sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Crítica: Julie e Julia


Julie e Julia
o prazer de comer e de amar

Penso que Deus deve ter sido um artista brincalhão para inventar coisas tão incríveis para se comer. Penso mais: que ele foi gracioso. Deu-nos as coisas incompletas, cruas. Deixou-nos o prazer de inventar a culinária.”, diz o mestre Rubem Alves, em Festa de Babete, artigo escrito para o Correio Popular de Campinas (SP).

Maravilhoso! É o mínimo que se pode dizer de Julie e Julia (Julie & Julia, EUA, 2009), filme escrito e dirigido por Nora Ephron e estreladíssimo por Meryl Streep e Amy Adams. O cinema já serviu de veículo pra muito deleite gastronômico. Um dos filmes mais famosos é o magistral dinamarquês A Festa de Babete (Babettes Gaestebud/1987), dirigido por Gabriel Axel, e um dos mais divertidos é a animação Ratatouille (Ratatouille, EUA/2007) dirigida por Brad Bird. Mas Julia e Julie tem um sabor diferente, que não está apenas na comida.

Julia e Julie são dois filmes em um. Duas histórias ligadas por uma terceira. A de Julia Child é baseada no livro My Life in France, a de Julie Powell é baseada no livro Julie & Julia e o ponto de liga é o livro Mastering the Art of French Cooking (Dominando a Arte da Cozinha Francesa), de Julia Child, Simone Beck e Louisette Bertholle. Complicado? Que nada, é muito divertido.

A história da norte-americana Julia Child (Meryl Streep) começa em 1948, quando se muda com o marido Paul Child (Stanley Tucci), que é adido cultural da embaixada americana, para Paris, na França. Ali ela descobre as delícias da cozinha francesa e, não satisfeita em degustar, resolve aprender a cozinhar, sendo a primeira americana a cursar a famosa escola de gastronomia francesa, Le Cordon Bleu. Num tempo em que a mulher era praticamente apenas dona de casa e geradora de filhos, Julia (que não podia ter filhos) queria ir além, tentou vários cursos para preencher o seu tempo até se decidir pela culinária, sempre apoiada pelo apaixonado marido Paul.

A história de Julie Powell (Amy Adams) começa em 2002, logo depois de se mudar do Brooklin para o Queens, nos EUA. Ela está com quase 30 anos, trabalha numa repartição pública, mais para ocupar o tempo do que por prazer, enquanto suas “amigas” são grandes executivas. Decidida a dar um rumo melhor à sua vida, por sugestão do apaixonado marido Eric Powell (Chris Messina), ela cria o blog Julie/Julia Project em que desafia a si mesma a cozinhar, em um ano, as 524 receitas do livro Mastering the Art of French Cooking, e dividir a deliciosa e nem sempre fácil experiência com os leitores.

As histórias de Julia (de época) e Julie (contemporânea) correm paralelas, apesar da distância de 50 anos, movidas pela paixão culinária e pelo companheirismo. Cada uma a seu tempo e, às vezes espelho, aguçam a curiosidade do espectador que se diverte com as aventuras culinárias de Julia (na França) e torce por Julie (no Queens) na sua cozinha mínima onde mal cabem um fogão, uma pia e uma geladeira. O excelente roteiro, que casa perfeitamente as histórias, com um texto espontâneo e tiradas inteligentes, não privilegia atores, mas é impossível ignorar uma Meryl (de 1,70m) no corpo de Julia Child (de 1,90m) ou o mesmo o competente Stanley Tucci. Mas se Streep se agiganta ao incorporar uma típica norte-americana cheia de vida, garra, espalhafatosamente contida, amigável, feliz, com a competência de sempre e mais um pouco, Amy Adams também se sai bem ao dar uma cara jovial e verossímil à sua empreendedora Julie Powell.

Julia e Julie fala do prazer de uma boa mesa e também do prazer de uma boa cama, de uma boa companhia, de uma boa cultura e principalmente da busca e realização pessoal. Toca em questões políticas e sociais do pós-guerra (na Europa) e pós-atentados (nos EUA), sem ser maçante ou perder o foco do assunto-tema. É escrito, dirigido e protagonizado por mulheres, mas não é algo “de mulher pra mulher”, ou um filminho feminininho e bobinho de amores impossíveis com final feliz. Julia e Julie é pra todos os sexos que apreciam um bom cardápio e uma ótima comédia sem escorregões, trombadas e piadas escatológicas. Com belas locações na França e em estúdios dos EUA, é um filme pra homem nenhum botar defeito, principalmente os que adoram cozinhar. Ah, é recomendável fazer um lanche antes da sessão, pra não ficar com fome durante a projeção.

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