segunda-feira, 25 de abril de 2016

Crítica: Para Minha Amada Morta


Como estou ocupado com outros trabalhos, não tenho acompanhado todas as cabines de imprensa..., por isso não fui à prévia de Para Minha Amada Morta. Acabei vendo, quase em seguida. Não tinha obrigação de escrever sobre ele, mas acabei infectado e preciso (urgentemente!) exorcizá-lo da memória.

Para Minha Amada Morta, dramalhão escrito e dirigido por Aly Muritiba, realizador de bons curtas, faz fumaça ao redor do fotógrafo criminal Fernando (Fernando Alves Pinto), um sujeito inconformado com a morte da recatada esposa e que, ao assistir antigas fitas VHS com registros do casal, descobre que ela o traiu. Mais que a traição, uma frase dita ao amante o perturba tanto que Fernando decide se vingar, aproximando-se ardilosamente do ex-rival Salvador (Lourinelson Vladimir) e da sua família evangélica...


Como não é todo argumento sobre ciúme e infidelidade que resulta num bom roteiro, o enredo de Para Minha Amada Morta subestima a inteligência até do espectador mais medíocre (embora ele nem perceba). O prato é demasiadamente raso de tensão para a quantidade de gordura a ser queimada e o empenho ao menos sugerir o gênero suspense. Quanto aos vários furos (cadê? por que? como?), só quem estiver acompanhando mesmo a história capenga vai perceber as inconveniências acolá. Muitos nem devem reparar no cachorro figurante que entra mudo e sai bem calado. Ou que quanto mais o drama ganha trilha, mais perde o rumo.

Infelizmente, boa vontade e apreço pelo cinema nacional não são suficientes para se acreditar na trama de perseguição e convivência de Fernando com a família do “inimigo” Salvador, cujo passado não o deixaria tão vulnerável e nas mãos de um estranho (mal-humorado!) que aparece do nada, num carro bacana, com uma conversa “Cerca Lourenço” para alugar (sem questionar!) um barraco velho. Que evangelização tornaria o locador crente tão ingênuo a ponto de ”esquecer” até as recomendações bíblicas de Mateus 24:43? Na insegurança (crescente!) nossa do dia a dia..., nenhuma!


Enfim, pense num filme chato! Do tipo que até um ateu rezaria para acabar logo e nada! Pensou? Então, considerando que o drama, sem muita convicção, se perde principalmente pela facilidade de “soluções narrativas”; que os personagens são enfadonhos e (como se não bastasse!) praticamente não se entende as falas do ator Fernando Pinto; que tanto faz como tanto fez se a narrativa “arrasta” (para o pecado?) a família “humilde” (e pecadora?) que acredita na lenga-lenga do “sofrido” locatário e é você quem come o pó ou a pedra do quintal; que não há (sequer insinuação de) suspense nesse chororô; que nesse velório sem defunto traidor, nem o marasmo é criativo..., a impressão é a de que Para Minha Amada Morta não passa de um curta-metragem esticaaaaadooooo à exaustão do espectador, que deveria ser exumado após a sessão para confirmar se a causa mortis é mesmo o aborrecimento!

quinta-feira, 21 de abril de 2016

Crítica: No Mundo da Lua


Após a realização de dois curtas de sucesso (Tadeo Jones (2005), indicado ao Oscar de melhor curta-metragem, e Tadeo Jones e o Porão da Desgraça (2007), ambos ganhadores de inúmeros prêmios, entre eles o respeitadíssimo Goya), Henrique Gato partiu para um longa-metragem e surpreendeu a indústria do entretenimento e os fãs de animação com o arrasa-quarteirão As Aventuras de Tadeo, uma divertida paródia a Indiana Jones. As críticas negativas (principalmente dos espanhóis) foram por conta da americanização dos personagens.

Em No Mundo da Lua (Atrapa la bandera ou Capture The Flag, em inglês, 2015), ganhador dos Prêmios Goya e Gaudí, equivocadamente de olho na bandeira econômica do mercado externo, os realizadores espanhóis continuam esquecidos de sua aldeia na louvação à cultura (expansionista) americana. Todavia, deixando de lado este incômodo americanismo, baseado no bom roteiro de Jordi Gasull, Neil Landau, Javier López Barreira, o diretor espanhol Henrique Gato fez um filme infantojuvenil agradável até mesmo para os acompanhantes adultos.


No Mundo da Lua gira ao redor de Mike Goldwing, um garoto de 12 anos, filho e neto de astronautas, que leva uma vida saudável e dinâmica ao lado dos amigos Amy Gonzáles e Marty Farr, mas sofre por não conseguir reunir o pai (Scott) e o avô (Frank), separados por causa de uma antiga desavença. Por isso, ao saber que o programa espacial americano de viagem à Lua vai ser reativado..., para evitar que o bilionário Richard Carson, que alega que o homem (americano “em nome de toda a humanidade”) jamais esteve lá e que portanto o satélite é um território livre para explorar o Hélio 3..., vê, aí, a chance do pai e do avô trabalharem juntos e se reconciliarem. O empenho de Mike é grande, porém, ele, Frank, Amy e o lagarto Igor acabam vítimas do ardiloso Carson e, aprisionados num velho foguete, vão ter que se virar para não acabarem mortos e ou perdidos no espaço rumo à Lua.


Embora seja a corrida espacial pela (re)conquista da Lua que impulsiona a narrativa, o que mais se destaca na trama de ação e aventura é mesmo a (re)conciliação familiar, a (re)união familiar, a realização de sonhos em família. O assunto amor e devoção à família não é totalmente ruim..., já foi desculpa até no dramalhão sci-fi Interestelar (2014), de Christopher Nolan..., só é muito lugar comum. A questão nem é a de filmes e mais filmes baterem na mesma tecla, mas de se conseguir extrair um som realmente novo dessa repetição. E, verdade seja dita, pelo sim, pelo não, batendo daqui para ecoar acolá, Gato e seus roteiristas até que relevam momentos e diálogos singelos e comoventes para os dias de hoje, em que (prisioneiras das tecnologias) as famílias andam cada vez mais disfuncionais.


O título original Pegar a Bandeira refere-se tanto a uma competição esportiva (da abertura do filme) quanto à bandeira (americana) fincada na Lua por Neil Armstrong (“É um pequeno passo para o homem, um salto gigantesco para a humanidade.”) e Edwin “Buzz” Aldrin, em 1969, na missão Apolo XI, e que Carson pretende roubar para simular que jamais algum terrestre esteve lá..., confirmando assim a mais famosa e divertida teoria da conspiração envolvendo o mestre Stanley Kubrick (retratado na “reconstituição” hilária de um mockumentary encontrável na web). Por falar em reconstituição, é uma pena que os realizadores espanhóis tenham optado pelo incômodo beija-mão do estadunidense, em vez do clima de deboche que até ensaia (em alguns momentos com os engenheiros Steve Gigs e Bill Gags, inspirados em Steve Jobs e Bill Gates, que Carson contrata para construir a sua espaçonave), mas sem muito entusiasmo. São opções de script..., fazer o quê?!


Ainda que o traço de alguns personagens lembre características de personagens ícones da Pixar (por exemplo), a técnica trabalhada No Mundo da Lua é excelente. O desenho é limpo e rico em detalhes e as envolventes cenas de ação ganham bom realce com o 3D de profundidade. O humor não é constante, mas está ali numa sequência ou outra. Os personagens são bem resolvidos, simpáticos e facilmente identificáveis pelas crianças. Richard Carson não é um vilão dos mais carismáticos, mas é psicológica e moralmente interessante e funcional na sua ânsia capitalista selvagem.


Enfim, deixando de lado o ranço americanista com sua estrelada bandeira lunar (“em nome da humanidade”), No Mundo da Lua é uma animação que se assiste prazerosamente, independente da idade. Há uns dois furos relacionados com o traje dos astronautas..., um quase imperdoável (se você não notar, quer dizer que não tem importância). Para quem não abre mão das mensagens edificantes há duas: “honrar a família” e “não roubarás”. Mas o público antenado vai se deliciar mesmo é com a última: “criado à imagem e (quase) semelhança”..., que o espectador apressado não vai ver nas ótimas cenas bônus logo após os primeiros créditos finais. Um bom programa para quem quer variar o cardápio de conteúdo e de realizador..., ainda que os Estados Unidos fiquem na América do Norte e não na Espanha.


Nota de Rodapé: Assim como quem quer nada, mas querendo o mundo, a Espanha vem chegando “distraída” com belíssimas produções para o público adulto, como a indicada ao Oscar: Chico e Rita, de Fernando Trueba e Javier Mariscal, e ou a grande sensação do AnimaMundi: Rugas, de Ignácio Ferreras. Já para a garotada o destaque fica com: Planeta 51 (que sou fã!), de Jorge Blanco, Javier Abad e Marcos Martinez, e o razoável: O Lince Perdido, de Manuel Sicilia e Raúl García..., entre outros.

terça-feira, 19 de abril de 2016

Crítica: O Caçador e a Rainha do Gelo


Quem gosta de literatura oral sabe que os contos populares reunidos em publicações sofrem alterações (independente ao quem conta um conto aumenta um ponto) para atender (principalmente) aos interesses de mercado. Já era assim na época de Charles Perrault (1628-1703) e de Jacob Grimm (1785-1863) e Wilhelm Grimm (1786-1859), cujas histórias em comum (anteriormente “destinadas” ao leitor e ou ouvinte adulto) têm lá as suas diferenças. Onde Perrault era trágico, os Grimm eram românticos ou divertidos. Aos poucos o mundo infantil nos livros foi ganhando cor, fantasia, magia, encantamento. Todavia, com as novas mídias contemporâneas, provavelmente muitas narrativas adaptadas do passado serão cada vez mais irreconhecíveis no futuro. Este parágrafo é o mesmo que escrevi na abertura da resenha crítica do filme Branca de Neve e o Caçador (2012). Por que ele foi replicado? Continue lendo!

No meu tempo de criança havia o Era Uma Vez e ponto. Hoje, se na literatura há estudos psicológicos dos personagens fantásticos e o resgate dos Contos Populares originários das Narrativas Orais, no esfomeado cinema (principalmente) hollywoodiano, há também o Era Uma Vez Antes e o Era Uma Vez Depois do Era Uma Vez tradicional. Na verdade, há Era Uma Vez para todos os gostos (inclusive os duvidosos), com releituras e misturas de Contos de Fadas, como: A Garota da Capa Vermelha (2011), João e Maria: Caçadores de Bruxas (2013), Jack - O Caçador de Gigantes (2013), Caminhos da Floresta (2014)..., entre outros. Todos, é claro, dispostos a desvelar o passado e ou o futuro dos famosos personagens literários. Todavia digitalizada, como nem todo novo autor ou roteirista tem a criatividade de um Grimm ou Perrault..., dá-lhe tralha.


Baseado em personagens criados por Evan Daugherty, para a sua “adaptação” de Branca de Neve e o Caçador, e no roteiro de Evan Spiliotopoulos e Graig Mazin, O Caçador e a Rainha do Gelo, dirigido por Cedric Nicolas-Troyan, é um Conto de Fadas do Contador de História doido. A trama acéfala, ao mesmo tempo prólogo e epílogo “explicativos” da origem do Caçador (Chris Hemsworth) e da psicopatia das irmãs rainhas Ravenna (Charlize Theron), a bela serial killer madrasta da Branca de Neve, e a genocida Freya (Emily Blunt), faz a gente pensar que a narrativa se passa num reino (malévolo?) paralelo. Vou tentar esclarecer no próximo parágrafo.

É mais ou menos assim: metade da história O Caçador e a Rainha do Gelo (The Huntsman: Winter’s War, 2016) ocorre no passado e metade no futuro dos fatos presentes em Branca de Neve e o Caçador. Tipo: no encantador reino de Branca de Neve, vivem a usurpadora e assassina Rainha Ravena (Theron) e sua ingênua e romântica e bondosa irmã Rainha Freya (Blunt)... - E a Branca de Neve? Já falo da Branca de Neve! Então, uma tragédia (anunciada?) suficiente para despertar o lado maligno de Freya (como deseja Ravena) acontece e a torna frígida. Porém, como a nova malvada não quer ser pedra de gelo sozinha, decide congelar o mundo (e vai comer o quê?) e “brincar” de genocídio de adultos e sequestro de crianças, que serão treinadas para matar e jamais amar e ou transar, digo, praticar sexo reprodutivo. Como é que nascem mais crianças, pra tomar o lugar dos guerreiros mortos, eu não sei! Deve ser geração espontânea! - E a Branca de Neve? Daqui a pouco falo da Branca de Neve! Ah, quer saber, vou falar é já! A Branca de Neve não é importante nessa história e portanto só vai aparecer, por alguns segundos, ajoelhada e de costas, no terceiro ato... Tá, eu sei que um monte coisas que disse é spoiler..., mas isso também não tem a menor importância.


Agora, continuando com a tramoia, digo trama, adivinhe quem está entre as primeiras crianças sequestradas? Exatamente! O menino Eric, o futuro caçador, e a menina Sara... - Quem é Sara? A Sara, quando crescer (e se tornar a Jessica Chastain) vai ser guerreira e fazer par romântico com Eric e por causa desse amor proibido pela bruxa frígida Freya serão punidos e então Eric vai ganhar o mundo e se tornar O Caçador e salvar a Branca de Neve no filme anterior e voltar para O Caçador e a Rainha de Gelo para ajudar o ex-arqueiro promovido a Príncipe William (Sam Clafin), marido (?) da Branca de Neve (que só aparece de costas por alguns segundos), a encontrar o diabólico Espelho Mágico que desapareceu do Castelo etc etc etc... - É só isso?


Bem, no primeiro ato, o espectador é blindado, digo, brindado com uma enfadonha sequência de matança (praticamente) sem sangue e sem fim, sequestros, treinamento e a mudança de personalidade das crianças/jovens (já visto em trocentos filmes sobre distopia!). No segundo ato, na viagem pelo Reino da Fantasia (repleto de graciosos bichinhos fofinhos figurantes), para encontrar o Espelho Mágico, o Caçador vai contar com a ajuda do anão Nion (Nick Frost), que saiu diretamente do filme Branca de Neve e o Caçador, e do novo anão Gryff (Rob Brydon). O Deadpool faria uma piada sobre os (apenas?) dois anões..., mas eu não ouso! No terceiro ato há o tão (?) esperado epílogo da redenção. É isso! - Como é isso? - Não vai dizer mais nada? Não tem mais nada a ser dito é só isso: duas rainhas psicopatas, dois guerreiros românticos, dois anões machistas e um espelho perverso em pé de guerra. Use a sua imaginação pra juntar essas sete informações num filme fantasia infantilóide de ação e aventura! - Mas... 

Ok! Considerando alguns bons efeitos e elenco de atores esforçados; belo figurino; e, pensando melhor, com uma trilha sonora inconvenientemente horrorosa (pra variar), argumento e roteiro sem pé nem cabeça, direção claudicante..., cá pra nós, sinceramente, esta é uma experiência, digamos, tresloucada. Se você não é um espectador exigente e só quer mesmo passar o tempo se empanturrando de pipoca e refri..., pode até gostar.

quarta-feira, 13 de abril de 2016

Crítica: Ave, César!


O cinema dos irmãos Joel e Ethan Coen se destaca pelo nonsense, ironia e, principalmente, pelo humor negro da melhor qualidade (e profundidade). Eles conseguem falar de qualquer assunto e com uma perspicácia rara..., como, por exemplo, em sua mais recente obra: Ave, César! Aqui a velha Hollywood dos anos 1950 serve como plataforma (mero detalhe!) para se discutir comunismo, religião e capitalismo de forma tão ferina que os ativistas políticos e os praticantes religiosos podem até emburrar com a colocação do assunto, mas (radicalmente!) morrendo de rir de suas idiossincrasias e ou idiotices.


Ave, César! (Hail, Caesar!, 2016), escrito e dirigido por Joel Coen e Ethan Coen, é um filme na medida para quem aprecia um bom (e raro!) cinema com conteúdo crítico e muito bom humor. A narrativa acompanha alguma horas (literalmente) cruciais na vida de Eddie Mannix (Josh Brolin), produtor executivo da Capitol Pictures, às voltas com prazos, orçamentos  e contratações; sequestro de sua maior estrela, Baird Whitlock (George Clooney), em meio às filmagens do épico Ave, César! (um filme sobre Jesus Cristo); atores monossilábicos, como o adorável Hobie Doyle (Alden Ehrenreich, roubando as cenas), ou problemáticos, como a atriz e nadadora DeeAnna Moran (Scarlett Johansson); as gêmeas colunistas sociais Thora e Tessália Thacker (Tilda Swinton); o controle do cigarro e o assédio profissional da Lougheed Aircraft Manufacturing, que espera que ele deixe o instável mundo do cinema pelo estável mundo bélico...


Ave, César! é um comédia deliciosamente superlativa da primeira à última cena. Um cinéfilo-pulga pode até dizer que já foram feitos muitos filmes homenageando o cinema, abusando da metalinguagem para falar da construção e desconstrução do sonho, da fantasia, da ilusão (dialogando com a realidade) e que a nova geração provavelmente não vai entender as referências de filmes clássicos da era de ouro etc. Mas, como disse acima, não é exatamente esse o foco dos Coens. Num mundo a cada dia mais pulverizado por ideologias a cada vez mais irracionais (será que existe alguma que não o seja?), os irmãos cutucam, com seu humor peculiar, principalmente aquelas entranhadas até o talo na política, na religião e na economia capitalista.


Saber algo sobre Herbert Marcuse (1898-1979) e o famoso livro O Capital (Das Kapital), de Karl Marx (1818-1883), é interessante, mas não necessário, já que ambos são assuntos di-da-ti-ca-men-te discutidos, em sequências hilárias, por um grupo de escritores comunistas ocupados em doutrinar artistas e (subliminarmente) espectadores e pode ser pesquisado depois. Assim como não é preciso saber quem foram o astro Gene Kelly e as estrelas Carmen Miranda e Esther Williams, para curtir as cenas em que são homenageados na pele de Channing Tatum (o ambíguo Burt Gurney), de Veronica Osorio (a risonha Carlotta Valdez), de Scarllet Johansson (a temperamental DeeAnna Moran).


É preciso um bocado de inteligência para dosar as “sutilezas” ao desvelar bastidores da vida (religiosa e capitalista) e da arte (de interpretar/representar) de forma tão crítica e ácida..., mas sem jamais perder a ternura do bom humor. E, é claro, inteligência e malícia Joel e Ethan Coen têm em dobro. Sabem, como poucos criadores da sétima arte, solidificar o que está no ar e sutilmente deixar que esta plataforma se desmanche por si só..., como, por exemplo, nas antológicas sequências de reunião de um sacerdote católico e um ortodoxo, um pastor protestante e um rabino para analisar a personificação do mítico Jesus Cristo (que para muitos seria filho de Deus) em filmes, e o desconcertante (!!!) discurso de um centurião aos pés da cruz de Cristo. Gostando ou não das suas abordagens (incômodas?), a verdade é que os Coens não subestimam o seu público, preferem fazê-lo pensar. 


Enfim, considerando a genialidade do argumento e do roteiro de Ave, César!; o seu elenco (que também inclui Ralph Fiennes, Jonah Hill, Frances McDormand, Alison Pill, Wayne Knight, David Krumholtz, Christopher Lambert, entre outras estrelas) em perfeita sintonia; a produção impecável na reconstituição de época; que, assim como na ficção Brazil (1985), de Terry Gilliam, na minha leitura da fascinante comedia dos Coens também vi indícios de um Brasil (até de rede social) atual, em ebulição política, econômica e religiosa..., para mim, já estaria entre os melhores filmes do ano!

Ave, César! é um excelente desafio (muito além das referências cinematográficas) para aquele público sagaz que sabe a diferença entre um conteúdo de qualidade e um mero jogo de cena. Curioso? Vá e veja onde você encaixaria tão provocante metáfora. Ou, se não está nem aí para alegorias, divirta-se (do mesmo jeito) com os trocadilhos, digamos, capitalistas...

quinta-feira, 7 de abril de 2016

Crítica: Rua Cloverfield 10


Se você gostou do ótimo Cloverfield, aquele found-footage sci-fi de terror dirigido por Matt Reeves, lá nos idos de 2008. Se você, ciente de que certos filmes originais de suspense devem ser deixados quietos, sentiu um bafo alienígena melequento atrás da orelha ao saber que o produtor J.J Lost Abrams estava produzindo uma continuação. Bem, dependendo da intensidade do bafo ou da melequeira, sugiro que aguarde até o final da sessão de cinema. É que Rua Cloverfield 10, do estreante Dan Trachtenberg, com pré ou pós acontecimentos alienígenas, pode lhe parecer um tremendo presente de grego. Ou uma pegadinha de mau gosto..., já que, além do Abrams (que trabalhou na surdina, enquanto realizava o remake bobo de Star Wars IV), a única coisa em comum com o filme anterior é o “empréstimo” do título numa “nova” (re)composição. Eles sequer se parecem no suspense, no ET e ou no terror-sci-fi.

Rua Cloverfiel 10 (10 Cloverfield Lane, 2016), com roteiro de Josh Campbell, Matthew Stuecken e Damien Chazelle, está mais para drama, com pinceladas de thriller psicológico pós-apocalítico e seus questionamentos de sobrevivência, do que para divertida aventura de ficção científica com seus monstrengos invasores rastejando na penumbra. A nova história praticamente se passa no interior de um bunker, onde, após um acidente, Michelle (Mary Elizabeth Winstead) acorda. Ali vivem o corpulento proprietário Howard (John Goodman), que lhe diz que ela está ali para a sua segurança e porque o mundo que conheceu (lá fora) não existe mais, e seu hóspede Emmett (John Gallagher Jr.), que garante ter visto o bombardeamento nuclear que acabou com tudo.


E onde entram os aliens nessa cela bem lacrada? Ah, você vai ter que esperar pacientemente pelo epílogo meio trash-gore, acompanhando a saga dos três estranhos confinados num pequeno espaço e sujeitos às mesmas regras de sociabilidade criadas por Howard. Cada um com seu trauma de estimação, carregado feito pecado original judaico-cristão e quê, sinceramente, nem todo expectador (os) perceberá na metáfora do subtexto ou no mea-culpa parede com parede.

Enfim, como nas narrativas do gênero (prisão psicológica) nem tudo é o que parece ser, os três vão ter de confiar um no outro, respirando o mesmo ar de desconfiança, até que o ar externo se torne novamente respirável (em uns dois anos) e os liberte da forçada união. Enquanto isso, cada gesto ou fala impensada pode colocar em risco o tênue equilíbrio no fio da navalha. O público que trate de prestar atenção no jogo de quebra-cabeça e ou cartas-adivinhas. As respostas podem estar nos jogos..., mas o melhor está lá fora esperando (haja paciência!) pelo epílogo, com sua simplificação bélica, no melhor estilo trash da The Asylum e do canal SyFy e das heroínas Sarah Connor (de O Exterminador do Futuro, 1984) e Ripley (de Alien, 1979).


Rua Cloverfiel 10, com suas (curiosas) reviravoltas (previsíveis) de confinamento (já visto) é um drama de duas caras. Por dois terços e um pouquinho é um thriller psicológico relativamente tenso (para o espectador mais sensível e chegado em psicopatias) e pelo tempo restante é um sci-fi de ação e aventura mornas (para quem espera uma continuação impactante e digna do filme original). Acreditando que o público seja fã do Cloverfield (2008), dependendo da expectativa pode ser uma experiência duplamente frustrante..., já que não inova no drama (esticado) de sobrevivência pós-apocalíptica e tampouco avança na linguagem sci-fi. Ou seja, a promessa (primeira) é de uma continuação marcante e a entrega (última) é de um dramalhão com cara de capítulo-piloto para franquia televisiva e ou cinematográfica.



Então..., apesar da frustração diante da “mudança de conteúdo” e de seu apêndice bônus (meia boca); de alguns problemas de continuidade e de pontas soltas doidas para desfiar rapidamente a história (com vocação trash frustrada) e chegar logo na parte dos ETs; da trilha ruidosa e horrorosa..., Rua Cloverfield 10 até que tem boa direção (melhor no drama do que na ficção científica) e um elenco excelente. Acho que o seu “problema” (ou o meu!) é a falta de rumo... 

Todavia da fantasia, sabe aquela sensação de quem pagou para ver o Godzilla (2014) em grande estilo e teve que se conformar com apenas "cinco minutos" de ação com o adorável gorducho dino e aguentar trocentos minutos de drama familiar? Pois é...

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