sábado, 25 de janeiro de 2020

Crítica: Judy - Muito Além do Arco-Íris



Judy - Muito Além do Arco-Íris
por Joba Tridente

Ano a ano chegam às livrarias, aos teatros e aos cinemas, em grandes centros culturais do mundo, biografias (autorizadas ou não) de renomados (as) intelectuais e, a se confiar nos (as) biógrafos (as), nos damos conta de que, praticamente, além da sua arte, nada sabemos sobre escritores/escritoras, atores/atrizes, artistas plásticos com quem nos identificamos. Ou melhor, nos identificávamos, uma vez que a maioria já é morta. Ai, perdemos o chão pelo fato do intelectual ser inferior à sua obra e ou muito maior que o seu legado cultural.

Para os amantes do cinema, é impossível ouvir o nome de Judy Garland (1922-1969) e não associá-la (primeiramente) à graciosa e ingênua Dorothy, do cultuado O Mágico de Oz (1938), e à sua magnética interpretação da clássica canção (Somewhere) Over the Rainbow. O filme, dirigido por Victor Fleming, está preservado no National Film Registry e a canção, composta por Harold Arlen e Yip Harburg, ainda é a primeira da lista das melhores canções de filmes americanos. Judy Garland volta ser assunto nas salas de cinema com o drama Judy - Muito Além do Arco-Íris (Judy, 2019), com Renée Zellweger, em estado de graça, incorporando magnificamente a célebre atriz e cantora, num pequeno recorte da sua biografia (musical), sob direção precisa do britânico Rupert Goold.


Baseado no sucesso teatral End of the Rainbow (2005), do inglês Peter Quilter, o enredo adaptado por Tom Edge costura com elegância agridoce o ocaso da cantora Judy Garland, durante a conturbada turnê no The Talk of the Town, em Londres, no ano de 1969, para o empresário Bernard Delfont (Michael Gambon), que também acolheu a dupla Oliver Hardy (o Gordo) e Stan Laurel (o Magro) em fim de carreira (visto no tocante Stan & Ollie, de Jon  S. Baird). Toda via dos conflitos empresariais, financeiros e maternais, no entanto, ainda que o foco seja os bastidores do show em Londres..., destacando as tensas e intensas semanas que antecederam à morte da grande estrela norte-americana (viciada em barbitúricos e álcool) meses depois..., a narrativa busca iluminar também o passado longínquo de Judy, revolvendo o seu alvorecer no cinema, quando, ainda jovem (Darci Shaw), aos 16 anos, preparando-se para protagonizar O Mágico de Oz, a sua adolescência foi sequestrada pelo rígido Louis B. Mayer (Richard Cordery), presidente da MGM, que praticava bullying com o elenco juvenil, obrigando-o a uma entrega escrava ao cinema. É a partir de flashbacks das ações desse passado solitário (e doentio) que a trama tece as reações futuras de carência e de dependência da famosa cantriz. Vejo (também) nesse recorte biográfico (vida adulta) e nota de rodapé (vida adolescente) de Judy, um alerta às tantas promessas jovens que, ao crescer, são esquecidas no Vale das Drogas..., talvez pouco ou nada tenha mudado na Vale dos Sonhos. Será que é o passado que desenha o futuro? Ou o futuro que desdenha o passado? Afinal, na seara do show business nem tudo é jogo de cena. Ou será que é?


Sinceramente não sei se Judy Garland era (tão) multifacetada, como vista na impactante performance de uma irreconhecível Renée Zellweger, que também interpreta com segurança e estilo as belas canções do drama, pois só a conheço do cinema e de um ou outro artigo. Mas, atento às nuances dos fatos sobreviventes àqueles dias confusos, o roteiro me pareceu coerente com o retrato da personalidade icônica que propõe emoldurar..., e sem apelar para o melodrama e ou a pieguice, ao referir-se à relação de Garland com o ex-marido Sid Luft (Rufus Sewell) e os filhos pequenos do casal e ao romance com Mickey Deans (Finn Wittrock).

Li, em algum lugar, que Liza Minelli (citada em uma sequência do filme), filha de Judy Garland, usou as redes sociais para desaprovar a cinebiografia. A verdade é que, no palco das celebridades, um biografado (que jamais autorizou a publicação da sua história de vida) e seus herdeiros nunca ficam felizes com a exposição de “detalhes” pessoais que comprometam a sua “boa” imagem na mídia (ou fita) junto aos fãs. Quem não se lembra do filme biográfico Mamãezinha Querida (1981), de Frank Perry, baseado no livro homônimo (1978) de Christina Crawford, que virou do avesso a vida da grande atriz Joan Crawford (1904-1977)? Felizmente não me parece ser o caso do comedido Judy - Muito Além do Arco-Íris, que visa a compaixão à artista e não o escândalo da artista.


Enfim..., considerando o formidável desempenho de Renée Zellweger (que recebeu vários prêmios por sua performance, incluindo o Globo de Ouro); a direção irretocável de Rupert Goold; a sinceridade do roteiro envolvente que acertou em cheio ao desvelar o antes (alvorecer) e o depois (ocaso) do estrelado de Judy Garland; o ritmo narrativo e a edição enxuta que costura apenas os assuntos de interesse, optando, inclusive, por deixar um bom material subentendido; os tons da fotografia espetacular de Ole Bratt Birkeland (Ghost Stories, The Crown, American Animals); a trilha sonora com as canções marcantes apresentadas no momento certo (e quem resiste a este impacto?); a produção caprichada; a eficiência do elenco coadjuvante, que traz também Jessie Buckley na pele de Rosalyn Wilder, a assistente Judy em Londres..., ainda que o apelo dramático possa alcançar o grande público, creio que o fascinante e imersivo Judy - Muito Além do Arco-Íris tocará mesmo é a velha geração de espectadores. Porém, se a nova geração se der uma chance, poderá se surpreender e também se emocionar com a minibiografia musical da carismática Judy Garland.  


*Joba Tridente: O primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros video-documentários fiz em 1990. O primeiro curta-metragem (Cortejo), em 35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003), de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba.

segunda-feira, 20 de janeiro de 2020

Crítica: Um Espião Animal



UM ESPIÃO ANIMAL
por Joba Tridente*

Trocentos filmes de espionagem, envolvendo agentes (majoritariamente) masculinos nas mais diversas conspirações (geralmente) internacionais, já foram feitos para o deleite de todo tipo de plateia. Mesmo que se repitam (com pouca variação) tramas e plateias. São perseguições por terra, ar e mar, violência generalizada, pancadaria coreografada, licença para matar, veículos arrojados, agentes (mocinhos) glamourosos e agentes (bandidos) psicopatas, cenários paradisíacos, sexo de ocasião..., dali e pipoca e refrigerante..., daqui. Já vimos o gênero (pretensiosamente sério), parodiado em comédia e em animações para tv, para cinema e para web. A mais recente investida no gênero, a chegar aos cinemas brasileiros em 2020, é a animação Um Espião Animal (Spies in Disguise, 2019), dirigida por Nick Bruno e Troy Quane, para os estúdios Blues Sky/Disney.


Após um rápido prólogo, quando conhecemos o pequeno gênio Walter Beckett, um garotinho que adora criar coisas que tragam felicidade para pessoas (estressadas) boas ou más, passamos a acompanhar (12 anos depois) o desenrolar da última ação (violentíssima) do arrogante agente norte-americano Lance Sterling (misto de James Bond com Ethan Hunt) no Japão. A sua missão é recuperar uma poderosa arma em posse do traficante Katsu Kimura. Porém, no calor da pancadaria, ela vai parar nas mãos do perverso Killian e Lance precisa realizar uma manobra arriscada para recuperá-la. Ao voltar para os EUA, o agente é acusado de traição e de roubo e (é claro!) decide fugir (óbvio!) para provar a sua inocência. Na fuga, ao buscar ajuda do nerd Walter (o criador de armas do bem ou não letais, que ele acabou de demitir da agência), para encontrar um meio de desaparecer temporariamente de cena, Lance torna-se cobaia de uma fórmula experimental do jovem e é transformado em pombo..., mas sem perder suas características humanas. Daí, numa parceria improvável entre um pacifista e um belicista, enquanto Walter trabalha num antídoto, Lance, contando com a “ajuda” de pombos idiotas, caça o vilão Killian. Bom, se você assistiu ao trailer (coisa que jamais faço antes assistir a um filme que me interessa!) então você já sabe muito mais do que devia da trama. Já deve ter visto, inclusive, os “melhores” momentos.


Se a intenção dos roteiristas Brad Copeland e Lloyd Taylor é explorar a incômoda (e bota incômoda nisso!) violência (em quase toda a trama) para falar de não-violência (a começar pelo pombo, considerado o símbolo da paz)..., tomara que o público-alvo (acima dos doze anos?) compreenda a mensagem (se é que vai se lembrar do enredo algum tempo após a sessão). Pois, embora o discurso final de Um Espião Animal seja pacifista (antibelicista), a metragem animada até o epílogo cordial é longa e furiosamente agitada..., digna de qualquer filme com atores de carne e osso e personagens de pouco cérebro. A mim, as sequências de ação pareceram mais uma colagem (releitura) de cenas impactantes já vistas (e muito replicadas) de filmes de espionagem como 007, Missão Impossível e de “n” outros: roubo de identidade; fuga alucinante; assalto aéreo; agência de inteligência em risco; vilão com justificativa etc. Pode até ser coincidência (?), mas a história tem até um quê do curta de animação Pigeon: Impossible, de Lucas Martell, que faz filmes geniais (e você pode assistir no Vimeo, Youtube ou no Portal da Produtora).


Toda via altruísta da cordialidade, no entanto, excetuando a mensagem pacifista/edificante (Não há mocinhos ou bandidos!) de um jovem cientista visionário, criador de fórmulas e objetos estranhos e graciosos para acalmar ânimos raivosos (e armar a polícia com armas não letais)..., tão pertinente em dias de governança doentia e radical (Você me bate com força e eu revido com muito mais força!) em todo o mundo (o que, sem dúvida, é algo a se pensar)..., não há novidade no enredo de Um Espião Animal. Estão ali: as aves antropomorfizadas e amalucadas; a pancadaria braba, que vai muito além do tradicional pastelão; o indefectível humor grosseiro/escatológico (para quem ri de qualquer caca); uma ou outra gag engraçadinha; a técnica excelente para desenho de personagem parecido com o traçado de personagens da franquia Hotel Transilvânia 1, 2, 3, por exemplo; a ação vertiginosa e explosiva, para deixar o adolescente acordado e sem ocupar o Tico e o Teco... Pelo menos não tem personagem cantarolando a cada cinco minutos. Ôps! Tinha me esquecido de que esta é uma animação policial e não uma animação musical! Assim, quem quiser cantoria e melodrama que vá para a sessão da Frozen. A bem da verdade, por aqui também tem perdas familiares, mas sem tanto drama ou chororô!


Enfim, Um Espião Animal é uma animação repleta de boas intenções. Pode não ser lá tão empolgante e envolvente quanto a do Homem-Aranha no Aranhaverso ou tão divertida quanto a do Carros 2,  mas é possível que o seu argumento pacifista encontre eco (mesmo que fugaz) nos espectadores adolescentes e, quiçá, no público adulto pouco exigente. Aqui entre nós, acho o pombo um bicho asqueroso, nojento mesmo. É como se diz: ratos com asas...


*Joba Tridente: O primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros videodocumentários fiz em 1990. O primeiro curta-metragem (Cortejo), em 35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003), de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba.

quarta-feira, 15 de janeiro de 2020

Crítica: Jumanji: Próxima Fase


Jumanji: Próxima Fase
por Joba Tridente

Há 25 anos o alucinante jogo de tabuleiro Jumanji saía diretamente das páginas do livro infantil homônimo de Chris Van Allburg para as telonas. Jumanji (1995), estrelado por Robin Willians e dirigido por Joe Johnston, que teve um lucro de aproximadamente US$ 200 milhões, agradou ao público, mas não à crítica. Em 2005 foi a vez do jogo Zathura: Uma Aventura Espacial, também baseado em livro infantil homônimo de Chris Van Allburg, alçar voo ao infinito e além. Zathura, estrelado por Jonah Bobo e dirigido por John Favreau, até que agradou aos críticos e ao público, mas não foi páreo para Harry Potter e o Cálice de Fogo..., e fracassou. Três anos atrás, Jumanji: Bem-Vindo à Selva, versão “atualizada” (ou “sequela”) de Jumanji (livro e filme), que deixou de ser um jogo de tabuleiro para virar videogame de cartuxo, chegou aos cinemas dividindo a crítica e caindo no gosto dos espectadores. A comédia de ação e aventura, dirigida por Jake Kasdan e estrelada, por Dwayne Johnson, Jack Black, Kevin Hart..., arrebentou a boca do balão ao arrecadar US$ 961 milhões. Bem, se a releitura de Jumanji deu tão certo, o que fazer agora? Francamente?! Franquia!


Jumanji: Próxima Fase (Jumanji: The Next Level, 2019), dirigido por Jake Kasdan, que desta vez colaborou com o roteiro de Jeff Pinkner e Scott Rosenberg, realmente muda de fase, mas varia pouco, para não afastar o jogador tradicional, digo, o espectador ocasional. A aventura começa com os universitários Spencer (Alex Wolff), Martha (Morgan Turner), Bethany (Madison Iseman) e Fridge (Ser'Darius Blain) marcando um encontro em Brantford. Spencer, que estuda na NYU e anda com a autoestima baixa, é o menos empolgado. Assim, ao voltar pra casa, prefere mexer no aparelho quebrado do jogo Jumanji e (óbvio!) desaparece. Os três amigos tentam ir ao seu encalço, mas, como nem mesmo consertado o velho jogo é confiável, antes que se deem conta, Fridge e Martha são sugados para o videogame, levando com eles Eddie (Danny DeVito), o avô de Spencer, que está se recuperando de uma cirurgia no quadril, e Milo (Danny Glover), ex-sócio de Eddie..., deixando Bethany para trás. Daí, como a incorporação dos avatares anda cada vez mais aleatória no Universo Jumanji: o debilitado Eddie vira o corpulento arqueólogo Dr. Smolder Bravestone (Dwayne Johnson); o idoso tranquilo de fala lenta Milo é o inquieto mochileiro das armas Mouse Finbar (Kevin Hart); o grandalhão Fridge se vê na pele do gorducho cartógrafo Shelly Oberon (Jack Black); Martha volta a ser a sensual lutadora Ruby Roundhouse (Karen Gillan) e é quem tenta explicar aos desnorteados velhotes Eddie e Milo onde estão e como funciona o jogo e as três vida a que cada jogador tem direito. Quanto a Bethany, ela vai aparecer por lá, num avatar surpreendente e na companhia do aviador Alex (Nick Jonas). Já o paradeiro de Spencer com seu avatar, o público só vai saber quando encontrar a ladra e especialista em artes marciais Ming (Awkwafina). Ah, vale dizer que, em Jumanji, nem todo avatar é o que parece e, nesta fase, nada impede dele trocar de jogador, causando ainda mais confusão de personalidade e de sexualidade no troca-troca...


Embora a fase seja nova, o assunto é antigo: desequilíbrio climático no reino da fantasia. Na verdade, o tema batido, além de ser o que menos importa é mais uma desculpa para a ação desenfreada. Agora, passando por diversos cenários (floresta, deserto, montanhas), além de enfrentar bandos de avestruzes, de mandris e de bandidos sanguinários, os jogadores precisam capturar a Joia Preciosa que Jurgan, o Brutal (Rory McCann) roubou dos nativos, e devolvê-la, evitando um grande desastre ecológico. Os obstáculos são muitos, mas os jogadores heroicos estão dispostos a tudo para voltarem pra casa..., ou morrer tentando.


Enfim, por conta de um roteiro infantojuvenil básico, um tanto quanto previsível e que não dá trabalho algum ao Tico e Teco em letargia de férias, não há muito que escrever sobre o enredo Jumanji: Próxima Fase sem cometer algum spoiler (que talvez já tenha até sido exposto no trailer, que não assisti). Ação e aventura não faltam, tampouco momentos sentimentais para os personagens refletirem sobre desavenças passadas, romances fugidios, vaidades e amizades. Já o humor me pareceu bem frouxo. O que não quer dizer que não tenha lá seus momentos pastelão, escatológico e trocadilhos (estranhos) bem ao gosto norte-americano e do público mais jovem e ou de quem nunca tenha ouvido tais piadas ou gags. Todo elenco responde bem aos seus papéis duplos e parece se divertir com a brincadeira de voltar a ser criança.


Tecnicamente, Jumanji: Próxima Fase é interessante, desde que você se lembre que está assistindo a uma comédia que se passa nas entranhas de um antigo videogame de cartuxo e que, portanto, a resolução gráfica da imagem e dos efeitos especiais acompanha o estilo e o período do jogo. Com sua trama de poucas surpresas, mas cheio de boas intenções, na direção e fotografia, é um passatempo que não faz mal a espectador adolescente algum. Mas é preciso se cuidar para não se engasgar com a pipoca ou com o refrigerante nas sequências de ação desenfreada. Assim, personagens e público podem escapar ilesos (ou quase) de mais uma aventura mirabolante que, pelo que indica a cena entre créditos, deve continuar acelerada num possível próximo filme..., para resolver uma certa bagunça iniciada lá no Jumanji de 1995. Ou será que não?!


Joba Tridente: O primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros vídeos-documentários fiz em 1990. O primeiro curta-metragem (Cortejo), em 35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003), de Joseph Zito, rodado em Curitiba, no Paraná, Brasil.


quinta-feira, 9 de janeiro de 2020

Crítica: Adoráveis Mulheres

Adoráveis Mulheres
por Joba Tridente

Lançado originalmente em dois volumes (1868 e 1869) e posteriormente em apenas um (1880), o romance altruísta Little Women (Mulherzinhas), da escritora norte-americana Louisa May Alcott (1832-188), é um fenômeno de crítica e de popularidade, principalmente entre o público feminino, que se vê absorvido pela singularidade e resiliência das jovens irmãs March: Meg (16), Jo (15), Beth (13) e Amy (12). A consideração à obra é tanta que a história da carismática Família March continua recebendo adaptações para teatro (desde 1912), musical, ópera, rádio, televisão (só na BBC foram quatro minisséries: 1950, 1958, 1970 e 2017) e cinema (de 1917 até hoje já somam sete). A mais recente versão cinematográfica do cativante Little Women (Adoráveis Mulheres) a chegar às salas de cinema, com roteiro e ousada direção de Greta Gerwig (Lady Bird), traz em seu elenco Emma Watson (Meg), Saoirse Ronan (Jo), Eliza Scanlen (Beth), Florence Pugh (Amy), Laura Dern (Marmee), Mery Streep (a solteirona tia March), Timothée Chalamet (Laurie, jovem rico e ocioso apaixonado por Jo), Louis Garrel (professor Friedrich Bhaer) e James Norton (tutor John Brooke).


Adoráveis Mulheres (Little Women, 2019) é um drama romântico familiar situado em Concord (Massachusetts) e Nova York, entre as décadas de 1860 e 1870. Na versão de Greta Gerwig, o espectador é apresentado às idiossincrasias da benevolente Família March (em meio à Guerra de Secessão Americana e após o conflito) através do relato, em flashbacks, da impulsiva aspirante a escritora Jo (Ronan), que, na adolescência, escreve peças teatrais e as encena com as irmãs (Meg, que sonha com uma vida melhor e roupas de qualidade; Beth, a tímida e gentil pianista; Amy, a caçula mimada que espera se casar com um homem rico), e, na fase adulta, se dedica à literatura comercial. Fruto de uma família muito amorosa e solidária, Jo fará de tudo para mantê-la unida. Mas, mesmo que não aceite pensar no assunto, sabe que vai chegar o dia em que cada uma deixará o ninho dos pais para construir o seu..., inclusive ela. Afinal, a busca de identidade e de um lugar no mundo (doméstico e ou profissional) não requer, necessariamente, se desfazer dos laços de família ou deixar de lado o amor matrimonial e os valores humanos.


Ao traçar um paralelo entre a história dos March, relatada por Jo, e um possível processo criativo de May Alcott, que teria se inspirado em sua própria família para escrever Adoráveis Mulheres, o roteiro de Gerwig flerta discretamente com a metalinguagem, homenageando a escritora ativista e com pendor feminista. Toda via narrativa, no entanto, se, por um lado, essa relação entre criadora e criaturas dá um certo frescor à célebre história centenária, por outro, a forma embaralhada (via flashback) escolhida para recontá-la pode não agradar a todo espectador. É que, uma vez que a narrativa inusitada acompanha, de forma totalmente fragmentada, o desenrolar da vida de cada uma das (sonhadoras) irmãs e de alguns personagens circunvizinhos, caberá a ele dar coerência ao enredo. Esse vai e vem (fora de ordem) de passagens (sequências) que joga com o tempo e o espaço narrativo, contribui para abreviar o sentimento do público em relação à doença de Beth, por exemplo. Algumas sequências (passagens) são tão ligeiras que, por mais que uma cena/diálogo evoque uma emoção genuína, não há sequer tempo de absorver e mesmo de se comover antes do próximo salto para o futuro (qualquer) e ou passado (qualquer) da trama. É como se um leitor ansioso folheasse o livro ao acaso, lendo uma página aqui e outra acolá, na esperança de aparecer alguém que lhe explique o encadeamento da trama. Para quem conhece o romance, tudo bem..., a edição jogo da memória cinematográfico pode até ser divertida. Mas, para quem está sendo apresentado a este alvoroçado universo feminino, vai precisar de paciência para amarrar as pontas do enredo. Ou seja: um jogo se cena gratuito que soa mais como puro exibicionismo.


Pode até ser questão de orçamento para contratar um elenco maior (ou escolha equivocada de elenco), mas, em filmes que se passam em épocas diferentes, com personagens que transitam entre a juventude e a velhice, me incomoda a idade dos intérpretes, que nem sempre condiz com a idade dos personagens. E isso vem desde os primórdios do cinema, quando atrizes e atores, com idade e porte físico de 30 anos, “representavam” personagens com a metade da idade. Na maioria das vezes nem a maquiagem salva (O Irlandês que o diga!). Assisti recentemente à adaptação de Adoráveis Mulheres numa bonita e luminosa minissérie da BBC, dirigida por Vanessa Caswill em 2017, e revi a melancólica e envolvente versão cinematográfica dirigida por Gillian Armstrong em 1994. O curioso, na versão de Armstrong, é que, excetuando o fato de apenas a personagem de Amy (aos 13: Kirsten Dunst) envelhecer quatro anos (aos 17: Samantha Mathis), as personagens convencem na jovialidade (física) na primeira fase.

Lembrei desse detalhe acima porque, na versão de Greta Gerwig para Adoráveis Mulheres..., cuja narrativa ágil e não linear quica feito uma bola de pingue-pongue no presente (adulto) e no passado (adolescente), sem se preocupar  com o contexto ou a sequência anterior..., as personagens não envelhecem um fio de cabelo e ou de barba em sete anos. É constrangedor ver Florence Pugh (com a voz grave) fazendo papel duplo: a Amy menina mimada e vaidosa de 13 anos (cabelo solto) e a Amy adulta preocupada com a segurança econômica de um bom casamento, aos 20 (cabelo preso). A atriz, por suas características físicas, dá um ar bem caricato à personagem jovem que, mesmo sendo a mais nova, parece a mais velha das quatro irmãs.


Enfim, embora confunda desnecessariamente o espectador, com um roteiro (de thriller?) que se quer moderno (na exposição de lembranças esparsas), quando a simplicidade original pede linearidade, Adoráveis Mulheres, com seus personagens francos, contraditórios, alegres e repletos de boas intenções, ainda que tenha um apelo (atemporal) feminino/feminista, com diálogos e ou monólogos pertinentes (a mulher no casamento; direitos civis; racismo; moral; solidariedade), não é um filme exclusivo para mulheres jovens e adultas, tem um bocado a dizer também ao público masculino, já que o seu subtexto (inspirador em dias obscuros) tem abrangência global. O elenco é excelente; a direção de arte, o figurino e a fotografia (de Yorick Le Saux) são deslumbrantes. Descontando uma ou outra situação caricata ou inverossímil e a ausência de humor, os/as fãs da roteirista e diretora não devem se decepcionar...


Joba Tridente: O primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros vídeos-documentários fiz em 1990. O primeiro curta-metragem (Cortejo), em 35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003), de Joseph Zito, rodado em Curitiba, no Paraná, Brasil.

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