domingo, 22 de novembro de 2009

Crítica: Mistéryos


Finalmente, depois do circuito dos grandes festivais de cinema e alguns prêmios, estréia Mistéryos, filme de Pedro Merege e Beto Carminatti, baseado na obra O Mez da Grippe e Outros Livros, do escritor Valêncio Xavier.

Mistéryos conta histórias realmente estranhas, surreais, carregadas de simbolismo, muito parecidas com aquelas publicadas em antigas revistas de Histórias em Quadrinhos, cheias de suspense e algum pavor, pinceladas com nanquim ou tracejada num clima noir. Conduzidas ou observadas por VX (cronista e pesquisador de coisas misteriosas e bizarras), três delas, protagonizadas com graça por Stephany Brito, se destacam: uma que fala do desaparecimento de Jucélia Santos, quando passeava no Trem Fantasma, num Parque de Diversões em Curitiba, no dia 19 de Julho de 1969, no instante em que o homem pisava na Lua; outra que busca desvendar a personalidade de um artista que, na época do cinema mudo, teria feito um filme erótico sobre a poeta Safo de Lesbos; e a terceira, onde nem tudo é o que parece ser quando o assunto é magia.

Mistéryos tem como pano de fundo as ruas de uma Curitiba mal iluminada (anos de 1960) por onde transita, de uma “lenda urbana” para outra, VX, um estranho viajante atemporal buscando reconstituir histórias absurdas a partir de fragmentos colhidos ao acaso. Histórias, historietas e vinhetas contadas, vividas ou sussurradas por ele levam o espectador a lugares esquisitos em busca do impossível: respostas para o inusitado. Talvez elas estejam lá, na pausa da fala, na entrelinha do monólogo de VX, solitário também em sua própria casa repleta de signos. Ali, na alegoria do real e do imaginário, os seus questionamentos o aproximam d’O mundo como vontade e representação (de Arthur Schopenhauer). Mas pode ser mera ilusão, provocada pelo lusco-fusco de três velas, suspensas no ar, confundindo os sentidos. Quando não se conhece a direção a seguir, uma luz tanto pode indicar a entrada como a saída da perdição em si mesmo.

Toda obra (literária, plástica, cinematográfica) está aberta a qualquer leitura, até mesmo àquela em que nem mesmo os seus realizadores pensaram..., ou uma contrária ao que quiseram dizer. Gostar ou não advém da compreensão da obra e Mistéryos não foge a isso. No princípio de todos os mistérios o filme parece rumar ao naufrágio, por conta da ousada linguagem pontuada por um grafismo marcante e uma trilha sonora incisiva. Mas esta impressão logo se dissipa com a presença de um Carlos Vereza inspirado, dando o tom exato ao seu curioso personagem VX e jogando por terra o menosprezo a um filme brasileiro, principalmente se feito no Paraná. Mistéryos é singular, busca e encontra originalidade e universalidade na tradução cinematográfica da literatura visual de Valêncio Xavier. Não é um filme de terror barato, como o cartaz horroroso (feio mesmo!) e nada convidativo sugere. Ele dialoga de uma forma diferente, com as coisas aparentemente comuns, mas não é banal. Assim como o livro, tem características curitibanas, mas não cai no clichê regional ou veste a camiseta de “cinema paranaense”. Mistéryos é cinema e ponto (ou seria e pronto?). Tem uma direção correta e um bom elenco (Carlos Vereza, Stephany Brito, Leonardo Miggiorin, Samir Halabi, Jayme Periard, Lala Schneider) além de contar com a excelência profissional de Alziro Barbosa, na fotografia, e de Fernando Severo, na montagem.

Mistéryos passa ao largo do bairrismo preconceituoso que define filmes conforme o lugar de realização (cinema carioca, cinema paulista) ou nome de seus diretores, como se “tradição” fosse sinônimo de qualidade. Mas enfrenta um problema comum à maioria dos cineastas brasileiros “de outros bairros”, que não têm grandes produtores com potencial de investimento em anúncios televisivos, radiofônicos ou mesmo em outdoor..., a distribuição para as salas de cinema. Chegar às salas não significa que vai arrebanhar um grande público, mas já é um grande passo.

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