sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Crítica: O Solista


por Joba Tridente

Pode se dizer que O Solista (The Soloist, EUA, 2009) é um filme sobre a descontinuidade da música e o conserto da vida através da prosa, no dia-a-dia de um instrumentista de rua e de um jornalista de cidade.

Baseado em fatos reais, com pitadas de ficção, O Solista é dirigido com acertos (e vacilos) pelo inglês Joe Wright (dos magníficos Desejo e Reparação e Orgulho e Preconceito), com inspiradas interpretações de Jamie Foxx e Robert Downey Jr. Tem excelente trilha sonora e primorosa fotografia. Um filme tocante, sem dúvida, mas pouco original. O que não é de se estranhar em se tratando de Hollywood. Pra ficar apenas com um similar, temos o belo Shine – Brilhante, filme australiano dirigido por Scott Hicks e que deu o Oscar a Geoffrey Rush, em 1996. Shine é inspirado na vida do pianista australiano David Helfgoot (Geoffrey Rush) que é aceito, ainda criança, numa academia de música de Londres e começa sofrer forte cobrança de seu perfeccionista pai, levando-o a um desequilíbrio mental que deixou sequelas por toda a sua vida.

O Solista fala do relacionamento entre Nathaniel Anthony Ayers Jr (Jamie Foxx), um músico esquizofrênico, que vive nas ruas, e o jornalista Steve Lopez (Robert Downey Jr), que escreve sobre assuntos cotidianos para o Los Angeles Time. A amizade deles começa casualmente, quando Lopez encontra/ouve Nathaniel Ayers, um sem-teto afro-americano, tocando um violino com apenas duas cordas. Curioso e certo de ter uma excelente pauta nas mãos, o jornalista corre atrás de informações sobre o mendigo-músico que abandonou a Julliard School, uma das mais prestigiadas escolas de arte de Nova York. A convivência dará um novo rumo à vida de ambos. Será, talvez, mais profícua para Steve Lopez que, com o sucesso de suas matérias sobre o artista, publicará um livro: The Soloist: A Lost Dream, an Unlikely Friendship, and the Redemptive Power of Music (base do filme). A Nathaniel Ayers, o músico perdido num ponto de fuga inalcançável de sua memória, vivendo tão somente pelo prazer de tocar Beethoven, em praças, ruas túneis, restará um futuro incerto.

O Solista tem todos os ingredientes para ser um grande filme, mas acaba ficando pelo meio do caminho. Quer ser ficção leve, mas flerta com o documentário e com o neorrealismo. Não se basta com a empolgante história do músico, que prefere a rua aos teatros, vai ao inferno americano conhecido como Skid Row, onde se encontra a população dos excluídos sociais (alguns até fizeram figuração), em busca de respostas (?) para a desconexão de Nathaniel. Abordar outros assuntos, mesmo com um ponto em comum, acaba esvaziando o tema central, e até dando foco a situações irrelevantes, “criando” um passado (diferente do real) para o jornalista. Ao falar dos excluídos norte-americanos, da solidão das grandes cidades e da própria invisibilidade do cidadão (sem-teto ou não), que só ganha forma a olhos sensíveis que varam a poluição de gente-coisa, de cidade-coisa, de cultura-coisa, ele apenas cumpre a função de entretenimento sócio-informativo. Excessivamente dramático e chegando a beirar o superficial, alternando entre o sublime e o piegas (talvez por isso), é capaz de levar às lágrimas os expectadores mais emotivos. Assim como deixar em estado de êxtase os apreciadores da música clássica.

O Solista tem um roteiro equivocado, mas ótima interação entre Foxx e Downey Jr. Poderia ser um filme bem melhor, se a direção inglesa não fosse tão americana. Com um pouco mais de empenho, Wright poderia ter dado uma boa enxugada, mandando a indefectível "piada" do banheiro pro ralo que a carregue e também nos poupando da constrangedora “homenagem” ao animado musical Fantasia, de Walt Disney. Será que faltou mão ou inspiração de época?

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