domingo, 18 de dezembro de 2016

Crítica: Sing - Quem Canta Seus Males Espanta


Sing - Quem Canta Seus Males Espanta
por Joba Tridente

Está chegado às salas de cinema mais uma deliciosa, cantante e dançante animação: Sing - Quem Canta Seus Males Espanta, produzida pela Illumination (O Lorax: Em Busca da Trúfula Perdida, Meu Malvado Favorito, Minions, Pets - A Vida Secreta dos Bichos)..., tomara que ao menos ela consiga levantar o astral dos espectadores sobreviventes deste nefasto ano de 2016.


Sing - Quem Canta Seus Males Espanta (Sing, 2016), escrita e dirigida por Garth Jennings, acompanha o dia a dia do incansável produtor teatral Buster Moon (Matthew McConaughey), um coala apaixonado pelo palco e que, mesmo amargando prejuízo com os últimos espetáculos, acredita que o seu teatro pode voltar a ser a grande sensação da cidade onde convivem diferentes espécies animais. Para tanto, num momento de “ou tudo ou nada” (pois quando se está no fundo do poço o único caminho é para cima), ele junta seus parquíssimos recursos e cria um Programa de Calouros.


Muitos pretendentes à fama de cantor(a) vêm pelo prêmio, mas outros querem mesmo é soltar a bela voz. Da multidão de excelentes candidatos, Moon e a sua assistente Senhorita Crawly, uma lagarta camaleão muito idosa, selecionam o impagável Gunter (Nick Kroll), um simpaticíssimo porco cantor e dançarino literalmente brilhante; o jazzista ególatra Mike (Seth MacFarlane), um rato branco malandro; Rosita (Reese Whiterspoon), uma porca engenhosa, mãe de 25 leitões, que não abre mão da oportunidade; o adorável Johnny (Taron Egerton), um jovem gorila que vai ter de escolher entre os negócios ilegais da família e o seu sonho; a rebelde Ash (Scarlett Johansson) uma porco-espinho punk-rock buscando reconhecimento; a adolescente Meena (Tori Kelly), uma elefanta com bela voz, mas tímida demais...


Após o prólogo vertiginoso, com um impressionante “movimento de câmara” destacando recortes, enquadramentos, planos-sequência, Sing entra no ritmo tradicional (mas não menos ousado) das hollywoodianas histórias musicadas..., entremeando, sem nenhum exagero (apenas o essencial!), pitadas de romance, aventura, ação e drama, na descrição singular e distinta de cada personagem. Numa trama envolvente, em que todos os carismáticos protagonistas têm luz própria, há que saber dosar a energia, para não queimar o filme de nenhum deles.

Sing - Quem Canta Seus Males Espanta tem um roteiro básico e na medida da diversão para todas as idades. É deliciosamente leve, sem ser raso. É bem-humorado, sem precisar se sujeitar à escatologia. As gags são ótimas (a sequência de Moon no lava-carros é sensacional). Na verdade, todos os personagens (até os coadjuvantes!) têm os seus “15 minutos” arrebatadores (alguns, infelizmente, já vistos nos trailers).


A trama criativa (cheia de boas reviravoltas) não força nenhuma mensagem edificante piegas e ou lição de moral conservadora, mas, subliminarmente, dá uns bons toques sobre perseverança e triunfo na carreira (principalmente) artística e deixa espaço para se refletir sobre a rotina das donas de casa; a desestruturação familiar; o mercado de trabalho burocrático e ou artístico para o sexo feminino; a valorização do artista de rua (acredite, já vi artista reagindo da mesma forma que Mike, por conta de alguns trocados)...


Enfim, Sing, codirigido por Christophe Lourdelet, é mais uma boa surpresa neste 2016 de belas animações, como Kung Fu Panda 3; Pets - A Vida Secreta dos Bichos; Cegonhas - A História Que Não Te Contaram; o erótico Festa da Salsicha; Trolls; a obra-prima Kubo e as Cordas Mágicas, o magnífico A Tartaruga Vermelha. Sob direção tão cuidadosa, falar da qualidade técnica é redundância. Os personagens, além de graciosos, têm grande personalidade e uma vida crível. O cenário é bacana, o figurino é perfeito e as canções variadas (cerca de oitenta) para satisfazer a todo público (pop, rock, rap, punk, clássico) dão ritmo e arredondam maravilhosamente a já colorida narrativa.


A cópia que deve chegar aos cinemas brasileiros é a que traz (apenas) os diálogos “dublados” por “celebridades” e as canções (no original inglês americano) sem legenda. O que é uma pena, já que algumas composições têm a ver com a história dos intérpretes (se conseguir, se segure ao ouvir a clássica My Way, numa apresentação arrebatadora de Mike/Seth MacFarlane). Quanto à “dublagem”, a pior (e a voz mais reconhecível) é a da cantora Sandy. Toda via melodiosa, no entanto, se gosta dos gêneros animação e musical, não se deixa levar por esses detalhes (pecaminosos!) da dublagem e da falta de legenda.

Sing - Quem Canta Seus Males Espanta é um espetáculo emocionante e grande na sua inocência. Mesmo que seu enredo não dure muito na sua memória, após a sessão (o que eu duvido!), vale cada minuto da sua exibição.


Joba Tridente: O primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros vídeo-documentários fiz em 1990. O primeiro curta (Cortejo), em 35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003), de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba.

sábado, 3 de dezembro de 2016

Crítica: ELIS



ELIS
por Joba Tridente

Que o Brasil tem grandes nomes das artes, inclusive de alcance mundial, que merecem uma bela cinebiografia, não resta a menor dúvida. Já foram parar na telona músicos como Cazuza, Gonzagão e Gonzaguinha (em De pai pra filho), Tim Maia... Mas não é uma tarefa fácil agradar a todos os públicos, principalmente aos fãs (fé cega).

Há sempre quem ache que um filme biográfico mostra mais ou menos fatos do que deveria. Uns preferem a (cine)biografia incluindo todos os “erros” (pra mostrar que o artista não era santo) e “acertos” (pra mostrar que o sujeito não era néscio). Outros, adeptos da hagiografia, acreditam que falar de problemas familiares, sociais, envolvimento com drogas etc..., denigre a imagem de quem “só trouxe alegria” para o povo, enquanto vivo. Digo “enquanto vivo”, porque raramente se faz algum filme sobre um “astro” em plena atividade (que pode contestar informações, principalmente sensacionalista e de caráter “íntimo e pessoal”!).

Hoje em dia (?), na exposição do cinebiografado, o cinema privilegia mais o recorte de apelo “comercial”, o roteiro simplificado que “vai direto ao assunto” (conhecido!), com seleção de fases e abordagem de impacto dramático, numa narrativa nem sempre linear ou tradicional (começo/meio/fim)..., por vezes preterindo a inventividade em favor da comoção.


Elis, cinebiografia da cantora e intérprete Elis Regina (1945-1982), dirigida por Hugo Prata, também roteirista ao lado de Luiz Bolognesi e Vera Egito, conta e canta muito, mas não conta e nem canta tudo da vida-gangorra desta artista brasileira. O drama musicado, que vai de 1964, quando Elis (Andreia Horta, divina) chega ao Rio de Janeiro, vindo de Porto Alegre (RS), aos 18 anos, até a sua morte, aos 36, em São Paulo, no ano de 1982, apresenta algumas fases/cenas da sua intensa vida artística (boates, estúdios, festivais, teatros, tv), vida amorosa (Ronaldo Bôscoli e César Camargo Mariano) e vida familiar (filhos: João Marcelo Bôscoli, Pedro Camargo Mariano, Maria Rita). Como há muito assunto para pouco tempo..., nem tudo recebe a atenção merecida. Se algumas cenas são dignas de nota, outras são tão supérfluas que não fariam a menor falta. E olha que ficou muito mais coisa interessante de fora do que as que estão dentro da “fita”.


Embora tenha vivido em uma época bem menos expositiva que hoje, Elis era uma personalidade muito crítica. Assim como as fortes opiniões, os seus envolvimentos românticos e ou profissionais (bem ou mal) repercutiam nos veículos de comunicação. Nesse sentido, ao dar ênfase aos casamentos e desquites com o empresário e produtor Ronaldo Bôscoli (Gustavo Machado) e com o pianista César Camargo Mariano (Caco Ciocler), e ou ressaltar os ensaios de palco com Miéle (Lúcio Mauro Filho) e com o genial dançarino e cantor Lennie Dale (Júlio Andrade, ótimo), o filme pode soar mais como um álbum de fotos e fatos conhecidos.

Ainda que a composição (reconstituição de época) seja cuidadosa e por mais envolventes que sejam apresentações nos palcos e na tv, bem como relevantes as entrevistas polêmicas no Brasil e em Paris (numa performance excepcional de Horta), no todo, fica a sensação de se ver cenas soltas (boas mas fora de contexto), de capítulos aleatórios de uma história já (re)vista e lida. Será que ainda há algo sobre Elis que já não tenha sido publicado em artigos e biografias e ou mostrado em matérias televisivas?

Toda via narrativa, no entanto, há que se pensar (também?) no público que desconhece a trajetória de vida da cantora que saiu de cena há 34 anos e não está “preparado” para um turbilhão de informações (e emoções). Ainda que seja difícil saber se as novas gerações que curtem rap, funk, sertanejo, gospel etc, se interessariam em conhecer (ao menos no cinema) uma artista de mpb (música popular brasileira) que nunca ouviram falar e ou cantar. Tenho minhas dúvidas se hoje alguma rádio ainda toca as suas gravações.


Enfim, Elis (2016) é um bom drama ou, no mínimo, acima da média. Nem vai com tanta sede ao pote das belas canções quase esquecidas e nem deixa a plateia morrer de sede por não ouvir alguns sucessos emblemáticos (se são ou não os hits preferidos de cada um, aí é outra história). É provável que a trama alcance o velho e saudoso espectador mais pela impressionante atuação de Andreia Horta, perfeita na dublagem e nos trejeitos de Elis, do que pelo resumo de uma vida tão intensa, numa narrativa, digamos, por vezes rasa: quase nula ao falar da relação da artista com as drogas e excessiva, ao tratar da sua vida amorosa. Amizades e parcerias musicais (Gil, Caetano, Chico, Tom, Rita Lee) foram "esquecidas", mas, prioridades (dos roteiristas) são prioridades (do diretor) e cortes ou recortes (imagens fugazes) fazem parte da meta que se quer alcançar. Se relevantes ou não os fatos selecionados, o público e fã da “pimentinha” (como era conhecida por conta do seu gênio forte) é que poderá responder (com bilheteria?).

Pode ser que este filme (também) vire minissérie da tv Globo..., assim como De Pai Para Filho (em 2013), de Breno Silveira e Tim Maia (em 2015), de Mauro Lima..., e, aí, quem sabe, o material (re)surja bem mais rico!


Joba Tridente: O primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros vídeo-documentários fiz em 1990. O primeiro curta (Cortejo), em 35 mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003), de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba.

sexta-feira, 25 de novembro de 2016

Crítica: A Chegada


A  Chegada
por Joba Tridente

Para quem está procurando novidade no gênero ficção científica, uma boa sugestão é o enigmático e introspectivo filme A Chegada, do diretor canadense Denis Villeneuve, baseado na novela A Story of Your Life (prêmios Sturgeon/1999 e Nebula/2000), do escritor Ted Chiang..., obra que discute a (ainda controversa) relatividade linguística Sapir-Whorf ¹.


A Chegada (Arrival, 2016), com suas aeronaves côncavas pairando entre o Céu e a Terra ou entre o Céu e o Mar, feito 12 Torres de Babel em forma de orelha de pedra, nos conduz curiosamente através do signo linguístico a uma intensa viagem ao obscuro interior de nós mesmos. O quê ou quem somos nós diante de um desconhecido? Por que tememos (e nos armamos) diante do desconhecido. A palavra ou sua ausência é o quê nos conduz à glória e ou à derrota..., das meras relações familiares às internacionais (ou interestelares!). Passamos a vida interpretando sinais da natureza animal e não-animal e basta uma imagem e ou gesto em falso, uma palavra mal dita, mal pontuada e ou mal significada, um alimento vencido..., para a linha da vida se tornar ininteligível.


Ver (o outro), ouvir (o outro), compreender (o outro) para, então, dialogar com o outro é a base, o mote deste thriller espetacular que procura na metafísica uma forma diferenciada de se comunicar com o espectador. Nele, acompanhamos fascinados o trabalho da linguista Dra. Louise Banks (Amy Adams) e do físico Ian Donelly (Jeremy Renner), convocados pelo coronel Weber (Forest Whitaker), das Forças Armadas Americanas, para intermediarem o contato entre humanos e alienígenas, cuja nave “pousou” em Montana.

O quê não lhes falta são perguntas aos visitantes espaciais. Porém, como indagar das suas intenções (turismo, imigração ou invasão?) quando não se tem ideia da língua deles e nem ciência de que conhecem a nossa? Enquanto os governos de todo o mundo têm pressa em conhecer a motivação alienígena, para (se preciso) se armar..., Louise precisa de tempo para encontrar a ferramenta certa, a sua Pedra de Roseta para decifrar um painel repleto de signos complexos, no interior da nave. Cena que remete a uma sequência emocionante em Para Sempre Alice (2014), onde, em plena sala de aula, a linguista Alice/Juliane Moore, sentindo os primeiros sintomas do Mal de Alzheimer, não consegue definir “Léxico” (..., as palavras estão todas aí, mas não consigo alcançá-las!). É o mesmo sentimento de impotência de Banks e Donelly frente a um símbolo de “duplo” sentido.


A Chegada, com ótimo roteiro de Eric Heisserer, é um drama existencial pautado pela comunicação entre espécies diferentes, pela busca de um diálogo em comum (pacifista!), seja com ETs, com governos interconectados e ou com cidadãos que se deixam influenciar pela mídia sensacionalista e as religiões descerebradas. A trama intimista desvela a aldeia (que se quer) global a cada dia mais fragmentada. Toda via do verbo mal conjugado, num mundo individualista (que se quer unido), constantemente hackeado (espionado), como confiar em quem nos parece “perigoso” por conta da língua e ou do costume?

Ao contrário das anestesiantes produções de ação explosiva, repletas de efeitos especiais mirabolantes, A Chegada é uma ficção científica provocativa, do tipo que estimula o cérebro, fazendo até mesmo o espectador mais néscio pensar no assunto. Sem parecer didática, a narrativa sóbria (que joga com o fluxo de tempo na memória afetiva) explora as ciências humanas e as exatas sem arrogância e ou achismos bobos..., embora no campo fictício tenha essa liberdade poética imaginativa que diverte fãs do gênero e apavora cientistas (reais). A gravidade singular, no interior da nave extraterrestre, é um achado que pode ter um duplo sentido nas duas ciências!


Enfim, considerando o brilho do roteiro contrario à “lógica” hollywoodiana do mocinho americano versus vilão espacial; a direção equilibradíssima; o elenco excelente; a eficiência dos “tímidos” efeitos especiais; a montagem (pegadinha?) bacana..., definitivamente, este é um filme indicado ao espectador inteligente ou, pelo menos, acima da média, à procura de diversão com reflexão!


1. Relatividade Linguística, sugestão de leitura, entre outras: A teoria da relatividade linguística Sapir-Whorf e Universalismo e Relativismo Linguístico.


Joba Tridente: O primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros vídeo-documentários fiz em 1990. O primeiro curta (Cortejo), em 35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003), de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba.

quarta-feira, 23 de novembro de 2016

Crítica: O Filho Eterno


O  Filho  Eterno
por Joba Tridente

Desde o lançamento, em 2007, o romance O Filho Eterno, do escritor brasileiro Cristóvão Tezza, recebeu vários prêmio no Brasil e no exterior. Em 2011, o livro já editado em diversos países, foi adaptado para o teatro pela Cia Atores de Laura, e o ator Charles Friks mereceu o Prêmio Shell de Teatro pela sua notável performance no monólogo. Agora, em 2016, chega aos cinemas numa interessante produção. Nada mal para uma obra “incômoda” que fala de um assunto invisível: pais x filhos com Síndrome de Down.

"Você é tão inteligente e não conseguiu nem fazer um filho direito."

O Filho Eterno (romance/teatro/cinema) traz à tona um drama familiar mais comum do que a “sociedade” prefere admitir: a aceitação de filhos e ou parentes com Síndrome de Down. Embora a trama da obra homônima de Cristóvão Tezza, seja ambientada nos anos 1980 (período de pouca informação sobre o assunto “mongolismo”), nos bastidores da vida, os avanços da medicina (nas décadas seguintes) e mesmo a abertura de mercado de trabalho, não mudou muito o (pré)conceito social. Lares ainda são desfeitos por mães ou pais que, incapazes de conviverem com o quê lhes parece uma grande “trapaça” do destino, abandonam seus filhos. O romance, para quem não sabe, é baseado no drama familiar de Tezza, que tem um filho (Felipe) com Síndrome de Down. Para alguns leitores, essa ficção escrita na terceira pessoa e que conjuga-se na realidade, seria uma catarse do autor. Quando a ficção “imita” os fatos, a sua aceitação é mais abrangente. Ou mais tocante!


No drama que chega à telona: Após as melhores expectativas de um futuro radiante, de parceria e de cumplicidade, é grande a frustração que toma conta do escritor Roberto (Marcos Veras), casado com a jornalista Claudia (Débora Falabella, excelente), ao saber que o seu filho Fabrício (Pedro Vinícius, espontâneo) nasceu com Síndrome de Down. Conhecia-se pouco o mongolismo nos anos 1980..., não que isso pudesse ter feito alguma diferença para ele. E na vida que segue e vergonha que cega, enquanto a conformada Cláudia se dedica rotineira e amorosamente aos cuidados da criança, Roberto, tomado por sentimentos contraditórios, ao perceber que as suas tentativas de “consertar” o menino são infrutíferas, perde a dignidade e torna-se um “pai” ausente e acovardado por cerca de dez anos...  

O Filho Eterno não é, evidentemente, a adaptação literal do livro, mas um recorte, uma releitura (do texto visceral de Tezza) onde os pais ganham nomes (Roberto e Claudia), o filho (Felipe) é renomeado (Fabrício), e a história recebe um “enxerto romântico” (descartável!), que, se não chega a comprometer, provoca um “ruído” estranho. O drama tem um argumento razoável e não deve decepcionar o grande público acostumado ao tema família-medicina, tão comum (e querido) ao cinema hollywoodiano, que lota salas pelo mundo e chega a concorrer ao Oscar. Ao contrário, pode até surpreender a quem é alheio ao tema, principalmente por sua imparcialidade.


Com roteiro de Leonardo Levis, focando no essencial do romance (relação do pai com o filho) e na força dos seus diálogos (alguns doloridos socos na boca, também, do estômago!), e direção de Paulo Machline, evitando o caminho fácil da melodramaticidade, do sentimentalismo barato, a narrativa, com um ou outro senão, se desenvolve satisfatoriamente, ali na zona de conforto..., ainda que haja espaço e motivo suficientes para aprofundar com mais ousadia as personagens Claudia e, principalmente, Roberto. É claro que, aí, um olhar em falso e tudo poderia escorrer para a zona da pieguice... Mas é um risco que, às vezes, vale correr.

Enfim, considerando suas cenas geralmente breves e intimistas; a história envolvente e a direção de arte cuidadosa; a interpretação de Débora Falabella (Claudia) inspiradíssima - a sequência dela falando (que monólogo!) sobre o aniversário do filho (haja coração!), vale o filme inteiro e mais um pouco; a escolha acertada do menino Pedro Vinicius, que tem Síndrome de Down (assim como as outras duas crianças que interpretam Fabrício mais novo)..., O Filho Eterno é um drama que emociona e que, com certeza, fará o espectador refletir: E se fosse comigo? Ah, e não se preocupe, nessa história (da vida real), o coitadinho é o pai e não o filho!


Joba Tridente: O primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros vídeo-documentários fiz em 1990. O primeiro curta (Cortejo), em 35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003), de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba.

quinta-feira, 17 de novembro de 2016

Crítica: Animais Fantásticos e Onde Habitam


Animais Fantásticos e Onde Habitam
por Joba Tridente*

Para quem estava com saudades do fascinante mundo de aventuras e magia de Harry Poter, já pode começar a se alegrar. É que, cinco anos depois do adorável bruxinho se despedir dos cinemas, está estreando nas telonas o deliciosamente despretensioso e totalmente envolvente Animais Fantásticos e Onde Habitam, versão cinematográfica da enciclopédia homônima escrita pelo magizoologista Newt Scamander (Eddie Reydmayne), alter ego da também roteirista J.K. Rowling e com ótima direção de David Yates, responsável pelos últimos quatro filmes da saga HP.

Pelo que se tem lido por aí, Rowling e Yates estão prometendo de três a cinco filmes na futura franquia, que tem tudo para arrebatar novos fãs e, de quebra, satisfazer aos mais velhos, que ainda esperam por novas aventuras do “bruxinho”, já quarentão, funcionário do Ministério da Magia Britânico e pai de três crianças, segundo a peça teatral Harry Potter and the Cursed Child (Harry Potter e a criança amaldiçoada), que estreou com estrondoso sucesso, em julho de 2016, em Londres.


Animais Fantásticos e Onde Habitam (Fantastic Beasts and Where to Find Them, 2016), se passa nos efervescentes anos 1920, na cidade de Nova York, nos EUA, onde, após uma breve viagem por notícias vivas “impressas” em jornais, sobre os últimos acontecimentos no mundo da magia, o espectador acompanha a alucinante e divertida estadia do taciturno e misterioso magizoologista britânico Newt Scamander (Eddie Reydmayne) na cidade americana. A princípio, ele pretendia apenas resgatar um Animal Fantástico, mas..., depois de esbarrar no simpático sonhador Jacob Kowalski (Dan Fogler), um no-maj (trouxa americano), conhecer a agente de magia Tina (Katherine Waterston) e sua romântica irmã Queenie (Alison Sudol), se enrolar com o Congresso Mágico dos Estados Unidos da América (MACUSA), e bater de frente com o intransigente bruxo Percival Graves (Colin Ferrel)..., vai ter muito trabalho pela frente.


É interessante ver como Rowling desenvolveu a história (envolvendo tantos humanos, numa trama paralela) a partir de um “mero” Glossário de Animais Fantásticos, disponível aos alunos da Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts. Neste universo mágico (de certo modo) novo, com roteiro bem amarrado, cujos nós vão se desatando aos poucos, para que o espectador se delicie a cada ação e ou reação dos estranhos personagens, não é recomendado ter pressa e ou ficar tentando adivinhar o que virá. O melhor é relaxar e curtir principalmente os tópicos do magnífico Dicionário de Animais Fantásticos, de Newt, que se abre atraente, desvelando seres tão cativantes quanto temerosos..., numa narrativa que vai de belas e lúdicas sequências às mais sombrias.

Mas é bom que se diga, para o espectador que gosta e ou almeja ir além da fantasia, a trama pode (também) se desvelar crítica nas entrelinhas. Longe de qualquer maniqueísmo, numa inspirada reconstituição de época “american way of life” (antes da Grande Depressão/1929), em que o sonho americano desenvolvimentista e o pesadelo moralista andavam lado a lado no caminho do imigrante..., Rowling cutuca com varinha curta (nada mágica) a intolerância e o preconceito, que insistem em se repetir (também) nas terras do Tio Sam, sempre ansioso em caçar “bruxas” e resolver a sua (doentia) xenofobia.


Enfim, considerando que a história é despretensiosa e divertida, com boas gags e humor nonsense, em meio a um eficiente terror juvenil, no melhor estilo da série HP; que o elenco (que inclui Ezra Miller e Jon Voight) é excelente e os personagens são bem resolvidos, alguns impagáveis, como o louquíssimo “ornitorrinco cleptomaníaco”; que os Animais Fantásticos são realmente fantásticos; que algumas sequências funcionam muito bem pela carga dramática e outras deslumbram pelos efeitos especiais de cair o queixo (imersão total em 3D IMAX); que as soluções narrativas envolvendo objetos mágicos, como a indescritível mala de viagem de Newt, são inteligentes; que a certa altura da saborosa trama, um emocionado Jacob diz: “Sabe como sei que não estou sonhando? “Eu jamais teria imaginação para isso”, e que essa sensação de deslumbramento do inocente personagem, com certeza será a da grande maioria do público..., para mim, Animais Fantásticos e Onde Habitam é um espetáculo da melhor qualidade! Enche o os olhos, com a magia (também) do cinema e faz o tempo passar sem a gente sentir. O único problema ter de esperar até novembro de 2017, para saber como essa história continua...


*Joba Tridente: O primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros vídeo-documentários fiz em 1990. Cortejo, meu primeiro curta, em 35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003), de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba.

terça-feira, 25 de outubro de 2016

Crítica: Trolls


TROLLS
por Joba Tridente

Conta-se que no ano de 1959, como não podia comprar um presente de Natal para a sua filha, o pescador e lenhador dinamarquês Thomas Dam (1909-1986), esculpiu uma Boneca Troll, que imediatamente despertou o interesse das crianças de Gjøl. Com o tempo começou a produzir vários modelos em vinil e plástico especial. No início dos anos 1960 os Bonecos Troll, também conhecidos como “Bonecos da Boa Sorte”, fizeram grande sucesso nos EUA e a partir da década de 1970, até os anos 2000, foram copiados, reinventados, descaracterizados como se não tivessem autoria..., que só foi restaurada à família Dam, em 2003. Os Trolls ganharam seu primeiro desenho animado para TV em 1992, com o título Magical Super Trolls. Vieram, então, games, programa de rádio e em 2004 a série animada Trollz. Em 2013 a DreamWorks adquiriu a propriedade intelectual para explorar a franquia Troll, que já teve seus bonequinhos fazendo ponta na série Toy Story, da concorrente Disney/Pixar..., e agora traz os personagens numa cantante, dançante e coloridíssima animação em 3D pra lá de glitterizada.

Bem, é claro que a geração mais nova possivelmente não conheça os Bonecos Trolls e sequer imaginam a febre que foi há cerca de 20/30/40 anos.  Mas isso não vai impedir que curtam este divertidíssimo desenho de técnica irretocável, com boas doses de nonsense e cartum e uma pitadinha de humor negro, embalado por uma música pop-dance bacana e bem encaixada (a produção musical é do Justin Timberlake). Sim, eu sei que odeio trilha sonora, mas Trolls é praticamente um musical retrô e ou se dança e ou se canta com ele..., motivos não faltam pra sacudir o esqueleto. Ou se emocionar ao som de True Colours, de Cyndi Lauper...


Escrito por Jonathan Aibel e Glenn Berger, a história de Trolls (Trolls, 2016), dirigida por Walt Dohrn e Mike Mitchell, é simples mas envolvente: os minúsculos Trolls, com seus originalíssimos trajes e cabeleira colorida, viviam em plena de felicidade, cantando, dançando e se abraçando, em seu vilarejo arbóreo, até serem descobertos pelos infelizes Bergens, ogros amarronzados em sua solidão e que só encontravam a felicidade ao saborear um deles no Dia do Trollstício. Para não serem extintos, os doces Trolls fugiram e quando, vinte anos depois, alguns deles foram encontrados e aprisionados pelos Bergens, a confiante Princesa Popy, com seu inveterado otimismo sonoro, e o cinzento Tronco, com seu pessimismo arraigado, saíram em uma arriscada missão de resgate. É claro que, pela estrada afora, vão encontrar todo tipo de perigo (não queira saber antes da hora!), incluindo uma hilária Nuvem, o faminto de felicidade tardia Príncipe Gristle, a sua adorável e romântica serviçal Bridget, e a arrogante Chef de Cozinha dos Bergens.


A animação Trolls é bonita demais em sua festiva paleta de cores psicodélicas e texturas inimagináveis. Sem qualquer traço de pieguice, questiona a natureza da felicidade de uma forma divertida e inteligente (apropriada a qualquer público): será preciso absorver, vampirizar a felicidade alheia para ser feliz?; a felicidade está nos pequenos gestos como, por exemplo, um simples abraço?; qual é o melhor alimento para a felicidade? A metáfora das cores ajuda os pequenos e os adultos distraídos a compreenderem o espírito dessa tal felicidade.

Outros brinquedos já serviram de inspiração hollywoodiana, mas acredito que os dinamarqueses Lego e Bonecos Troll são aqueles de melhor resultado. Apostando na tradicional irreverência da DreamWorks, a produção é inteligente ao brincar com personagens do universo literário (como Cyrano de Bergerac e Gata Borralheira) e lúdico (Smurfs), cinematográfico e televisivo (reality gastronômico MasterChef) e musical (Hair). Os personagens são todos bem resolvidos (desenho e personalidade) e a cativante narrativa emociona e diverte (com seu humor sagaz) até mesmo quando alfineta os “Gurus Espiritualistas”. Os diálogos, assim como as gags visuais, são uma delícia e o clima discoteca 1970/1980 funciona que é uma maravilha, com suas melodias agradáveis, luzes, cores e muuuuiiiiitttoooo glitter. Só fica sentado e de boca fechada quem quer!


Trolls é um delírio visual que diverte e encanta do princípio ao fim, com seu ótimo roteiro, excelente ritmo e apuro técnico com recortes 2D, pop-up, texturas incríveis..., tudo, realmente, de cair o queixo. Ah, e quando digo fim, me refiro às cenas extras pós-créditos. A dublagem brasileira é boa (não conheço a original) ou pelo menos não incomoda. A maioria das canções tem versão em português (por que não verter todas, já que o filme não tem legendas?) e funcionam muito bem no complemento do enredo: se eu não tenho o quê falar, canto ou danço! Pode não ser uma obra-prima feito Kubo e as Cordas Mágicas..., mas é diversão garantida para toda a família que, em uma sequência ou outra, há de se encontrar, com certeza, no contexto deste conto fantástico. E (quem sabe?) após a sessão até queira dar um abraço gostoso e apertado em algum ente querido...


E por falar em abraços, a animação Êpa! Cadê o Noé? também trazia este gostoso e sempre fortalecedor gesto comemorado em 22 de Maio, mas que deveria ser um comportamento social de todas as horas..., como pregam os adoráveis Trolls!

Nota: Está previsto para 2017 a estreia de outra animação protagonizada por Trolls. O título é Troll: the Tale of a Tail e o roteiro é baseado no clássico da literatura chinesa Classic of Mountains and Seas (ou Shan Hai Jing)..., um livro que registra seres míticos, e que já era conhecido no século 4.aC. A produção é chinesa e a animação será feita no Canadá. Assista o teaser de Troll: the Tale of a Tail.


Joba Tridente: O primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros vídeo-documentários fiz em 1990. O primeiro curta (Cortejo), em 35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003), de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba.

sábado, 8 de outubro de 2016

Crítica: Kubo e as Cordas Mágicas


Kubo e as Cordas Mágicas
por Joba Tridente

Kubo e as Cordas Mágicas é a mais recente produção da Laika, que já nos acostumou (mal!) com os excelentes curta Moongirl (2005) e os longas Coraline (2009) e ParaNorman (2012). E parece que a produtora americana não desistiu de fazer a nossa cabeça com animações de rara qualidade.

Nesta mais que bem-vinda e amorosa aventura, o enredo acompanha a saga de Kubo, um menino gentil e carismático que, diariamente, encanta os moradores de uma pequena vila de pescadores, no Japão antigo, com suas incríveis histórias animadas com figuras de origami. À noite ele cuida da sua mãe, que às vezes entra em transe, sob a influência da lua. Certo dia, após orar por um parente morto, Kubo passa a ser perseguido por duas maldosas entidades gêmeas e, para se livrar delas, precisa encontrar a Armadura Impenetrável, a Espada Inquebrantável e o Capacete Invulnerável, que pertenceram a seu pai Hanzo, que foi um grande guerreiro samurai. A sua jornada heroica e de autoconhecimento será longa e perigosa e, além do seu precioso shamisen (um instrumento mágico de cordas), ele contará com a ajuda imprescindível de uma ousada Macaca, de um irrequieto Besouro e de um silencioso e valente Samurai de Origami.


Original, criativo, divertido e um pouco melancólico, o enredo desenvolvido por Marc Haimes e Chris Butler, com ótima direção de Travis Knight, fala diretamente ao coração de todos aqueles jovens e ou adultos espectadores que também adoram ouvir uma boa e tradicional história oral. E nem poderia ser diferente, já que o seu protagonista é um hábil e gracioso Contador de Histórias que durante a narrativa vão se encadeando a outras histórias que não se quer que acabem.

Se não se atentar aos créditos, o público inteirado das coisas do oriente vai achar que está diante de uma belíssima lenda japonesa e de uma irretocável obra cinematográfica vinda da terra do sol nascente..., tanto pela qualidade técnica (mista), onde o apuradíssimo stop-emotion, digo, o stop-motion dá o tom a uma narrativa comovente (sobre perda e superação), quanto pelo excepcional conteúdo. Porém, é bom ressaltar que Kubo e as Cordas Mágicas (Kubo and the Two Strings, 2016) é um filme norte-americano e a sua inegável aparência de épico nipônico deve-se ao respeito de Knight àquele país e à consultoria de artistas japoneses de diversas áreas.


É impossível não se encantar com ele já nos primeiros minutos do seu prólogo, frente à emocionante releitura de A Grande Onda de Kanagawa (1830-1833), a formidável xilogravura de Katsushita Hokusai (1760-1849), onde a mãe de Kubo conduz uma balsa sobre uma gigantesca onda. Encanto que só faz crescer cena a cena e a cada reverência à rica cultura japonesa e a grandes mestres universais como o gravurista Kiyoshi Saito (1907-1997) e os cineastas Akira Kurosawa (1910-1998), Hayao Miyazaki e David Lean (1908-1991)..., referências importantes no desenvolvimento da obra, segundo Knight.


Enfim, considerando que as fantásticas sequências de origami, com certeza, vão fazer muita gente sair da sessão com vontade de dobrar papéis e também criar lindas peças..., isso, se já não tiver feito com um folheto qualquer que tiver no bolso; que a sua mensagem pacifista e nada piegas de amor à humanidade, em um final desconcertante e consagrador, é capaz de fazer marejar o cinéfilo mais durão..., Kubo e as Cordas Mágicas, faz valer cada dia dos cinco anos de trabalho e o preço do ingresso. Provavelmente é um dos filmes mais belos e requintados que verá neste 2016.

Ah, e não saia da sala junto com os créditos, pois vai perder as cenas de bastidores (making of) da construção e manipulação do Mostro Esqueleto que tem quase cinco metros de altura. E quando sair do cinema, não esqueça de colocar o queixo (caído)  no lugar!

sexta-feira, 7 de outubro de 2016

Crítica: Kóblic


KÓBLIC
por Joba Tridente

O cinema argentino tem se desvelado com uma qualidade surpreendente nos últimos anos. A grande novidade que nos chega neste outubro mais ou menos primaveril e nos deixa atônitos é a produção hispano-argentina Kóblic, dirigida por Sebastián Borensztein (Um Conto Chinês, 2011). Ambientada no ano de 1977, a ficção (que perturbadoramente poderia anotar que qualquer semelhança com fatos é mera coincidência) traz à tona o traumático episódio dos "voos da morte" (vuelos de la muerte) patrocinados pela última ditadura argentina (1976-1983), em que presos políticos (incluindo Mães da Praça de Maio) eram torturados e lançados vivos e drogados, de aviões militares, ao mar e ao Rio da Prata..., onde pereciam com o aval da igreja.

Kóblic (Kóblic, 2016), escrito por Borensztein e Alejandro Ocon, no melhor estilo thriller western-noir, faz um recorte aflitivo da vida do taciturno piloto de avião Tomas Kóblic (Ricardo Darín, espetacular), um desertor militar que, por se recusar a participar dos “voos da morte”, é perseguido pelo governo e se refugia na Colônia Helena (interior da Argentina), onde os moradores vivem sob ameaça do corrupto comissário Velarde (Óscar Martínez, espetacular). Ali ele conhece a bela e misteriosa Nancy (Inma Cuesta) e não demora a se dar conta de que não será fácil, a um portenho, passar despercebido e tampouco se desvencilhar do seu passado militar. Em tempos de opressão, na capital ou num vilarejo, o inferno independe do tamanho da fogueira do horror. Portanto, num provável embate entre a caça e o caçador, há que se cuidar com o tamanho do rabo (preso)..., uma fagulha e já era.


Kóblic é um drama existencialista (intenso!) que assopra (ou tenta!) o pó levantado pelos coturnos de ontem dos olhos cegos das esquerdas populistas e festivas de hoje..., impassíveis diante de realidades políticas nauseabundas que (n)os rodeiam na América e oceanos-além. Na verdade, cegueira, surdez e mudez só é pauta político-partidária quando conveniente às (o)posições. É o preço da hipocrisia para se manter imbecis no governo. Toda via de poder repressor pode manter amarras (no povo) por muito tempo, mas não por todo o tempo. Hora mais hora menos um fio tensionado arrebenta e o desejo de justiça poderá redundar num desejo de vingança. É só uma questão de trama! Ou do ponto que se avista..., e ou se mira!



Embora a sua narrativa remeta ao estilo noir, a ação é praticamente diurna, mas não menos sinistra, no excelente registro fotográfico de Rodrigo Pulpeiro. Se bem que, independente da luz, é na sutileza que o filme mais assusta. Em vez do todo, Borensztein se ocupa de detalhes que desvelam a ilimitada perversidade humana. Expõe as minúcias do terror que mantém o povo (calado) no cabresto, sob o domínio do medo..., e a reação a esse medo que lhe custa a própria voz. Partir de uma realidade atroz para escrever uma ficção que retrate as atrocidades dessa realidade (que muitos querem esquecida), me parece mais eficaz (em sua denúncia) que chorar pitangas num cinema revanchista, piegas e caricato. Em Kóblic a ficção que imita a vida é imediata e quanto mais imitativa da realidade, mais eficiente para calar fundo no espectador.

quinta-feira, 6 de outubro de 2016

Crítica: Festa da Salsicha


Festa da Salsicha
por Joba Tridente

Quando se pensa que já viu de tudo na telona do cinema, eis que chega Festa da Salsicha, a animação mais insana e ultrajante dos últimos anos, para provar que bizarrice não tem limites. Se depender da lógica dos tresloucados Seth Rogen, Evan Goldberg, Ariel Shaffir, Kyle Hunter e Jonah Hill, o absurdo e o politicamente incorreto não têm mesmo.


No supermercado SHOPWELL, longe dos olhos dos clientes, mas perto de suas mãos, todos os produtos levam uma vida dinâmica e cheia de sonhos numa grande comunidade de produtos e variadas etnias (com diferenças e conflitos). Ali, todas as manhãs encenam um entusiasmado número musical, dando graças aos deuses por mais um dia feliz à espera de compradores humanos que os levarão dali para as glórias do Grande Paraíso. É dia 3 de Julho, e os itens sabem que, na véspera do feriado da independência americana, o movimento é maior e cresce a chance de serem “os” escolhidos para finalmente conhecerem a Luz Divina.

No entanto, em meio ao alvoroço dos clientes, essa alegria toda, principalmente entre os alimentos processados, é perturbada com o retorno à loja de um aterrorizado vidro de Mostarda com Mel trazendo a verdade lá de fora: O Paraíso é uma farsa! Preocupado com o seu futuro de delícias no aconchego da sua namorada Bisnaga de Cachorro-Quente Brenda, a desconfiada Salsicha Frank decide investigar o assunto entre as mercadorias (Aguardente e Não-Perecíveis) mais bem informadas do mercado. Ao confirmar que, fora dali, um pesadelo horrendo aguarda a todos os itens à venda, junta-se a um grupo de resistência comandado pela menosprezada Salsicha Barry que, por não ser tão resignada quanto as alegres cantantes salsichas de Pets - A Vida Secreta dos Bichos (2016), sobreviveu à tortura dos humanos e voltou à loja para alertar os companheiros e se vingar dos maus tratos. A data 4 de Julho te diz alguma coisa?


Bem esta é apenas uma brevíssima sinopse da desvairada aventura Festa da Salsicha (Sausage Party, 2106), dirigida por Conrad Vernon e Greg Tiernan. Escrever mais é correr o risco de cometer spoiler, já que a comédia que satiriza as animações da Disney (onde eu vi essas luvinhas?) e da Pixar de Toy Story (brincando com datas e nomes ocultos em objetos de cena), os filmes de terror, catástrofe, policial, musical, pornôs..., é cheia de piadas hilárias (algumas forçadas ou repugnantes) sobre sexo, religião, etnias, drogas, politica, conflitos, alimentação (a da pizza é de rolar de rir..., aliás, toda a sequência na casa de um drogado é muito boa). Embora o clima seja o da comédia (pesada), com humor negro, chulo e escatológico e gags visuais interessantes, há cenas bem violentas (no conteúdo ou na ação). Ou seja, os fãs do estilo que consagrou os criadores deste desenho pra lá de animado e sádico, não vão ter do que reclamar.


Festa da Salsicha tem roteiro muito bom. A maioria dos diálogos é pertinente, principalmente sobre o conflito entre árabes e judeus e sobre sexualidade reprimida..., e seria muito mais eficiente não fosse a profusão de palavrões no final de cada fala. A narrativa é ágil e, além da técnica apurada no desenho dos “saudáveis” personagens, cativantes até mesmo em suas psicopatias, nos brinda com soluções inteligentes, como na antológica sequência do acidente com um carrinho cheio de alimentos felizes, no corredor do supermercado, remetendo às grandes tragédias com vítimas fatais, ao som melancólico de Bat Out of Hell do Meat Loaf..., sem dúvida, um achado hilário!


Essa sandice toda, muito bem dirigida, que flerta com o trash e o gore e que em alguns momentos me lembrou o delicioso O Ataque dos Tomates Assassinos (1978) e o estranho A Coisa/The Stuff (1985), aquele do iogurte alienígena, pode (?) perturbar as mentes mais fracas (risos!), acostumadas a brincar e ou a brigar com a comida. Agora, como é que um jovem adulto (público alvo) vai lidar com os seus petiscos durante e após a sessão com cenas explícitas de violência e de orgia sexual alimentícia (argh!?), é problema dele. Não quero nem saber!

Enfim, como a alucinada e ácida trama blinda absolutamente ninguém, seja carnívoro, vegano, macrobiótico, naturalista, hétero ou homossexual, crente ou ateu, árabe ou judeu etc..., vá se divertir por conta própria com essa inconsequente e animada ousadia!

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