Vice
por Joba Tridente
Ah, um vice!
Para que serve um vice qualquer coisa
se não para tapar buraco, quando e se um dia quem sabe talvez uma tragédia
“irreversível” o fizer necessário?
Certo? Há controvérsia! Principalmente se o vice
for a sombra da sombra presidencial à espera do sol do meio dia. Se não há mais
bobo no futebol, por que haveria na política? Ainda mais na política! Temos
exemplos no Brasil e em países da redondeza de vice-presidentes que, numa cochilada
do destino, acabaram ocupando a cadeira “maior” da nação. E outros que, se
fazendo de mosca morta, preferiram agir e se dar muito melhor na surdina. Como
nos faz crer o roteirista e diretor Adam
McKay (A Grande Aposta) com o seu
(um tanto híbrido) drama satírico Vice...,
que traz a cinebiografia estilizada do todo poderoso vice-presidente
norte-americano (2001/2009) Dick Cheney
(Christian Bale), também conhecido
como “o político mais secreto da história
americana”. Ou era...
Vice (Vice, EUA, 2018), se propõe a decifrar
as maquiavelhices de Dick Cheney,
para chegar ao poder e se manter, não invisível e descartável (como qualquer vice por aí), mas, (in)visível e temerosamente
determinado a influenciar a economia petrolífera e bélica norte-americana. Cheney, obviamente, preferia o cargo
máximo, mas, ao “inverter” o jogo dos gabinetes, aumentou as suas vantagens na
mesa de negociação e o lucro fácil com a “invisibilidade” vice-providencial,
digo, vice-presidencial. Uma tramoia (comum?) que requer habilidade de pescador e que leva o cidadão a
acreditar que os bastidores soturnos da política são iguais ou assemelhados em muitos
países, acima ou abaixo da Linha do Equador. Bem, nem todo peixe grande, que
morde a isca, morre pela boca. Mas é preciso um pescador esperto para mantê-lo nadando ao seu redor e preso ao anzol.
E Cheney sabia muito bem o que queria
pescar quando lançava a isca...
O enredo perspicaz vai de um passado inconsequente do
então jovem (sem rumo) Cheney, no Wyoming,
ao político-empresário (sempre emergente) em Washington, mestre (e senhor da
guerra) na arte da manipulação (inclusive digital). Embora diga bem mais ao
bipartidarismo mental, emocional e estomacal do norte-americano, que aos órgãos
de gente ajustada a outra nutrição, mundo afora, tem seus momentos de
universalidade.
McKay não poupa recursos cômicos (humor negro!) e
cênicos para apresentar a sua versão da ascensão de Dick Cheney e o papel daqueles que alvoroçaram ao seu redor, como
sua vigilante mulher Lynne (Amy Adams), o mentor Donald Rumsfeld (Steve Carell), o “presidente” George
W. Bush (Sam Rockwell), entre
outros..., numa maliciosa crônica política que, por vezes, é mais interessante
na forma que no conteúdo incômodo..., principalmente pelo excepcional uso de
elipses e de metalinguagem. A quebra da quarta parede dá um toque de intimidade
(ou intimidação!) e conivência numa história tão indiscreta (?) quanto
repugnante (!) e absurda. Outro ponto alto é o narrador misterioso (Jesse
Plemons), que, com seus comentários sarcásticos sobre o vice-presidente, aos
poucos vai sendo amarrado ao enredo, até se tornar imprescindível à trama...,
ou ao drama pessoal de Cheney. Mais
que a licença poética, há que se ressaltar tamanha liberdade de expressão.
Considerando o que disse acima e o que omiti, para
não constituir spoiler, gostei. Vice é imersivo e desconcertante ao ilustrar, com eficientes
pinceladas de humor cáustico, as mudanças (?) nos EUA e no mundo após o 11 de setembro de 2001, com as decisões
xenofóbicas dos reacionários Dick Cheney
e Donald Trump. O espectador vai rir (amarelo
ou gargalhar) das piadas ou gags
visuais..., mas que elas doem, quando cai a ficha, ah, doem. Afinal, um vice que é piada hoje, pode ser a autoridade máxima e perigosa amanhã...
Nota: Sempre
que tomo conhecimento desse tipo de história, lembro do personagem Iznogoud, criado em 1962 pelos geniais quadrinistas franceses René Goscinny e Jean Tabary. Iznogoud é um Grande Vizir, em Bagdá.
Mas, ambicioso e frustrado por ser o segundo (um vice) no comando, vive procurando um “jeitinho” de substituir o Califa Haroun El Passid. É dele o
inesquecível bordão: Quero ser Califa no
lugar do Califa!
*Joba Tridente: O
primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros
vídeo-documentários fiz em 1990. O primeiro curta (Cortejo), em 35mm,
realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e
coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e
divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro
tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder,
2003), de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba.