quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

Crítica: Vice


Vice
por Joba Tridente

Ah, um vice! Para que serve um vice qualquer coisa se não para tapar buraco, quando e se um dia quem sabe talvez uma tragédia “irreversível” o fizer necessário? Certo? Há controvérsia! Principalmente se o vice for a sombra da sombra presidencial à espera do sol do meio dia. Se não há mais bobo no futebol, por que haveria na política? Ainda mais na política! Temos exemplos no Brasil e em países da redondeza de vice-presidentes que, numa cochilada do destino, acabaram ocupando a cadeira “maior” da nação. E outros que, se fazendo de mosca morta, preferiram agir e se dar muito melhor na surdina. Como nos faz crer o roteirista e diretor Adam McKay (A Grande Aposta) com o seu (um tanto híbrido) drama satírico Vice..., que traz a cinebiografia estilizada do todo poderoso vice-presidente norte-americano (2001/2009) Dick Cheney (Christian Bale), também conhecido como “o político mais secreto da história americana”. Ou era...


Vice (Vice, EUA, 2018), se propõe a decifrar as maquiavelhices de Dick Cheney, para chegar ao poder e se manter, não invisível e descartável (como qualquer vice por aí), mas, (in)visível e temerosamente determinado a influenciar a economia petrolífera e bélica norte-americana. Cheney, obviamente, preferia o cargo máximo, mas, ao “inverter” o jogo dos gabinetes, aumentou as suas vantagens na mesa de negociação e o lucro fácil com a “invisibilidade” vice-providencial, digo, vice-presidencial. Uma tramoia (comum?) que requer habilidade de pescador e que leva o cidadão a acreditar que os bastidores soturnos da política são iguais ou assemelhados em muitos países, acima ou abaixo da Linha do Equador. Bem, nem todo peixe grande, que morde a isca, morre pela boca. Mas é preciso um pescador esperto para mantê-lo nadando ao seu redor e preso ao anzol. E Cheney sabia muito bem o que queria pescar quando lançava a isca...

O enredo perspicaz vai de um passado inconsequente do então jovem (sem rumo) Cheney, no Wyoming, ao político-empresário (sempre emergente) em Washington, mestre (e senhor da guerra) na arte da manipulação (inclusive digital). Embora diga bem mais ao bipartidarismo mental, emocional e estomacal do norte-americano, que aos órgãos de gente ajustada a outra nutrição, mundo afora, tem seus momentos de universalidade.


McKay não poupa recursos cômicos (humor negro!) e cênicos para apresentar a sua versão da ascensão de Dick Cheney e o papel daqueles que alvoroçaram ao seu redor, como sua vigilante mulher Lynne (Amy Adams), o mentor Donald Rumsfeld (Steve Carell), o “presidente” George W. Bush (Sam Rockwell), entre outros..., numa maliciosa crônica política que, por vezes, é mais interessante na forma que no conteúdo incômodo..., principalmente pelo excepcional uso de elipses e de metalinguagem. A quebra da quarta parede dá um toque de intimidade (ou intimidação!) e conivência numa história tão indiscreta (?) quanto repugnante (!) e absurda. Outro ponto alto é o narrador misterioso (Jesse Plemons), que, com seus comentários sarcásticos sobre o vice-presidente, aos poucos vai sendo amarrado ao enredo, até se tornar imprescindível à trama..., ou ao drama pessoal de Cheney. Mais que a licença poética, há que se ressaltar tamanha liberdade de expressão.


Considerando o que disse acima e o que omiti, para não constituir spoiler, gostei. Vice é imersivo e desconcertante ao ilustrar, com eficientes pinceladas de humor cáustico, as mudanças (?) nos EUA e no mundo após o 11 de setembro de 2001, com as decisões xenofóbicas dos reacionários Dick Cheney e Donald Trump. O espectador vai rir (amarelo ou gargalhar) das piadas ou gags visuais..., mas que elas doem, quando cai a ficha, ah, doem. Afinal, um vice que é piada hoje, pode ser a autoridade máxima e perigosa amanhã...

Nota: Sempre que tomo conhecimento desse tipo de história, lembro do personagem Iznogoud, criado em 1962 pelos geniais quadrinistas franceses René Goscinny e Jean Tabary.  Iznogoud é um Grande Vizir, em Bagdá. Mas, ambicioso e frustrado por ser o segundo (um vice) no comando, vive procurando um “jeitinho” de substituir o Califa Haroun El Passid. É dele o inesquecível bordão: Quero ser Califa no lugar do Califa!


*Joba Tridente: O primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros vídeo-documentários fiz em 1990. O primeiro curta (Cortejo), em 35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003), de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba.

terça-feira, 22 de janeiro de 2019

Crítica: O Menino Que Queria Ser Rei


O Menino Que Queria Ser Rei
por Joba Tridente

Eu me lembro que, na virada de 2011 para 2012, o grande alvoroço cinematográfico na web foi o lançamento, em DVD, do excelente filme independente britânico Attack the Block (Ataque ao Prédio), escrito e dirigido pelo ator e roteirista (As Aventuras de Tintim: O Segredo do Licorne; Homem-Formiga) londrino Joe Cornish. O divertido e original Attack the Block, que teve um lançamento modesto nas salas de cinema no Reino Unido e nos EUA, foi aclamado pela crítica, recebeu vários prêmios e logo virou cult. Não há admirador de ficção científica que não conheça essa pérola rara.  

O tempo passou e, após grande a expectativa, eis que Joe Cornish volta às telonas roteirizando e dirigindo a deliciosa fantasia infantojuvenil O Menino Que Queria Ser Rei (The Kid Who Would Be King, 2019)..., uma releitura contemporânea e engenhosa da história medieval do Rei Arthur e da espada Excalibur. O seu enredo simples, e nada vulgar, está muito bem conectado com as reflexões da juventude (de todo o mundo) sobre insegurança, bullying, medos, guerras, atentados e, principalmente, vivendo tempos tão conturbados, o futuro...


A narrativa se faz nos dias de hoje e ao redor de Alex (Louis Ashbourne Serkis), um jovem de boa índole que está sempre defendendo seu amigo Bedders (Dean Chaumoo) das provocações dos aborrescentes Lance (Tom Taylor) e Kaye (Rhianna Dorris), que estudam no mesmo colégio. Certa tarde Alex encontra uma espada cravada numa coluna de concreto, em meio a ruínas de um edifício, e a leva consigo. Sem saber que aquela é a lendária Excalibur, oferecida ao Rei Arthur pela Dama do Lago, o jovem se vê enredado pelos tentáculos venenosos da malvada bruxa Morgana (Rebecca Ferguson), a meia-irmã materna de Arthur, aprisionada no Reino Infernal e ansiosa para se apossar da espada mítica e assim, com o auxílio de seus guerreiros mortos-vivos flamejantes, concluir sua vingança maligna contra a Inglaterra. Para evitar o caos, além da ajuda de Bedders e do adorável Mago Merlin, em versões jovem e determinada (Angus Imrie) e idosa e conselheira (Patrick Stewart), Alex precisa convencer os seus “inimigos” brigões Lance e Kaye a se juntarem a ele, para formar um grupo ao estilo da Távola Redonda..., antes que seja tarde demais para todo mundo..., inglês ou não!


O Menino Que Queria Ser Rei é uma fantasia juvenil que não subestima o seu público alvo, seja ele jovem e ou pré-adolescente. O enredo é direto e claro, na história bacana que quer compartilhar, sobretudo nos bons diálogos que buscam expor algumas razões da insegurança da garotada diante da violência no mundo ou da difícil convivência com os adultos (familiares e professores). Tampouco se furta a opinar sobre os bastidores de governos e de mídias que dividem e subjugam o povo aos seus interesses inescrupulosos.

Sem soar antiquado, ainda que fale de novas tecnologias, O Menino Que Queria Ser Rei faz acertadas e curiosas reverências a filmes famosos de ação e aventura (como Star Wars e Harry Potter). O que leva o ansioso Alex, vivendo em situação análoga, a questionar a origem dos personagens centrais dessas produções..., já que, diante de acontecimentos inusitados, ele também dá asas à imaginação heroica. Porém, para saber se a imaginação (a bordo de referências cinematográficas populares) vai lhe pregar uma peça ou corresponder às suas expectativas, só assistindo para ver como, sem perder o fio da meada real, Cornish amarra o ótimo desfecho das suas elucubrações.

E por falar em referências cinematográficas, a mais interessante me fez viajar até 1985 e assistir a impagável cena de Arnold Schwarzenegger, em O Exterminador do Futuro, chegando nu ao passado e precisando urgentemente de uma vestimenta. A recriação da cena com Merlin é muito engraçada e o mais divertido você só vai descobrir se prestar atenção nos detalhes da roupa usada durante as viagens do Mago pelo tempo. Vale também ficar atento à revigorante receita da sua mágica poção, digo, mágica alimentação.


Toda via de um bom confronto, no entanto, nunca é tarde para dizer que O Menino Que Queria Ser Rei definitivamente não é um Attack the Block - 2. Embora não descarte traços da cultura sócio-política inglesa, ele tem a sua própria alegoria, mas de um ponto de vista mais (?) suave. Se a problemática social anterior eram os ataques violentos de jovens marginais na periferia londrina, agora é o posicionamento governamental tangenciando as paredes do muro central, onde “não há janelas sem vidro, para se circular livremente, nesse país abandonado por Deus”

Pode não ser o filme que os fãs de Ataque ao Bloco esperavam, mas tampouco é descartável. O seu público, evidentemente, é outro..., e não creio que ele se decepcione. Acho até que os espectadores mais novos vão crescer os olhos e querer aprender o coreográfico ritual de comunicação e magia do amável Merlin jovem, que consiste em estranhos movimentos de estalar de dedos e de bater palmas. Aliás, essa ideia de um Mago adolescente, com idade próxima à dos jovens, para orientá-los na importante missão a que estão incumbidos, é genial. Afinal, a maioria dos jovens prefere ouvir outros jovens (mesmo tongos)..., a ouvir resmungos e admoestações de velhos.


Enfim, considerando a trama inteligente, ágil e sem paradinhas para histórias paralelas; o roteiro redondo, com sua discreta Jornada do Herói; o bom e esforçado elenco juvenil; os diálogos pra lá de interessantes (mesmo na adaptação brasileira), longe da pieguice e do moralismo reinante; as boas metáforas ou subtextos sobre heroísmo, fraquezas humanas e políticas, em plena sintonia com o seu público; a criatividade dos jovens no desenvolvimento de táticas para enfrentar a maligna Morgana e seus asseclas (utilizando o que têm à mão); os efeitos especiais de qualidade; o bom humor (inglês) e divertidas gags visuais; o empolgante epílogo, com a opinião franca de Merlin (o velho) sobre livros e (possível) condicionamento de escritores (a se pensar profundamente)..., gostei bastante do "despretensioso" O Menino Que Queria Ser Rei. Há muito o que se saborear nesta bela fantasia na telona e um bocado de conceitos sobre reis e reinados e reinados sem reis a se rever em casa, depois!


*Joba Tridente: O primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros vídeo-documentários fiz em 1990. O primeiro curta (Cortejo), em 35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003), de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba.

sábado, 19 de janeiro de 2019

Crítica: A Favorita


A Favorita
por Joba Tridente

Quem não gosta de uma boa intriga amorosa ou política palaciana, principalmente do tipo “inspirada em fatos”? Só é indiferente quem jamais ouviu e ou leu Contos de Fadas, com seus enredos mirabolantes envolvendo príncipes e princesas, reis e rainhas e a plebe em geral. E não há (creio eu) lugar melhor para encontrar intriga de qualidade que num certo reino unido por romances sinistros, dramas maquiavélicos, comédias de erros, tragédias voluntariosas ao gosto bem dosado de um Shakespeare (1564-1616) ou de um irônico Jonathan Swift (1667-1745). Ah, o que seria do mundo sem as “fofocas” reais inglesas de ontem e de hoje?!


Bem, assunto sobre a monarquia inglesa é o que não falta nem para a sétima arte que, dependendo da autoria, direção ou atuação, pode ser mais ou menos contundente. É o caso do provocativo A Favorita (The Favourite, 2018), uma sátira “romanticamente política” dirigida com elegância e muito simbolismo pelo talentoso grego Yorgos Lanthimos (O Lagosta), que não deixa acumular sujeira embaixo e ou atrás de tapetes colossais..., afinal, se houve algo de podre no Reino da Dinamarca, a lama podia muito bem feder na Grã-Bretanha da Rainha Anne (1665-1714), que reinou de 1702 a 1714.

Roteirizado por Deborah Davis e Tony McNamara, com algumas liberdades dramáticas e de calendário, enfatizando as tramas do poder e os fiapos da subserviência, A Favorita traz um recorte (em releitura ousada) da corte da Rainha Anne (Olivia Colman), entre os anos 1704 e 1711, onde (em meio a maquiavélicas discussões parlamentares sobre política de guerra e política de economia) as primas Sarah Churchill (Rachel Weisz) e Abigail Masham (Emma Stone) desenvolvem estratégias ignóbeis para “merecerem” o favoritismo da rainha. Afinal, ser a favorita de Anne significava ser seu braço direito e, por conta de intimidades sexuais, se achar no direito de influenciar e (até) repreender a governanta real..., e ou mesmo “ensaiar” um governo paralelo.


Segundo registros históricos, Lady Sarah Churchill, a Duquesa de Marlborough (1660-1744), aproveitou muito bem o seu período de Guardiã da Bolsa Privada (1702-1710) e de “porta-voz” influente no palácio e no parlamento..., até se achar mais importante que a real cereja do bolo e cair em desgraça real, por conta de seu caráter irascível e ganância. A alpinista social Abigail Masham (1670-1734), que literalmente foi ao chão, mas sacudiu a lama e aprendeu rapidamente o jogo de cintura real, para dar a volta por cima e cobrar caro por seus favores, também nomeada Guardiã da Bolsa Privada (1711-1714), não ficou muito atrás da prima na sede de poder. Cientes da saúde fragilizada e das carências afetivas da Rainha Anne, cada uma, com suas artimanhas bem urdidas, acabou arranjando um jeito de lucrar em família...

Toda via alternativa aos salões de festas, de patos ou de coelhos, no entanto, assim como nem todo prendedor de cabelo é uma coroa real, nem tudo que é história oficial está no excelente enredo, que foca apenas a essência da discórdia..., e de uma forma deliciosamente inusitada e totalmente amoral.


Exuberante e de uma beleza plástica incontestável (na reconstituição de época), por se tratar da adaptação de fatos históricos, obviamente a sua trama pode até ser discutível em alguns pontos, mas é impossível não se deixar enredar por ela do princípio ao fim. Ainda que, por vezes, dolorosamente melancólica, não lhe falta sarcasmo, humor negro, nonsense..., e um insinuante flerte com a luxúria. A suntuosa trilha sonora é praticamente um personagem com força suficiente para roubar algumas cenas (e rouba!): incomoda, enaltece, amedronta. Eu, que a cada dia odeio mais as trilhas, aqui me calo. O que é aquela arrepiante versão de Skyline Pigeon do Elton John?


Enfim, protagonizado por três atrizes em estado de graça (com Olivia Colman arrebatando todas as glórias), este drama detalhista - que enche os olhos com tanto requinte visual (como na troca de lentes, que sugere em seus enquadramentos desconcertantes as mais diversas significações, inclusive a de que a imagem certa na hora certa vale mais que mil palavras ou diálogos ferinos) - não deixa de ser sobre o empoderamento feminino em um tempo (?) nada favorável às mulheres. Embora alguns personagens notórios na política e na sociedade britânica, como Robert Harley (Nicolas Hoult), Sidney Godolphin (James Smith), John Churchill (Mark Gatiss) e Samuel Masham (Joe Alwin), deem o conturbado ar da graça em ótimas sequências, a eles está reservado um bom segundo plano narrativo (não na história oficial, é claro..., já que, naquele tempo (?), tapete para puxar não faltava). É Yorgos Lanthimos mais uma vez se superando. O exuberante A Favorita é simplesmente espetacular!


*Joba Tridente: O primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros vídeo-documentários fiz em 1990. O primeiro curta (Cortejo), em 35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003), de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2019

Crítica: Como Treinar O Seu Dragão 3


Como Treinar O Seu Dragão 3
por Joba Tridente

Dizem que tudo que é bom dura pouco, mesmo que leve uns nove longos anos para acabar. Há coisas que terminam sem deixar a mínima saudade. E outras que talvez jamais sejam esquecidas..., como a maravilhosa trilogia cinematográfica animada Como Treinar o Seu Dragão, que ganhou o coração de milhões de espectadores em 2010, reservou ali o melhor espaço em 2014, para deixar a todos, saudosos mas satisfeitos, agora em 2019, com o fascinante desfecho (talvez em definitivo)  da amada saga viking.


Como Treinar O Seu Dragão 3 (How To Train Your Dragon: The Hidden World, 2019), novamente roteirizado e dirigido com maestria por Dean DeBlois, chega para iluminar os céus e mares da imaginação de qualquer cinéfilo que (entre tanto assunto de cinema) não abre mão de uma fantasia muito bem contada. 

Neste epílogo, a trama inspirada na obra de Cressida Cowell, traz o jovem adulto Soluço (que conhecemos garoto na primeira aventura e que agora é o visionário chefe dos vikings da Ilha de Berk) às voltas com duas questões: a superlotação de humanos e dragões na aldeia e a ameaçadora presença de Grimmel, um implacável caçador de dragões que, por não acreditar na convivência pacífica entre os humanos e dragões, quer exterminar estes míticos seres alados. Enquanto procura uma saída para a crise populacional e de sobrevivência das espécies, que pode estar relacionada a uma antiga lenda viking sobre um “mundo oculto” (do título original), ele descobre que o seu dragão Fúria da Noite (o adorável Banguela) está interessado em uma rara e majestosa Fúria da Luz...


Mais uma vez quis saber absolutamente nada a respeito deste último e espetacular capítulo. Nem trailer eu vi (e aconselho o mesmo a você)..., me dando o direito de me surpreender, me divertir e me emocionar com a equilibrada carga de ação, aventura e deliciosa pitada dupla de romance da trama juvenil (já que Soluço e Astrid, embora não admitam, estão mais comprometidos que nunca) no decorrer da narrativa. Assisti ao trailer após escrever as minhas considerações e, infelizmente (?), o filme está todo resumido ali.

Como Treinar O Seu Dragão 3, assim como nos capítulos anteriores, além de não subestimar a inteligência do público (de qualquer idade), tampouco é moralista e sequer piegas. Seu roteiro é inteligente e direto na contemplação de assuntos que interessam no desenvolvimento do enredo e na credulidade dos personagens de um passado que, vez ou outra, evoca o (nosso) presente..., sem deixar de subliminarmente enfocar interessantes “curiosidades” num segundo plano.  Ainda que o foco seja Soluço e Banguela, há um bom espaço para outros personagens darem o ar da graça e da confusão.


Considerando as impressionantes sequências (em terra, no ar e nas profundezas do mar) tecnicamente irretocáveis (o que dizer da criativa e espalhafatosa dança de acasalamento de Banguela?); a cenografia de encher os olhos; as ótimas gags visuais e o bom humor (sem piadas escatológicas); os personagens (que envelheceram sem perder a personalidade) ricos em detalhes físicos e psicológicos, adoráveis até nas esquisitices; a trilha sonora que (felizmente!) mal se percebe..., Como Treinar O Seu Dragão 3 tem o que se espera de um entretenimento cinematográfico de qualidade para qualquer espectador. Uma obra magnífica que (sem jamais se dobrar ao moralismo e à pieguice vigente, em nenhum dos três capítulos!) fecha com capa de ouro esta formidável saga.


*Joba Tridente: O primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros vídeo-documentários fiz em 1990. O primeiro curta (Cortejo), em 35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003), de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba.

domingo, 6 de janeiro de 2019

Crítica: Assunto de Família



Assunto de Família
por Joba Tridente

A mim, nenhum filme de Hirokazu Kore-eda marcou tanto quanto a sua obra-prima Depois da Vida (1998)..., um filme Haiku que vi e revi diversas vezes. Talvez por isso me frustro ao tentar reencontrar esta mesma poética, que não me sai da memória, em outras produções. O mestre Kore-eda não se repete e continua poético em suas tramas que, por melhor que sejam, como por exemplo o Ninguém Pode Saber (2004), entre outros, ainda me deixam querendo algo mais que nem eu mesmo sei o que é, mas sei que não está ali, no que acabei de assistir, como o aclamado e premiado (Palma de Ouro, Cannes, 2018): Assunto de Família.

Com roteiro e direção de Hirokazu Kore-eda, o drama doméstico Assunto de Família (Manbiki kazoku, Japão, 2018) trata das amarras dos laços de família e ou laços familiares..., do que é e do que nos parece ser uma família harmoniosa e solidária em meio a recessão japonesa e o desejo de uma vida melhor, na periferia de Tóquio. Uma família ideal é aquela cientificamente desvelada pelo DNA ou aquela que socialmente condiz com a necessidade de cada integrante? Este é o questionamento que perpassa todo o melodrama agridoce que traz a Vovó (Kirin Hiki), como matriarca de uma família delituosa composta pelo casal Osamu (Lily Franky) e Nobuyo (Sakura Ando), a jovem Aki (Mayu Matsuoka), o garoto Shota (Kairi Jō) e a menina Yuri (Miyu Sasaki).


Todos nesta família de agregados (e mal remunerados) têm algum segredo pessoal que os une à margem de uma sociedade capitalista e consumista. Cada ponto, mais ou menos robusto de suas vidas baratas, borda um novo viés numa trama amoral que busca consenso sobre a rotina de seus atos ilegais: dificuldade financeira ou hábito? Assunto de Família não é uma metáfora, mas o retrato nu e cru de uma parcela da humanidade a cada dia mais descartável da sociedade capitalista global e capaz de qualquer coisa pela mera sensação de pertencimento social. Quando se trata de marginalizados, raros são os que chegam ao paraíso. Poucos o que conquistam o purgatório. A maioria se acomoda mesmo é no inferno das grandes cidades...

Melancólica, porém amorosa no registro de aconchego comum entre os excluídos que se atropelam sob marquises e viadutos ou se amontoam num casebre, a narrativa de Kore-eda não causa surpresa com a performance do elenco magnífico dando vida a personagens bem desenvolvidos e seus diálogos críveis..., mas com os detalhes que ajudam a espantar o incômodo do script em sequências significativas. Não há como ficar imune à cena em que Nobuyo e Yuri refletem concretamente sobre o que é dor e o que é amor, numa relação entre mãe e filha. Ou não compartilhar com aquela família um instante de felicidade suprema na ida à praia que iguala pobres e ricos... E o que dizer do comportamento japonês às refeições, tão diferente de 99% de filmes em que, mal se põe a mesa, os personagens abrem discussão, crianças são mandadas para seus quartos sem comer, comida é jogada fora etc?


Kore-eda não tem pressa para o seu Assunto de Família, que se move ao sabor das estações que distinguem, confundem e afloram sentimentos e de grandes silêncios que convidam à razão. Por conta dessa linguagem nipônica, a impressão é a de se assistir a uma longa saga em três capítulos que vão se embaralhando e cuja cartada final, por mais coerente que pareça com o desenrolar dos fatos (nem sempre muito claros) e a cultura local, pode deixar uma abertura de julgamento que não satisfaça a todos os espectadores. 

É um belo filme, sem dúvida..., e fica melhor quando se pensa nele após a sessão. Um drama doméstico e social que deve dizer muito a quem tem e ou a quem pensa em constituir uma família biológica e ou socioafetiva...


*Joba Tridente: O primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros vídeo-documentários fiz em 1990. O primeiro curta (Cortejo), em 35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003), de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba.

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...