quinta-feira, 14 de fevereiro de 2019

Crítica: Cafarnaum

Cafarnaum
por Joba Tridente

Cinema é um palco aberto para todo tipo de sensação a ser compartilhada com o cinéfilo ou com o mero espectador. Em sua branca tela imprime-se da mais lúdica à mais incômoda história fictícia ou inspirada em fatos. Iluminada ou sombria, cada uma tem seu público fiel. O que não quer dizer que seja uma norma em um tempo em que a sétima arte anda um tanto volúvel ou fugaz em busca de alvos lucrativos.

O ganhador da Palma de Ouro, no Festival de Cannes 2018, Cafarnaum (کفرناحوم), cujo título está relacionado mais ao caos (miséria) que à cidade bíblica judaico-cristã, é o mais novo filme da cineasta libanesa Nadine Labaki..., diretora dos também premiados Caramelo (2007) e E Agora, Aonde Vamos? (2011), bem mais leves que este, em que Labaki dá uma guinada de 180º. Sai da zona de conforto da saborosa comédia de costumes para o indigesto drama social.


Para quem gosta de carregar pedra enquanto descansa, Cafarnaum dá um refresco de 1 tonelada no lombo..., ou um murro, sem culpa, na boca do estômago cheio. Fica a critério! Com licença a Schopenhauer, o drama documental da vida como ela é quando se tem nada na periferia de Beirute, traz em si todas as dores possíveis e inimagináveis do mundo vivenciadas por um garoto de (possivelmente) doze anos, Zain (Zain al Rafeea, carismático), que não tem registro de nascimento e os pais negligentes (Kawthar al Haddad e Fadi Kamel Youssef), que ele quer processar (por lhe darem a vida), não sabem em que ano nasceu. Ou seja, para todos os efeitos de comiseração (ou de resiliência!), Zain é um miserável visível nas ruas, mas invisível no censo demográfico.


Personagem forte, num misto de Oliver Twist (1837), de Charles Dickens (1812-1870), com Pixote (1980) de Hector Babenco (1946-2016), o franzino (mas bravio!) Zain leva uma vida desregrada..., típica de qualquer “menino de rua” da periferia de qualquer cidade grande (principalmente daquelas que se submetem a dogmas machofalocratas sociais e religiosos)..., e faz todo tipo de trabalho para ajudar nas despesas de casa. A sua maior preocupação é com a inocente irmã Sahar (a bela Haita “Cedra” Izzam), de onze anos, que, logo após a primeira menstruação, poderá ser oferecida (mesmo criança) em casamento a um homem adulto, por alguma compensação. O que faz o indignado garoto (maduro demais para a sua idade) deixar a casa dos pais irresponsáveis e, ao perambular pela região, conhecer a imigrante ilegal etíope Rahil (Yordanis Shiferaw) e passar a cuidar do adorável Yonas (Boluwatife Treasure Bankole), o filho de um ano dela. Meses depois, obrigado a voltar ao cortiço onde mora sua paupérrima família, toma ciência de um evento absurdo e acaba cometendo um grave atentado...


Toda a trama se desenvolve em flashbacks, a partir do “prólogo”, com o início do julgamento de Zain, pelo atentado (sem dizer a quem) e do processo dele contra os pais. Ainda que apresente sequências de beleza felliniana, como aquela (nonsense) que começa com um passageiro fantasiado de homem-barata e termina no carrossel do parque de diversões, onde ele dorme e faz um gracejo lindo e impagável com uma alegoria feminina que compõe o brinquedo..., Cafarnaum é angustiante! É um tormento assistir ao seu protagonista (endurecido pelas circunstâncias) tentando seguir em busca de uma vida melhor. O infortúnio está ao seu redor. O seu sofrimento parece não ter fim...


Pode até haver urgência na temática global, mas são tantos os assuntos tratados ou denunciados neste panorama (pedofilia, tráfico de drogas e de pessoas, prostituição, abandono de incapaz, exploração de menor, imigração ilegal, extorsão, menstruação, furto, controle de natalidade, educação...), sob o ponto de vista de uma criança, que pode acabar anestesiando o público impotente diante das mazelas sem fim que escapam da Caixa de Pandora libanesa. Muitos o verão como excessivo na exposição (sem aprofundamento adequado) de questões socioeconômicas pertinentes e até cansativo na lamúria. Outros, talvez o considerem catártico!


Enfim..., atento à expressividade do elenco de atores não-profissionais, mas de grande experiência na vida que levam e espelham na tela, cujo roteiro e diálogos foram adaptados às suas improvisações; observando a fotografia realista de Christopher Aoun que, na altura dos olhos da garotada ou de cima (na altura dos olhos dos anjos?), nos dá a noção do labirinto sombrio dos necessitados, que se amontoam nas ruas, favelas, prisões e tribunais libaneses; abominando a dispensável e melodramática trilha sonora invasiva; certo de que a relevância do tema (ainda que soe: de mim pra mim mesmo) provavelmente vai emocionar muita gente, mas que não deve resultar em atitudes pessoais fora da sala de cinema..., Cafarnaum, corroteirizado por Labaki e Jihad Hojeily, é de um sensibilidade tremenda. Traz momentos inspirados (onde, em meio a amargura, é possível encontrar estrofes de doce poesia infantil), texto afiado e uma mensagem (subliminar?) final que deve agradar tanto quanto incomodar os espectadores..., depende de como cada um irá assimilar o recado. Certeza mesmo, é que público nenhum ficará indiferente ao drama do pequeno grande Zain (o sonhador!)...



*Joba Tridente: O primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros vídeo-documentários fiz em 1990. O primeiro curta (Cortejo), em 35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003), de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2019

Crítica: Alita: Anjo de Combate


Alita: Anjo de Combate
por Joba Tridente

O bom de saber nada sobre certos filmes baseados em mangá, hq ou best-seller é que você não precisa fazer comparações entre o filme e a obra original.  O ruim é quando você precisa pesquisar certos detalhes sobre o filme e descobre que ele é bem diferente da obra que, aparentemente, é melhor que o material filmado.


Alita - Anjo de Combate (Battle Angel Alita, 2019) acontece lá em 2563, após mais uma guerra catastrófica (vagamente explicada) e, como é de praxe nessas tramas mirabolantes pós-apocalípticas, os sobreviventes de dividem entre a utopia celestial Zalem, uma cidade nas nuvens, para os ricos e poderosos, e a distopia, na decadente Iron City, um pesadelo na Terra, onde a ralé humana divide espaço com robôs, andróides, ciborgues etc. A Cidade de Ferro, à beira de um lixão, recebe diariamente todo tipo de descarte de Zalem. É ali, numa ronda diária, que o bondoso doutor Dyson Ido (Christoph Waltz), especializado na criação e conserto de robôs, ciborgues e congêneres, encontra a cabeça e o tronco de um corpo mecânico adolescente que, após uma operação delicada, devolve à vida a jovem desmemoriada Alita (Rosa Salazar, por captura de expressão e movimento).


Aos poucos Alita vai se inteirando da cidade e da sua população estranha, se apaixona pelo humano Hugo (Keean Johnson) e pelo violentíssimo jogo Rollerball, digo, Motorball, praticado apenas por ciborgues e robôs ou algo mecânico parecido com um ou outro. Porém, de flashback em flashback, a garota acaba se lembrando de quem realmente ela é e a quê realmente serve..., despertando (obviamente) o interesse dos sinistros trapaceiros Vector (Mahershala Ali) e Chiren (Jennifer Connelly), quase figurantes de luxo. A partir daí e 100% restabelecida, sai da frente, que a pancadaria que ela provocará (caçando ou sendo caçada) não tem fim. Ou melhor, acho que tem, mas deve estar guardada para o previsível terceiro filme (se este virar franquia). Para quem não gosta de spoiler, saiba que, infelizmente, algumas (?) surpresas de Alita - Anjo de Combate está nos trailers. Como eu não assisto a trailers (porque trazem a síntese e, praticamente, os melhores momentos de um filme), pude aproveitar melhor a sessão em 3D-IMAX.


Escrito por James Cameron (Titanic, Avatar) e Laeta Kalogridis (Altered Carbon), com direção de Robert Rodriguez (El Mariachi, Sin City), a ficção científica Alita - Anjo de Combate é um filme para jovens e fãs de esportes violentos. Também deve agradar àquele público pouco pensante, já que o roteiro, preguiçoso que só, não se esforça muito para contar uma história coerente ou minimamente crível (dentro do gênero, evidentemente). Assunto algum (ou personagem) é aprofundado. Um “fato” aparece do nada, quica aqui e ali e desaparece feito arco-íris em dia de pouca chuva, sem mesmo completar o arco. Será que estão deixando o que importa para os próximos capítulos? Talvez! Mas, pelo final deste, já que houve mudança entre o mangá e o filme, dois finais podem ser previstos (mas não vou dar spoiler..., adivinhe por conta própria).


Não conheço e não creio que venha a ter tempo para apreciar o aclamado mangá cyberpunk Battle Angel Alita, de Yukito Kishiro..., mas, entre escorregadelas e furos e ótimos efeitos especiais, ainda que rasteira, achei visualmente apreciável a romântica fábula futurista cyberpunk juvenil de James Cameron e Robert Rodriguez. Embora seu futurismo cinematográfico robótico seja reciclado (haja referências!) de grandes produções do passado (Rollerball - Os Gladiadores do Futuro (1975), Blade Runner (1982), Robocop (1987), A.I - Inteligência Artificial (2001), Elysium (2013), Ghost in the Shell (2017), Altered Carbon (2018)...), o seu figurino antiquado (retrô? vintage?) não tenha mudado em 500 anos (?), e não brinde o público com uma linha de humor sequer..., não deixa de ser um bom passatempo para quem gosta de muita ação (e pouca convicção) em um filme-pipoca de dimensões épicas. 

Acredito que quanto menos se esperar, mais o público vai gostar deste escapismo que começa com uma história bacana, com potencial, mas que acaba perdendo o embalo narrativo (não a violência padrão!!!) e se tornando cada vez mais palatável (ou genérico!), para, então, ir se dissipando da memória do espectador enquanto ele deixa a sala de cinema...


*Joba Tridente: O primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros vídeo-documentários fiz em 1990. O primeiro curta (Cortejo), em 35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003), de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2019

Crítica: Uma Aventura Lego 2


Uma Aventura Lego 2
por Joba Tridente

Cinco anos é meia década e nesse meio tempo, entre a criação das duas Aventuras Lego, nos defrontamos com o inesquecível Lego Batman - O Filme (um dos melhores filmes do herói sombrio) e Lego Ninjago - O Filme. Para os muito ansiosos espectadores, se o tempo voa, quando se tem uma caixa de tijolinhos coloridos para se entreter, entre uma aventura e outra, o relógio pareceu estar sem corda ou sem bateria, pois tiquetaqueava em câmera lenta. Toda via das coleções infinitas, no entanto, finalmente é chegada a hora de saber a quantas anda a criatividade com as peças LEGO na casa do jovem Finn.


Dirigido por Mike Mitchell (Trolls; Alvin e os Esquilos 3; Shrek Para Sempre) e roteirizado por Phil Lord e Chris Miller (roteiristas e diretores de Uma Aventura Lego), a animação com personagens e tijolinhos plásticos supercoloridos Uma Aventura Lego 2, começa onde a Aventura anterior praticamente “terminou”: com o pavor do garoto Finn se vendo obrigado a dividir o seu imaginativo mundo LEGO, com a irmãzinha Bianca, assim como seu pai fez com ele. Bem, digamos que a “guerra de mundos” (ou de gênero?) entre as crianças já era esperada, mas o que não se sabia era até onde um colidiria com o outro e o “caos” que se instalaria no universo da fantasia e no universo real.


Assim, cinco anos depois..., após um breve prólogo, contando como a cidade de Bricksburg foi arrasada por Alienígenas Blocos Duplos e virou a desértica e distópica Apocalypseburg..., encontramos os sobreviventes se defendendo de mais um ataque de Aliens Duplos do Sistema Systar, comandados pela General Mayhem, cuja missão é sequestrar os mais importantes membros da comunidade (Lucy, Batman, Unikitty, Barba de Metal e Benny), acatando ordens da metamórfica Rainha Waterva Wa'Nabi, que tem ideias diplomáticas um tanto inusitadas. O Batman que o diga!

É claro que o nosso bem-intencionado e sempre otimista anti-herói Emmet vai tentar o impossível para resgatar, ao menos, a sua amada Lucy. Para tanto, ele constrói uma nave e parte rumo ao Planeta Maná..., encontrando, no espaço sideral, o adorável aventureiro Rex Dangervest (meu personagem favorito), um arqueólogo, defensor das galáxias, caubói e treinador de velociraptores, que vai ajudá-lo muito nessa missão que (para Emmet) será uma verdadeira Jornada (de corpo e alma) do Herói.


Uma Aventura Lego 2 pode não causar o mesmo impacto da originalíssima animação de 2014, mas ainda surpreende (e muito!) com o ótimo desenvolvimento de novos personagens (como o genial Rex, a enigmática Mayhem e a misteriosa Wa'Nabi) e o aprofundamento de outros (como o amável Emmet e a decidida guerreira Lucy). O roteiro redondinho é escrito na medida para divertir (com ótimas gags) e emocionar (com sequências brilhantes) qualquer público. 

Excetuando as referências cinematográficas (Planeta dos Macacos, Mad Max - Estrada da Fúria, Guardiões da Galáxia, Jurassic World, Matrix, De Volta para o Futuro), acessíveis ao espectador mais adulto, a sua trama surreal e, principalmente, as construções e desconstruções mirabolantes (de cair o queixo!) com bloquinhos multicoloridos vai encantar a criançada..., e, de quebra, os seu acompanhantes. Aliás, vale destacar (para os mais emotivos) que a razão que aproxima Emmet de Rex arrepia..., e que a revelação da origem do aventureiro Rex impacta tanto quanto a revelação da origem do patrulheiro espacial Buzz Lightyear, em Toy Story (1995). Aqui, por mais simbólica que pareça em sua projeção, há de tocar fundo também os jovens. Espero que (assim como eu) não tenha assistido a nenhum trailer


Enfim, uma bela lição (nada moralista) de vida e de convivência entre crianças/irmãos (que não têm receio de dar asas à imaginação) e seus genitores (que adoram embarcar nas suas histórias fantásticas), sutilmente narrada e animada com excepcional competência técnica. Uma vez que há muito a se admirar e nada a contestar em Uma Aventura Lego 2, creio que cada espectador fará a sua leitura conforme o seu estado de espírito. Quanto a mim, me diverti até com as irônicas canções da trilha..., e olha que odeio trilhas sonoras.


*Joba Tridente: O primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros vídeo-documentários fiz em 1990. O primeiro curta (Cortejo), em 35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003), de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba.

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