quinta-feira, 29 de setembro de 2016

Crítica: O Lar das Crianças Peculiares


O Lar das Crianças Peculiares
por Joba Tridente

Tim Burton tem o dom (e o tom) de surpreender tanto para o bom quanto para o mau espetáculo. Ultimamente seu cinema tem parecido menos criativo, mais cansado, e deveras replicante. Após o insosso Sombras da Noite (2012) e o bom Frankenweenie (2012), Burton apostou melhores fichas no equivocado Grandes Olhos (2014), que não é lá essas coisas..., na verdade, de grande, só o fiasco.  Mas, se em tempos de imaginação pulverizada não dá pra chorar a fantasia rasgada, o negócio é ir em frente e ver o que o mercado de best seller para leitores jovens adultos pode oferecer ao cinema para jovens adultos. Também porque, a se pensar com a carteira, se o número mínimo de espectadores for proporcional ao número de leitores, mesmo que a produção fracasse, ainda dará algum lucro.


O Lar das Crianças Peculiares (Miss Peregrine's Home for Peculiar Children, 2016), baseado no romance homônimo de Ransom Rigss, parece uma obra criada na medida para o olhar perspicaz do diretor Tim Burton..., pelo menos para quem leu o livro de aventura infantojuvenil. Mas, e para quem não leu nenhum volume da trilogia? Não vou me ocupar da fidelidade do filme ao livro porque, além de não ter lido, raramente um faz jus ao outro. Enquanto o livro dá asas à imaginação do leitor..., o cinema pode acabar com a sua bela fantasia de leitor, dando-lhe uma cara que nem sempre condiz com a história e ou com os personagens. Isto posto, vamos ao que interessa. Ah, quem leu um e viu o outro diz que há controvérsia!

A trama de O Lar das Crianças Peculiares (o filme) acompanha a viagem do adolescente estadunidense Jake (Asa Butterfield), da ensolarada Flórida ao nublado País de Gales (Reino Unido), na companhia do seu pai (Chris O'Dowd), a fim de comprovar a veracidade das histórias fantasiosas contadas pelo seu adorado e recém-falecido avô Abe (Terence Stamp), sobre um grupo de crianças superdotadas que habitavam a região rural daquele país e que ele conheceu na juventude. Jake, é claro, encontra as crianças peculiares, vivendo sob os cuidados da Srta. Peregrine (Eva Green), num solar localizado num laço de tempo em 1943. Assim como o lugar, as crianças são exatamente como lhe contou o avô. Cada uma tem a sua particularidade: uma jovem domina o ar; um garoto dá vida a coisas inanimadas; uma garotinha tem força sobre-humana; um menino é invisível etc. Todavia, este recanto absurdo (no tempo e espaço), onde o convívio de bizarrices é harmônico, está ameaçado por forças malignas comandadas pelo perverso Sr. Barron (Samuel L Jackson), e seu desejo cego de alcançar a imortalidade. Jake, como bom mocinho estadunidense, não vai ficar de fora dessa luta (do bem contra o mal).


Com seu roteiro infantil e preguiçoso, O Lar das Crianças Peculiares parece um filme-catálogo (tipo álbum de figurinha) de apresentação de personagens peculiares e suas habilidades que poderão render algo a mais no futuro da franquia. Um apresenta o seu “número espetacular” aqui, outro apresenta o seu “número estranho” acolá, como se num circo e ou num teatro de variedades. Além das especialidades de cada um, nada mais se sabe deles e, portanto, não há espaço para se criar empatia por quem quer que seja, de dentro e ou de fora da fenda temporal. Mas não creio que este detalhe incomode o público alvo, na faixa dos 9 aos 12 anos. Se não se fala de diferenças, não há razão para se discutir preconceitos.

Também não me parece que os pequenos espectadores vão deixar as guloseimas de lado para questionar o “efeito marmota”, a “fenda temporal” e as idas e vindas de Jake entre 2016 e 1943. Afinal, estão ali para se divertir (se for possível) e não para pensar e dar um nó no cérebro diante de algumas incoerências da narrativa. Tudo bem que não se pode esperar lógica e ou coerência num filme infantojuvenil (principalmente de Burton!) que aborda o fantástico e a viagem no tempo..., assunto que povoa a mente de milhões de crianças em todo o mundo..., mas alguns remendos nos furos no script não fariam mal.


Enfim, como o seu enredo está nivelado no “inho”: bonitinho, engraçadinho, divertidinho, o suspense é levinho e a ação meio pastelão(zinha). O que não que dizer que O Lar das Crianças Peculiares seja uma comédia. Há uma cena ou outra mais forte, mas nada que amedronte (ou traumatize) a garotada acostumada a games violentíssimos, a sangrentos programas televisivos e a filme de super-heróis. Os “desafios” (alguns bem bobos) enfrentados pelos peculiares são de fácil solução. O humor é tacanho. No “terceiro ato” até há uma tentativa de se fazer graça com algumas tiradas do caricato vilão Sr. Barron (L Jackson), mas as “piadas macabras” não rendem mais que dois ou três sorrisos breves. Tampouco funciona o forçado romance entre Jake e Emma (Ella Purnell), a garota que pode flutuar.

Para o espectador/leitor ligado em enredos de ação e aventura, por conta das tais peculiaridades, é fácil relacionar, à primeira vista (ou lida?), os jovens (mutantes) do Lar das Crianças Peculiares com os jovens (mutantes) da Escola do Professor Xavier para Jovens Super-Dotados (X-Men). A diferença entre os dois grupos de “X” pode ser apenas uma questão de semântica. Ou seria de inocência, já que os alunos (X-Teens) da Srta. Peregrine são mais ingênuos e menos treinados para o combate que os alunos (X-Teens) do Professor Xavier? As referências não param por aí. Como no universo das coincidências nem tudo é paralelo, é forte a influência da obra-prima Monstros/Freaks (1932), de Tod Browning (1882-1962), em todo o contexto (livro/filme). Se os resquícios de Horizonte Perdido (1973) ou de A Pequena Loja de Horrores (1986) entre um “dia da marmota” e outro, e a animada homenagem ao mestre do stop motion Ray Harryhausen (1920-2013), com a engraçadinha tropa de esqueletos, são passageiros na fugacidade digital na telona..., reconhecidas imagens recicladas de produções alheias insistem em permanecer na retina do cinéfilo. Pode ser interessante enumerá-las!



Assim, considerando que, em meio a inúmeras referências, a marca característica de Tim Burton prevalece, com seu visual deslumbrante e um 3D consistente, em detrimento de uma trama que se desenvolve claudicante (guardando “ás” na manga para futuras continuações?), alternando entre excelentes e frouxas sequências; que o elenco faz o que pode dentro do pouco tempo que lhe cabe em cena; que a trilha-clichê por vezes é irritante; que ao sair do cinema pouco (ou quase nada) se carrega na memória da historinha que acabou de assistir..., do ponto de vista de um adulto exigente e ansioso para ser surpreendido, acho que O Lar das Crianças Peculiares fica a desejar. O que não quer dizer que o público jovem comungue com essa resenha ranzinza...

quarta-feira, 21 de setembro de 2016

Crítica: Cegonhas - A História Que Não Te Contaram

Cegonhas - A História Que Não Te Contaram
por Joba Tridente

No meu tempo de menino, lá no interior de São Paulo, acreditava que, segundo os adultos, os bebês eram trazidos pelas cegonhas, mesmo jamais ter visto uma..., ou talvez por isso. Conforme fui crescendo e aprendendo a ler, descobri, nos Contos de Fadas, que as crianças, principalmente as minúsculas, como a Pequerrucha (Thumbelina ou Polegarzinha), de Hans Christian Andersen, poderiam nascer de uma flor. Mais tarde soube que nos Estados Unidos da América, algumas crianças nasciam em pés de repolho. Depois, descobri outras formas mais prazerosas de fazer bebês, que dispensavam aves, jardins e hortas.


Bem, esse meu tempo lúdico ficou lá pra trás, mas foi bem divertido reencontrá-lo na surreal animação Cegonhas - A História Que Não Te Contaram, um filme onde o que não falta é imaginação para brincar com estereótipos da família tradicional (americana?) e seu mirabolante conservadorismo (religioso?). Segundo a trama, escrita por Nicholas Stoller, também seu diretor, ao lado de Doug Sweetland, há muitos anos (ou talvez nem tanto) cabia a uma imensa colônia de cegonhas, instalada no cume de uma altíssima montanha, o serviço de produção e entregas de bebês para os casais em todo o mundo. Para tanto, bastava que o casal interessado enviasse uma carta, com as suas características, ao grupo, lá no topo do mundo, para que, em pouco tempo, um bebê fosse produzido (nas alturas) e entregue (em terra firme) no lar doce lar dos humanos. Mas, sabe como é, com a evolução da humanidade, o desenvolvimento industrial e tecnológico, os casais aprenderam a produzir os próprios filhos e dispensaram o método ultrapassado das cegonhas..., que não tiveram outra escolha a não ser mudar de ramo e passar a entregar eletroeletrônicos de última geração da Loja da Esquina


É aí que começa essa história maluca e engraçada. Desde que trocaram a produção e entrega de bebês por um bem sucedido comércio eletrônico, o empreendimento das cegonhas só faz crescer. No entanto, o funcionário padrão Junior e a desastrada órfã humana Tulipa podem comprometer os negócios da empresa se não conseguirem entregar (antes que o chefão descubra) uma bela criança que foi produzida acidentalmente. O problema da entrega nem é a falta de treino da dupla improvável, mas os perigos que vão encontrar pelo caminho, como a determinada e hilária alcateia de lobos capaz das mais absurdas transformações para ficar com o bebê e ainda roubar as cenas.


Cegonhas - A História Que Não Te Contaram é daquelas animações que têm tudo para agradar toda a família. O roteiro resolve com criatividade a conhecida saga do bebê perdido (de outras animações), tem ótimo ritmo e aquele humor nonsense, meio cartum-pastelão, com uma pegada de humor negro (com final genial) que não falha. Além da cenografia impecável, chama a atenção a excelência técnica dos expressivos e carismáticos personagens, com seus olhos enormes. É incrível como um mero (?) detalhe (olhos) é suficiente para distinguir os personagens desta com os de outras animações. O enredo, repleto de ação e aventura (ao gosto da criançada e sem desapontar os adultos), com boas reviravoltas, diverte e emociona, sem ser piegas, ao questionar sutilmente a constituição de laços familiares, filhos solitários e pais ausentes, em significativas sequências. Algumas cenas da órfã Tulipa e do filho único de um casal de corretores “digitais” são emblemáticas nessa discussão.


Enfim, boa direção, trama curiosa, personagens cativantes (quem resiste ao sorriso de um bebê?), bons números musicais (que poderiam ser vertidos para o português), piadas saudáveis, crítica aos viciados em trabalho (workaholic) e aos patrões cruéis, fazem de Cegonhas - A História Que Não Te Contaram um excelente e gracioso programa para reflexão e passagem do tempo (que, por sinal, é fortemente marcado em diálogos pertinentes). Vale reforçar que, embora o tema seja a produção de bebês, os papais não precisam ficar preocupados, pois não se trata de um filme de educação sexual. O desenho (basicamente uma ficção científica leve) é uma bela e gostosa fantasia sem nenhuma intenção de ensinar os pequenos a fazerem filhos. Ele apenas brinca, de forma inteligente, com elementos da velha lenda escandinava popularizada por Hans Christian Andersen (1805-1875) em As Cegonhas, que você lê abaixo.

Ah, e não chegue atrasado ou perde um ótimo curta, feito com pecinhas de Lego, sobre Mestres do Kung Fu.


ilustração de William Heath Robinson (1872–1944)

AS CEGONHAS
Hans Christian Andersen


UMA cegonha construíra seu ninho no telhado da última casa de um povoado. A mamãe cegonha estava sentada no ninho com seus filhotes, que assomavam seus biquinhos negros, pois ainda não haviam adquirido sua cor vermelha. Papai-cegonha estava a pouca distância, na beira do telhado, em e entorpecido, com um recolhido embaixo do corpo, fazendo de sentinela. Parecia esculpido em madeira, devido à sua imobilidade.
- Minha esposa deve ficar satisfeita ao ver uma sentinela guardando seu ninho - pensava. - Ninguém sabe que sou seu marido e talvez todos pensem que recebi ordens para montar guarda aqui. Isso é muito importante.
E continuou de num , porque as cegonhas são verdadeiras equilibristas.
Um grupo de garotos brincava na rua; e, ao ver a cegonha, um dos mais atrevidos, seguido pelos outros que lhe faziam coro, entoou uma cantiga a respeito das cegonhas, cantando-a meio de improviso:
Vela por teu ninho, pai-cegonha,
Onde te esperam três pequeninos.
0 primeiro morrerá de urna estocada,
0 segundo queimado
E o terceiro enforcado.
- Que dizem esses garotos? - perguntaram os filhotes. - Dizem que morreremos queimados ou enforcados?
- Não façam caso - respondeu a mamãe-cegonha. - Não os ouçam, pois ninguém lhes fará nenhum mal.
Mas os meninos continuavam cantando e apontando para as cegonhas; somente um, chamado Pedro, disse que era vergonhoso divertir-se à custa daquelas pobres aves e não quis imitar os companheiros.
Mamãe-cegonha consolou seus pequeninos, dizendo-lhes:
- Não se preocupem com isso. Vejam seu pai como está firme em cima de um .
- Temos muito medo - replicaram os filhotes, escondendo as cabecinhas dentro do ninho.
No dia seguinte, quando os meninos voltaram a brincar, viram novamente as cegonhas e repetiram a canção.
- E' verdade que morreremos queimados ou enforcados? - perguntaram de novo os filhotes.
- De forma alguma! - replicou a mãe. - Vocês aprenderão a voar. Eu os ensinarei. Logo iremos para os campos em busca de rãs. Elas vivem na água e quando nos veem, fazem muitos cumprimentos e começam a coaxar. Mas nós as engoliremos. Esse é um verdadeiro banquete, de que vocês vão gostar muito.
- E depois? - perguntaram os filhotes.
Mais tarde todas as cegonhas do país e reúnem para as manobras do outono e então vocês terão que voar da melhor maneira possível, para quem não puder voar se verá atravessada pelo bico do chefe. Assim sendo, vocês terão que ter muito cuidado para aprender o máximo que puderem, quando começarem os exercícios.
- De qualquer forma é bem possível que acabemos do jeito que dizem os garotos. Veja, eles voltam a cantar a mesma coisa.
- Ouçam a mim e não a eles - replicou secamente a mãe-cegonha. - Depois das grandes manobras, voaremos para os países cálidos, que ficam muito longe, para além dos bosques e das montanhas. Iremos para o Egito, onde existem casas de três cantos, cujas pontas chegam até as nuvens; chamam-se Pirâmides e são muito mais antigas do que qualquer cegonha pode imaginar. Ali existe um rio que inunda as suas margens e toda a terra se cobre de lodo. E então podemos andar por ali comodamente, sem deixar de comer rãs.
- Oh! - exclamaram os filhotes.
- Sim, é esplêndido. Durante o dia inteiro não se faz mais do que comer. E enquanto nós estamos bem ali, neste país não há uma folha nas arvores; e faz tanto frio que as nuvens se gelam em pedacinhos que caem ao solo.
Queria descrever a neve, mas não sabia fazê-lo melhor.
- E as crianças más não se gelam em pedacinhos? - perguntaram os filhotes.
- Não, mas lhes acontece algo parecido e têm de passar muitos dias presas em suas casas escuras; vocês, em troca, voarão para países distantes, recebendo o calor do sol entre as flores.
Passou-se algum tempo e os filhotes se desenvolveram bastante para ficarem em no ninho e olharem à sua volta. Papai-cegonha voava todos os dias de ida e volta ao ninho com rãs e serpentes, além de outros bons bocados que conseguia arranjar. E era muito divertido observar as manobras que fazia para divertir seus filhos; virava a cabeça completamente em direção à cauda e batia o bico como se fosse um chocalho. E lhes contava tudo que lhe acontecera nos pântanos.
- Bem, é hora de que aprendam a voar - disse um dia sua mãe.
E os pequenos tiveram de ficar em , na beira do telhado. Quanto lhes custou conservar o equilíbrio batendo as asas e como estiveram a ponto de cair!
- Agora olhem para mim - disse a mãe. - Vejam como têm de sustentar a cabeça. E os pés se movem assim. Um, dois, um, dois. Desta forma poderão percorrer o mundo inteiro.
Logo voaram durante algum tempo e os pequenos deram uns saltos horríveis e caíram, porque seus corpos eram muito pesados.
- Não quero voar - disse um dos filhotes voltando para o ninho. - Não faço questão de ir para os países mais quentes.
- Quer gelar aqui, ao chegar o inverno? Prefere que venham os meninos e o queimem ou enforquem? Não me custará nada chamá-los.
- Não, não! - respondeu assustada a pequena cegonha.
E imediatamente voltou para a beira do telhado, onde estavam os irmãos.
No terceiro dia todos voavam muito bem. Tentaram voar por mais tempo, porém, quando se esqueceram de bater com as asas, aconteceu a queda irremediável.
Os meninos que as observavam entoaram novamente a sua canção.
- Querem que desçamos voando e lhes arranquemos os olhos? - perguntaram as pequenas cegonhas.
- Não, deixem-nos em paz - disse a mãe. Prestem atenção ao que faço, pois isso é muito mais importante. Um, dois, três. Agora vamos voar para a direita; um, dois, três; agora para a esquerda e em volta da chaminé. foi bastante bem. Este último voo foi tão bom, que, como prêmio, eu consentirei que me acompanhem ao pântano amanhã. Várias cegonhas distintas vão até com seus filhos, de modo que vocês devem esforçar-se para que os meus sejam os melhores de todos. Não se esqueçam de levantar as cabeças. Isso é muito elegante e confere um ar de extrema importância.
- Mas não nos vingaremos desses meninos maus? - perguntaram as pequenas cegonhas.
- Deixem que gritem o quanto quiserem; vocês voarão para a terra das pirâmides, enquanto que eles ficarão aqui gelando. Nessa ocasião não haverá por aqui nem uma folha verde nem uma maçã doce.
- Pois nós queremos vingar-nos disseram as pequenas cegonhas.
Logo depois recomeçaram com os exercícios de voo.
Dentre todos os meninos da rua, nenhum caçoava das cegonhas com maior insistência do que o primeiro a cantar aquela canção burlesca. Era um garoto pequeno, que devia contar uns seis anos. É claro que as cegonhas lhe davam pelo menos cem anos, pois ele era muito mais corpulento do que seu pai ou sua mãe e elas não tinham a mínima ideia da corpulência que podem alcançar as pessoas maiores. Reservavam pois a sua vingança para o menino que fora o primeiro a entoar aquela canção e que não deixava de repeti-la a todo instante. As jovens cegonhas estavam muito irritadas com ele e juraram vingar-se, o que fariam no dia anterior à sua ida daquele povoado.
- Primeiro vamos ver como se comportam nas manobras. Se cometerem algum engano e o general se vir obrigado a atravessar-lhes o peito com o seu bico, os meninos da rua terão acertado na sua profecia. Veremos como se comportam.
- Você verá - responderam otimistas os filhotes.
E não pouparam esforços. Todos os dias praticavam, até que foram capazes de voar como seus próprios pais o faziam. Era um prazer observá-los.
Chegou o outono. Todas as cegonhas começaram a reunir-se, antes de empreenderem a viagem aos países quentes, nos quais passariam o inverno.
Aquelas sim é que foram verdadeiras manobras- Tiveram que voar sobre os bosques, cidades e povoados, para experimentarem as asas, pois iriam realizar uma longa viagem. As jovens cegonhas se comportaram tão bem, que receberam uma quantidade enorme de rãs e serpentes como recompensa. Receberam também ótima colocação e logo foram comer tranquilamente coisas que fizeram, pois seu apetite era enorme.
- Agora nos vingaremos - disseram.
- Sem dúvida - replicou sua mãe. - Agora vocês vão tomar conhecimento do meu plano e acho que gostarão dele. Sei onde fica o reservatório em que se encontram os pequenos humanos e onde ficam até que as cegonhas vão buscá-los para levá-los para a casa de seus pais. As lindas criaturinhas estão dormindo, sonhando coisas muito agradáveis que nunca mais voltarão a sonhar. Todos os pais desejam filhos e todas as crianças almejam ter um irmãozinho ou uma irmãzinha, destinados aos meninos que nunca cantaram essa canção contra nós ou que não tenham caçoado das cegonhas. Todavia, os que a cantaram, jamais receberão um irmão ou uma irmãzinha.
- E que faremos com esse menino mau que cantou a canção? - gritaram as pequenas cegonhas. - Que faremos com esse garoto? Porque devemos fazer algo para vingar-nos como desejamos.
- No reservatórioum menino morto. Morreu sonhando, sem se dar conta. Vamos buscá-lo e levá-lo para a casa desse menino, que chorará muito ao ver que lhe levamos uma criança morta. Em troca, vocês não se esquecerão do menino bom que diz: "E' uma vergonha caçoar assim das cegonhas".
Para ele levaremos um irmão e uma irmã; e como ele se chama Pedro, você também - acrescentou, dirigindo-se a uma das cegonhas se chamará assim como o menino.
E foi tal como disse. E é por isso também, que, em nossos dias, todas as cegonhas levam o nome de Pedro.

quinta-feira, 1 de setembro de 2016

Crítica: Star Trek: Sem Fronteiras

Star Trek: Sem Fronteiras
por Joba Tridente

Não me parece necessário ser um trekker de carteirinha para gostar da franquia Star Trek (séries, filmes, hqs) que, comemorando o seu 50º. aniversário, chega aos cinemas com uma interessante aventura retrofuturista: Star Trek: Sem Fronteiras. Fiquei fã quando, na adolescência, assisti casualmente, na televisão, a reprise do antigo seriado (hoje clássico) Jornada nas Estrelas (atual Star Trek). Apaixonado por ficção científica, ele me arrebatou pela “discussão” filosófica e conceito humanitário em suas entrelinhas. Daquele dia até hoje jamais me esqueci de: “O Espaço..., a fronteira final. Estas são as viagens da nave estelar Enterprise, em sua missão de cinco anos para explorar novos mundos, pesquisar novas vidas, novas civilizações, audaciosamente indo onde nenhum homem jamais esteve.”


Star Trek: Sem Fronteiras (Star Trek Beyond, 2016), dirigido por Justin Lin, o 13º. filme da franquia, chega aos cinemas trazendo uma história bacana, escrita por Simon Pegg e Doug Jung, que remete ao velho e bom seriado criado por Gene Roddenberry. O enredo é simples (mas eficiente!) e garante uma boa diversão: Obrigados a interromper um merecido descanso na magnífica Yorktown (cidade-planetóide que parece ter sido projetada pelo genial Escher), para atender a um pedido de socorro, o comandante James T. Kirk (Chris Pine) e sua tripulação são emboscados pelo misterioso Krall (Idris Elba). Com a Enterprise destruída, e os sobreviventes dispersos no planeta Altamind, tem início uma corrida contra o tempo para Kirk reunir a equipe, encontrar um meio de fugir dos domínios do furioso inimigo da Federação Unida dos Planetas e evitar que ele cometa um atentado devastador.


Como se vê, o roteiro é padrão (um pedido de socorro e suas consequências) e o que conta, mesmo, é como esta empolgante narrativa, que não tem intenção alguma de reescrever a gênese da série, é conduzida na medida certa para divertir e também emocionar com recortes preciosos. Como, por exemplo, entre outros, o da destruição da Enterprise. Ao longo da saga Star Trek, várias aeronaves USS foram destruídas, mas, possivelmente, nunca de forma tão impactante e dramática quanto a USS Kelvin, em Star Trek (2009), quando Kirk (Chris Hemsworth) a coloca em rota de colisão com a nave romulana Narada, para salvar a sua esposa Winona..., e agora, quando a USS Enterprise é atacada por um “enxame” de naves “abelhas” comandadas pelo “zangão” Krall, em uma sequência espetacular, com um desfecho de cortar o coração, que assinala um acontecimento importante entre os dois eventos. Não vou tirar o seu prazer de descobrir qual é o fato e tampouco revelar a analogia entre as duas cenas primordiais nesta nostálgica trama. Apenas lhe digo: fique atento aos sinais que abrem e fecham histórias, porque, ao captar a “mensagem”, você vai se arrepiar.


Toda via cheia de ação que segue, a aventura trágica dos nossos heróis continua surpreendendo e, diante do imprevisível, aos abnegados oficiais da Federação Unida dos Planetas resta recuperar as forças, cuidar dos feridos e tentar escapar da arapuca. É neste porém que Star Trek: Sem Fronteiras cresce e aparece com soluções bem engenhosas (tão juvenis quanto rebeldes) na exploração de uma tecnologia (ultra)passada (retrô) que pode salvar o dia e ao desvelar detalhes da curiosa inter-relação (fraternal?) entre os oficiais da frota e seus dilemas (banais?).

Star Trek: Sem Fronteiras é assim, na sua aparente simplicidade se esconde um vendaval de emoções que, após a sessão, é difícil de se conter. A trama que começa com um melancólico registro do Kirk, sobre a mesmice da sua rotina, vai ganhando ritmo e dramaticidade até alcançar o ápice numa impressionante batalha, ao som apoteótico de Sabotage, do Beastie Boys (sequência que, mantidas as devidas proporções, ouso dizer, equivale à dos músicos alucinados de Mad Max: Estrada da Fúria). Outro momento inesquecível e de rara sagacidade neste enredo (enxuto!) onde menos é sempre mais.


Enfim, considerando a excelência dos efeitos especiais e do ótimo 3D-IMAX; a simpatia do elenco e dos adoráveis personagens: James T. Kirk (Chris Pine), Spock (Zachary Quinto), McCoy-Magro (Karl Urban), Scott (Simon Pegg), Checov (o saudoso Anton Yelchin), Uhura (Zöe Saldãna), Sulu (John Cho), Krall (Idris Elba) e Jaylah (Sofia Boutella); a beleza do figurino e capricho da maquiagem; o roteiro redondo, o drama sem pieguice e o humor sutil (quase nonsense); a narrativa rolando sem firulas e ou equívocos, fazendo jus ao melhor da saga cinquentona; uma trilha sonora que valoriza mais do que incomoda a trama; a direção ponderada (e cheia de garra!) de Justin Lin..., e pela pungente homenagem a Leonard Nimoy, o eterno (primeiro) Spok, numa belíssima cena, e agradecimento ao talentoso Anton Yelchin, por seu jovial Checov, o sci-fi Star Trek: Sem Fronteira é reflexão (profunda sobre a pertinente motivação criminosa do maquiavélico Krall) e diversão da melhor qualidade para trekker de carteirinha e ou mero fã de ocasião que sabe apreciar o que é bom!

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