terça-feira, 25 de outubro de 2016

Crítica: Trolls


TROLLS
por Joba Tridente

Conta-se que no ano de 1959, como não podia comprar um presente de Natal para a sua filha, o pescador e lenhador dinamarquês Thomas Dam (1909-1986), esculpiu uma Boneca Troll, que imediatamente despertou o interesse das crianças de Gjøl. Com o tempo começou a produzir vários modelos em vinil e plástico especial. No início dos anos 1960 os Bonecos Troll, também conhecidos como “Bonecos da Boa Sorte”, fizeram grande sucesso nos EUA e a partir da década de 1970, até os anos 2000, foram copiados, reinventados, descaracterizados como se não tivessem autoria..., que só foi restaurada à família Dam, em 2003. Os Trolls ganharam seu primeiro desenho animado para TV em 1992, com o título Magical Super Trolls. Vieram, então, games, programa de rádio e em 2004 a série animada Trollz. Em 2013 a DreamWorks adquiriu a propriedade intelectual para explorar a franquia Troll, que já teve seus bonequinhos fazendo ponta na série Toy Story, da concorrente Disney/Pixar..., e agora traz os personagens numa cantante, dançante e coloridíssima animação em 3D pra lá de glitterizada.

Bem, é claro que a geração mais nova possivelmente não conheça os Bonecos Trolls e sequer imaginam a febre que foi há cerca de 20/30/40 anos.  Mas isso não vai impedir que curtam este divertidíssimo desenho de técnica irretocável, com boas doses de nonsense e cartum e uma pitadinha de humor negro, embalado por uma música pop-dance bacana e bem encaixada (a produção musical é do Justin Timberlake). Sim, eu sei que odeio trilha sonora, mas Trolls é praticamente um musical retrô e ou se dança e ou se canta com ele..., motivos não faltam pra sacudir o esqueleto. Ou se emocionar ao som de True Colours, de Cyndi Lauper...


Escrito por Jonathan Aibel e Glenn Berger, a história de Trolls (Trolls, 2016), dirigida por Walt Dohrn e Mike Mitchell, é simples mas envolvente: os minúsculos Trolls, com seus originalíssimos trajes e cabeleira colorida, viviam em plena de felicidade, cantando, dançando e se abraçando, em seu vilarejo arbóreo, até serem descobertos pelos infelizes Bergens, ogros amarronzados em sua solidão e que só encontravam a felicidade ao saborear um deles no Dia do Trollstício. Para não serem extintos, os doces Trolls fugiram e quando, vinte anos depois, alguns deles foram encontrados e aprisionados pelos Bergens, a confiante Princesa Popy, com seu inveterado otimismo sonoro, e o cinzento Tronco, com seu pessimismo arraigado, saíram em uma arriscada missão de resgate. É claro que, pela estrada afora, vão encontrar todo tipo de perigo (não queira saber antes da hora!), incluindo uma hilária Nuvem, o faminto de felicidade tardia Príncipe Gristle, a sua adorável e romântica serviçal Bridget, e a arrogante Chef de Cozinha dos Bergens.


A animação Trolls é bonita demais em sua festiva paleta de cores psicodélicas e texturas inimagináveis. Sem qualquer traço de pieguice, questiona a natureza da felicidade de uma forma divertida e inteligente (apropriada a qualquer público): será preciso absorver, vampirizar a felicidade alheia para ser feliz?; a felicidade está nos pequenos gestos como, por exemplo, um simples abraço?; qual é o melhor alimento para a felicidade? A metáfora das cores ajuda os pequenos e os adultos distraídos a compreenderem o espírito dessa tal felicidade.

Outros brinquedos já serviram de inspiração hollywoodiana, mas acredito que os dinamarqueses Lego e Bonecos Troll são aqueles de melhor resultado. Apostando na tradicional irreverência da DreamWorks, a produção é inteligente ao brincar com personagens do universo literário (como Cyrano de Bergerac e Gata Borralheira) e lúdico (Smurfs), cinematográfico e televisivo (reality gastronômico MasterChef) e musical (Hair). Os personagens são todos bem resolvidos (desenho e personalidade) e a cativante narrativa emociona e diverte (com seu humor sagaz) até mesmo quando alfineta os “Gurus Espiritualistas”. Os diálogos, assim como as gags visuais, são uma delícia e o clima discoteca 1970/1980 funciona que é uma maravilha, com suas melodias agradáveis, luzes, cores e muuuuiiiiitttoooo glitter. Só fica sentado e de boca fechada quem quer!


Trolls é um delírio visual que diverte e encanta do princípio ao fim, com seu ótimo roteiro, excelente ritmo e apuro técnico com recortes 2D, pop-up, texturas incríveis..., tudo, realmente, de cair o queixo. Ah, e quando digo fim, me refiro às cenas extras pós-créditos. A dublagem brasileira é boa (não conheço a original) ou pelo menos não incomoda. A maioria das canções tem versão em português (por que não verter todas, já que o filme não tem legendas?) e funcionam muito bem no complemento do enredo: se eu não tenho o quê falar, canto ou danço! Pode não ser uma obra-prima feito Kubo e as Cordas Mágicas..., mas é diversão garantida para toda a família que, em uma sequência ou outra, há de se encontrar, com certeza, no contexto deste conto fantástico. E (quem sabe?) após a sessão até queira dar um abraço gostoso e apertado em algum ente querido...


E por falar em abraços, a animação Êpa! Cadê o Noé? também trazia este gostoso e sempre fortalecedor gesto comemorado em 22 de Maio, mas que deveria ser um comportamento social de todas as horas..., como pregam os adoráveis Trolls!

Nota: Está previsto para 2017 a estreia de outra animação protagonizada por Trolls. O título é Troll: the Tale of a Tail e o roteiro é baseado no clássico da literatura chinesa Classic of Mountains and Seas (ou Shan Hai Jing)..., um livro que registra seres míticos, e que já era conhecido no século 4.aC. A produção é chinesa e a animação será feita no Canadá. Assista o teaser de Troll: the Tale of a Tail.


Joba Tridente: O primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros vídeo-documentários fiz em 1990. O primeiro curta (Cortejo), em 35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003), de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba.

sábado, 8 de outubro de 2016

Crítica: Kubo e as Cordas Mágicas


Kubo e as Cordas Mágicas
por Joba Tridente

Kubo e as Cordas Mágicas é a mais recente produção da Laika, que já nos acostumou (mal!) com os excelentes curta Moongirl (2005) e os longas Coraline (2009) e ParaNorman (2012). E parece que a produtora americana não desistiu de fazer a nossa cabeça com animações de rara qualidade.

Nesta mais que bem-vinda e amorosa aventura, o enredo acompanha a saga de Kubo, um menino gentil e carismático que, diariamente, encanta os moradores de uma pequena vila de pescadores, no Japão antigo, com suas incríveis histórias animadas com figuras de origami. À noite ele cuida da sua mãe, que às vezes entra em transe, sob a influência da lua. Certo dia, após orar por um parente morto, Kubo passa a ser perseguido por duas maldosas entidades gêmeas e, para se livrar delas, precisa encontrar a Armadura Impenetrável, a Espada Inquebrantável e o Capacete Invulnerável, que pertenceram a seu pai Hanzo, que foi um grande guerreiro samurai. A sua jornada heroica e de autoconhecimento será longa e perigosa e, além do seu precioso shamisen (um instrumento mágico de cordas), ele contará com a ajuda imprescindível de uma ousada Macaca, de um irrequieto Besouro e de um silencioso e valente Samurai de Origami.


Original, criativo, divertido e um pouco melancólico, o enredo desenvolvido por Marc Haimes e Chris Butler, com ótima direção de Travis Knight, fala diretamente ao coração de todos aqueles jovens e ou adultos espectadores que também adoram ouvir uma boa e tradicional história oral. E nem poderia ser diferente, já que o seu protagonista é um hábil e gracioso Contador de Histórias que durante a narrativa vão se encadeando a outras histórias que não se quer que acabem.

Se não se atentar aos créditos, o público inteirado das coisas do oriente vai achar que está diante de uma belíssima lenda japonesa e de uma irretocável obra cinematográfica vinda da terra do sol nascente..., tanto pela qualidade técnica (mista), onde o apuradíssimo stop-emotion, digo, o stop-motion dá o tom a uma narrativa comovente (sobre perda e superação), quanto pelo excepcional conteúdo. Porém, é bom ressaltar que Kubo e as Cordas Mágicas (Kubo and the Two Strings, 2016) é um filme norte-americano e a sua inegável aparência de épico nipônico deve-se ao respeito de Knight àquele país e à consultoria de artistas japoneses de diversas áreas.


É impossível não se encantar com ele já nos primeiros minutos do seu prólogo, frente à emocionante releitura de A Grande Onda de Kanagawa (1830-1833), a formidável xilogravura de Katsushita Hokusai (1760-1849), onde a mãe de Kubo conduz uma balsa sobre uma gigantesca onda. Encanto que só faz crescer cena a cena e a cada reverência à rica cultura japonesa e a grandes mestres universais como o gravurista Kiyoshi Saito (1907-1997) e os cineastas Akira Kurosawa (1910-1998), Hayao Miyazaki e David Lean (1908-1991)..., referências importantes no desenvolvimento da obra, segundo Knight.


Enfim, considerando que as fantásticas sequências de origami, com certeza, vão fazer muita gente sair da sessão com vontade de dobrar papéis e também criar lindas peças..., isso, se já não tiver feito com um folheto qualquer que tiver no bolso; que a sua mensagem pacifista e nada piegas de amor à humanidade, em um final desconcertante e consagrador, é capaz de fazer marejar o cinéfilo mais durão..., Kubo e as Cordas Mágicas, faz valer cada dia dos cinco anos de trabalho e o preço do ingresso. Provavelmente é um dos filmes mais belos e requintados que verá neste 2016.

Ah, e não saia da sala junto com os créditos, pois vai perder as cenas de bastidores (making of) da construção e manipulação do Mostro Esqueleto que tem quase cinco metros de altura. E quando sair do cinema, não esqueça de colocar o queixo (caído)  no lugar!

sexta-feira, 7 de outubro de 2016

Crítica: Kóblic


KÓBLIC
por Joba Tridente

O cinema argentino tem se desvelado com uma qualidade surpreendente nos últimos anos. A grande novidade que nos chega neste outubro mais ou menos primaveril e nos deixa atônitos é a produção hispano-argentina Kóblic, dirigida por Sebastián Borensztein (Um Conto Chinês, 2011). Ambientada no ano de 1977, a ficção (que perturbadoramente poderia anotar que qualquer semelhança com fatos é mera coincidência) traz à tona o traumático episódio dos "voos da morte" (vuelos de la muerte) patrocinados pela última ditadura argentina (1976-1983), em que presos políticos (incluindo Mães da Praça de Maio) eram torturados e lançados vivos e drogados, de aviões militares, ao mar e ao Rio da Prata..., onde pereciam com o aval da igreja.

Kóblic (Kóblic, 2016), escrito por Borensztein e Alejandro Ocon, no melhor estilo thriller western-noir, faz um recorte aflitivo da vida do taciturno piloto de avião Tomas Kóblic (Ricardo Darín, espetacular), um desertor militar que, por se recusar a participar dos “voos da morte”, é perseguido pelo governo e se refugia na Colônia Helena (interior da Argentina), onde os moradores vivem sob ameaça do corrupto comissário Velarde (Óscar Martínez, espetacular). Ali ele conhece a bela e misteriosa Nancy (Inma Cuesta) e não demora a se dar conta de que não será fácil, a um portenho, passar despercebido e tampouco se desvencilhar do seu passado militar. Em tempos de opressão, na capital ou num vilarejo, o inferno independe do tamanho da fogueira do horror. Portanto, num provável embate entre a caça e o caçador, há que se cuidar com o tamanho do rabo (preso)..., uma fagulha e já era.


Kóblic é um drama existencialista (intenso!) que assopra (ou tenta!) o pó levantado pelos coturnos de ontem dos olhos cegos das esquerdas populistas e festivas de hoje..., impassíveis diante de realidades políticas nauseabundas que (n)os rodeiam na América e oceanos-além. Na verdade, cegueira, surdez e mudez só é pauta político-partidária quando conveniente às (o)posições. É o preço da hipocrisia para se manter imbecis no governo. Toda via de poder repressor pode manter amarras (no povo) por muito tempo, mas não por todo o tempo. Hora mais hora menos um fio tensionado arrebenta e o desejo de justiça poderá redundar num desejo de vingança. É só uma questão de trama! Ou do ponto que se avista..., e ou se mira!



Embora a sua narrativa remeta ao estilo noir, a ação é praticamente diurna, mas não menos sinistra, no excelente registro fotográfico de Rodrigo Pulpeiro. Se bem que, independente da luz, é na sutileza que o filme mais assusta. Em vez do todo, Borensztein se ocupa de detalhes que desvelam a ilimitada perversidade humana. Expõe as minúcias do terror que mantém o povo (calado) no cabresto, sob o domínio do medo..., e a reação a esse medo que lhe custa a própria voz. Partir de uma realidade atroz para escrever uma ficção que retrate as atrocidades dessa realidade (que muitos querem esquecida), me parece mais eficaz (em sua denúncia) que chorar pitangas num cinema revanchista, piegas e caricato. Em Kóblic a ficção que imita a vida é imediata e quanto mais imitativa da realidade, mais eficiente para calar fundo no espectador.

quinta-feira, 6 de outubro de 2016

Crítica: Festa da Salsicha


Festa da Salsicha
por Joba Tridente

Quando se pensa que já viu de tudo na telona do cinema, eis que chega Festa da Salsicha, a animação mais insana e ultrajante dos últimos anos, para provar que bizarrice não tem limites. Se depender da lógica dos tresloucados Seth Rogen, Evan Goldberg, Ariel Shaffir, Kyle Hunter e Jonah Hill, o absurdo e o politicamente incorreto não têm mesmo.


No supermercado SHOPWELL, longe dos olhos dos clientes, mas perto de suas mãos, todos os produtos levam uma vida dinâmica e cheia de sonhos numa grande comunidade de produtos e variadas etnias (com diferenças e conflitos). Ali, todas as manhãs encenam um entusiasmado número musical, dando graças aos deuses por mais um dia feliz à espera de compradores humanos que os levarão dali para as glórias do Grande Paraíso. É dia 3 de Julho, e os itens sabem que, na véspera do feriado da independência americana, o movimento é maior e cresce a chance de serem “os” escolhidos para finalmente conhecerem a Luz Divina.

No entanto, em meio ao alvoroço dos clientes, essa alegria toda, principalmente entre os alimentos processados, é perturbada com o retorno à loja de um aterrorizado vidro de Mostarda com Mel trazendo a verdade lá de fora: O Paraíso é uma farsa! Preocupado com o seu futuro de delícias no aconchego da sua namorada Bisnaga de Cachorro-Quente Brenda, a desconfiada Salsicha Frank decide investigar o assunto entre as mercadorias (Aguardente e Não-Perecíveis) mais bem informadas do mercado. Ao confirmar que, fora dali, um pesadelo horrendo aguarda a todos os itens à venda, junta-se a um grupo de resistência comandado pela menosprezada Salsicha Barry que, por não ser tão resignada quanto as alegres cantantes salsichas de Pets - A Vida Secreta dos Bichos (2016), sobreviveu à tortura dos humanos e voltou à loja para alertar os companheiros e se vingar dos maus tratos. A data 4 de Julho te diz alguma coisa?


Bem esta é apenas uma brevíssima sinopse da desvairada aventura Festa da Salsicha (Sausage Party, 2106), dirigida por Conrad Vernon e Greg Tiernan. Escrever mais é correr o risco de cometer spoiler, já que a comédia que satiriza as animações da Disney (onde eu vi essas luvinhas?) e da Pixar de Toy Story (brincando com datas e nomes ocultos em objetos de cena), os filmes de terror, catástrofe, policial, musical, pornôs..., é cheia de piadas hilárias (algumas forçadas ou repugnantes) sobre sexo, religião, etnias, drogas, politica, conflitos, alimentação (a da pizza é de rolar de rir..., aliás, toda a sequência na casa de um drogado é muito boa). Embora o clima seja o da comédia (pesada), com humor negro, chulo e escatológico e gags visuais interessantes, há cenas bem violentas (no conteúdo ou na ação). Ou seja, os fãs do estilo que consagrou os criadores deste desenho pra lá de animado e sádico, não vão ter do que reclamar.


Festa da Salsicha tem roteiro muito bom. A maioria dos diálogos é pertinente, principalmente sobre o conflito entre árabes e judeus e sobre sexualidade reprimida..., e seria muito mais eficiente não fosse a profusão de palavrões no final de cada fala. A narrativa é ágil e, além da técnica apurada no desenho dos “saudáveis” personagens, cativantes até mesmo em suas psicopatias, nos brinda com soluções inteligentes, como na antológica sequência do acidente com um carrinho cheio de alimentos felizes, no corredor do supermercado, remetendo às grandes tragédias com vítimas fatais, ao som melancólico de Bat Out of Hell do Meat Loaf..., sem dúvida, um achado hilário!


Essa sandice toda, muito bem dirigida, que flerta com o trash e o gore e que em alguns momentos me lembrou o delicioso O Ataque dos Tomates Assassinos (1978) e o estranho A Coisa/The Stuff (1985), aquele do iogurte alienígena, pode (?) perturbar as mentes mais fracas (risos!), acostumadas a brincar e ou a brigar com a comida. Agora, como é que um jovem adulto (público alvo) vai lidar com os seus petiscos durante e após a sessão com cenas explícitas de violência e de orgia sexual alimentícia (argh!?), é problema dele. Não quero nem saber!

Enfim, como a alucinada e ácida trama blinda absolutamente ninguém, seja carnívoro, vegano, macrobiótico, naturalista, hétero ou homossexual, crente ou ateu, árabe ou judeu etc..., vá se divertir por conta própria com essa inconsequente e animada ousadia!

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