domingo, 29 de novembro de 2009

Crítica: 2012



Partindo da premissa que o povo norte-americano é o povo escolhido e que, em se tratando de catástrofe, somente um único cientista norte-americano é capaz de detectar qualquer tragédia e também encontrar a solução, em meio a problemas familiares e a manutenção da ordem democrática dos (e nos) EUA e no resto do mundo que sobrar em pé, o alemão Roland Emmerich vai dando asas à sua imaginação e, à custa de milhões de dólares americanos, realizando os filmes trash mais caros do mundo: Independence Day de1996 (“releitura” de A Guerra dos Mundos, de George Wells (sem dar créditos), em que destrói os ET’s infectando os sistemas de defesa da nave-mãe com um vírus de computador); Godzilla de 1998 (“releitura” do adorável lagartão japonês, que deixa os cenários de papelão, após testes nucleares, e parte pra aterrorizar Nova York, que é muito mais aterrorizada pelo exército que não poupa nem as propriedades da Disney); O Dia depois de Amanhã (um desequilíbrio ecológico congela a Terra, deixando sobrevivente presos na New York Public Library, e ali, pra se aquecerem, em vez das estantes, cadeiras e mesas de madeira, eles queimam os livros – menos a Bíblia).  As ações de seus filmes geralmente começam, passam ou terminam em Nova York e invariavelmente destroem Los Angeles.  E se preciso for, os “mocinhos xerifes do mundo”, invadem um país de 3º ou 4º mundo. Em O Dia Depois de Amanhã, invadiram o México e em 2012 vão atracar na África.


O espectador pode até xingar ao final da sessão, dizer que foi roubado e que o filme é horrível..., mas um tempo depois, ao se lembrar dele, vai achar graça da idiotice que acabou de assistir. Os filmes de Roland Emmerich estão aquém de qualquer crítica, já que são deliciosas bobagens sem pé nem cabeça ou vice-versa. Não foram feitos (e nem tem como) pra serem levados a sério (a não ser por ele). A profundidade de cada um é o de um pires raso. Quem o assiste, só pode esperar diversão desvairada, voluntária ou não. É puro trash. Vai contra os princípios filosóficos do filme trash, mas é trash. É uma grande caricatura, repleta de canastrões, diálogos inócuos, clichês atrás de clichês e muitos efeitos especiais bacanas e, por isso (tirando o alto custo) trash. Por todo o seu passado cinematográfico é claro que 2012 não podia fugir à regra trash super kitsch. Tem espectador que se satisfaz apenas com os trailers, onde passam só as melhores partes (as dos efeitos especiais). Aqui não é diferente, se fosse cortada uma hora de filme ninguém iria perceber.


Para Emmerich, é Deus no céu, o Império Norte-Americano na Terra e um cachorro a salvo e feliz no seio de alguma família norte-americana. Pra quem não presta muita atenção na variação sobre o mesmo “conteúdo” catastrófico das suas produções, vale lembrar que (assim como Spielberg) os seus protagonistas estão sempre em conflito com a família: pais que não compreendem filhos que não compreendem pais que não compreendem mães..., por aí, mas, que no final, todos se redimem. Que lindo! Não importa quão sofisticado (estudado) ou humilde (ignorante) seja o “sujeito” do seu filme (onde mulher é sempre mera coadjuvante) ele será inevitavelmente um homem de caráter, profissional cheio de habilidades. Em 2012, Jackson Curtis (John Cusack) é um escritor e dublê de motorista de limusine (ou vice-versa) pra uma família russa (com cara de comedora de criancinha), enquanto Gordon (Thomas McCarthy), atual marido de sua ex-esposa (por enquanto), é cirurgião plástico e, por força das circunstâncias, se torna um exímio piloto de avião (mais ou menos nessa ordem). Aí, ao dirigir uma limusine ou pilotar um avião (enquanto o mundo desmorona atrás deles), serão os responsáveis pelas melhores e mais divertidas sequências. E assim, entre um efeito especial aqui e a sua repetição ali, entre um clichê aqui e mais dois ali, entre um presidente americano negro, Wilson (Danny Glover) e um cientista negro, Adrian Helmsley (Chiwetel Ejiofor), politicamente corretíssimos acolá, o mundo em 2012 acaba onde (dizem) começou, na África, agora com a forma do crânio de Lucy (aquele fóssil e elo perdido). Uau! Que fofo!  Que gênio!


2012 é sem dúvida um filme de efeitos (e bota efeitos nisso). Roland Emmerich é como a Enterprise do Capitão Kirk: “vai onde nenhum homem jamais esteve”, pena que ele se leve tão a sério na realização catastrófica de seus filmes-catástrofes. Ah, vale lembrar aos religiosos e ufanistas de plantão que a alardeada cena de destruição do Cristo Redentor, no Rio de Janeiro, dura pouco mais que uma piscadela, mal se vê. Portanto, se for ao cinema, por isso, fique atento. E se quiser saber um pouco mais sobre a tal Profecia/Calendário Maia, pesquise antes, porque o filme mal toca no assunto.  Já que até a Cultura Maia vai terra abaixo, em 2012, por que perder tempo com explicações tão banais, não é?!

Bom, e se por um acaso o mundo não acabar em 20 de 12 de 2012, ele ainda tem outra chance em 2112, que é uma data muito mais cabalista: 21 de 12 de 2112..., redondinho tanto na ida quanto na volta. Quem viver, verá!

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Crítica: Julie e Julia


Julie e Julia
o prazer de comer e de amar

Penso que Deus deve ter sido um artista brincalhão para inventar coisas tão incríveis para se comer. Penso mais: que ele foi gracioso. Deu-nos as coisas incompletas, cruas. Deixou-nos o prazer de inventar a culinária.”, diz o mestre Rubem Alves, em Festa de Babete, artigo escrito para o Correio Popular de Campinas (SP).

Maravilhoso! É o mínimo que se pode dizer de Julie e Julia (Julie & Julia, EUA, 2009), filme escrito e dirigido por Nora Ephron e estreladíssimo por Meryl Streep e Amy Adams. O cinema já serviu de veículo pra muito deleite gastronômico. Um dos filmes mais famosos é o magistral dinamarquês A Festa de Babete (Babettes Gaestebud/1987), dirigido por Gabriel Axel, e um dos mais divertidos é a animação Ratatouille (Ratatouille, EUA/2007) dirigida por Brad Bird. Mas Julia e Julie tem um sabor diferente, que não está apenas na comida.

Julia e Julie são dois filmes em um. Duas histórias ligadas por uma terceira. A de Julia Child é baseada no livro My Life in France, a de Julie Powell é baseada no livro Julie & Julia e o ponto de liga é o livro Mastering the Art of French Cooking (Dominando a Arte da Cozinha Francesa), de Julia Child, Simone Beck e Louisette Bertholle. Complicado? Que nada, é muito divertido.

A história da norte-americana Julia Child (Meryl Streep) começa em 1948, quando se muda com o marido Paul Child (Stanley Tucci), que é adido cultural da embaixada americana, para Paris, na França. Ali ela descobre as delícias da cozinha francesa e, não satisfeita em degustar, resolve aprender a cozinhar, sendo a primeira americana a cursar a famosa escola de gastronomia francesa, Le Cordon Bleu. Num tempo em que a mulher era praticamente apenas dona de casa e geradora de filhos, Julia (que não podia ter filhos) queria ir além, tentou vários cursos para preencher o seu tempo até se decidir pela culinária, sempre apoiada pelo apaixonado marido Paul.

A história de Julie Powell (Amy Adams) começa em 2002, logo depois de se mudar do Brooklin para o Queens, nos EUA. Ela está com quase 30 anos, trabalha numa repartição pública, mais para ocupar o tempo do que por prazer, enquanto suas “amigas” são grandes executivas. Decidida a dar um rumo melhor à sua vida, por sugestão do apaixonado marido Eric Powell (Chris Messina), ela cria o blog Julie/Julia Project em que desafia a si mesma a cozinhar, em um ano, as 524 receitas do livro Mastering the Art of French Cooking, e dividir a deliciosa e nem sempre fácil experiência com os leitores.

As histórias de Julia (de época) e Julie (contemporânea) correm paralelas, apesar da distância de 50 anos, movidas pela paixão culinária e pelo companheirismo. Cada uma a seu tempo e, às vezes espelho, aguçam a curiosidade do espectador que se diverte com as aventuras culinárias de Julia (na França) e torce por Julie (no Queens) na sua cozinha mínima onde mal cabem um fogão, uma pia e uma geladeira. O excelente roteiro, que casa perfeitamente as histórias, com um texto espontâneo e tiradas inteligentes, não privilegia atores, mas é impossível ignorar uma Meryl (de 1,70m) no corpo de Julia Child (de 1,90m) ou o mesmo o competente Stanley Tucci. Mas se Streep se agiganta ao incorporar uma típica norte-americana cheia de vida, garra, espalhafatosamente contida, amigável, feliz, com a competência de sempre e mais um pouco, Amy Adams também se sai bem ao dar uma cara jovial e verossímil à sua empreendedora Julie Powell.

Julia e Julie fala do prazer de uma boa mesa e também do prazer de uma boa cama, de uma boa companhia, de uma boa cultura e principalmente da busca e realização pessoal. Toca em questões políticas e sociais do pós-guerra (na Europa) e pós-atentados (nos EUA), sem ser maçante ou perder o foco do assunto-tema. É escrito, dirigido e protagonizado por mulheres, mas não é algo “de mulher pra mulher”, ou um filminho feminininho e bobinho de amores impossíveis com final feliz. Julia e Julie é pra todos os sexos que apreciam um bom cardápio e uma ótima comédia sem escorregões, trombadas e piadas escatológicas. Com belas locações na França e em estúdios dos EUA, é um filme pra homem nenhum botar defeito, principalmente os que adoram cozinhar. Ah, é recomendável fazer um lanche antes da sessão, pra não ficar com fome durante a projeção.

Crítica: O Solista


por Joba Tridente

Pode se dizer que O Solista (The Soloist, EUA, 2009) é um filme sobre a descontinuidade da música e o conserto da vida através da prosa, no dia-a-dia de um instrumentista de rua e de um jornalista de cidade.

Baseado em fatos reais, com pitadas de ficção, O Solista é dirigido com acertos (e vacilos) pelo inglês Joe Wright (dos magníficos Desejo e Reparação e Orgulho e Preconceito), com inspiradas interpretações de Jamie Foxx e Robert Downey Jr. Tem excelente trilha sonora e primorosa fotografia. Um filme tocante, sem dúvida, mas pouco original. O que não é de se estranhar em se tratando de Hollywood. Pra ficar apenas com um similar, temos o belo Shine – Brilhante, filme australiano dirigido por Scott Hicks e que deu o Oscar a Geoffrey Rush, em 1996. Shine é inspirado na vida do pianista australiano David Helfgoot (Geoffrey Rush) que é aceito, ainda criança, numa academia de música de Londres e começa sofrer forte cobrança de seu perfeccionista pai, levando-o a um desequilíbrio mental que deixou sequelas por toda a sua vida.

O Solista fala do relacionamento entre Nathaniel Anthony Ayers Jr (Jamie Foxx), um músico esquizofrênico, que vive nas ruas, e o jornalista Steve Lopez (Robert Downey Jr), que escreve sobre assuntos cotidianos para o Los Angeles Time. A amizade deles começa casualmente, quando Lopez encontra/ouve Nathaniel Ayers, um sem-teto afro-americano, tocando um violino com apenas duas cordas. Curioso e certo de ter uma excelente pauta nas mãos, o jornalista corre atrás de informações sobre o mendigo-músico que abandonou a Julliard School, uma das mais prestigiadas escolas de arte de Nova York. A convivência dará um novo rumo à vida de ambos. Será, talvez, mais profícua para Steve Lopez que, com o sucesso de suas matérias sobre o artista, publicará um livro: The Soloist: A Lost Dream, an Unlikely Friendship, and the Redemptive Power of Music (base do filme). A Nathaniel Ayers, o músico perdido num ponto de fuga inalcançável de sua memória, vivendo tão somente pelo prazer de tocar Beethoven, em praças, ruas túneis, restará um futuro incerto.

O Solista tem todos os ingredientes para ser um grande filme, mas acaba ficando pelo meio do caminho. Quer ser ficção leve, mas flerta com o documentário e com o neorrealismo. Não se basta com a empolgante história do músico, que prefere a rua aos teatros, vai ao inferno americano conhecido como Skid Row, onde se encontra a população dos excluídos sociais (alguns até fizeram figuração), em busca de respostas (?) para a desconexão de Nathaniel. Abordar outros assuntos, mesmo com um ponto em comum, acaba esvaziando o tema central, e até dando foco a situações irrelevantes, “criando” um passado (diferente do real) para o jornalista. Ao falar dos excluídos norte-americanos, da solidão das grandes cidades e da própria invisibilidade do cidadão (sem-teto ou não), que só ganha forma a olhos sensíveis que varam a poluição de gente-coisa, de cidade-coisa, de cultura-coisa, ele apenas cumpre a função de entretenimento sócio-informativo. Excessivamente dramático e chegando a beirar o superficial, alternando entre o sublime e o piegas (talvez por isso), é capaz de levar às lágrimas os expectadores mais emotivos. Assim como deixar em estado de êxtase os apreciadores da música clássica.

O Solista tem um roteiro equivocado, mas ótima interação entre Foxx e Downey Jr. Poderia ser um filme bem melhor, se a direção inglesa não fosse tão americana. Com um pouco mais de empenho, Wright poderia ter dado uma boa enxugada, mandando a indefectível "piada" do banheiro pro ralo que a carregue e também nos poupando da constrangedora “homenagem” ao animado musical Fantasia, de Walt Disney. Será que faltou mão ou inspiração de época?

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Crítica: Arnold


por Joba Tridente

Confesso que não morro de amores por seriados “cômicos” americanos com seu “humor” escatológico, cheio de trombadas e escorregões e falas idiotas (ou as americanalhices “nacionais”). Não importa se protagonizados por brancos, pretos ou mix pb, acho tudo uma chatura só. Talvez porque sejam dublados (odeio dublagem) e as traduções do tal “humor” (americano demais pro meu gosto) fiquem a desejar. Ou ficavam.

Recentemente, por mero acaso, conheci Arnold (Diff’erent Strokes, EUA-1978 - 1986), uma antiga série norte-americana e que só agora é apresentada no Brasil, em canal aberto. A produção tem o seu foco numa família formada por um riquíssimo empresário branco, Philip Drummond (Conrad Bain), pai de uma adolescente, Kimberly (Dana Plato), que decide adotar os dois filhos negros da sua recém falecida governanta: Arnold (Gary Coleman), de 8 anos, e Willis (Todd Bridges), de 13 anos. Os garotos pobres saem praticamente do Inferno pro Paraíso, já que, de uma hora pra outra, deixam a vida difícil do Harlen pra viver confortavelmente numa cobertura em New York.

Trinta anos depois da sua criação o texto do seriado continua atual, ágil e eficiente ao tratar de temas como sexualidade, corrupção, preconceito, alimentação, racismo, educação, esporte, escravidão, trabalho, intolerância etc. Arnod tem um humor saudável, mesmo quando toca na ferida das diferenças. A Família Drummond insiste na tecla da felicidade, mas seus representantes, principalmente na pele de Arnold (com tiradas sensacionais) e Willis, sabem que uma mudança de casa ou um banho de loja não apaga o passado. Ao se defrontar com as suas tradições, Arnold, Willis, Kimberly, crescem e descobrem, no seu dia a dia, que o mundo não é exatamente como eles imaginam, mas que pode ser diferente se a mudança começar dentro de casa ou da sala de aula ou ainda numa quadra esportiva.

O ponto alto da série está em levantar questões diversas e encontrar respostas corretas para elas. Pena que esta visão intelectual (1970/1980), que mistura excelente diversão com educação e sociabilidade, dificilmente (pra não dizer nunca) voltará a fazer presença nas séries de TV nos EUA ou (muito menos) por aqui, onde prevalece o “humor” na base do quanto maior e pior a baixaria, melhor. Infelizmente, no cotidiano escolar, profissional, doméstico é muito mais fácil falar (sem mesmo saber o que é) do que praticar o Politicamente Correto. Hoje o mau gosto predomina não apenas (e principalmente) na TV, mas na cultura geral. Infância e adolescência podem até ser temas recorrentes, mas movidos a tolices comerciais e conteúdo zero.

Longe das intelectolices comuns nas séries do gênero, principalmente nas atuais (onde as crianças são bobas e erotizadas), Arnold, à moda antiga, ainda é garantia de diversão certa para toda a família. O personagem não é um adulto em miniatura, mas, como toda criança nessa idade, dependendo do assunto, louco pra ser. Arnold (que fala sério sobre os mais diversos assuntos e com muito bom humor) passa no SBT, de 2ª a 6ª, por volta das 19h00, por enquanto. Porque, todo mundo sabe que no SBT tudo pode acontecer e a série pode sair do ar de uma hora pra outra ou mudar de horário ou sei lá... Ah, vale lembrar que a série já tem várias comunidades brasileiras na Internet, com revelações sobre os atores e o que aconteceu com a carreira de cada um com o fim do seriado há mais de 20 anos.

domingo, 22 de novembro de 2009

Crítica: Mistéryos


Finalmente, depois do circuito dos grandes festivais de cinema e alguns prêmios, estréia Mistéryos, filme de Pedro Merege e Beto Carminatti, baseado na obra O Mez da Grippe e Outros Livros, do escritor Valêncio Xavier.

Mistéryos conta histórias realmente estranhas, surreais, carregadas de simbolismo, muito parecidas com aquelas publicadas em antigas revistas de Histórias em Quadrinhos, cheias de suspense e algum pavor, pinceladas com nanquim ou tracejada num clima noir. Conduzidas ou observadas por VX (cronista e pesquisador de coisas misteriosas e bizarras), três delas, protagonizadas com graça por Stephany Brito, se destacam: uma que fala do desaparecimento de Jucélia Santos, quando passeava no Trem Fantasma, num Parque de Diversões em Curitiba, no dia 19 de Julho de 1969, no instante em que o homem pisava na Lua; outra que busca desvendar a personalidade de um artista que, na época do cinema mudo, teria feito um filme erótico sobre a poeta Safo de Lesbos; e a terceira, onde nem tudo é o que parece ser quando o assunto é magia.

Mistéryos tem como pano de fundo as ruas de uma Curitiba mal iluminada (anos de 1960) por onde transita, de uma “lenda urbana” para outra, VX, um estranho viajante atemporal buscando reconstituir histórias absurdas a partir de fragmentos colhidos ao acaso. Histórias, historietas e vinhetas contadas, vividas ou sussurradas por ele levam o espectador a lugares esquisitos em busca do impossível: respostas para o inusitado. Talvez elas estejam lá, na pausa da fala, na entrelinha do monólogo de VX, solitário também em sua própria casa repleta de signos. Ali, na alegoria do real e do imaginário, os seus questionamentos o aproximam d’O mundo como vontade e representação (de Arthur Schopenhauer). Mas pode ser mera ilusão, provocada pelo lusco-fusco de três velas, suspensas no ar, confundindo os sentidos. Quando não se conhece a direção a seguir, uma luz tanto pode indicar a entrada como a saída da perdição em si mesmo.

Toda obra (literária, plástica, cinematográfica) está aberta a qualquer leitura, até mesmo àquela em que nem mesmo os seus realizadores pensaram..., ou uma contrária ao que quiseram dizer. Gostar ou não advém da compreensão da obra e Mistéryos não foge a isso. No princípio de todos os mistérios o filme parece rumar ao naufrágio, por conta da ousada linguagem pontuada por um grafismo marcante e uma trilha sonora incisiva. Mas esta impressão logo se dissipa com a presença de um Carlos Vereza inspirado, dando o tom exato ao seu curioso personagem VX e jogando por terra o menosprezo a um filme brasileiro, principalmente se feito no Paraná. Mistéryos é singular, busca e encontra originalidade e universalidade na tradução cinematográfica da literatura visual de Valêncio Xavier. Não é um filme de terror barato, como o cartaz horroroso (feio mesmo!) e nada convidativo sugere. Ele dialoga de uma forma diferente, com as coisas aparentemente comuns, mas não é banal. Assim como o livro, tem características curitibanas, mas não cai no clichê regional ou veste a camiseta de “cinema paranaense”. Mistéryos é cinema e ponto (ou seria e pronto?). Tem uma direção correta e um bom elenco (Carlos Vereza, Stephany Brito, Leonardo Miggiorin, Samir Halabi, Jayme Periard, Lala Schneider) além de contar com a excelência profissional de Alziro Barbosa, na fotografia, e de Fernando Severo, na montagem.

Mistéryos passa ao largo do bairrismo preconceituoso que define filmes conforme o lugar de realização (cinema carioca, cinema paulista) ou nome de seus diretores, como se “tradição” fosse sinônimo de qualidade. Mas enfrenta um problema comum à maioria dos cineastas brasileiros “de outros bairros”, que não têm grandes produtores com potencial de investimento em anúncios televisivos, radiofônicos ou mesmo em outdoor..., a distribuição para as salas de cinema. Chegar às salas não significa que vai arrebanhar um grande público, mas já é um grande passo.

domingo, 15 de novembro de 2009

Crítica: Hotel Atlântico


por Joba Tridente

Hotel Atlântico (Brasil, 2009), baseado em obra literária de João Gilberto Noll, é o mais recente filme de Suzana Amaral, diretora do belo e contagiante A Hora da Estrela (1985), baseado em obra de Clarice Linspector.

Como cinema é cinema e literatura é literatura, livro e filme raramente (e põe raro nisso) se casam. Hotel Atlântico, assim como o seu personagem/protagonista, é um ciclo vicioso de lugar algum para lugar nenhum. Não empolga e nem provoca o estranhamento prometido, já que logo depois da primeira morte, até mesmo quem não leu a obra de João Gilberto Noll, sabe o que vai acontecer. De morte em morte e de encontro em encontro não há mistério e nem surpresa. Tudo é previsível nessa história de um ator que viaja sem destino, ao sabor da estrada que o leva pra qualquer lugar em busca de algo (que só ele sabe) ou de nada (que só ele sabe).

Apesar dos incômodos problemas técnicos, alguns brabos de se ver (perna amputada/dobrada) e outros que passam batido, Hotel Atlântico tem boas atuações e uma fotografia interessante de José Roberto Eliezer. Não é um filme que fica na memória (como A Hora da Estrela), mas pode despertar algum interesse no cinéfilo que curte filmes (a lista é grande) com personagem enigmático (inconformado/outsider) e gosta de refletir sobre o que é ser e estar viajante pela vida.

domingo, 8 de novembro de 2009

Crítica: Fama


por Joba Tridente
Tem certos filmes (todos os bons) que não se deve mexer. Mas, como os produtores e diretores norte-americanos “não sabem disso”, vivem refazendo filmes que não deviam ser refeitos. Agora, infelizes como os tolos “musicais” escolares, bem ao gosto Tradição Família e Patrimônio Disney (movidos a inveja, dor de cotovelo, vingança, testosterona e algum talento discutível), foram ao fundo do baú zumbizar Fama, o filme clássico de Alan Parker, que é um grande painel sobre a importância da arte na vida das pessoas. Inesquecível! Assim, 29 anos depois, estréia nos cinemas um engodo intitulado de Fama (Fame, EUA, 2009), uma “releitura” do clássico ganhador de dois Oscar e que, nas mãos do desconhecido Kevin Tancharoen, virou um arremedo musical.

Ao contrário do Fama de Parker, que é uma ode às artes, esta cópia infame, que diz nada e acrescenta menos ainda à obra anterior, parece destinada a mofar nas prateleiras das lojas ou locadoras. Claustrofóbica e fora de sincronia, não fosse pelo uso de celular e de chatíssima música barulhenta (ao gosto pop/rap), diria que ela continua se passando nos anos 1980. Do prédio da escola aos professores, tudo tem cara de velho, decadente e mofado. Na primeira versão os professores também são velhos, mas eficientes. Demonstram conhecimento ao ensinar ou discutir com os alunos os percalços da vida de artista. Já os protagonistas da versão 2009 não convencem nem a si mesmos, com suas “interpretações” e seus bobos dramas familiares, ainda que mínimos. Pouco confiantes, parecem que vão ficar ali para sempre e não apenas por quatro anos. Os mais azarados, se tiverem sorte, poderão ser incorporados à mobília, como os professores.

É impossível não comparar a atualidade do belo filme de Alan Parker, que discute, com ironia e humor, questões sociais, raciais, sexuais, formação escolar, com o empenho amadorístico de Tancharoen, que apenas repete algumas cenas antigas, sem os elos fundamentais da história, numa produção rasteira e velha. Não basta mudar o sexo, a raça ou a predileção artística dos protagonistas, é preciso justificar e com bom argumento. O esquema “musical” é tão constrangedor que Megan Mullally (a Karen Walker do seriado Will & Grace), no papel de uma professora, ao “cantar” com sua nasalada voz de taquara rachada, bem ao gosto americano, é vista (por outros professores e alunos) como se fosse uma diva, um exemplo a ser seguido. Esta é possivelmente a melhor piada entre outras mediocridades sem graça.

Incapaz de qualquer ousadia do Fama de Alan Parker, em que a meta é o crescimento e o sucesso (pessoal e artístico) dentro e fora da escola, a “releitura” dá a impressão de que, quatro anos depois, os alunos que não estavam prontos para entrar, ainda não estão prontos para sair da New York City High School of Performing Arts. Ao ver as performances deles (com a mesma cara e “talento” do início) é difícil acreditar que tenham alguma chance no concorrido mercado de trabalho. Se valer o slogan do filme: Sonhe Alto! Conquiste Seu Lugar! Viva a Vida!, eles vão ter que procurar outra escola e os professores a aposentadoria. Ou migrar todo mundo para o Fama original.
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