sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Crítica: Desconhecido


por Joba Tridente

Com um elenco internacional, alavancado pelo ator irlandês Liam Neeson, o curioso thriller Desconhecido (Unknown, 2011) chega aos cinemas com promessas além da sua capacidade cinematográfica, para um (americano) drama (europeu) de suspense internacional.

A mirabolante trama diabólica (não confundir com Trama Diabólica (Sleuth), de Joseph L. Mankiewicz) traz resquícios de Intriga Internacional (North by Northwest) e bem que poderia ser uma bela homenagem ao mestre do suspense Alfred Hitchcock (1899 - 1980), não fosse o excesso de violência explosiva e algumas derrapadas na pista de uma boa história. Poderia, ainda, ser um filme cabeça (Ôps!), não fosse a forçada bate-cabeça do Dr. Martin Harris (Liam Neeson) que chega a Berlim, com a esposa Elizabeth Harris (January Jones), para participar de um Congresso de Biotecnologia, sofre um acidente e quatro dias depois acorda, em um hospital. Ao tentar retomar os seus compromissos se dá conta de que é um estranho em uma terra estranha, onde ninguém (nem mesmo a esposa) o reconhece e um sujeito (Aidan Quinn) ocupa o seu lugar no mundo lógico. Acreditando que tudo não passa de um grande equívoco, sai desesperado em busca de algo ou alguém que o ajude a provar que ele é quem diz ser.

Apesar da falta de criatividade nas (repetitivas) cenas clichês de (sonífera) ação, Desconhecido, dirigido pelo espanhol Jaume Collet-Serra, tem alguns bons momentos, como, por exemplo, o confronto dos Martin Harris e a visita ao Museu de Fotografia, cuja exposição foi montada especialmente para o filme. Dado os devidos descontos ao exagerado roteiro de Oliver Butcher e Stephen Cornwell, que “atiram” em todas as direções, vale destacar, além de Neeson, as performances do ator alemão Bruno Ganz, na pele do sarcástico Ernst Jürgen, um ex-agente da STASI (Polícia Secreta da Alemanha Oriental), e do norte-americano Frank Langella, como Rodney Cole, um amigo de Martin (Liam).


Baseado no romance Out of My Head, do premiado escritor francês Didier van Cauwelaert, a produção lembra alguns outros filmes sobre desmemoriados (até no acidente) e crise de identidade. Ao ver a saga de terror de Martin, perdido em Berlim e perseguido pela sua própria sombra, pode se achar que ele está procurando respostas nos lugares errados, mas o fim (pouco convincente e melodramático) tenta justificar o meio. A história original se passa em Paris, mas a produção internacional (EUA, Reino Unido, Alemanha, França, Japão) preferiu transferir a trama para Berlim, que também busca uma identidade após a queda do muro e da reunificação alemã. Porém, independente do lugar, Desconhecido poderia ser um suspense muito mais saboroso, se seus realizadores não subestimassem tanto a inteligência do espectador.

Por falar em identidade, no disco I Acto (1973), em um trecho da sua música Eu Não Quero, Zé Rodrix cantava: Eu não quero ser um número/ e uma impressão digital/ Você não quer ser um numero/ e uma impressão digital/ Ninguem aqui quer ser um numero/ e uma impressão digital/ então por quê que todo mundo é apenas um numero/ e uma impressão digital? (...) Mamãe sempre dizia/ meu filho o mundo é isso/ dividido entre o mau e o bem/ e eu aprendi que na face da Terra/ ninguem é igual a ninguem! No fim do filme você vai entender porque a citei.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Crítica: 127 Horas


por Joba Tridente

O cinema, principalmente o de (puro) entretenimento, não tem, necessariamente, compromisso com a verdade e sim com o lucro comercial do filme. Então (me repetindo), por mais que ele seja baseado em fatos reais, não quer dizer que o espectador vê aquilo que realmente aconteceu (nem mesmo em documentário), já que essa é a versão do diretor (roteirista, produtor etc) e não a da “vítima”. Na maioria das vezes, uma história escrita pelo protagonista de alguma tragédia pessoal, têm mais força no livro do que no cinema. Porque, quando o tema é interessante, mas não tem elementos suficientes para um longa-metragem, é preciso apelar para a coleção clichê de cacos cinematográficos, a fim de dar colorido, emoção, humor à narrativa intragável.

foto tirada pelo próprio Aron em 2003

127 Horas (127 Hours, EUA, Reino Unido, 2010), de Danny Boyle, é um drama que equilibra bem o real e o imaginário cinematográfico que, se não doura, ao menos alivia o mal estar do espectador diante de um relato claustrofóbico e cru(el). Ele expõe a saga de Aron Ralton (James Franco), jovem alpinista americano que, em abril de 2003, ao se aventurar sozinho (como era do seu feitio) pelo Canyonlands National Park, em Utah, sofreu um acidente e ficou (127 horas) com a sua mão direita presa, sendo obrigado a se mutilar para se libertar e escapar da morte iminente. O mais interessante é que Aron fotografou e filmou a sua própria agonia, tentando entender o ocorrido e deixando mensagens para a sua família.

A simples ideia de alguém preso entre rochas, sem água, comida, enfrentando o calor durante o dia e o frio congelante à noite, vendo a sua mão apodrecendo e os insetos rondando, sabendo que se houver algum resgate (já que ninguém sabe onde está), pode ser tarde demais, já é perturbadora. Agora, imagine partilhar, com a vítima, as tentativas de cortar, com um canivete cego, a mão esmagada. Sadismo? Talvez, mas o relato de Aron, no livro Between a Rock and a Hard Place, é de um otimismo inacreditável e com algumas tiradas até bem humoradas (quando reza para Deus ou pede ajuda ao Diabo), não sei se por conta das lembranças da agonia já passada ou se porque naquela naquelas horas o melhor era realmente manter o moral alto. Otimismo também presente, de forma mais exacerbada, no filme de Boyle, que faz uma narrativa mais visceral, num mix interessante de linguagem e de enfoque, fazendo parecer um programa especial esportivo, com fotografia (de Anthony Dod Mantle e Enrique Chediak), corte, montagem (de Jon Harris) e trilha (A.R. Rahman) alucinantes.


Numa experiência bizarra, enquanto lia trecho do livro de Aron Ralston, (ainda inédito no Brasil), publicado na versão online da revista Go Outiside, ouvia não a diversificada e marcante trilha sonora de A.R. Rahman, para o 127 Horas, mas a bela trilha de Alexandre Desplat, para o admirável O Discurso do Rei (The King’s Speech, 2010), e ela casou perfeitamente com os parágrafos e a intensidade do texto. Não sei se trilha é uma questão de momento, já que tanto pode ser superior ou inferior à obra ou ter absolutamente nada a ver com ela. No entanto, se é interessante escrever sobre um filme, ouvindo a trilha original, num desafiador exercício de lembrar onde ela pontua, também vale as variantes contrárias e inesperadas de trilhas outras.

Independente da liberdade cinematográfica de Danny Boyle, 127 Horas é um bom filme, tem uma direção segura, um James Franco inspirado e esforçado, aproveitando o excelente momento, mas vale ressaltar que, quem tem estômago fraco ou sofre de claustrofobia, e não pode nem ouvir falar das autópsias da série CSI, pode se incomodar.

Nota: Para saber mais sobre o livro Between a Rock and a Hard Place, de Aron Rastron, sugiro os sites Go Outside (português) e Spiritual Lyfit (inglês).

sábado, 19 de fevereiro de 2011

Crítica: O Besouro Verde


por Joba Tridente

O Besouro Verde (The Green Hornet, EUA, 2010), dirigido por Michel Gondry, é mais uma investida hollywoodiana no mundo dos super-heróis. A bola da vez não é um personagem de Histórias em Quadrinhos, mas de uma radionovela americana que reinou absoluta entre 1936 e 1952. Com a popularização da TV virou série, mas, apesar de lançar um mito: Bruce Lee (Kato), não obteve o mesmo sucesso do Rádio e, por conta da baixa audiência, na concorrência com o pop Batman, durou apenas uma temporada (1966 - 1967). Criado por George W. Trendle (1884 - 1972), o Besouro Verde serviu como referência para muitos personagens de Quadrinhos que, assim como no cinema, os seus autores “criaram” mudando uma coisinha aqui e outra acolá. Ou seja, diferentes mas iguais, com informações privilegiadas nos jornais ou tribunais onde trabalham etc.

A versão que chega aos cinemas é uma comédia de ação com os mesmos clichês do gênero (sem o humor), já que a violência exposta não é de brincadeirinha. O Besouro Verde, de Gondry, apenas atualiza os personagens originais ao narrar as aventuras e desventuras “heroicas” de Britt Reid (Seth Rogen), um playboy ridículo que vê a sua vida virar de ponta-cabeça quando seu pai, James Reid (Tom Wilkinson), morre e ele herda o jornal Sentinela Diário. Enquanto põe o Tico e o Teco para funcionar conhece Kato (Jay Chou), um ex-funcionário do seu pai, de rara inteligência e mestre das artes marciais e mecânicas, e após um vingativo ato de delinquência propõe a ele uma parceria para combater os criminosos de Los Angeles. Como nenhum dos dois tem experiência no assunto, eles vão precisar da colaboração da jornalista especialista em criminologia Lenore Case (Cameron Diaz) e muita tecnologia para escapar das armadilhas do descerebrado vilão fashion Chudnofsky (Christoph Waltz).


O Besouro Verde é uma espécie de versão pastelão do violentíssimo Kick-Ass - Quebrando Tudo (2010), de Matthew Vaughn. Na verdade poderia ser o contrário, já que esta produção vem (en)rolando há uns bons 10 anos. Assim, temos o mesmo tipo de vilão dominando o quartel das drogas; os heróis de ocasião utilizando a internet em busca de vídeos, seguidores ou de emprego; a preocupação (de vilão e heróis) com a escolha do figurino e de um nome; a violência clichê explode quarteirão, carro, gente etc. O diferencial está apenas no humor, com algumas tiradas nonsense e outras realmente engraçadas, como as críticas às roupas ao cínico Chudnofsky.

É um filme com muita ação (exagerada) e alguns bons efeitos especiais (apesar da enganação 3D), para agradar principalmente o público (masculino) adolescente ou aquele que não se cansa de ver sempre a mesma coisa. O roteiro é meio confuso, mas a aventura poderia ser bem pior, se tivesse vingado a ideia machista de Kevin Smith em transformar o Kato em Kata, possivelmente para botar umas pitadas românticas e cenas de sexo entre os parceiros. Acho que, então, do Besouro Verde original só iria sobrar o nome. O que, infelizmente, é normal nas adaptações cinematográficas e ou revitalização das HQs. Bem, se vale destacar a boa atuação de Christoph Waltz e a agilidade do astro tailandês Jay Chou, que roubam a cena, vale esquecer o decepcionante “humor alternativo” de Seth Rogen (também roteirista e produtor executivo do filme), que não vai além de caras e bocas. O seu Besouro Verde, super-hiper-alter ego de Reid, é um personagem que está na fita para ser engraçado, já que faz absolutamente nada na trama, mas não passa de um mané. Nota-se, aí, que a comédia de Rogen é bem outra. Quanto a Cameron Diaz, ela matraqueia em uma cena aqui e outra acolá, e só!

NOTA: Pra saber mais sobre a origem do Besouro Verde, sugiro a matéria publicada, em 2004, no Sobrecarga e ou outra publicada posteriormente no InfanTV. Para saber sobre (a já esperada) a descaracterização dele, nas HQs, sugiro matéria veiculada no Vilablog, sobre Kevin Smith, e no Ambrosia, sobre a Editora Dynamite.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Crítica: Bravura Indômita


por Joba Tridente

Os irmãos Ethan e Joel Cohen são um capítulo à parte na História do Cinema. Mestres incomparáveis do humor negro (e outras bizarrices) são únicos no estilo que os consagraram. Todas as suas histórias começam com uma “bobagem” qualquer, na vida de um personagem e, sem que nem mais porque, o que parecia insignificante cresce feito uma bola de neve, rolando e derrubando tudo à frente, até um grande (e “explosivo”) final. O primeiro filme deles, Gosto de Sangue (Blood Simple, 1984), já diz a que vieram. Possivelmente o único diretor que me lembro ter chegado mais perto, com uma inesquecível história, foi Martin Scorsese e o seu inspiradíssimo Depois de Horas (After Hours, de 1985), com roteiro de Joseph Minion.

Bravura Indômita (True Grit, EUA, 2010) narra a saga da jovem adolescente Mattie Ross (Hailee Steinfeld), em busca de justiça pelo brutal assassinato do seu pai. Para caçar o criminoso Tom Chaney (Josh Brolin), ela contrata o velho e beberrão xerife Rooster Gogburn (Jeff Bridges), e acaba “ganhando” a ocasional companhia de LaBouef (Matt Damon), um policial texano dândi que está procurando o mesmo bandido, por um outro crime e melhor recompensa. Três personagens com idades e intenções diferentes, cada um bravo à sua maneira, mas que só terão sucesso se apararem os “topetes” e deixarem a vaidade de lado.

Baseado na série literária True Grit, de Charles Portis, publicada em 1968, no Saturday Evening Post, o Bravura Indômita, dos Cohen, não se propõe a uma refilmagem do clássico de Henry Hathaway, de 1969, com o mítico John Wayne no papel de Rooster Cogburn, agora de Jeff Bridges. Originais, eles não deixam a câmera cair ao contar (assim é se lhes parece) a história de Portis e não a de Hathaway. Tem muita gente que vê metáforas aqui e acolá nas duas versões. Eu vejo apenas uma ótima história de faroeste, com uma belíssima fotografia de Roger Deakins e emocionante trilha sonora de Carter Burwell. Só por estes dois detalhes já valeria ver tamanha bravura.

Apesar dos resquícios de Bad Blake, o um decadente compositor e cantor country de Coração Louco (Crazy Heart, 2009), incomodar em alguns momentos, Bridges dá conta do recado, assim como Matt Damon. A boa surpresa fica por conta da expressiva estreante Hailee Steinfeld, que se sai divinamente no papel da jovem teimosa e decidida que sabe usar a força da persuasão como ninguém ou, no mínimo, feito um “bom” advogado. Nas locações belíssimas na sua aridez gelada o ótimo roteiro, dos próprios Cohen, flui tranquilo, recheado de bons diálogos e causos divertidos ou melancólicos, contados ao relento, em volta da fogueira, ou pra passar o tempo nas longas caminhadas. É um filme onde os personagens falam muito, atiram um bocado menos, mas com a mesma precisão. São impulsivos, preconceituosos, falastrões, mas confiáveis e capazes até de demonstrar algum sentimento. O mais notável é que, mesmo sendo de outro universo, esta obra tem a cara dos Cohen.

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Crítica: O Samba Que Mora Em Mim


por Joba Tridente

Dizem que quem vê cara não vê coração. Foi pensando nisso que, deixando de lado a lembrança do feio e modernoso cartaz, resolvi ver o documentário O Samba Que Mora Em Mim (O Samba Que Mora Em Mim, Brasil, Portugal, 2010) de Georgia Guerra-Peixe. A sessão era a do Clube do Professor que, verdade seja dita, por maior que seja o esforço do Unibanco Arteplex, se não for produção (com gente) da TVXXXXX, os professores passam ao longe. Ou melhor, nem passam. Éramos apenas 10 espectadores esperando que o filme (em algum momento da projeção) começasse ou que (em algum momento da projeção) terminasse.

Desta vez devia ter seguido ou meu instinto. Mas, como gosto de documentário e, pelo que havia lido a respeito, ele tinha uma abordagem diferenciada das pessoas que moram em favelas, mais precisamente no Morro da Estação Primeira de Mangueira, no Rio de Janeiro, resolvi arriscar. Bem, pela tal “abordagem diferenciada”, ele poderia ser rodado em qualquer favela do mundo. Já que os entrevistados são “anônimos” e (parecem) tão sem importância que cabe ao espectador imaginar a quem se encaixa os nomes nos créditos finais. Ele traz histórias comuns de pessoas comuns vivendo as suas vidas comuns e, por coincidência, morando na Mangueira que, além do samba, dá funk e pagode. Nada interessante, ou sequer curioso, que já não tenha sido explorado por outros documentários e até por exaustivas matérias televisivas que adoram tirar proveito da miséria, apelando para o “registro” da dignidade humana.

Os “depoimentos” e as respostas automáticas às perguntas ocultas não empolgam, e ficam ainda pior com a intrusa câmera detalhando partes do “solitário” depoente (sem a mesma categoria do clássico Ensaio, antigo programa da TV Cultura de São Paulo). Ela se faz de distraída, mexe, corta e recorta sem se importar com o que é dito. Falta respeito em quem escuta aquele que fala, mesmo que a fala seja banal. É enfadonho ficar vendo ruelas, escadas e atalhos, barracos, gentes, gatos e cães andando a esmo, fiação cruzada e perigosa, pessoas comendo, bebendo, dando um trato no cabelo e nas unhas etc. Se a opção era por uma fotografia “intimista” ela bem que poderia ser de melhor qualidade. Tentei ao menos descobrir a que samba o título se refere (dança ou música?) e não consegui. Eu também gosto muito de samba, mas este que vi, definitivamente, não mora em mim.

Entre a emoção barata sugerida por uma câmera à espera de uma lágrima, de um soluço, de um desabafo piegas qualquer, fico com o Dia Seguinte, belo samba paulista de Carlinhos Vergueiro e J. Petrolina, que diz: E depois/ Quando a festa acabar/ O que vai ser dessa vida/ Vai voltar ao que era/ Antes de passar pela avenida/ Nem melhor, nem pior/ Porque não pode ser mais dolorida/ Que será deste reino de branco e de azul/ Quando a voz das pastoras emudecer/ Quando o som da batida do surdo parar/ Igual um coração para de bater/ Que será desta porta bandeira/ Que foi aplaudida/ Amanhã, quando o rei começar/ A tristeza interrompida/ E este rei, que perdeu a coroa/ E a glória consentida/ Volte a ser camelô, biscateiro ou gari/ Ou de berro na mão por aí a reinar/ Poderá ser mais um pingente que cai/ Que no ano que vem ninguém vai notar.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Crítica: O Ritual


por Joba Tridente

Desde o clássico O Exorcista (1973), de William Friedkin, baseado no livro homônimo de William Peter Blatty, Hollywood firmou o seu gosto pelo gênero e de tempos em tempos ressuscita Deus e o Diabo pra um duelo que todo mundo sabe quem será o vencedor. Em 2011 quem vai para o ringue é O Ritual (The Rite, EUA, 2011), de Mikael Håfström. Com certeza não será o último filme a tratar do batido tema que acaba provocando mais susto (conduzido pela trilha sonora) do que necessariamente medo, pelas batidas sequências de exorcismo. Mesmo sabendo o momento exato da chatice onomatopaica “musical”: Crash! Bum! Tá! Cabum! Blem!, Bong!, o espectador se assusta. Fora isso, segue uma discussão frouxa sobre os (des)caminhos da fé e do ceticismo (de sempre). É claro que não haveria um filme sobre exorcismo sem o conflito da fé versus ceticismo e a indefectível lenga-lenga de que é preciso ver pra crer.

A batalha contra o Diabo, que é a principal tarefa de São Miguel Arcanjo, ainda está sendo travada, porque o Diabo ainda existe e está em atividade no mundo - Papa João Paulo II.

Diz um crédito inicial que o filme é baseado em fatos reais publicados no livro The Rite: The Making of a Modern Exorcist (O Ritual: A Formação do Exorcista Moderno), de Matt Baglio, um jornalista que, em 2007, ao ouvir falar que o Vaticano estava criando uma Escola de Exorcismo, com a pretensão de colocar um padre exorcista em cada diocese ao redor do mundo, passou a investigar a notícia. Foi assim que conheceu o padre americano Gary Thomas, que estava frequentando o seminário, no Ateneu Pontifício Regina Apostolorum, em Roma. Da conversa entre os dois, em vez de um artigo, foi escrito o livro (com intenções cinematográficas). Tenho sérias dúvidas com o dito: baseado em fatos reais. Acho que inspirado é muito mais honesto, já que, de uma forma ou de outra, verdade ou mentira, a história vai ser modificada, a bel-prazer dos realizadores, pra virar um rendoso entretenimento.

Por falar em frase de impacto, quando criança, tinha um anúncio na televisão mostrando duas senhoras fazendo compras num mercado e discutindo sobre uma marca de sabão em pó, cujo texto na caixa dizia fazer maravilhas com as roupas, e uma das mulheres, contrariando a outra, dizia: Ah, isso eles escrevem na embalagem! Todo mundo sabe que a publicidade existe pra induzir os incautos a comprar um produto, independente da qualidade e da sua necessidade. No cinema não é diferente, escolhe se diretor e elenco pra vender um produto, se for possível inserir que aquela história é baseada em fatos reais e o público acreditar, o filme está feito. É um risco que nem sempre dá certo pra quem faz ou quem assiste.


O Ritual conta a história de Michael Kovak (Colin O’Donoghue), um jovem americano cético que, pra fugir do destino hereditário de se tornar um agente funerário, resolve ir pra um seminário, na vã esperança de despertar a sua fé oculta e, de quebra, ter uma boa educação. O plano é estudar e depois saltar fora, antes de ser ordenado padre. Mas, na hora “H”, é chantageado pelo Padre Matthew (Toby Jone) e se vê obrigado a ir para Roma, fazer um curso intensivo de exorcismo. Na sala de aula conhece a jornalista Angeline (Alice Braga), interessada em escrever um artigo sobre o assunto, que fica curiosa a respeito do seu ponto de vista anticlerical. Para ilustrar a teoria do curso, Kovak é recomendado ao padre jesuíta Lucas (Anthony Hopkins), um exorcista juramentado e nada convencional, que tem as suas manhas pra discutir com os Diabos de Possessão que, não tendo ocupação no Inferno, arranjam hospedeiros e passam o tempo fazendo profecias e adivinhações.

O roteirista Michael Petroni tenta, mas não consegue fugir do lugar comum e do previsível. A fraca luz que Kovak, personagem mais perplexo do que complexo, joga sobre o tema: religião (possessão demoníaca) versus psiquiatria (esquizofrenia), acaba se dissipando numa discussão sem brilho com Padre Lucas. No dito pelo não dito acaba prevalecendo o ideário Católico Apostólico Romano. Ou seja, ajoelhou tem que rezar. Filmado em Roma e Budapeste, a impressão é a de que O Ritual não passa de marketing da Igreja Católica (com a falta de contingente) para assediar jovens com uma proposta de sacerdócio com emoção (diabólica). Em tempos de “evangélicos” se reproduzindo feito praga, nos canais televisivos de todo o mundo, com seus exorcismos circenses e vendendo salvação aos tolos, por 30 tostões, qualquer arma é alma no cofre.

Dizer que o velho terror está de volta, com O Ritual, é uma blasfêmia. Além da fascinante atuação de Hopkins não há muito mais o que registrar, já que o resto do elenco cumpre seu papel com correção. O clima não foge à regra e nem dispensa clichês: lugares lúgubres e possessos blasfemando com voz cavernosa, revirando olhos, espumando, escamando a pele etc. É um filme bom, pra quem nunca viu algo do gênero, mediano, pra quem viu pelo menos o clássico O Exorcista e o curioso O Exorcismo de Emily Rose (2005), de Scott Derrickson, e ruim, pra quem já viu tudo quanto é tipo de cinema exorcizante. Todavia, posso estar enganado (já que vi apenas uns quatro), porque, como se diz, 99 não é 100.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Crítica: Burlesque


por Joba Tridente

Burlesque é um musical para quem gosta do gênero, mas não é muito exigente, ou para fãs de Cher e Christina Aguilera. Ele tem cara e clima de filme velho, por causa do estilo musical e da história “ingênua”, que era até divertido (apesar de recorrente) nos primórdios dos musicais hollywoodianos, mas que, hoje, soa apenas risível.

Burlesque (Burlesque, EUA, 2010), dirigido por Steve Antin, não é lá muito original, mas mostra energia e competência nos números musicais, que é o que segura o filme e entretém a plateia. O roteiro, que a princípio parece tolo (mas não de todo improvável em outro contexto) fala de Ali (Christina Aguilera), uma garçonete que sonha fazer carreira como cantora. Um dia ela se cansa da sua vidinha, lá no Iowa, e se muda para Los Angeles, indo parar no cabaré The Burlesque Lounge, de Tess (Cher). Uma casa que apresenta números musicais com alguma picardia.

Excetuando a coreografia da banana (a mais levadinha) e a graciosa “homenagem emplumada” à dançarina burlesca e atriz Sally Rand (1904 - 1979), não há muito com que se preocupar com a pretensa “libertinagem” do lugar. Algumas das canções são conhecidas e há pelo menos um grande momento: Cher cantando a bonita balada You Haven't Seen the Last of Me, de Diane Warren. Os números musicais, na verdade, servem como uma ilustração do bar, estão mais para um apêndice do que parte integrante do roteiro, cujo foco se divide na busca de estrelato de Ali e na manutenção da casa de show de Tess. Também é praticamente impossível não compará-los (em plasticidade) com os números musicais de Moulin Rouge - Amor em Vermelho (2001), de Baz Luhrmann, e de Chicago (2002), de Rob Marshall. E, antes que me esqueça, é bem superior a Nine (2009), também de Marshall.


Observando esses Contos Encantados de Hollywood, em sua maioria protagonizados por garotas fascinadas por uma vida glamourosa, a ótica é sempre a da Borralheira. Ou seja, parece que garçonete é a profissão ideal e comum a todas as candidatas ao estrelado no show business. Elas dão em penca nas lanchonetes, fora e dentro dos filmes hollywoodianos, sempre esperando que um diretor famoso (do teatro ou do cinema), ou seu olheiro, apareça pra fazer um boquinha e as (re)colham do anonimato. Mas não é apenas em Los Angeles ou Nova York, nos EUA, que as jovens apostam no sucesso, aqui no Brasil também se encontra muita gente correndo atrás da fama a qualquer preço (mesmo). Tem até uma série brasileira, na TV XXXXX, sobre isso.

Burlesque é um filme para se ver e se entreter por umas duas horas e depois, possivelmente, esquecer. A narrativa carece de graça, de força dramática, de romance tórrido e de humor. A boa direção dos clipes musicais destoa no resto da “trama”. A atuação do elenco (que inclui: Stanley Tucci, Eric Dane, Peter Gallagher, Kristen Bell e Cam Gigandet) não empolga muito, por conta do insosso roteiro e dos personagens mal resolvidos. É estranho ver bons atores agindo feito barata tonta, sem saber o que estão fazendo na fita. Se a produção (com destaques para a fotografia e direção de arte) não apostasse tanto no clichê de velhos musicais, na facilidade (felicidade?) do “romântico” lugar comum, este seria um musical mais empolgante.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Crítica: Lixo Extraordinário


por Joba Tridente

O Lixo Extraordinário (Waste Land, Inglaterra, Brasil, 2009), documentário dirigido por Lucy Walker, João Jardim e Karen Harley, permite duas leituras: o fascinante processo criativo do artista plástico Vik Muniz e o processo participativo (e introdutório) de uma comunidade na criação (compreensão e descoberta) da arte que protagonizam. A proposta do filme é registrar o mais recente projeto artístico-social de Vik (que costuma usar inusitados materiais) junto aos catadores de lixo de um dos maiores aterros do mundo: Gramacho, em Duque de Caxias, no Rio de Janeiro, que será desativado até 2012. Ali se encontra de tudo (mesmo) que se possa imaginar ou ainda se aproveitar, como alimentos e até livros, que são rasgados pelos mais afoitos ou resgatados para uma possível futura biblioteca, pelo consciente Zumbi. No lixo revirado por catadores humanos e urubus, também se encontram, de vez em quando, corpos humanos. Felizmente o foco do filme está além (ou aquém) desse macabro cotidiano. A premissa de Muniz é, através da sua arte, ajudar financeiramente as pessoas que trabalham ali (revertendo o lucro da venda dos quadros) e (se possível) provocar mudanças coletivas e individuais.

A certa altura de Lixo Extraordinário, em uma curiosa conversa com Tião (do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis), um dos participantes do documentário, que diz não achar a menor graça em algumas obras de arte que viu, Vik Muniz pergunta a ele se isso não estaria relacionado à falta de informação sobre elas. Ele concorda meio assim-assim. O que faz lembrar de uma cena anterior (de humor negro), quando os dois visitam uma coletiva, na Inglaterra, onde está exposta uma, das estranhas esculturas “Bin Bag” (saco de lixo em bronze pintado), de Gavin Turk. Tião fica meio embasbacado diante da obra idêntica a um saco plástico preto, cheio de lixo, amarrado e largado ali, e a toca, pra ver se é realmente é pesada. Nem imagino o que possa ter passado pela sua cabeça nessa hora, mas ele parece achar divertida aquela escultura de bronze. Afinal, o que é arte? Aquilo (tudo) que satisfaz ao artista ou agrada aos críticos? Será que informações sobre um artista e a sua obra realmente podem modificar a opinião (e o gosto) de um observador? Eu não acredito!


O filme tem momentos descontraídos, com os catadores falando das coisas que encontram no lixo do rico (saco preto) e do pobre (sacola de supermercado), e dramáticos, mostrando que a miséria pode ainda ser maior, quando nem mesmo os catadores são poupados pelos assaltantes. É irônico, ao desvelar os livros jogados fora, como O Príncipe, de Maquiavel, e A Arte da Guerra, de Sun Tzu, e emblemático, ao mostrar imagens do desenho Riquinho, que uma garota assiste em uma televisão que ilumina o barraco onde mora. No entanto, apesar das tragédias pessoais ou coletivas o filme tem (ainda bem!) uma alegria (e beleza) contagiante. Por pior que seja a vida, aquela gente que convive com urubus, ratos e marginais, não desiste da única fonte de renda que a maioria conhece, porém, costuma sonhar com dias melhores.

O trabalho durou três anos e envolveu, além de Muniz, Fabio Ghivelder, Isis Rodrigues Garros, José Carlos da Silva Baia Lopes (Zumbi), Sebastião Carlos dos Santos (Tião), Valter dos Santos, Leide Laurentina da Silva (Irmã), Magna de França Santos, Suelem Pereira Dias. O que se vê na tela, em alguns momentos de catarse (de Vik), pode confundir o espectador (mais crítico) sobre as intenções do projeto: ele está a serviço dos catadores retratados ou do artista que os retrata? Intenções à parte, pelo resultado apresentado, ele parece (realmente) ter mexido mesmo com a autoestima do grupo que, depois da experiência na (re)criação de cada um, através de fotos e material reciclado, passou a se valorizar mais e a buscar novas caminhos profissionais e soluções para conflitos familiares.


O extraordinário em Lixo Extraordinário é ver a quantidade de coisas que poderiam ser doadas (brinquedos, livros, roupas) e ou reaproveitadas (materiais usados em fantasias de carnaval) e que são deitadas fora e ou vendidas, como sucata, pelos catadores. Ao ver bonecas, ursos de pelúcia e outros brinquedos, lembrei-me da animação Toy Story - 3 (2010) e de algumas benevolentes senhoras que (no Paraná) recolhem do lixo (e também aceitam em doações) brinquedos velhos e (até) quebrados e, com todo carinho os restauram, deixam como novos (às vezes precisam apenas de uma boa lavada) e fazem a alegria de crianças carentes que moram em favelas e orfanatos. Não sei se em Gramacho existe algum tipo de coleta parecida, pois não vi, em nenhum momento, alguém comentar sobre resgate e restauro dos brinquedos (inclusive) para os filhos dos catadores de reciclável. Porém, é surpreendente a consciência intelectual (e educacional) de Zumbi, ao falar com paixão dos livros que recolhe e guarda, para serem (muito bem) aproveitados numa biblioteca, que sonha criar, para atender as necessidades culturais de toda a comunidade.

Lixo Extraordinário, premiado em Sundance, Berlim, Dallas, Seattle, Durban, Paulínia, São Paulo, Manaus e concorrente ao Oscar, não é tão impactante ou tão incômodo quanto Estamira, belíssimo documentário dirigido por Marcos Prado, sobre uma catadora de lixo também de Gramacho, mas desperta interesse, provoca e emociona o espectador com as histórias dramáticas (e trágicas) de uma “gente invisível”, cuja única “saída visível”, para não cair na marginalidade, é fuçar o lixo em busca de algo que renda algum real.

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Crítica: Cisne Negro




por Joba Tridente
Quem trabalha com arte sabe que deve sempre desconfiar da segurança do tapete onde pisa. Basta um vacilo e acaba-se estatelado num campo minado e sem ter quem lhe dê a mão. É claro que em qualquer área há o famoso “puxar o tapete”, mas no campo artístico ele é muito mais evidente e, diria, até mais doentio. Cisne Negro (Black Swan, EUA, 2010), de Darren Aronofsky, é um drama de suspense psicológico que ocorre durante a preparação e apresentação de uma nova versão do balé O Lago dos Cisnes, de Tchaikovsky (1840 - 1893). Ele mostra a pressão sobre a companhia e a obsessão dos bailarinos para serem (ou parecerem) os melhores e assim ganhar papel de destaque. Uma história taciturna que, em quatro atos, mostra os percalços da sapatilha e dá um nó na cabeça do espectador.


Nina (Natalie Portman) é uma profissional obcecada pela perfeição técnica e acredita que, com a “aposentadoria” de Beth (Winona Ryder), pode ser a nova primeira bailarina. Porém, para protagonizar o majestoso espetáculo e dar vida ao inocente Cisne Branco e ao sedutor Cisne Negro, além da enigmática Lily (Mila Kunis), ela terá de vencer seus próprios traumas. Vivendo com a superprotetora mãe, Erica (Barbara Hershey), uma ex-bailarina, Nina só consegue expressar o lado virginal da personagem e pode não ter tempo suficiente para aprender a seduzir o público e convencer o exigente diretor artístico Thomas Leroy (Vincent Cassel). Ansiosa ela se entrega com furor aos ensaios, enquanto busca desesperadamente uma forma de despertar a sua libido, de trabalhar a sua sensualidade esquecida. Tanta dedicação acaba por provocar um estresse tão forte que Nina (e o espectador) se vê confundindo realidade e ficção.


Esta trama obsessiva, para bailarina ou terapeuta nenhum botar defeito, é baseada em The Understudy, uma história de Andres Heinz, que se passa nos bastidores de um teatro e cujo embate é entre duas atrizes. Na verdade Cisne Negro, com ótimo roteiro revisto e adaptado pelo próprio Heinz e por Mark Heyman e John McLaughlin, lembra algumas produções onde se rivalizam protagonistas e coadjuvantes, inclusive reconhecidos pelo próprio Aronofsky, mas que não vale citar porque, apesar de toda referência, ele tem luz e sombra próprias. Aliás, duelo de luz e sombra é o que não falta em sequências de inquestionável beleza e pavor, na excelente fotografia de Matthew Libatique e edição alucinante de Andrew Weisblum.

A busca de Nina pela perfeição técnica, até mais que a lembrança de filmes outros, me lembrou de uma passagem no belíssimo e inacabado romance Cidadela, de Antoine de Saint-Exupéry (1900 - 1944), publicado postumamente em 1948, em que uma bailarina ganha destaque numa apresentação porque erra um passo. Não fosse isso seria mais uma no meio do grupo. Ao errar o passo ela criou outro. Nina não cria e nem erra os passos. Entretanto, prisioneira da coreografia e da música magistral, ela tem como carrasco a sua própria mente. Nina conhece cada nota, cada movimento musical, menos a si mesma.


Cisne Negro
é soturno, tenso. A sensação é a de que a sanidade da personagem (e do público) é colocada à prova a todo instante. Um drama (com cara de cinema fantástico) que perturba e maravilha o espectador, envolvendo-o num vendaval de emoções tão grande que, ao final do espetáculo, ele precisa aguardar o fim dos aplausos pra se recuperar. O filme é coerente com os trabalhos anteriores de Aronofsky, que aposta em tipos marginais, antissociais, em gente que vai desconstruindo-se (e ou reconstruindo-se) numa trama dolorosa até um final nem sempre apoteótico. Uma obsessão que faz dele um dos poucos diretores a conseguir o máximo de atores (muitas vezes) mínimos, numa lapidação visceral que expõe um brilho até então desconhecido pelos próprios atores, realizando uma obra cada vez mais autoral, num tempo de cinema cada vez mais igual.

Mesmo sem saber o que vai (realmente) chegar por aqui, acredito que Cisne Negro será um dos mais marcantes filmes de 2011.
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