quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Crítica: Mary and Max



Tem desenho medíocre que passa e repassa em todas as salas possíveis e imagináveis. Mas que é esquecido tão logo se sai do cinema. Tem bobagens ruins de doer, como os tolos e infantilóides: Alvins e os Esquilos ou Tá Chovendo Hambúguer, que estouram a boca do balão nos EUA e no resto do mundo, enquanto pouco ou nada se ouve falar de outras produções de indiscutível qualidade. Animações que, por mais que se queira, dificilmente chegam às salas de cinemas daqui. Estou falando de Mary and Max (Mary and Max, 2009), o belíssimo filme realizado (com massa) em stop motion, por Adam Elliot, diretor australiano que em 2004 ganhou o Oscar de Melhor Curta de Animação por Harvie Krumpet.


Mary and Max tem um clima um tanto quanto mórbido e fala principalmente da exclusão familiar e social, vividas por Mary Daisy Dinkle (dublada por Bethany Whitmore, criança, e Toni Collette, adulta), uma menina de 8 anos, que mora em Monte Waverley, na Austrália, e por Max Jerry Horovitz (na voz de Philip Seymour Hoffman), um homem solitário e gordo, de 44 anos, que vive em Nova York. Mary é uma garota inquieta (na sua solidão), filha única de pais ausentes. Um acidente, disse-lhe a sua mãe (alcoólatra). Segundo o avô, os bebês eram feitos e achados por seus pais no fundo de suas cervejas. Se na Austrália os bebês são encontrados em copos de cerveja, ela logo deduziu que na América eles seriam encontrados em latas de coca-cola. Porém, Max lhe escreveu que, na América, os bebês não são encontrados em latas de coca-cola, mas conforme a sua mãe lhe ensinou, aos quatro anos, eles vêm de ovos postos por rabinos (ou se você não for judia, postos por freiras católicas, ou se você for atéia, postos por prostitutas sujas e solitárias).


Os questionamentos de Mary, que confunde a pronúncia ou a grafia de certas palavras, chegam a Max em cartas manuscritas, que ele reponde, datilografando numa velha máquina Underwood. Dois mundos tão iguais e tão diferentes, unidos através de um aleatório endereço encontrado numa lista telefônica. O mundo de Mary é colorido em tons de marrom e o de Max em preto, branco e cinza, com um toque de vermelho. Distantes também na idade, ambos sofrem solitários a dor da indiferença num mundo onde cada um é cada vez mais cada um. Mais que entender o desprezo daqueles que os rodeiam, Mary e Max querem entender a si mesmo. E sem metáforas.


Narrado com entusiasmo por Barry Humphries, Mary and Max é pontuado pelo ir e vir de cartas, enquanto a vida se arrasta num subúrbio australiano ou se atropela na urbana Nova York, carregando os tipos “normais” ou “iguais” com suas esquisitices e má educação. Mary e Max querem um amigo que não seja imaginário, animal de estimação ou boneco de brinquedo. Ele é ateu, comunista e sócio do Fã Clube de Ficção Científica de Nova York. Ela é uma menina que sonha em se casar com alguém chamado Earl Grey (marca do seu chá favorito) e morar num belo castelo, na Escócia, e ter nove filhos, dois patos e um cachorro chamado Kelvin. Ambos buscam amizade verdadeira (como a que assistem no desenho Os Noblets) e autoconfiança. As cartas trocadas podem ser o primeiro passo.


Mary and Max é uma animação cujo tema dificilmente interessará a uma criança ou até mesmo a um adolescente, mesmo que (com certeza) já tenha vivenciado algumas de suas difíceis situações. Jogando com diversas formas de humor, fina ironia e forte carga dramática ele fala de alcoolismo, tabagismo, suicídio, rejeição, distúrbios psicológicos (Síndrome de Asperger, Cleptomania, Agorafobia), diferenças (físicas, sociais, mentais, sexuais)..., e principalmente de amizade, do valor da amizade, da necessidade de amizade entre os humanos. Em qualquer lugar do mundo urbano ou suburbano o homem é igual em seu preconceito e na ausência de responsabilidade. Com esta fascinante animação Adam Elliot nos dá uma obra de profunda reflexão (sobre o que é ser e ou estar normal) que pode despertar sentimentos escondidos a sete chaves e, possivelmente, fornecer a chave para a sua compreensão.



Mary and Max é um filme para adultos (de qualquer idade) que acreditam num cinema além do refrigerante e da pipoca. Um filme para quem gosta de arte e de dar trabalho pros macaquinhos que adoram tirar folga quando um corpo se ajeita na poltrona do cinema. Uma animação pra quem sempre soube que havia vida inteligente em outros países, mas que os imensos painéis americanos não deixavam ver. Vale ressaltar que, apesar do tema pesado, o filme é um convite à vida!

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Quem TV vê TV Quem


arte postal: Sônia/Oficina em Juranda-PR

Quem TV vê TV Quem

Não sou muito de ver TV. Não tenho paciência pra mesmice. Novela, então..., quando estou com tempo só a do chá das 6. Outras, só os primeiros capítulos, que são os mais elaborados, e, às vezes, os últimos. Assim, na hora de bebericar um chá, me ligo na novelesca, pra não ver programas de baixaria e bobices nos outros canais. Se começa a chatear zappeio até o fim do chá. E me desligo. Não me acabo numa TV por assinatura. A maioria dos canais pagos é tão ruim quanto os abertos. Mesmo sendo pagos. E filme bom é filme visto no cinema.

De ano a ano as novelas alcançam outros canais e vão ficando cada vez piores na sua repetência. Dizem que o custo de uma novela daria pra fazer dezenas de filmes..., alguns até com melhor qualidade do que se vê por aí. Mas o público quer saber de novela e não de cinema. Assim...

Enquanto isso em uma novela:
- Como é que um sujeito (chato) que quer se esconder da família, da polícia e de seus inimigos, continua com a mesma cara, barba e cabelo? Não seria mais fácil cortar e parecer um pouco mais diferente e/ou (ao menos) demorar o reconhecimento?
- Como é que uma mulher que aparenta no máximo 30 anos pode ter filhos adolescentes de quase 18 anos? Se teve filhos ainda na adolescência, por que não se discute isso?
- Por que em plena era da informatização alguém faria um curso de dactilographia?
- Como uma pessoa pode ser demitida e não receber (e nem saber existir) Fundo de Garantia e Salário Desemprego, ficando, da noite pro dia, na miséria?

Enquanto isso em outra novela:
- Por que um sujeito fotógrafo famoso numa novela das 21 horas é exatamente o mesmo sujeito e fotógrafo famoso (até na barba) de um personagem caboclo/aviador que vai pra Europa e é premiado em uma novela que fez época às 18 horas? Ah, magia das novelas!

Enquanto isso numa novela que acabou:
Paraíso, versão 2009, foi uma das novelas mais sem noção que já passaram na TV brasileira. Paraíso (na trama) é o nome de uma cidade, praticamente no meio do nada. Lá pras bandas de Mato Grosso. Um lugar onde não tem agência dos Correios e nem rodoviária, banco, escola. O comércio não passa de um posto de gasolina, um bar/restaurante/boteco, uma pensão, uma farmácia, um taxi e uma igreja sempre vazia. O lugarejo é uma ilha rodeada de fazendeiros e administrada por um prefeito sem vice e sem vereadores. A população ali é mínima e 100% de fofoqueiros. Um punhado de homens e um punhado de mulheres e todos fofoqueiros. Não se tem nada a fazer ali. Só um ou outro tem família. Na purgativa Paraíso vivem dois chatos chorões: Zeca “Diabo” e Santinha.

E então: aparecem por ali dois sujeitos (sem família) metidos a espertos, “formados” em publicidade e jornalismo, que pensam em instalar, na praça, um “moderníssimo” serviço de auto-falante, pra vender anúncios (ou seria reclames?) e noticiar (?) aos moradores. Em vez disso abrem uma rádio e na cidade, que não tem nem televisão, todos passam a ouvir a rádio. A partir daí, aquele lugarejo regido pela igreja católica (que não comemora nem a semana santa), e que já teve até um (minúsculo) cinema, finalmente começa evoluir. As fofocas mudam o foco e em pouco tempo uma financeira e duas lojas de marca se estabelecem na “cidade”, pra vender seus serviços pra ninguém. A rádio passa de mão em mão e qualquer basbaque consegue colocá-la no ar. Lá pelas tantas, um dos fundadores da rádio, que tinha ido embora daquele vilarejo esquecido no meio do nada, volta pra lançar um jornal (um jornal!), ali onde as pessoas nunca viram um helicóptero e tem uma ponte quebrada, Mas, como Paraíso quer sair do anonimato, mesmo não tendo serviços essenciais, termina com a inauguração de um aeroclube. Pode?!?

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Crítica: Encontro de Casais


Encontro de Casais
Encontro de Casais
uma divertida viagem numa canoa furada

Estréia, neste Natal, mais uma comédia americana sobre relacionamento amoroso. Quem gosta de cinema e vê de tudo um pouco ou quase tudo que chega às telonas, conhece de cor e salteado todos os clichês do cinema americano, principalmente das comédias românticas do tipo opostos que se atraem, depois de algumas confusões e indefectíveis piadas escatológicas, trombadas e escorregões. Certo? É ver pra crer ou nem precisar ver. É assim, mesmo. Quem viu (ou vê) uma comédia americana, já viu todas. Quando começa o Encontro de Casais, um espectador estraga prazeres (feito eu) com toda certeza vai dizer, já vi isso (desentendimento de casal) e já sei como vai terminar. Comédia romântica americana é previsível demais. Certo? Errado! Encontro de Casais (Couples Retreat, EUA, 2009), com direção de Peter Billingsley e roteiro de Vince Vaughn, Dana Fox e Jon Favreau, é uma comédia que navega contra a maré da previsibilidade até mesmo na esquisitice.

Construído na linha amor estranho amor, bem ao gosto (mas sem a ousadia) de Woody Allen, Encontro de Casais diverte ao colocar quatro casais amigos numa terapêutica canoa furada, em uma ilha paradisíaca. A história é a seguinte: numa última tentativa de salvar o seu casamento, Jason (Jason Bateman) e Cynthia (Kristen Bell) decidem participar de uma terapia de casais, chamada Eden, num resort no Tahiti. Como o programa custa caro, tentam convencer três casais de amigos: Dave (Vince Vaughn) e Ronnie (Malin Akerman), Joey (Jon Favreau) e Lucy (Kristin Davis), e Shane (Faizon Love) e Trudy (Kali Hawk) a embarcarem com eles, em troca de um grande desconto e sem a obrigação de participar da terapia. O lugar fantástico lembra tanto A Ilha da Fantasia que a gente acha que logo vão aparecer Tattoo (Hervé Villachaize) gritando: “É o avião! É o avião!“ e o Sr. Roarke (Ricardo Montalban) recebendo os convidados. Nesta ilha da terapia, os casais são recebidos com muitos sorrisos por Sctanley (Peter Serafinowicz), que dá os votos de boas vindas e o aviso de que, pra usufruir daquela maravilha ao redor, todos serão obrigados a participar das terapias que exigem concentração e entrega total. O que, numa ilha de tantos prazeres (comida e bebida) e desejos (pegação/sexo), não é nada fácil. Malditas letrinhas miúdas!

O humor apresentado em Encontro de Casais é meio nonsense e aposta mais na sugestão da imagem do que no diálogo. Apesar do absurdo jovial de ambos. É um humor mais próximo (mesmo que distante) do inglês do que do americano. Talvez, por isso, algumas situações podem ser engraçadas pra um espectador e entediante pra outro. Vai tudo da leitura “terapêutica” das terapias convencionais, estranhas, bizarras e/ou até “educativas”, como a de Tantra Yoga, orientada por Salvadore (Carlos Ponce), um musculoso e sensual Yogue (que sai das águas azuis, feito um Deus Grego, numa sunga sumária, para ensinar posições sexuais). Há uma boa carga de humor negro na crítica ao padrão dos terapeutas e na necessidade de padronizar os casais, cada um com seu uniforme, distintos pela estampa escura e desordenada dos psicanalistas e pela cor diversificada por casal (lavanda, amarelo escuro, ouro, laranja).

Encontro de Casais, com seu humor alternativo (já partilhado por Vince Vaughn e Jon Favreau em outras comédias amorosas), provocante e leve, é um filme simpático, com uns dois ou três vacilos que não o comprometem. Recheada de gente bonita e de tipos curiosos, no cenário encantador de Bora Bora, na Polinésia Francesa, a comédia é um convite ao relaxamento, diversão e, de quebra, terapia de casais quase de graça.

sábado, 19 de dezembro de 2009

Crítica: Alvin e os Esquilos 2


Alvin e os Esquilos 2
Alvin e os Esquilos 2
proibido para maiores de 10 anos

Eu não assisti ao primeiro filme da série: Alvin e os Esquilos (Alvin and the Chipmunks), mas, pelo que li a respeito, vi que não faz a menor diferença. Alvin e os Esquilos 2 (Alvin and the Chipmunks 2: The Squeakuel/EUA/2009) segue o molde infantojuvenil dos chatíssimos filmes musicais escolares (com aborrescentes que cantam ou pensam que cantam e/ou jogam ou pensam que jogam futebol americano), em que os alunos podem tudo, desde que não percam um título (ou um dinheiro) qualquer que pode salvar a escola ou um curso (?) ou um filme (lá deles, que chega aqui).

A nova aventura de Alvin e os Esquilos 2, dirigido por Betty Thomas, começa numa turnê do trio de esquilos na França, quando um acidente tira de circulação Dave Seville (Jason Lee), o agente do grupo. Enviados à Los Angeles, para frequentar a escola, os esquilos acabam ficando sob a guarda de Toby (Zachary Levi), um sobrinho de Dave. O sujeito é um tipo bobão, viciado em jogos eletrônicos, que só pensa em comer, dormir e jogar. Na escola, Alvin, Simon e Theodore não estão livres de confusões, nem sempre provocadas por eles, mas vão ter tempo para descobrir a importância da amizade, do profissionalismo, do egoísmo e, também, o amor, quando conhecerem The Chipettes, trio de esquilas formado por Brittany, Eleanor e Jeanette. Isso tudo regado com uma musiquinha distorcida aqui e uma dancinha insinuante ali.

Em Alvin e os Esquilos 2 a combinação de humanos com esquilos digitais fica a desejar, assim como ficou em Garfield. Mas, como o filme é dirigido a crianças, com certeza as menos espertas nem notarão. De qualquer sorte (ou azar) o filme segue o padrão clichê de “comédia” americana (muito copiado por brasileiros) com seu “humor” recheado de “piadas” escatológicas de peido, (sobras de) comida, banheiro, lixo..., além de escorregadas e tropeções. Resta saber se alguma criança ainda acha graça nisso. É um filme que se arrasta (apesar dos agitados esquilos) sem ousadia ou inventividade, pelo menos para os adultos. A impressão é a de que os roteiristas, Jonathan Aibel e Glenn Berger, e a diretora, Betty Thomas, não acreditam ou apostam na inteligência ou desenvolvimento intelectual das crianças do século 21. Ou acham que esquilos falantes e cantantes, que se comunicam com humanos, já é inusitado o suficiente.

Alvin e os Esquilos 2, com sua violência moderada, é simplório e previsível do princípio ao fim e (talvez) por isso pode agradar crianças abaixo de dez anos, mas dificilmente terá algum atrativo para os pais ou acompanhantes. A não ser que (o adulto) seja fã dos esquilinhos fofinhos de voz irritante (bem ao gosto americano) e seu pop de FM.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Crítica: AVATAR



Avatar, a mais nova investida cinematográfica de James Cameron, é de deixar qualquer espectador embasbacado com seu magnífico visual em 3-D estereoscópico. Usando e abusando do que há de mais avançado na tecnologia 3-D, o diretor (roteirista e produtor) transforma uma história sobre a exploração de minerais, em um planeta virgem (que para alguns pode até aparecer banal e piegas), num espetáculo contagiante e capaz de tocar o mais insensível crítico dos naturalistas.

Avatar é uma fábula ecologicamente correta. A história se passa em Pandora, uma lua orbitando o planeta gasoso Poliphemus, em Alfa Centauro. É um lugar deslumbrante, como a Terra já foi um dia, com densa vegetação que abriga, além de fantásticas formas de vida animal e vegetal, a civilização dos Na’Vi, pacífica raça humanóide. O seu equilíbrio é quebrado com a chegada de terráqueos em busca de um minério raro e caro. Os invasores, com todo o seu poderio bélico, só têm um propósito: a exploração a qualquer preço. Mesmo que este seja o da vida dos nativos e do perfeito equilíbrio da riquíssima fauna e flora. Como não podem sobreviver à atmosfera de Pandora, usam a manipulação genética para criar híbridos humano-Na´Vi, chamados de Avatares, controlados através da projeção de consciência, e se infiltrar entre os nativos e minar as suas forças. Jake Sully (Sam Worthington), um fuzileiro naval paralítico, e Grace (Sigorney Weaver), uma cientista, ambos comandantes de híbridos, serão o fiel da balança na batalha que se anuncia.

Parece uma história conhecida, não é? Na Terra, vemos e ouvimos diariamente do que a ambição desmedida do homem é capaz. Mas não vemos e nem ouvimos soluções..., apenas promessas ao vento. Avatar fala de um futuro ainda possível. Pelo menos na ficção ou no sonho, já que, por aqui, o que continua nos assombrando é o pesadelo diário imposto pelos senhores do mundo desenvolvido, em seus encontros datados para confabular sobre nada. Pois nunca há clima para se discutir uma solução para o clima. Temas como este (invasão, depredação, domínio, força militar, capitalismo, exploração) não são novidades no cinema (nem de animação), o que difere é o enfoque, a forma de tratar o assunto. Com seu tocante e profundo discurso humanista, é difícil não se deixar envolver pela história tão próxima da nossa realidade e torcer por um final diferente do conhecido, quando o que está em jogo é bem mais que a exploração irracional dos recursos naturais. Sociologia barata, dirão os detratores. Barata ou não (em Avatar saiu caríssima), o tema é tratado com precisão, nas entrelinhas. Jamais o cinema viu um assunto exposto com tamanha beleza e dor. Talvez um dia os homens de negócio consigam enxergar a Terra além das cifras.

Avatar é um filme de (muita) ação e com cenas de tirar o fôlego. Nele encontramos referências (ou lembranças) de outros filmes (e literatura) de ficção científica e fantasia. Mas nunca com tal qualidade tecnológica. Nunca tão palpável. O filme arquitetado por James Cameron só se tornou possível com o desenvolvimento de câmeras para a captação de imagens em 3-D estereoscópico. Ferramenta indispensável para o enriquecimento da narrativa e do espetáculo que se apresenta. Em Avatar o efeito 3-D não é mero exibicionismo de um brinquedo novo, mas um coadjuvante de luxo a serviço da história, do cinema, da arte. Ou seja, não basta ter toda essa tecnologia à mão se não se sabe o pra quê. Um bom argumento já é um começo, mas a qualidade do roteiro é imprescindível.

Pra quem não tem fobia de altura, assisti-lo em 3-D-IMax pode ser uma experiência única.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Crítica: Embarque Imediato


Embarque Imediato
Embarque Imediato
para onde?

Embarque Imediato (Brasil, 2009), dirigido (e fotografado) por Allan Fiterman é provavelmente o filme mais tolo e sem graça do ano. Pretende-se a história (nada original) engraçada (?) de um jovem desempregado, Wagner (Jonathan Haagensen), que é capaz de fazer qualquer coisa pra realizar o sonho de emigrar pros Estados Unidos da América. Enquanto não chega lá, se envolve com mulheres do lado de cá, entre elas Justina (Marília Pêra) que trabalha no aeroporto do Rio de Janeiro, a responsável pela frustração da sua viagem clandestina (?). Ele também vai conhecer outros tipos caricatos como: Fulano da Silva (José Wilker), que agencia mulheres gordas, Amparo (Marta Nieto), uma espanhola, e Betina (Sandra Pêra), a irmã taróloga/moambeira de Justina. Todos sem noção ou importância.

Com sérios problemas técnicos, a “comédia” (drama? romance?) tem um “roteiro” bobo. A “direção” é pífia e a “atuação” seria cômica se não fosse tragicamente uma canastrice sem fim. Até mesmo num concurso de música as coadjuvantes cantam melhor (e mais afinadas) que Marília Pêra (mas perdem). Às vezes dá a impressão de se estar assistindo a um especial televisivo, querendo virar série, com seu visual cafona e antiquado. Tem até uns dois ou três “palavrões” e uma insossa cena de sexo, pra parecer moderninho e menos infantil. Chega ser risível a pretensão de comédia musical, com o requinte de Almodóvar e glamour de antigos filmes norte-americanos. Como se uma personagem que fala espanhol (e teria “ensinado” o rapaz a “cantar” a música italiana Volare) ou Marília Pêra, vestida (fantasiada?) de Louise Brooks ou Gilda, de Rita Hayworth, fosse o suficiente. A superficialidade dos personagens, aliada à falta de ritmo, de texto, de história, de HUMOR, é fatal. Se o caminho escolhido fosse o do escracho, da sátira, talvez o resultado fosse menos desastroso. Vale lembrar que o tom cinematográfico de Almodóvar não se basta na bela cor ou na saborosa língua ou no fumegante conteúdo ou no irretocável elenco, mas na direção.

Por mais que se torça, para que o cinema brasileiro encontre salas de cinema disponíveis (impossível sem uma grande distribuidora e massificação publicitária) e conquiste o seu público, fica difícil apostar neste piegas Embarque Imediato. Não porque, de certa forma, o tema já foi tratado razoavelmente em produções como Terra Estrangeira, de Walter Salles, Os Desafinados, de Walter Lima Jr., e mesmo sugerido em Um Trem Para As Estrelas, de Cacá Diegues. Mas porque o “itinerário” escolhido para o tal Embarque Imediato tem problemas de pista, de teto e principalmente de pouso. Pra este voo, o piloto, realmente, não tirou brevê.

Na revista Ler & Cia, da Livrarias Curitiba, edição 29 (novembro e dezembro de 2009), seção Diretas, com Marília Pêra, tem a seguinte pergunta: L&C: Existe algum grande papel que você ainda sonhe interpretar, no teatro, no cinema ou na tevê? MP: Gostaria de participar de um grande filme em um papel importante, com grande diretor. Então, tá! Acho que não foi dessa vez.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Crítica: Os Abraços Partidos




Acertando ou errando (?) Pedro Almodóvar continua sendo unanimidade. Seu mais recente trabalho, Os Abraços Partidos (Los Abrazos Rotos, Espanha, 2009), tem dividido inflamadas opiniões. Encontra-se todo tipo de comentário. Uns críticos dissecam a vida do diretor espanhol, outros dissecam a obra e ainda há os que se debruçam apenas sobre o filme. Não tem meio termo, o filme é amado ou achincalhado.

Com um título plural ao do singular e ótimo filme argentino, O Abraço Partido (El Abrazo Partido, Argentina, 2004), do diretor Daniel Burman, que também fala de desejo, rejeição, amores, traição, segredos, reparação, com uma outra latinidade (é claro), Os Abraços Partidos, de Almodóvar, é igual na exposição, mas diferente no acento dramático de seus filmes anteriores. O diretor continua tratando de assuntos pertinentes ao seu universo como: cinema, desejo, sexo, vingança, segredos, ciúme..., mas com alguma variação de gênero. Desta vez o spot não está exatamente sobre as mulheres (Lena e Judit), mas sobre os homens (Mateo/Harry, Enrique, Diego, Raio X). É a partir do mundo deles que descobrimos os segredos que os envolvem e também os escondidos pelas mulheres. São eles os responsáveis pelo silêncio trágico e redenção delas, através de imagens perdidas ou restauradas.

Em entrevistas recentes, Almodóvar disse ter deixado as drogas por amor à vida. No filme, quem deve seguir o conselho é Diego (Tamar Novas), um DJ que, acidentalmente toma uma overdose e vai parar num pronto socorro. Ali, numa conversa “informal” com um roteirista cego, Harry Caine (Lluiz Homar), de quem é secretário, alguns segredos começam a ser desvelados. Diego vai entender o porquê da aversão da mãe Judit (Blanca Portillo), produtora de cinema, e de Caine, por Raio X (Rubén Ochandiano), um jovem cineasta, e seu pai, o magnata Ernesto Matel (José Luiz Gómez). Vai saber quem é a bela Magdalena Rivas (Penélope Cruz), mulher de Ernesto e atriz do filme Chicas e Maletas (Meninas e Malas), de Mateo Blanco, que despertou a paixão desenfreada nos dois homens.

Em Os Abraços Partidos, todos têm segredos. Todos têm uma vida dupla: prostituição, drogas, paixões, culpa, homossexualidade, rejeição... Harry Caine, roteirista, é o duplo de Mateo Blanco, cineasta que ficou cego após um trágico acidente, há 14 anos, e mudou de identidade. Amargurado, é ele quem nos conduz pelos intricados caminhos da sua memória, onde alguns fatos do passado se misturam à realização de um filme, com Lena, a sua grande paixão. Saltando de 2008 a 1994, ponto a ponto o seu relato vai enlaçando, uma a uma, as pessoas que o rodeiam. Nesse ir e vir, da sua própria história, o roteirista, mestre em criar tramas e também em filmá-las, falseando o olhar do espectador, verá que foi vítima do seu próprio ofício. O ciúme fez o resto. Nada mais Almodóvar do que acertar as contas com o passado. Seus filmes parecerem estar em constante catarse. Suas histórias são pedaços de vida, quebrados pelo ciúme ou pela vingança, que aos poucos vão sendo costurados com linhas coloridas e doloridas..., mas sempre com algum humor (às vezes negro).

O ciúme desatinado, na leitura de Almodóvar, lembra O Ciúme, na canção de Caetano Veloso: “O ciúme lançou sua flecha preta/ E se viu ferido justo na garganta (...) Mas na voz que canta tudo ainda arde/ Tudo é perda, tudo quer buscar, cadê (...) Tanta gente canta, tanta gente cala/ Tantas almas esticadas no curtume/ Sobre toda a estrada, sobre toda sala/ Paira, monstruosa sombra do ciúme.” O ciúme, na visão do diretor espanhol, é mais do que uma lágrima sobre um tomate vermelho ou cruzes decorativas que se repetem no apartamento dos amantes. É uma dor que pode ser expiada no reencontro do eu, mesmo que leve 14 anos e que a imagem que se quer abraçar não possa ser retida na memória. Se não se pode mudar o passado, pode-se enterrá-lo definitivamente.

Os Abraços Partidos, na sua pluralidade de sentimentos contraditórios ou não partilhados, é um excelente filme sobre a arte de fazer cinema e de contar histórias. Não é uma aula sobre cinema, é a própria arte em exposição. Pedro Almodóvar é mestre na captação de nuances e na sutileza com que referencia outros mestres da 7ª Arte. O seu cinema é o de amador, daquele que ama o que faz e se repete incansável na busca de um novo olhar. Em uma das mais belas e desconcertantes sequência, ao exorcizar o ciúme (à flor da pele) de seu marido, que assiste a um vídeo gravado pelo filho dele, registrando todos os seus passos e conversas com Mateo, traduzidas por uma leitora de lábios, Magdalena dubla a si mesma numa fala diferente daquela gravada em vídeo. Ao dublar-se ela interpreta e ao interpretar-se transforma o registro do vídeo, criando um subtexto que penetra a imagem na tela e retorna ao espectador do vídeo (Martel) e ao espectador do filme (que vê a ambos) como se real. No tríplice jogo de cena do vídeo e do filme confundem-se a mulher, a atriz e a amante. Num outro momento será Ernesto Martel, corrompido pelo ciúme, quem usará a palavra para ferir a quem ama, através do filme (dentro do filme). É Almodóvar indo ao extremo da metalinguagem e modificando um vídeo dentro filme e um filme dentro do filme, a favor (ou por causa) da palavra. Ou do ciúme!

Os Abraços Partidos é (sim) Pedro Almodóvar do começo ao fim, exposto nas cores do amor, do ciúme, da vingança. No simbolismo no nome e na identidade dos personagens. É a mão e a voz do diretor na plenitude da técnica e do amor ao cinema. É um filme tão igual quanto diferente dos filmes de Almodóvar e, talvez por isso, sujeito ao gosto o ou ao desgosto do espectador.

Crítica: Atividade Paranormal


Atividade Paranormal (Paranormal Activity, EUA, 2009) é um filme curiosamente apavorante. Não tem sangue jorrando, tripa esparramando, cabeça e membros voando, trilha sonora ensurdecedora, criada apenas para provocar medo, comum nas atuais produções de terror. Atividade Paranormal fala de um casal que tem a sensação de que coisas estranhas estão acontecendo na casa onde moram. A garota acha que o “mal” a acompanha desde criança, pra onde quer que vá, e por conta disso o rapaz compra uma câmera de vídeo e começa a filmar tudo o que acontece dentro da casa. Os olhos do espectador são a lente da câmera. Ele só vê as imagens que ela registra, só vai onde ela vai..., e vê, antes do casal, o que realmente acontece na casa, quando os dois estão dormindo. É de dar calafrios. E se o ar condicionado do cinema estiver desregulado o arrepio será muito maior.

O susto que Atividade Paranormal provoca vem tão somente dos inexplicáveis ruídos dentro da casa de Katie Featherston e Micah Sloat, principalmente à noite, e da expectativa que eles causam. Simples e eficaz, com seu terror crescendo a cada gravação (nas imagens e na cabeça do espectador), sem efeitos especiais mirabolantes (filmado com uma câmera doméstica, na mão ou no tripé), ele se aproxima de um outro fenômeno alternativo de pavor, no estilo mockumentary: A Bruxa de Blair (The Blair Witch Project/EUA/1999) dirigido por Eduardo Sanchez e Daniel Myrick. Em ambos, os personagens/atores desconhecidos, que usam o próprio nome, não sabem o que está acontecendo, trabalham com seus próprios temores, agem instintivamente, improvisam e transbordam veracidade. O resultado é tão impressionante que ao final da exibição sempre fica alguma dúvida sobre a história ou sobre o próprio filme.

Numa época em que os estúdios gastam milhões em filmes “de marca”, que vão à bancarrota, Atividade Paranormal é uma grata surpresa. Para quem ainda não sabe, ele foi realizado com apenas 11 mil dólares, pelo desenhista de jogos eletrônicos Oren Peli, e já rendeu mais de 100 milhões, só nos EUA, apenas no boca a boca. Segundo o diretor, é baseado em experiência vivida por ele e uma ex-namorada quando se mudaram pra uma nova casa e começaram a ouvir estranhos barulhos durante a noite. O filme foi realizado em uma semana, em 2007, cada uma dos atores principais recebeu 500 dólares e a casa que serviu de cenário é a do próprio diretor. Os registros "reais", dos estranhos e inquietantes eventos, estão em posse da polícia de San Diego, na Califórnia/EUA, conforme os créditos no filme. Antes de ganhar mercado foi apresentado em festivais alternativos e recusado pelo mais famoso deles, o Sundance. Certo dia, uma cópia caiu nas mãos de Spielberg e o resto é história. Filme e diretor já viraram lenda. Há uma proposta de continuação e o novato diretor (que se mostrou eficientíssimo nesta primeira experiência) já está trabalhando num próximo filme Área 51, lá mesmo, onde as forças norte-americanas escondem os ET’s que capturam. É esperar pra ver.

Ah, não é recomendável ver Atividade Paranormal em sessão noturna, nem Spielberg conseguiu assistir. Mas, como cada um sabe o que faz, deve saber também o que acontece no escurinho do seu quarto, quando um ser “vivo” não está olhando.
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...