseguiu marcar uma entrevista com o renomado diretor de cinema Roland Pollard (Liev Schreiber). Ele, porque quer apresentar as maravilhas da cidade para a sua amada. Porém, apesar da agenda cultural combinada, a ingênua e entusiasta Ashleigh acaba indo além do tempo previsto com o depressivo Roland e, de quebra, se vendo dando atenção também ao incompreendido roteirista Ted Davidoff (Jude Law) e ao sensual ator Francisco Vegas (Diego Luna). Enquanto aguarda pela amada, Gatsby anda pela cidade, e, entre alguns velhos amigos, encontra Shannon, a irmã de uma ex-namorada. Daí, até o final da noite, tudo (mesmo) pode acontecer com esse trio tão desencontrado, mas cheio de desejos..., a mãe de Gatsby (Cherry Jones) que o diga! Depois de tantos atropelos sob a chuva do sábado, a tranquilidade do domingo certamente surpreenderá a cada um...


Maravilhosamente fotografada por Vittorio Storaro, a trama de Um Dia de Chuva em Nova York parece tecer uma viagem no tempo e ou um resgate no tempo, ao trazer um jovem alter ego de Woody Allen de ontem para dialogar com a Nova York de hoje, que ainda guarda preciosos resquícios do passado do diretor. A divertida provocação causa um curioso estranhamento na atmosfera verbal e visual do jovem casal contemporâneo, mas com viés vintage..., principalmente em Gatsby, saudoso de um passado cultural que não viveu. Saudade essa manifestada numa emocionante sequência em que ele toca piano e canta a adorável Everything Happens to Me (Tudo Acontece Comigo, 1940), de Tom Adair e Matt Dennis, que Frank Sinatra gravou quatro vezes, mas cuja versão (no filme) se aproxima da interpretação de Chet Baker.

(Nota: Infelizmente, como é padrão nas traduções cinematográficas brasileiras (excetuando alguns musicais), sempre que aparece alguém cantando, mesmo tendo a ver com a trama, a tradução cessa, como se fosse crime traduzir letra de música. Toda via melódica, no entanto, para você não ser levado(a) a esmo pela enxurrada dos versos, saiba que a canção fala de um cara que lamenta seu azar no amor, no lazer, no jogo..., por mais que ele tente acertar, algo dá errado.). Como se ouve ali, para quem conhece o valor das palavras do coração, Allen não economiza seus diálogos geniais nessa belíssima sequência, mas sabiamente aproveita um que está pronto e o condensa com maestria numa tocante cena melódica. Talvez, o que quer que tivesse escrito, por melhor que fosse, naquele momento único soaria banal...


Enfim, Woody Allen, diretor de Vicky Cristina Barcelona - o filme mais sensual que já assisti até hoje, e de: Tudo Pode Dar Certo; Para Roma Com Amor; Você Vai Conhecer o Homem dos Seus Sonhos; Meia-Noite em Paris; Blue Jasmine, entre outros que amo, mas que não resenhei, continua me surpreendendo positivamente. Assim, considerando as tiradas inteligentes sobre cinema, cultura de almanaque, literatura de costumes, relacionamentos amorosos e de ocasião; a mordacidade dos diálogos; o humor leve; a fotografia fantástica; a jovialidade do roteiro e do elenco, que se sai muito bem; o ritmo narrativo que precisa apenas de 90 minutos para contar uma história simpática; a trilha sonora; o jogo de espelhos com a veracidade do teatro e o engodo da vida..., a comédia romântica agridoce Um Dia de Chuva em Nova York é um bom espetáculo para se assistir em qualquer clima...

Joba Tridente: O primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros vídeos-documentários fiz em 1990. O primeiro curta-metragem (Cortejo), em 35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003), de Joseph Zito, rodado em Curitiba, no Paraná, Brasil.

quarta-feira, 6 de novembro de 2019

Crítica: Cadê Você, Bernadette?



CADÊ VOCÊ, BERNADETTE?
por Joba Tridente

Entre os meus filmes favoritos se encontram alguns de Richard Linklater: Antes do Amanhecer (1995), Antes do Pôr-do-Sol (2004), Antes da Meia-Noite (2013), Escola de Rock (2003), O Homem Duplo (2005), Boyhood - Da Infância à Juventude (2014). Com seus diálogos emocionantes, que também podem ser tão desconcertantes quanto os do mestre Woody Allen, o diretor Linklater, um dos nomes mais interessantes do cinema indie norte-americano, faz de seus filmes um espetáculo raro, que por muito tempo ou mesmo anos, fica ecoando na memória, como a envolvente trilogia “Antes”, por exemplo. Um cineasta capaz de passar doze anos filmando uma história como a de Boyhood, realmente, deve ter muito a dizer com sua arte. O problema é que nem sempre a plateia está olhando para o mesmo horizonte que ele. Sua obra mais recente, Cadê Você, Bernadette?, já está nas salas de cinema. Será que o grande público irá mergulhar na onda da sua protagonista e confortavelmente sintonizá-la?


Cadê Você, Bernadette? (Where'd You Go, Bernadette, 2019) é baseado no best-seller homônimo de Maria Semple, lançado em 2012. O roteiro, assinado Holly Gent, Vincent Palmo Jr. e Linklater, acompanha a misantrópica arquiteta Bernadette Fox (Cate Blanchett) que, ao contrário de seu marido Elgie (Billy Crudup), desenvolvedor de tecnologia inteligente, está no auge de uma crise criativa e, sem se dar conta do seu estado depressivo, acaba perdendo o chão quando a filha Bee (Emma Nelson), faz uma proposta para os três passarem uns dias numa base na Antártica.

O sumiço de Bernadette é mostrado num breve prólogo, belissimamente fotografado por Shane F. Kelly, na Antártica. Há um recuo de algumas semanas e então começamos compreender o título da trama, que vai muito além deste início. Através de emails, narrativas da filha, vídeos e relacionamento com vizinhos, a vida de Bernadette vai se desvelando e, só aos poucos, começamos a compreender as idiossincrasias da personagem, que se mudou da Los Angeles para Seattle, onde o marido trabalha na Microsoft e ela, praticamente, se ocupa da amada filha adolescente Bee. A família, um tanto disfuncional, mora num casarão antigo (parecido com casas velhas e abandonadas de filme de terror) há muito esperando por uma restauração adiada, já que a proprietária, considerada um dos nomes mais importantes da arquitetura norte-americana, está com bloqueio criativo, provocado por um trauma (que só quem é artista profundamente dedicado à sua arte vai compreender a dimensão da dor) que será mostrado no avanço da narrativa.


Ao se emparedar em seu mundo, com abertura de sol apenas para a amada filha e com alguns raios para o amigável marido, Bernadette pede socorro. Mas ninguém, além dela, a ouve. A sua janela está fechada para a (odiada) humanidade ao seu redor..., o que a faz se “relacionar” com Manjula, uma assistente virtual indiana, sempre online, que “resolve” todos os seus problemas materiais. Conforme o enredo amarra as pontas soltas, compreendemos que o questionamento “cadê você?” vai muito além do “último” desaparecimento (na Antártica) da protagonista, que há muitos anos estava perdida dentro de si mesma à espera de um resgate.

Embora classificado como comédia, a mim Cadê Você, Bernadette? sugere um drama psicológico..., com espaço para se compreender uma emocionante jornada do herói tardia. O que não quer dizer que algum espectador não possa achar graça em algumas cenas absurdas.  Toda via retórica dos gêneros cinematográficos, no entanto, creio que os profissionais do divã vão se encantar com uma notável edição de duas sequências em que (sem dividir a tela) Bernadette encontra casualmente o arquiteto Paul Jellinek (Laurence Fishburne) e conversa sobre os velhos tempos (há uma fala curiosa de Jellinek sobre criatividade) e os percalços da profissão, ao mesmo tempo em que o seu marido Elgie se encontra com a psiquiatra Dr. Kurtz (Judy Greer) e fala sobre o comportamento da mulher. Esta fascinante alternância de diálogos é essencial para se compreender como a misantrópica Bernadette chegou àquele estado mental e para sinalizar uma possível saída desse transtorno.


Não sei dizer o quanto a adaptação de Cadê Você, Bernadette?  é fiel ao romance de Semple, pois desconheço a obra, mas o roteiro (com alguma obviedade) me pareceu enxuto, na medida certa para contar uma história que vai lapidando sem pressa a aspereza do assunto até chegar redondinha (e sem subestimar o espectador) ao satisfatório epilogo. A direção de Richard Linklater é precisa. O elenco é formidável e, claro, Cate Blanchett não decepciona. Como já disse, não há alívio cômico, mas (procurando bem) nada impede o espectador de encontrar sinais de humor e, ao menos, abrir um leve sorriso. Além da fotografia, destaco tanto a cenografia quanto a edição. Ah, e se a misantrópica Bernadette vai ser encontrada e ou se encontrou, você só vai saber assistindo!


Joba Tridente: O primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros vídeos-documentários fiz em 1990. O primeiro curta-metragem (Cortejo), em 35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003), de Joseph Zito, rodado em Curitiba, no Paraná, Brasil.

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