domingo, 28 de fevereiro de 2016

Crítica: Kung Fu Panda 3


O adorável gorducho Po, o protagonista atrapalhado da série Kung Fu Panda, está de volta para mais uma emocionante e divertida aventura cheia de ação, espirituosidade e espiritualidade na leveza taoísta do Yin-Yang e no fluxo da Energia (vital) Chi (ou Qi). Desta vez o aprendiz de Kung Fu terá que se tornar Mestre, não apenas para dar um descanso ao Mestre Shifu, mas também para conhecer a si mesmo e livrar a China do ambicioso Kai (O Coletor)..., um velho lutador que, após derrotar o Mestre Oogway (a tartaruga zen que morreu, numa cena divina, no primeiro episódio) quer se apossar da Substância (vital) Chi de todos os mestres e lutadores de Kung Fu. 


Assim como em toda franquia (ou série), para uma melhor apreciação e para não se perder na continuidade, é bom (mas não necessário) ter alguma referência sobre o(s) capítulo(s) anterior(es), já que um importante personagem de um filme passado pode retornar para uma participação especial e até fundamental para o andamento da história.

Em Kung Fu Panda 3, além da participação mais que especial, em sequências deslumbrantes do Mestre OOgway (no Plano Espiritual), conhecemos finalmente o amável e bonachão Panda Li Chan, pai biológico de Po, que acreditava-se morto no episódio Kung Fu Panda 2 (2011), onde é desvelada a misteriosa origem do jovem aprendiz de Kung Fu. Li Chan chega roubando a cena, mas o ciumento Ganso Sr. Ping, pai adotivo de Po, não vai deixar barato essa história de resgate e de pai arrependido... É ver pra crer na saudável disputa entre dois pais pelo amor, segurança e desenvolvimento do filho Po, que terá que aprender, na paradisíaca Aldeia dos Pandas, como usar o Chi, para derrotar o mítico vilão Kai.


Para manter a qualidade visual e o conteúdo arrebatador deste surpreendente Kung Fu Panda 3 (Kung Fu Panda 3, 2016), estão de volta a diretora Jennifer Yuh Nelson (desta vez em parceria com Alessandro Carloni) e os roteiristas Jonathan Aibel e Glenn Berger, o trio criativo que arrasou com o espetacular Kung Fu Panda 2 (2011). Sem jamais soar piegas e ou clichê, o enredo trafega com profundidade (adequada a qualquer idade) por assuntos como família (adotiva e biológica), espiritualidade, autoconfiança e o equilíbrio de energias, segundo a filosofia (oriental), dando ao espectador a grande chance de apreender sobre isso tudo, numa impressionante viagem por cenários de cair o queixo, além de se deslumbrar com as técnicas animadas que misturam 2D com 3D e deixam qualquer um abestado!



Enfim, considerando (ou não!) que ando meio à flor da pele e (como no KFP.2) o magnífico terceiro ato deste inspirador Kung Fu Panda 3 deu uma rasteira nos meus sentidos e me deixou emocionado por horas a fio; que o conto é lindo, a narrativa é tocante e de uma delicadeza rara, e o seu humor inteligente faz bem para a alma; que os velhos e novos personagens continuam encantadores; que quando a mensagem é boa e sem hipocrisia ela é sempre muito bem-vinda para qualquer idade; que para não cansar com adjetivos sem fim vou direto à conclusão: se é fã do lendário gorducho Po..., deixe-se envolver mais uma vez e se arrastar por essa trama sutil, aconchegante e deliciosamente pastelão que (no mínimo por  100 minutos!) deixa a gente risonho e zen...

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

Crítica: Deuses do Egito


Mitologia grega é um tema que mexe e vira e não tarda filme hollywoodiano. Quando criança me divertia com os (românticos) heróis greco-romanos das produções italianas. Da mitologia judaico-cristã o grande público (principalmente evangélico) é capaz de citar tramas com os lendários Moisés, Noé, Davi, Golias, Salomão, Jesus, Esther, Dalila, Sansão..., entre outros.  Já do Egito, o espectador deve se lembrar mais do despertar das famigeradas Múmias do que das mais de 40 variações de filmes “históricos” sobre Cleópatra. Todavia mítica, eis que, neste célere 2016, pegando carona nas ondas celestes de Fúria de Titãs (2010). Fúria de Titãs 2 (2012), Percy Jackson e o Ladrão de Raios (2010) e Percy Jackson e o Mar de Monstros (2013), nos chega pelas mãos do diretor Alex Proyas, o grandiloquente Deuses do Egito.


Deuses do Egito (Gods of Egypt, 2016), livremente (e bota livre nisso!) inspirado na mitologia egípcia, se passa no continente africano, numa época em que, segundo Hollywood, o lugar (como sempre?) era habitado por alvos europeus-caucasianos e alguns negros. Um detalhe (bobo?) que o produtor e o diretor “se deram conta” e “se desculparam” apenas após a reclamação dos prováveis espectadores, quando saiu o primeiro trailer. É “claro” que o público “entendeu” as desculpas deles, já que preocupados com os efeitos e os formatos que a produção está sendo lançada: 2D, 3D, XD, XDPlus, 4DX, Macro XE, X Plus, D-Box, XD Extreme Digital Cinema, Real D 3D..., os dois nem se lembraram de que a história se passa na África e que, possivelmente, os egípcios poderiam ser (quem sabe?) negros e não falar o inglês americano... Idiossincrasias estadunidenses à parte, deixa-me ver, de todos os formatos “D”, só conheço o 2, o 3 e o Box.


Bem, mas voltando para o cálido deserto africano, os roteiristas Matt Sazama e Burk Sharpless contam que, há uns 5.000 mil anos, no Antigo Egito governado por deuses, o iluminado Osiris (Bryan Brown), filho do solar (Geoffrey Rush), foi morto por seu maligno irmão Set (Gerard Butler) que, além de usurpar o suntuoso reino e escravizar o povo, exilou o seu bondoso sobrinho Horus (Nikolaj Coster-Waldau)..., que só poderá contar com a ajuda interesseira do mortal Bek (Brenton Thwaites) e da deusa Hathor (Elodie Yung) para vingar a morte do seu pai e trazer paz e liberdade aos egípcios.


Deuses do Egito é um filme de ação literalmente de luminescentes efeitos pra lá de especiais..., meio bregas, ao gosto dos games de última geração. Haja brilho nos figurinos e fantasias (dignas das mais ricas Escolas de Samba Brasileiras), digo, das armaduras. O enredo confuso, os diálogos ridículos e a apatia dos atores/personagens (o que estou fazendo aqui?) provocam mais sono que a mosca tsé-tsé. Como é um filme infantouvenil (mais infantil que juvenil), excetuando a pancadaria “explícita” no cansativo circulo vicioso da eterna (?) luta entre luz e trevas, as duas tramas “românticas” que servem de pano de fundo, envolvendo os mortais Bek e Zaya (Courtney Eaton) e os imortais Hórus/Hathor/Set, são mais insossas que cerveja (egípcia) quente.


Enfim, embora claudicando (ôps!) na areia fofa do deserto, Deuses do Egito até tenta ser bem humorado, mas suas piadas (mal contadas) e ou gags (mal resolvidas) não abrem sequer um sorriso amarelo. Tem vocação para trashão de luxo, mas lhe falta ânimo e convicção para rir de si mesmo. Nesse épico de araque é tudo tão falso, em seu brilhoso ouro de tolo, que a gente, em insignificante leitura, chega a pensar que, na verdade, os branquelas deuses egípcios da telona são heróis gregos sobreviventes da Esparta dos 300.

Entretenimento para quem gosta de filmes de efeito (especial) e de dar folga ao Tico e Teco...


domingo, 21 de fevereiro de 2016

Crítica: O Lobo do Deserto


A cultura árabe é rica em provérbios. Em O Lobo do Deserto, há dois muito pertinentes abrindo e fechando a trama. Um, fala sobre a profundidade do Mar Vermelho. Outro, da amizade com lobos..., que não vou citar para não induzir a leitura dessa interessante história que nos chega do oriente, varando a poeira deixada pelo velho Lawrence da Arábia (1962), de David Lean, para nos guiar por uma nova trilha sob o olhar curioso e aguçado do aprendiz Theeb (Jacir Eid Al-Hwietat) e a direção segura do estreante jordaniano Naji Abu Nowar.


O Lobo do Deserto (Theeb, 2014), com roteiro de Nowar e Bassel Ghandour, é uma ficção que se passa na Arábia, durante o Império Otomano, no ano de 1916, próximo à Primeira Guerra Mundial. O envolvente enredo narra, com muita perspicácia e num cenário deslumbrante, a história de Theeb (Al-Hwietat), um garoto de uns dez anos, que segue o seu irmão Hussein (Hussein Salameh Al-Saliheen), contratado por um oficial britânico (Jack Fox) e um tradutor árabe (Marji Audeh) para guiá-los, pelo deserto, até um estratégico poço romano. Nessa viagem (praticamente uma jornada do herói nua e crua) rodeada de muitos perigos, o pequeno Theeb, cujo nome significa “lobo”, terá que manter seus grandes olhos bem abertos e aprender a confiar até mesmo num estranho beduíno (Hassan Mutlag).


Embora deixe transparecer que o fim da inocência para o menino Theeb é também o fim de uma era para o hospitaleiro povo do deserto, o enredo não trata diretamente da Revolta Árabe, do Mandato Britânico da Palestina ou da 1ª. Guerra Mundial. Mas estas questões sociais (em ponto de ebulição!) que mudariam o mapa e as tradições locais, são visíveis (e com forte impacto!) entre cenas. A chegada de estranhos ao acampamento da família de Theeb, na mais apavorante e memorável sequência da narrativa, serve com metáfora dessas iminentes mudanças.


Lobo do Deserto tem um andamento diferenciado dos (ansiosos) filmes de ação e aventura hollywoodianos. A sua cadência de passo de camelo (bailando entre dunas e rochedos) é mais contemplativa..., já que o conto árabe trata de uma viagem de descoberta (e aprendizado) do mundo (em transformação) real ao redor de Theeb. O que não quer dizer que haja algum excesso dramático e ou cenas (de ação) que se estiquem além do necessário.



Enfim, considerando a magnífica fotografia de Wolfgang Thaler; o excelente elenco amador (o único profissional é Jack Fox); a performance do jovem Jacir Eid Al-Hwietat, com seus marcantes olhos-jabuticabas; as inconvenientes e famintas moscas “coadjuvantes”; o roteiro com sabor de novidade e tiradas memoráveis; o enredo que não subestima a inteligência de nenhum espectador jovem ou adulto; a edição cirúrgica; a surpreendente direção de Naji Abu Nowar..., vale tanto o ingresso quanto a indicação ao Oscar 2016.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

Crítica: O Quarto de Jack


Quando se é criança, o seu quarto, a sua casa e até mesmo a sua aldeia é a coisa maior da Terra. Além do seu círculo o mundo não mais existe. Não é real. É ilusório. Fantasia! Acima da sua cabeça há o sol, a lua e as estrelas pintadas no céu. Talvez existam anjos, santos ou, quem sabe?, até mesmo um deus voando por lá. Mas o que importa o quê não existe lá fora quando não se sabe o que quer dizer fora...


O Quarto de Jack (Room, 2015), baseado no roteiro e romance homônimo de Emma Donoghue, com irretocável direção do irlandês Lenny Abrahamson, é um drama que, para melhor apreciação, deve se buscar a informação mínima sobre o enredo. Basta saber que é uma história imersiva, lúdica e tensa, envolvendo uma mãe amorosa, Ma (Brie Larson), e seu adorável filho de cinco anos, Jack (Jacob Tremblay), confinados em um pequeno quarto. A razão do claustro, você (espectador) vai saber junto com o garoto, cujo referencial de vida (real ou fantasiosa) é a mãe e a tv.


A trama perturbadora, que perpassa pelo Mito da Caverna, de Platão, assim como por notícias incômodas que, vez ou outra, frequentam o noticiário, mais que a situação inusitada que os dois vivem, nos faz refletir sobre a importância e a força da imaginação para a sobrevivência e a sanidade (principalmente das crianças) em situações limites. Assim, se o lá fora ocorrer, será mais fácil absorver novas informações e absolver velhas referências. Diante do abominável, a catarse é a boia necessária para nos libertar de todo pavor ancorado.


O Quarto de Jack é um drama que surpreende do princípio ao fim: pelo enredo (original) crível; produção cuidadosa, elenco excelente, onde se destaca o jovem Jacob Tremblay, a fotografia magnífica (e subjetiva?) de Danny Cohen e a já mencionada competentíssima direção (livre de qualquer pieguice!) de Lenny Abrahamson.


sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

Crítica: Deadpool


Criado em 1991, por Rob Liefeld e Fabian Niciesa, o Deadpool é o tipo de personagem falastrão que já nasce fazendo sucesso e arregimentando fãs, com seu jeito desbocado e irônico de encarar (com muita galhofa!) o universo dos heróis e super-heróis e anti-heróis, vilões e supervilões. O conhecido “mercenário tagarela”, ciente de que não passa realmente de mera criação de histórias em quadrinhos, aproveita a sua verve despudorada para “rir” da sua própria violência e indecência. Imortal e com o mesmo poder regenerativo do Wolverine, também cobaia do experimento canadense Arma X, não poupa crítica aos seus editores e muito menos aos colegas de profissão..., se é que ser personagem é uma profissão. Mas, enfim, com ele em cena, sobram humor negro, nonsense, erotização, vulgaridade, heroísmo e vilania (ou vice-versa) em suas histórias. Todavia quadrinhesca, apesar de toda sandice, Deadpool não me parece se comparar ao demente Lobo, criado em 1983 por Keith Giffen e Roger Slifer. Perto do psicopata Czardiano, da DC, o maluco da Marvel, às vezes, não passa de um gentleman. Ou não?!


Deadpool (Deadpool, 2016), dirigido por Tim Miller, é um cartão de visitas (imundo) do personagem auto-depreciativo que tem tudo para agradar aos fãs: violência e humor chulo e violência e humor politicamente incorreto e violência e sexo em expansão e violência... Violência setorizada (justificável?), é verdade, mas violência. Porém, nada (tão violento) que já não se tenha visto (com mais ou menos teor) em filmes do gênero. Nessa onda sanguinolenta, Deadpool/Wade Wilson (Ryan Reynolds, que já viveu o mesmo personagem em X-Men Origens: Wolverine, de 2009) chega detonando a quarta parede e matraqueando (quase) sem parar a sua ensandecida história de criminoso à quase herói (sem nenhum caráter)..., passando, é claro, por seu interesse sexual e amoroso pela prostituta Vanessa Carlysle (Morena Baccarin), pelo tratamento do câncer e transformação física..., só pra esbravejar o porquê da vingativa e explosiva caça ao perverso Ajax (Ed Skrein). Sim, neste prelúdio do sarcástico personagem sem limites, não tem invasão de ETs, explosão de cidades ou sequer heróis em pé de guerra. A única coisa (uma bobagem!) que move o sociopata sentimental Deadpool, que veste malha vermelha e anda de táxi, é a vingança quente ou fria.


Com roteiro bacana dos “verdadeiros heróis” Rhett Reese e Paul Wernick, abusando da metalinguagem (e da metacrítica!), Deadpool começa a divertir já nos inéditos “créditos” iniciais. Ou melhor, nos inéditos deboches iniciais aos personagens do filme e a toda equipe (incluindo o Lanterna Verde, com o próprio Reynolds, de 2011)..., em meio à sequência de abertura em câmera lentíssima, que registra um grave acidente automobilístico e serve de estopim para que Deadpool/Wade narre a sua “origem” com muito sarcasmo. O humor ferino e despudorado que norteia sequências de violência e de sexo, também “afaga” a estranhíssima dupla de X-Men (de apoio!): Colossus (Stefan Kapicic) e a mal-humorada Negasonic Teenage Warhead (Brianna Hildebrand). A versão cinematográfica (bem mais leve?) pode não ser exatamente a (bem mais pesada!) dos gibis, em suas semelhanças e diferenças..., mas isso não tem a menor importância! Diverte e apavora e arrepia igual!


Enfim (pra não ficar enchendo linguiça e acabar falando o (spoiler) que não devo) considerando a excelente direção de Tim Miller; a trama hilária-gore, com suas gags impagáveis e personagens insanos e divertidos; Ryan Reynolds cativante em um elenco afiado; os efeitos especiais de ponta; e o fato de que, mantidas as devidas proporções de violência e humor, a produção segue a linha das também divergentes e surpreendentes produções de ação e aventura Os Guardiões da Galáxia e Homem-Formiga..., você (adulto!) que gosta do gênero, está esperando o quê, pra assistir a essa maluquice (nada infantojuvenil)? Hmmmnnn..., não tenho certeza se as meninas vão gostar!

E já que (acima) falei do esquisito Lobo..., enquanto o Último Czardiano não ganha o seu merecido longa, divirta-se com o curta-metragem The Paramilitary Christmas Special, realizado por Scott Leberecht. No filme, adaptado da famosa HQ homônima, o mercenário Lobo (Andrew Bryniarski) é contratado pelo Coelho da Páscoa para matar o Papai Noel. Veja em versão original: The Lobo Paramilitary Christmas Special (2002) e ou legendada em português: Lobo - Especial Paramilitar de Natal (2002).

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

Crítica: O Filho de Saul


Já foram feitos dezenas de filmes sobre o Holocausto..., e com certeza outras dezenas virão. Geralmente é uma variação mais ou menos traumática e ou pungente do tema Segunda Guerra/Nazismo x Judeu/ Campo de Concentração/ Liberdade..., que muito espectador curioso ao tema já assiste meio que anestesiado, comendo pipoca e tomando refrigerante..., enquanto a barbárie rola na tela.

O Filho de Saul (Saul fia, 2015), filme húngaro dirigido por Lazló Nemes..., retorna ao inferno de Auschwitz-Birkenau, em outubro de 1944, para mostrar o destino das pessoas recolhidas ao campo de concentração e extermínio pelo viés dos Sonderkommandos..., prisioneiros que tinham alguma sobrevida de semanas ou meses, enquanto “serviam” aos alemães nazistas, alimentando de judeus as câmaras de gás e os fornos incineradores e também de cinzas os rios e de corpos excedentes as valas. Ainda que vivessem na iminência da própria morte, os resistentes Sonderkommandos acreditavam no fim da guerra ou num levante que facilitasse a fuga.


O Filho de Saul, co-roteirizado por Nemes e Clara Royer, num registro fotográfico meticuloso e claustrofóbico de Mátyás Erdély, acompanha a angustiante mudança de rotina e de caráter do judeu húngaro Saul Ausländer (Géza Röhrig), integrante do Sonderkommando, que (em vez de incinerar) decide enterrar o corpo de um garoto “morto” na câmara de gás. Para tanto, precisa encontrar, entre os prisioneiros, um rabino que faça as orações fúnebres àquele menino desconhecido que tomou como seu filho. Uma tarefa muito mais difícil do que a de conduzir o próprio povo para a câmara de gás..., já que tem que driblar a segurança nazista e a contrariedade dos outros membros do grupo, que contam com ele para levar a cabo o plano da revolta no campo de extermínio.

Excetuando a história do menino morto, o enredo é inspirado em fatos macabros narrados em Os Manuscritos de Auschwitz, que fala do trabalho nada nobre dos Sonderkommandos e a rebelião no dia 7 de outubro de 1944. Longe da pieguice melodramática da bíblia de entretenimento hollywoodiana..., Lazló Nemes não está preocupado em fazer um filme bonito, mas em mostrar os horrores da guerra e a ilimitada insanidade humana. Câmera na mão, planos-sequência, enquadramento, closes, ausência de trilha (!!!), gritos, diálogos mínimos (em húngaro, alemão, iídiche e polonês) e facetados contribuem para uma das mais incômodas experiências cinematográficas do ano e ou já vista em filmes sobre o Holocausto.


Nemes não julga os atos dos Sonderkommandos e tampouco explica a obstinação de Saul em querer enterrar o corpo de um desconhecido. Se é a expiação pelo trabalho ingrato em Auschwitz-Birkenau, a recordação de algum filho morto e ou a percepção da infância perdida, caberá ao espectador realizar tal leitura. Há um grande leque de possibilidades, que dependerá muito da intensidade de imersão na trama. A mim, o gesto de solidariedade e fé, de Saul, lembrou a ação do personagem judeu Guido Orefice (Benigni), que faz o seu filho Giosuè (Giorgio Cantarini) acreditar que estão participando de um jogo e não num campo de extermínio, durante a 2ª Guerra, no belíssimo A vida é Bela (La vita è bela, 1997), de Roberto Benigni. Em O Filho de Saul, o também determinado protagonista age (contrariando as regras) sem se preocupar com a perda de “privilégios” e ou com um dia a mais e ou a menos de vida (“estamos todos mortos!”) ao trocar o rito a uma criança morta pela fuga dos adultos vivos. Até mesmo no final, um e outro se complementam no itinerário da liberdade. Sombra e luz insólitas num palco de atrocidades que (sete décadas depois) ainda teima em fazer eco em outros territórios..., com ou sem alcance midiático.

O Filho de Saul é um drama tenso, à beira de um thriller de guerra, muito bem conduzido pelo estreante Lazló, que acerta tanto no elenco quanto na narrativa sóbria. Não há exibicionismo e sequer trilha sonora (!!!) para desviar a atenção. O terror provocado está mais na sugestão, que é sempre mais forte e incômoda que qualquer cena explícita. Um filme para se ver e refletir uma pouco mais sobre a senda evolutiva do homem social e religioso.

Ah, não será novidade se, em breve, os norte-americanos decidirem refilmá-lo, enchendo de clichê, trilha chorosa, sensacionalismo etc.

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