quinta-feira, 31 de julho de 2014

Luiz Renato Roble: Cinema em Curitiba


C I N E M A em C U R I T I B A
Luiz Renato Roble

Sempre gostei de cinema. Lembro que chorava porque queria ir ao Cine Marajó, para escutar o sino que tocava antes da sessão. Depois fugia do jardim da infância para ver desenho animado na televisão em casa. As fugas acabaram sendo formalizadas e então eu era devidamente acompanhado com segurança por uma servente do grupo escolar até a casa.

Foi muito emocionante minha primeira sessão de faroeste naquele mesmo Marajó. Foi Paulo, meu irmão quem me levou. Me senti mais que apenas um simples menino depois de assistir cowboys atirando uns nos outros. Uma vez simplesmente deixei de ir à aula no CEFET para assistir a um filme na Sessão da Tarde. É que Cine Paradiso, uma comédia deliciosa que já tinha assistido na Sessão Corujão, iria reprisar naquele dia. Em outra ocasião, convidei Raquel para matarmos as últimas aulas e irmos de micro-ônibus até ao Shopping Pinhais, que ficava quase no fim do mundo, pois queria que ela assistisse comigo A Noviça Rebelde. Deu certo.

Mais tarde, quando nos casamos, todas as músicas eram do filme. Cinemas, estivemos em todos. Condor, o meu preferido. Astor, o da sessão da meia noite. Rivoli, aquele das filas dos filmes de Walt Disney. Ópera, na frente do Avenida. Vitória, aquele muito grande. Scala, o virado do avesso. E o Plaza, aquele que tinha jardim na frente. Quando nos casamos, ganhamos uma TV velha P&B, com imagens fantasmagóricas e sem som. Para assistirmos o canal 12, o único que pegava, ligávamos o rádio FM, que na época, sintonizava canais de TV. A primeira TV O Km a cores, saiu através do consórcio.

Inesquecível, foi quando finalmente saiu o videocassete no consórcio. Que emoção! Eu dirigindo com aquela caixa do lado, não vendo a hora de chegar em casa. Antes, passei para me inscrever e locar minha primeira fita cassete: Excalibur. Com o passar do tempo a televisão foi aumentando e a quantidade de cabeças dos vídeos também.

Por pouco tempo, tudo muito moderno.

Veio o DVD, que logo foi substituído pelo Blue-Ray e que agora foi soterrado pelo Netflix. Mas quer saber, nada como ir ao cinema. Esses dias fomos numa sala VIP. Muito VIP mesmo. Preço VIP e tudo VIP. Nos sentimos os VIPs. Mas toda a vipaiada não se compara à emoção de deixar tudo lá fora e viajar nas asas da imaginação de um maluco contador de histórias.

Já não choro mais por causa do som do sino, mas confesso que ainda o desejo.


*
Luiz Renato Roble é Diretor de Criação na DATAMAKER DESIGN, em Curitiba-PR.

quarta-feira, 30 de julho de 2014

Crítica: Guardiões da Galáxia


Fui ver Guardiões da Galáxia sem saber exatamente o que esperar, já que não tinha referência alguma sobre os personagens, e, para a minha surpresa, fiquei embasbacado.

Guardiões da Galáxia,(Guardians of the Galaxy, EUA, 2014) dirigido por James Gunn, coautor do roteiro com Nicole Perlman, é daqueles filmes que te pegam logo no prólogo. Baseado em HQ de pouca fama da Marvel, tem uma trama simples (quase infantil), despretensiosa e (por isso) muito divertida. A impressão é a de que a adaptação irreverente, que passa a quilômetros do sci-fi cabeça e da seriedade de Capitão América 2 (2014), quer apenas que o espectador se divirta curtindo uma história com raro equilíbrio de humor, drama, ação, fantasia, aventura, num cenário de cair o queixo.


A grande viagem espacial começa em 1988, quando o garoto Peter Quill (Wyatt Oleff), com seu inseparável walkman na cintura, é sequestrado por ETs e reaparece uns vinte anos depois, vagando pelo espaço, na pista de uma misteriosa esfera prateada que ele logo descobre ser cobiçada por alienígenas como o vilão psicopata Ronan (Lee Pace), o tirano Thanos (Josh Brolin, não creditado), o comerciante O Colecionador (Benicio Del Toro), o seu sequestrador e “pai” adotivo Yondu (Michael Rooker). Está, então, aberta a temporada de caça ao simpático e saudosista ladrão galáctico Quill (Chris Pratt), autodenominado Senhor das Estrelas.

Na sua cola, por razões diferentes, além de bandidos alucinados, estão a verdejante rebelde Gamorra (Zoe Saldana) e os adoráveis caçadores de recompensa Rocket (dublado por Bradley Cooper), um irônico guaxinim geneticamente alterado, e a árvore humanoide (eu sou) Groot (dublada por Vin Diesel). Hora mais, hora menos, os quatro vão acabar se encontrando e, na companhia do grandalhão (sem meias palavras) Drax, O Destruidor (Dave Bautista), ver quem acende a bucha, quem se queima e quem apaga o fogo de um universo pequeno demais pra tanto usurpador.


São tantos os adjetivos de Guardiões da Galáxia que é complicado escrever sobre ele, sem soar redundante. Pra começar, não me lembro da última vez em que vi (se é que já vi!) tamanha ousadia (burlesca) com personagens do universo marveliano e engenhosidade em sequências de dar inveja a MacGyver (com suas fugas mirabolantes). O enredo alegre, cheio de surpresas (e maravilhas da tecnologia CGI), não subestima a inteligência de ninguém, com a sua jovialidade. Não tem lição de moral, subtexto e sequer resvala numa jornada do herói. Também porque, a turma de (mercenários amadores) de Peter Quill, de herói, tem nada. É aí que está o charme da história que se passa num lugar qualquer do Universo, onde alienígenas comuns erram muito e acertam de vez em quando..., ou sempre que convém aos seus negócios futuros.

A caracterização de Quill, aos moldes de Han Solo e Indiana Jones, e o flerte mais descarado com Star Wars e Caçadores da Arca Perdida, não incomodam. Estão mais para reconhecimento (ou citação) do que para paródia. A empatia é automática, para os fãs dos dois aventureiros. Aliás, o serviço de caracterização (maquiagem) de todos os personagens é excelente O elenco encabeçado por Pratt é muito bom e parece se divertir com seus personagens desajustados e seus diálogos literalmente de outro mundo.


As cenas de ação (tipo game) são fascinantes. A teia de aeronaves douradas na batalha de Xandar é um espetáculo arrepiante. Mas, três ou quatro cenas lúdicas protagonizadas pela adorável árvore (eu sou) Groot estão muito além do fantástico. Elas são mágicas, surgem de repente, do nada, te viram de ponta cabeça e te dão um nó na garganta e desaparecem. A narrativa já está lá longe, maluquices pululando na tela, mas a beleza, a delicadeza daquelas imagens ainda persiste na sua retina. Invejável construção e edição de cenas.

Em mim ficou pelo menos três grandes momentos de (eu sou) Groot. Um deles, inclusive (o mais bonito?), me fez lembrar uma cena do clássico Frankenstein (1931), de James Whale..., que não vou citar para não induzir à mesma leitura. Mas qualquer cinéfilo vai reconhecer no ato. Não sei se foi pensada (homenagem) e ou se é o inconsciente do diretor e roteirista pregando peça. Veja bem, as cenas não são semelhantes, apenas a beleza e um gesto as une. E que gesto.


Enfim, considerando a eficácia da direção e o roteiro descompromissado; o nonsense, a trama bacana; os efeitos especiais inacreditáveis, dando forma a um Universo muito além da imaginação; cenografia e fotografia deslumbrantes; a saudável desconexão da trilha composta por rock-baladas de FM anos 70/80; a hilária homenagem a Kevin Bacon e ao Footloose (1984); a embalagem 3D (de profundidade) da melhor qualidade..., ara, se melhorar, estraga!

Ah, antes que me esqueça, pra não dizer que não falei da babel, o fato da língua universal das civilizações galácticas ser o inglês americano, segundo a filologia hollywoodiana, talvez não tenha a menor importância..., já que, além de facilitar a vida dos estadunidenses que odeiam legendas, essa questão já foi (?) plenamente explicada na excelente animação Planeta 51 (2010). E, também, os espectadores terráqueos não-americanos já se acostumaram. Todavia, que seria muito mais divertido se cada povo falasse uma língua diferente, não tenho a menor dúvida!

segunda-feira, 21 de julho de 2014

Crítica: Planeta dos Macacos - O Confronto


No Brasil, os dubladores, digo, tradutores de títulos de cinemas, adoram um subtítulo..., o que praticamente entrega (ou estraga) um filme. Planeta dos Macacos - O Confronto (Dawn of the Planet of the Apes, EUA, 2014) está mais para o “Alvorecer” (Dawn), do título original americano, do que do complemento “Confronto”, da adaptação brasileira. Não que falte confronto no filme dirigido por Matt Reeves, muito pelo contrário. Há conflitos em ebulição a cada fotograma e nos mais variados níveis de provocação implícita e ou explícita.

Porém, o “Alvorecer” (do título) está direcionado mais ao “o dia seguinte” à catástrofe (ao recomeço) do que a um “Confronto” iminente. Inclusive, a sequência inicial (ou prólogo) do Alvorecer do Planeta dos Macacos (Dawn of the Planet of the Apes) está bem próxima da sequência inicial (ou prólogo: The Dawn of Man) Alvorecer do Homem, do filme 2001: Uma Odisseia no Espaço, de Stanley Kubrick. É praticamente, sem nenhum demérito, uma visita ao clássico sci-fi. Tanto no filme de Kubrick quanto no de Reeves, os seres primitivos estão a um passo da cadeia evolutiva, descobrindo como usar armas e atacar furiosamente uma presa e ou um inimigo em potencial..., o que os colocará (quase?) no topo da cadeia alimentar. O que não quer dizer que o “Alvorecer” (assim como o “Entardecer”) não traga surpresas desagradáveis..., ou visitas indesejáveis para todos.


“Macaco não mata macaco.” é a regra máxima da nova comunidade de símios (gorilas, orangotangos, chimpanzés, bonobos) comandada por César (Andy Serkis), em seus primeiros passos rumo à (re)evolução da espécie. Um caminho que pode tanto aproximar quanto afastá-la da civilização humana.  Na verdade, dez anos após a dizimação de 90% de humanos, pela gripe simiesca (derivada de um vírus criado em laboratório para curar o Mal de Alzheimer) e conflitos entre nações, o que esses macacos mais querem é distância dos tais homens civilizados. Todavia, ainda que, para os humanos, uma regra como “Homem não mata homem.” jamais se aplicaria à matança por cor de pele, cultura, crença religiosa etc, há mais em comum entre as espécies do que supõe um teste de DNA.

Dez anos parece um tempo razoável para se enterrar um passado dolorido. O que os macacos viveram neste período, após a sua libertação dos laboratórios de pesquisa e zoológicos, é visível no semblante de cada um e no dia a dia da colônia, não é preciso de flashbacks. Quanto ao destino dos homens, é o que menos importa ao enorme bando totalmente adaptado à floresta de sequoias de Muir Woods. Ou era, até que a chegada de um grupo de humanos liderado por Malcolm (Jason Clarke), para reativar uma hidroelétrica em território símio, abre feridas em ambos os núcleos.


Neste desafiador drama de ficção, de um lado a diplomacia de Malcom e a intolerância de Carver (Kirk Acevedo), um homem que culpa os macacos pelo vírus..., e do outro, a diplomacia de Cesar e a intolerância de Koba (Toby Kebbell), um bonobo que não perdoa os humanos que o usaram como cobaia em experiências médicas. Cesar e Malcom vão precisar de muito mais que formalidades diplomáticas para acalmar os ânimos e evitar o pior. Uma trégua é bem-vinda para os dois grupos, resta saber quem dará o primeiro (bom ou mau) passo.

Planeta dos Macacos - O Confronto é tenso, perturbador. Reeves mostra-se mais uma vez seguro e ágil na direção. Evidentemente, numa produção de excelência como essa, a cenografia e os efeitos especiais não poderiam ser menores. Contudo, o seu maior trunfo (sofisticado e inteligente) é a comunicação entre os macacos, que mescla linguagem de sinais (que Cesar aprendeu no laboratório) com grunhido e inglês (tosco). O que nos leva às magníficas interpretações (em captura de performance) de Serkis (o compassivo e imponente César) e Kebbell (o apavorante e malicioso Koba). Aliás, Kebbell/Koba tem duas cenas antológicas, quando encontra homens armados numa velha base militar. Também se destacam Nick Thurston, na pele do adolescente Olhos Azuis, filho de Cesar, e Karin Konova, o orangotango conselheiro e mentor Maurice. Dois personagens quase silenciosos, mas de uma expressividade cativante.


Um espectador antenado com o os acontecimentos socioeconômicos no mundo e chegado a uma analogia entre a vida real e a fictícia, a partir do universo hollywoodiano, vai se sentir realizado com o pertinente roteiro escrito por Mark Bomback, em colaboração com Rick Jaffa e Amanda Silver, de O Planeta dos Macacos (2011). Os assuntos (que se acredita no subtexto) vão da posse e exploração estratégica de fonte de energia ao fim do imperialismo americano. Será?!

Enfim, quem não está nem aí para subtexto sócio-político, mas procura uma história convincente, com bom conteúdo e instigante reflexão, uma narrativa que não subestima e nem chateia o espectador, vai se sentir (também) muito gratificado.

NOTA: 
No Portal Motherboard você pode assistir ao impressionante documentário A Ilha dos Macacos, na Libéria (África) e a três curtas de uma série especial criada para sintonizar o espectador mais afoito ou distraído ao universo de O Planeta dos Macacos. As histórias se passam entre o primeiro e o décimo anos em que eclodiu o levante dos macacos e a dizimação da população pela “gripe símia”. Ou seja, entre O Planeta dos Macacos e o O Planeta dos Macacos - O Confronto. São eles: Spread of Simian Flu: Before the Dawn of the Apes (Year 1), com legenda em português, trata da propagação da gripe. O segundo, Struggling to Survive: Before the Dawn of the Apes (Year 5), com legenda em espanhol, fala da luta pela sobrevivência. O terceiro, Story of the Gun: Before the Dawn of the Apes (Year 10), com legenda em espanhol, é sobre uma arma que vai passando de mão em mão até que... Os curtas lembram A Estrada (2009), de John Hillcoat, mas é um trabalho muito bacana.

quarta-feira, 16 de julho de 2014

Crítica: O Melhor Lance


Em Autopsicografia, Fernando Pessoa escreveu: O poeta é um fingidor/ Finge tão completamente/ Que chega a fingir que é dor/ A dor que deveras sente. (...) E os que leem o que escreve,/ Na dor lida sentem bem,/ Não as duas que ele teve,/ Mas só a que eles não têm. (...) E assim nas calhas de roda/ Gira, a entreter a razão,/ Esse comboio de corda/ Que se chama coração.

Em um dado momento de O Melhor Lance (La Migliore Offerta, Itália, 2013), escrito e dirigido por Giuseppe Tornatore, um personagem diz: “Há sempre algo de autêntico escondido nas falsificações.” Acho que Pessoa gostaria dessa e de outras frases de impacto deste drama que envereda pelos meandros do mundo das artes (autênticas ou falsas) que movimenta milhões de euros.


A trama, com pincelada ocre de suspense e traço de romance em tom pastel-envelhecido, desenha a parábola de um famoso antiquário e leiloeiro, Virgil Oldman (Geoffrey Rush), que, ao aceitar avaliar um lote de objetos antigos, se vê diante de uma situação insólita envolvendo a herdeira Claire Ibbetson (Sylvia Hoeks) e uma engrenagem que, segundo o artífice Robert (Jim Sturgess), pode ser parte de um raro autômato construído pelo célebre inventor Jacques de Vaucanson (1709-1782). Em seu lucrativo ofício Oldman conta com a prestimosa colaboração do amigo Billy Whistler (Donald Sutherland) no favorecimento de alguns lances, mas não tem certeza se pode confiar a ele suas descobertas recentes. 

Tornatore trata com paixão a paixão que cega, que desestabiliza seus protagonistas na quentura do amor; na frieza da compra e felicidade da exposição de um quadro; no prazer da (re)criação de uma obra de arte. Seus personagens são palpáveis, são possíveis de figurar em qualquer catálogo, em qualquer mídia. Todavia, há que se ficar atento, pois, como se ouve nos bastidores da galeria, "As emoções são como obras de arte. Elas podem ser forjadas." Também porque, um lance de última hora pode não passar de um grande blefe no mercado das artes ou do amor.


O Melhor Lance tem roteiro instigante até mais ou menos o meio do filme. Depois, esticado além da conta (131 min!), parece se perder no próprio labirinto que criou. Um espectador mais atento talvez se frustre com o excesso (?) de pistas que tornam a narrativa e seu desfecho previsíveis. Posso estar enganado, mas a impressão é a de que essas pistas são intencionais (jogo de cena) e não um “ôps!” do diretor, já que também podem (?) passar batidas (o que duvido!) e as viravoltas realmente soarem espetaculares no clima (thriller-romântico) previsto para o grande público. Porém, se elas são intencionais, por que o suspense? Por que o (melo)drama? Por que a farsa? Essa resposta cada um vai ter que encontrar por conta própria. A minha seria considerada spoiler

Considerando que a narrativa é irregular, mas envolvente; que o ótimo elenco internacional dá conta do recado; que a excelência da produção (fotografia, direção de arte) proporciona uma fascinante viagem pelo universo de rostos femininos em belíssimas pinturas; que a cena final do epílogo é maravilhosa em sua engenhosidade e metáfora ou subtexto; que o script me fez lembrar Fernando Pessoa, na solidão requintada do frio Virgil Oldman e suas idiossincrasias..., acho que o espectador apaixonado por obras de arte, leilões, autômatos, se arriscar um lance, pode gostar da obra.

quinta-feira, 10 de julho de 2014

Crítica: Amor Fora da Lei


Uma história de amor bandido, quando bem contada, sempre pode render um bom filme, como Bonnie and Clyde (1967) de Arthur Penn ou Terra de Ninguém (1973), de Terrence Malick.

Amor Fora da Lei (Ain't Them Bodies Saints, EUA, 2013), com roteiro e direção de David Lowery, é um drama policial que se passa num lugarejo qualquer no Texas, na década de 1970, envolvendo um apaixonado casal fora da lei. Ali, após um assalto, os marginais Bob Muldoon (Casey Affleck) e Ruth Guthrie (Rooney Mara) enfrentam a polícia. Um policial, Patrick Wheeler (Ben Foster), é ferido e a dupla é presa. Bob pega 25 anos de cadeia. Ruth, grávida, tem o seu bebê em liberdade e é amparada pelo enigmático comerciante Skerrit (Keith Carradine). Quatro anos depois Bob foge da prisão. 

Fim do breve prólogo e o começo de uma misteriosa saga de caça e rato, onde personagens ambíguos, temendo a própria sombra, parecem saber de tudo, uns dos outros, e ter certeza de nada, sobre si mesmos.


Amor Fora da Lei é uma produção independente, portanto, com maior liberdade para ousadias técnicas e de conteúdo pouco usuais em Hollywood. Com excelente elenco e personagens interessantes, críveis, numa trama tão melancólica quanto intensa, onde a violência é apenas um detalhe, Lowery surpreende com uma história envolvente sobre outsiders. Também é apenas um detalhe a data e o lugar do conto policial, já que há marginalizados (amantes ou não) em qualquer época e lugar do mundo. Talvez nem tão passionais, mas há! 

É prazeroso ver um filme em que coisa alguma soa gratuita. Enredo sombrio, introspectivo, meio assim como a vida é. Protagonistas carentes de um mero afago. Tensão constante de um amor desesperado e ou frustrado. Detalhes valorizados pela edição primorosa em cada diálogo minimalista, cuja agressividade rasgante se funde a uma doçura agreste; em cada acorde da curiosa música de Daniel Hart, cuja percussão palmeia mais que o ritmo da prisão ou da liberdade de Bob e Ruth; em cada bela imagem da sugestiva fotografia de Bradford Young...

Amor Fora da Lei tem a cadência luminosa do bonito Dias de Paraíso (1978), de Terrence Malick, o mal-estar de Inverno da Alma (2010), de Debra Granik,  e um clima de balada country rock. Uma balada triste, é verdade, mas fascinante em sua pungência.

sexta-feira, 4 de julho de 2014

Crítica: O Espelho


Não sou muito fã de filmes de terror, mas sempre acabo vendo algum. Nos últimos anos, o único que realmente me deu calafrios foi o primeiro Atividade Paranormal (2009).  Outras produções que arrisquei me pareceram apenas cumprir cota, já que susto mesmo só com o altíssimo volume da trilha barulhosa. E olha, lá!

Nesse tipo de produção, a variedade de objetos que serve de “portão”, liberando geral o ir e vir de espíritos malignos em uma casa, geralmente isolada, parece não ter fim na imaginação dos autores: televisão, brinquedo, instrumento musical, relógio, corrente, telefone, pintura, livro, guarda-roupa, espelho... Mesmo assim, um ou outro utensílio doméstico sempre acaba se repetindo em uma história que parece (só parece) outra.

O Espelho (Oculus, EUA, 2013), terror dirigido por Mike Flanagan, é considerado uma versão estendida do seu premiado curta Oculus: Chapter 3 - The Man with the Plan (2006). O roteiro, desenvolvido em parceria com Jeff Howard, busca originalidade em um gênero que não consegue se renovar mesmo se apropriando do gore asiático. E, verdade não seja escondida embaixo do tapete, ele quase chega lá. O quase é por conta da expectativa e do horror (mais) psicológico que não chega a magnetizar, mas (alívio!) ao menos acaba preservando nossos tímpanos das ensurdecedoras “trilhas”.


Na trama, a história de uma família dilacerada, no ponto de vista de dois irmãos, Tim (Brenton Thwaites) e Kaylie (Karen Gillan) que, adultos, retornam à velha casa em que viveram, por poucas semanas, para provar que o responsável pela violenta morte dos seus pais, Alan (Rory Cochrane) e Marie (Katee Sackhoff), há dez anos, é algo maligno que habita um espelho secular e não o então o garoto Tim (Garrett Ryan). O jovem foi internado em um hospital psiquiátrico e a adolescente Kaylie (Annalise Basso) foi adotada. O que Tim levou uma década de análise para esquecer, a garota quer fazê-lo reviver, só para comprovar a sua tese de que o antigo espelho, com detalhes sinistros na parte superior da moldura, é um assassino em potencial que mata sem refletir. Ou seria mata quem nele refletir?

Pela sinopse, não deixa de ser uma história de vingança (e justiça?), com toques de masoquismo. Uma guerra (sem nexo) entre seres animados e seres (?) reanimados que nem mesmo a Alice (aquela, de Lewis Carroll, através do espelho) sabe de onde vieram e porque tanta insanidade: Oh, espelho, espelho meu, diga o quê, no meu reflexo, te aborreceu?! Tem muita gente que acredita que os olhos são o espelho da alma e através deles é possível conhecer uma pessoa. Ah, não confundir com iridologia.

Ainda que viajando no colírio, em O Espelho - Esboço de uma nova teoria da alma humana, conto fantástico de Machado de Assis, publicado em Papéis Avulsos (1882), o mestre fala da dualidade da alma (interna e externa): “Cada criatura humana traz duas almas consigo: uma que olha de dentro para fora, outra que olha de fora para dentro... (...) as duas completam o homem, que é, metafisicamente falando, uma laranja. Quem perde uma das metades, perde naturalmente metade da existência; e casos há, não raros, em que a perda da alma exterior implica a da existência inteira. (...) Agora, é preciso saber que a alma exterior não é sempre a mesma.” (...) Olhei e recuei. O próprio vidro parecia conjurado com o resto do universo; não me estampou a figura nítida e inteira, mas vaga, esfumada, difusa, sombra de sombra.” Ôps! Se quiser conhecer o final dessa filosófica história, leia, na íntegra, o fascinante conto lá no Falas ao Acaso, clicando aqui em O Espelho.


Bem, desembaçada a vista e de volta ao O Espelho hollywoodiano, para quem gosta de perseguir metáforas cinematográficas, não vai ser difícil encontrar no “subtexto”, entre um diálogo e outro, insinuações de que o desejo de ostentação de Alan, na compra e exposição do ostensivo espelho, em razão do seu sucesso como programador de softwares, pode ser a causa da maldição do lar doce lar. Ou será premiação, já que no “interior” dele parece haver um “bom” espaço para os “maus” súcubos e íncubos? Eu, hein! E o que a mulher e os filhos têm a ver com isso? Seria o Espelho um Deus Reflexivo das Vaidades que pune os incrédulos e ambiciosos, fazendo aflorar o reflexo oculto de cada um e seus desejos inconfessáveis?  Cadê as minhas lentes de contato? Ah, esqueci, eu não uso lentes de contato.

O Espelho é um filme de horror, digamos, atípico. Está mais próximo ao horror sugestivo que explicito. Ou seja, em vez do susto a todo momento de sonolência da plateia, opta pelo suspense. Ele prepara o espectador cena a cena para um desfecho que pode ser tão assustador quanto previsível. Já que a intenção e a intensidade do medo podem ser decifradas seguindo a musiquinha tradicional e muito mais light que as do gênero. O AI! e o AH! ficam por conta do envolvimento emocional de cada espectador com a credulidade do drama de horror, econômico também na sanguinolência.


Para mim, que vejo quase nada de terror, O Espelho me pareceu arrastado e, no final, confuso e previsível. No entanto, sou obrigado a reconhecer que se destaca onde muitos falham: direção e edição de cena e fotografia. A edição é primorosa ao colocar (!) espetacularmente duas histórias de épocas distintas no mesmo plano e ao mesmo tempo: imagem e reflexo dialogando com o passado e com o presente. É fascinante essa inter-relação espaço-tempo. Há uma breve sequência (talvez a melhor!), inclusive, que remete a obra de M. C. Escher. O trunfo da fotografia de Michael Fimognari é a exploração de ângulos desconcertante, principalmente no primeiro ato. O que, de certa forma, favorece o ótimo elenco (gostei de Annalise Basso) e compensa a caracterização medíocre dos “fantasmas”. Pena que o roteiro tenha tropeçado e ficado preso no entretempo do quase!

Em tempo: Oculus pode ser “traduzido” do latim como olhos, óculos, abertura circular.

quinta-feira, 3 de julho de 2014

Crítica: Não Aceitamos Devolução


Sabe aquele cartaz feioso de cinema que você olha e pensa: cara, eu não vejo esse filme nem de graça! Assim é o pôster de Não Aceitamos Devoluções, bem ao estilo das recentes comédias debiloidemente escatológicas americanas. Então, de repente, você começa a ouvir e ou ler que o filme é mexicano. Não é comédia americana? Ôpa!!! E que, mesmo sendo mexicano e exibido com legenda (que o estadunidense odeia!) é considerado o filme mexicano de maior sucesso nos EUA. Será que vale uma olhadinha?

Não Aceitamos Devolução (No se Aceptan Devoluciones, México, 2013), que chega ao Brasil, praticamente um ano depois do seu lançamento, é uma comédia meio nonsense, meio pastelão, meio cartum..., com pitadas de drama. Protagonizado e dirigido por Eugenio Derbez, também co-roteirista e co-produtor, a trama traz a “absurda” história do mulherengo incorrigível Valentin (Derbez), que vive em Acapulco e, numa bela manhã, recebe a visita de uma ex-namorada americana, Julie (Jessica Lindsey), que lhe entrega um bebê, dizendo ser sua filha, pega um taxi e desaparece. Louco para se livrar do “presente de grego”, o bon-vivant Valentin decide ir a Los Angeles devolver a criança. Lá, em vez da ex, acaba encontrando um trabalho de dublê de cinema. Após seis anos Julie reaparece, saudosa da filha Maggie (Loreto Peralta, excelente) que abandonou.


Não Aceitamos Devolução pode não ter um roteiro dos mais originais, mas Derbez consegue a façanha de conduzi-lo de forma encantadora. Há uma ou outra patinagem, é verdade, mas nada que comprometa a narrativa que, se erra a mão na edição de gags, acerta em cheio na passagem do tempo. A apropriação inteligente de muitos clichês (étnicos) hollywoodianos dá um charme especial ao filme, afinal, a Hollywood o que é de Hollywood! Não faltam assuntos como resistência à “língua universal” inglesa; conceitos e pré-conceitos na pauta do dia a dia estadunidense e mexicano; imigração; paródia ao cinema (blockbusters e knockbuster) americano e ou (dramalhão) mexicano; contos de fadas na cidade dos sonhos; metalinguagem...

Por falar em linguagem, há um filme dentro filme, ou melhor, uma animação dentro filme que é a coisa mais linda do mundo (lúdico em que vivem - ou pensam viver - pai e filha). Uma bem-vinda ruptura entre o “mundo real” e os “contos de fadas”, ou vice-versa, e um dos dois momentos mais emocionantes da trama que não dispensa viravoltas. Ao menos uma, a mim, é o que justifica toda a narrativa (do prólogo ao epílogo).


Não Aceitamos Devolução é uma comédia de costumes bem acima da média das recentes produções americanas e brasileiras. Algumas piadas são impagáveis, como as relacionadas à língua inglesa (a primeira delas, sobre o bebê, é um achado!) e ao cinema, principalmente sobre o trabalho de dublê (o mais “perigoso do mundo”) em filmes diversos. Parece que parte da crítica estadunidense e tupiniquim não entendeu a paródia às produtoras (Asylum, Brightspark) de mockbusters, aqueles filmes que parecem, mas (por uma letra) não são os originais.

Enfim, considerando a raridade de se ver um filme (comédia!) mexicano lançado (mesmo com atraso!) no Brasil; que a química entre os dois protagonistas é fantástica; que Derbez está muito bem, mas que quem rouba a maioria das cenas é a graciosa Peralta; que a animação (entrecenas) é arrebatadora; que o enredo opta por atalhos (inesperados) sem a menor preocupação (ou consideração!) com a bíblia cinematográfica hollywoodiana que padroniza o gênero (acostumando mal muitos críticos)..., vale o preço do ingresso, mesmo!

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