quinta-feira, 29 de maio de 2014

Crítica: Os Homens são de Marte...


Muita espectadora reclama que nos cinemas só tem filmes pra menino. O que é mais ou menos verdade, principalmente quando se trata de arrasa quarteirão. Talvez por isso uma empresa operadora de celular veiculou recentemente, na tv, um anúncio retratando uma mulher imbecil numa sala de cinema, Templo da 7ª Arte, lugar de grande entretenimento que ela não sabia existir e onde pisa pela primeira na vida, e na sua tolice loira acha que está na sala da sua casa brincando com o controle remoto etc. O reclame, que defende que o melhor lugar para se assistir a um filme é na televisão, é deplorável..., mas não parece ter incomodado a nenhum cineasta brasileiro, que sofre com as cotas de filmes nas salas de cinema, e muito menos às mulheres ridicularizadas com a ofensa etc etc etc.

Bem, deixando de lado a ignorância dos “publicitários”, no momento, as mulheres sonhadoras e casadouras não vão ter do que reclamar. Já está na salas de cinema (e não de casa!) o filme de autoajuda para solteiras, solteironas, separadas, desesperadas, encalhadas, que não conseguem e ou não suportam viver sem um homem pra chamar de seu...: Os Homens São de Marte... E é pra lá que vou! Baseada na peça homônima de Mônica Martelli, que ficou nove anos em cartaz e foi vista por cerca de dois milhões de espectadores, a “comédia” romântica tem tudo para agradar às mulheres.


Segundo a sinopse: Fernanda (Mônica Martelli), exemplo da mulher do terceiro milênio, é livre em suas escolhas, independente e com dificuldade de encontrar um amor. Ela se envolve com diferentes tipos de homens - do político sedutor ao hippie gringo. E a cada tentativa acredita ter encontrado o amor da sua vida. Ela se joga nas relações sem medo, vive intensamente cada encontro e é muito otimista: sempre acha que vai dar certo.

Provavelmente, por ser um filme tipo de mulher pra mulher, não tocará ao público masculino da mesma forma que ao feminino. Não porque os personagens (excetuando a protagonista) são todos mais rasos que um pires, é que a trama (além de arrastada!) não convence: mulher bonita, 39 anos, independente, agindo feito adolescente desesperada à cata de um homem (macho!) para sexo e casamento, não necessariamente na mesma ordem.

Os Homens São de Marte... É pra lá que eu vou! , dirigido por Marcus Baldini e Susana Garcia é uma filme com pretensões (femininas) românticas, porém, sem nenhum humor. A não ser que se ache a histrionice de sempre do ator Paulo Gustavo (Aníbal) engraçada. A impressão é a de que cada personagem tem (ou deveria ter) sua gag..., que não funciona porque falta interpretação. O elenco está ali, mas, empenho que é bom... Inclusive a co-protagonista (o que estou fazendo aqui) Daniele Valente, na pele da sonsa atriz Nathalie, amiga e confidente de Fernanda, parece perdida na história.


Entre um merchandising (ridículo!) patrocinador e outro espera-se que aconteça algo surpreendente, mas o que se vê é apenas o clichê, o óbvio, o previsível, a caricatura de homens, mulheres, gays etc. É história (mal costurada) demais, e com a sutileza de uma elefante numa loja de cristais, para um assunto tão curto. Não assisti ao monólogo no teatro, que dizem ser cativante, e acredito muito superior ao coletivo cinematográfico.

Sinopse e filme (apesar da referência e participação de Lulu Santos) parecem mais uma ilustração da balada (Um homem pra chamar de seu) Mesmo Que Seja Eu (1982), de Erasmo Carlos: Sei que você fez os seus castelos/ E sonhou ser salva do dragão/ Desilusão meu bem/ Quando acordou estava sem ninguém/ Sozinha no silêncio do seu quarto/ Procura a espada do seu salvador/ Que no sonho se desespera/ Jamais vai poder livrar você da fera/ Da solidão/ Com a força do meu canto/ Esquento o seu quarto pra secar seu pranto/ Aumenta o rádio me dê a mão/ Filosofia é poesia é o que dizia a minha vó/ Antes mal acompanhada do que só/ Você precisa de um homem pra chamar de seu/ Mesmo que esse homem seja eu. 

Considerando que, por conta da lerdeza narrativa, do seu ritmo claudicante, Os Homens São de Marte... está mais para caso especial (de tv) esticado além da conta, com os atores de sempre das novelas de sempre daquele canal de sempre que vem produzindo filmes chulos e ou inócuos para satisfação do público televisivo que quer ver a mesmice da televisão nos cinemas..., deve (re)encontrar o seu público de sempre.

quarta-feira, 28 de maio de 2014

Crítica: No Limite do Amanhã


Sempre que penso no efeito “dia da marmota”, lembro de um divertido episódio (Mystery Spot ) da série Sobrenatural (que vi apenas uma meia dúzia de capítulos) em que os irmãos  Sam e Dean (re)vivem o vicioso dia. No cinema recente lembro de Contra o Tempo (2011), de Duncan Jones.

Em No Limite do Amanhã, o incansável Tom Cruise é o tenente-coronel Bill Cage, um acovardado militar de mídia, um relações públicas que suborna qualquer um para não pegar em armas (tem horror a sangue) e ou se safar da rotina pesada dos quarteis. Presunçoso, com a arrogância típica do norte-americano, em uma viagem de negócios à Londres, acaba trocando os pés pelas mãos, diante do General Brigham (Brendan Gleeson) e, para o seu desespero, vai parar no QG europeu que prepara soldados para a batalha (praticamente perdida) contra aliens assustadoramente vorazes. Em seu primeiro dia de guerra ele morre e acorda exatamente na hora em que começa o seu pior pesadelo e torna a morrer e a acordar no mesmo instante anterior e a morrer e a aprender sobre a praga inimiga e sobre si mesmo e a morrer e a acordar..., até se sentir capaz de empreender, ao lado da exterminadora de aliens Rita Vratasky (Emily Blunt), o Angel of Verdun, uma alucinante caçada ao Ômega, alien comandante da invasão terrestre.

No Limite do Amanhã (Edge of Tomorrow, 2014), dirigido por Doug Liman, é um sci-fi com muita ação, nenhum drama, e uma pitada de romance, no mínimo interessante. Os roteiristas Christopher McQuarrie, Jez Butterworth, John-Henry Butterworth apresentam uma versão frenética, muito próxima aos games, da novela All You Need Is Kill, de Hiroshi Sakurazaka. A história é simples (mas não simplória!), sem muitas lucubrações, com diálogos curtos e com uma pérola, ainda que em cena meio fora de ordem (?), sobre a “razão” da invasão alien, que não me lembro de ter ouvido em nenhum outro filme do gênero.


Por vezes o espectador fica tão perdido quanto Cage no meio do tiroteio e do ataque dos abomináveis Mimic, aliens tentaculares que têm a capacidade de prever as ações e reações humanas.  Mas ele sabe (ou deveria) que faz parte do jogo, digo, da trama e que logo mais (ou menos) acaba fazendo sentido ou se ajustando. Eu gosto quando a arte (cinema, teatro, música, artes plásticas) desconecta a gente no meio do caminho da leitura, pra religar apenas lá no epílogo. É raro, mas acontece. E quando é totalmente sem compromisso, como aqui, melhor ainda.

Deixando de lado a prepotência dos estadunidenses se acharem (sempre!) os “únicos mocinhos” preparados (militarmente, é claro!) para salvar o planeta e o batido déjà vu, No Limite do Amanhã é um filme bacana, um thriller que faz valer o preço do ingresso 3D. A narrativa, como disse, se repete, mas nunca da mesma forma. A ação (morrer, acordar, salvar) sempre é vista por um ângulo diferente.  As sequências de guerra, principalmente a primeira, impressionam pelo realismo e frieza. Não há violência gratuita e ou exibicionista. Os efeitos especiais são muito bons e o desenho do exoesqueleto (ao estilo Elysium) impressiona. 

Para a crítica norte-americana o filme tem muito humor. Eu, sinceramente, ri de nada. Mas gostei mesmo assim. E até me dei por satisfeito com a solução encontrada para a horrorosa pirâmide de vidro do Louvre no meio do caminho. Ah, também não me incomodei com algumas referência à outras produções. E quanto ao final pra lá de esquisito...

quarta-feira, 14 de maio de 2014

Crítica: Godzilla


Que Godzilla é um simpático lagartão japonês, todo mundo sabe, até mesmo os japoneses. O dinossauro que ganhou notoriedade em 1954, com o filme japonês Godzilla, exorcizando na telona os horrores da 2ª Guerra Mundial, principalmente o ataque atômico (de 1945) a Hiroshima e Nagasaki, vem resistindo ao tempo e ganhando releituras (animações, hqs) inclusive (é claro!) norte-americanas, como a Godzilla (1998), de Roland Emmerich, com aquela pegada de humor (trash) tradicional em seus filmes-catástrofes.

Agora, em 2014, o sessentão Godzilla está de volta na versão cinematográfica de Gareth Edwards (do excelente Monstros). A nova história não varia muito o despertar e a ação intempestiva do Rei dos Monstros e, de quebra, de dois inimigos seus, os MUTOs..., por conta de abalos sísmicos, testes nucleares, radioatividade, estupidez humana, arrogância, prepotência etc. O roteiro é simplório, a trama é redondinha, bem na medida para crianças e adolescentes: família (quase) feliz, pai ausente, cientistas em conflito, tragédia, autoritarismo, medidas idiotas, atos “heroicos”. Excetuando a dieta dos inimigos de Godzilla, há nada que não se tenha visto em trocentos filmes do gênero catástrofe, principalmente quando ela (a catástrofe!) é desencadeada pelos militares (norte-americanos) e ou ação em que eles (os estadunidenses) são convocados (sempre) para "resolver" um problema (alheio), geralmente da forma (bélica) mais radical.

Gostar ou não de um filme, muitas vezes (no meu caso) depende do grau de expectativa. O trailer de Godzilla, com seu clima de mistério e insinuações de muita ação e aventura, pareceu convidativo. Já o filme não me pareceu tão promissor assim, com seu drama-clichê sem muita convicção e nenhum personagem humano interessante e ou que mereça um mínimo de atenção e ou preocupação em suas tramas secundárias (mesmo!). É tudo muito “então, tá!”. Por vezes lembra o combatido Emmerich, que (é claro!) também não dispensa clichês.


Tubo bem que (cinematograficamente) não se faz catástrofe urbana sem drama humano (piegas) expondo crianças e bichinhos de estimação em situação tensa, mas esta, envolvendo japoneses, havaianos, americanos..., poderia ser encurtada (em cacos), no mínimo, em meia hora, sem qualquer perda narrativa. Em mais de duas horas de duração, apenas ¼ do filme é ocupado pelos monstrengos: o velho simpático e pesadão e lento Godzilla e os feiosos parasitas MUTO, misto de orangotango com pterodáctilo e gárgulas-águias Art Déco da Chrysler Building, em NY. Os outros ¾ são enrolação com burocrático e previsível drama familiar e jogo de cena militaresca estadunidense. 

Godzilla (Godzilla, EUA, 2014) ganha alguma ação (e ritmo) apenas quando aparecem (ainda que de relance) um monstrengo ou outro. Na verdade os MUTOs aparecem bem mais que Godzilla...., não porque são um pouco mais ágeis, mas porque têm pressa (você vai dizer que já viu desfecho subterrâneo bem parecido!). Até mesmo a luta entre os três bichos é meio devagar. Não empolga! Em momento algum o filme provoca alguma sensação de medo, pavor, ou terror. Nem provoca algum riso, já que não tem uma piada (nem escatológica!) sequer. Como disse, acima, é tudo muito “então, tá!”. 

Enfim, considerando que Godzilla é infantojuvenil, não é tão divertido e envolvente quanto ao Círculo de Fogo, de Guillermo Del Toro..., mas que os efeitos especiais, e ao menos a parte dos monstrengos, são excelentes e que o elenco (Aaron Taylor-Johnson, Ken Watanabe, Bryan Cranston), mesmo ciente da insignificância de seus personagens, é dedicado, o filme pode agradar ao espectador menos ansioso que eu. Se houver (con)sequência, é bem provável que o gorducho lagartão americanizado, com sua dieta de refrigerante e batatinhas, volte mesmo é como um lutador de sumô.

quinta-feira, 8 de maio de 2014

Crítica: Getúlio


Há uma ordem, excessivamente autoritária na hierarquia do contratante (patrão) e do contratado (empregado): “- Você não está aqui (ou foi contratado) para pensar, mas para cumprir ordens!”..., que cai como uma luva de espinhos na argumentação ambígua do tenente Gregório Fortunato (Thiago Justino), chefe da guarda pessoal de Getúlio Vargas (Tony Ramos), sobre o atentado a Carlos Lacerda (Alexandre Borges), em que foi morto o Major da Aeronáutica Rubens Vaz.

O “pensante” e guarda-costas teria feito o que fez para resguardar a honra do presidente e ex-ditador Getúlio Vargas (1882-1954) dos ataques virulentos, via imprensa, do polêmico jornalista Carlos Lacerda (1914-1977). O fidelíssimo segurança “pensava” que a crítica política de Lacerda a Vargas incomodava o presidente e então, num impulso, decidiu dar um fim nisso, sem se preocupar com as consequências do seu “impensado” gesto de amizade e dedicação. Tampouco o fiel escudeiro imaginava que o seu chefe seria capaz de tamanha teatralidade: “Mais uma vez, as forças e os interesses contra o povo coordenaram-se e novamente se desencadeiam sobre mim. Não me acusam, insultam; não me combatem, caluniam, e não me dão o direito de defesa. Precisam sufocar a minha voz e impedir a minha ação, para que eu não continue a defender, como sempre defendi, o povo e principalmente os humildes. (...) E aos que pensam que me derrotaram, respondo com a minha vitória. Era escravo do povo e hoje me liberto para a vida eterna. Mas esse povo de quem fui escravo não mais será escravo de ninguém. Meu sacrifício ficará para sempre em sua alma e meu sangue será o preço do seu resgate. Saio da vida para entrar na História.”

Que os presidentes da república, diante de um escândalo (federal, como se dizia antigamente!) envolvendo parentes próximos, partidários, conchavados etc, dizem saber de absolutamente nada, não é novidade. Afinal, para eles, é preferível ficar olhando o umbigo do que o espelho. Se bem que no caso de Jânio Quadros (1917-1992), que governou o Brasil por apenas seis meses (31.01.1961 a 25.08.1961), quem nunca soube “quem” ou “o quê” eram as tais “forças ocultas” (na verdade: “forças terríveis”) que o “obrigaram” a renunciar, foi (ainda é) o povo: "Fui vencido pela reação e assim deixo o governo. (...) Desejei um Brasil para os brasileiros, afrontando, nesse sonho, a corrupção, a mentira e a covardia que subordinam os interesses gerais aos apetites e às ambições de grupos ou de indivíduos, inclusive do exterior. Sinto-me, porém, esmagado. Forças terríveis levantam-se contra mim e me intrigam ou infamam, até com a desculpa de colaboração./ Se permanecesse, não manteria a confiança e a tranquilidade, ora quebradas, indispensáveis ao exercício da minha autoridade. Creio mesmo que não manteria a própria paz pública.”


No palco da demagogia, dominar a política do fraseado é fundamental para se perpetuar no poder. Ter acesso às coxias (bastidores), então, não tem preço! Getúlio, drama-thriller inspirado em fatos e dirigido por João Jardim, trata apenas dos últimos 19 dias da vida de Vargas. Ou seja, vai da morte de Ruben Vaz, em 5 de agosto de 1954, à morte de Getúlio Vargas, em 24 de agosto de 1954. E entre uma morte e outra, a pergunta que nunca calou, porque nunca houve uma resposta satisfatória: - Quem realmente articulou o atentado a Carlos Lacerda?

Portanto, quem espera ver uma biografia do velho ditador, do velho presidente, do velho “cantado” nas marchinhas de carnaval..., é melhor buscar em bibliotecas e livrarias a farta bibliografia sobre os diversos períodos da vida da raposa populista (que fez escola) “pai dos pobres”. Excetuando um mea-culpa (?) em off e algumas “insinuações” (meu passado não me condena) diluídas em dois ou três diálogos, o roteiro de George Moura, não toca no passado do demagogo presidente GV. O assunto em pauta é a “investigação” do atentado na Rua Tonelero, em Copacabana, que, além da morte do militar da aeronáutica, teria ferido Carlos Lacerda com um tiro no pé.

A trama praticamente transcorre nas dependências do belo Palácio do Catete, no Rio de Janeiro, sede do Governo Federal e residência presidencial, onde o Getúlio, ladeado, ou melhor, assessorado pela filha Alzira Vargas (Drica Moraes, roubando cenas) aguarda a conclusão do caso Tonelero, cujo desdobramento envolve sua família. Nesses dias tensos, em que a virulência lacerdista parece não ter limites, entre reuniões ministeriais e pesadelos premonitórios, Vargas rascunha a sua famosa carta-testamento..., talvez premeditando (?) o suicídio.


João Jardim disse ter “escolhido os 19 últimos dias da vida do Getúlio por ser um momento único na história do Brasil, em emoção e conteúdo. São dias velozes e com acontecimentos que se reproduzem até hoje na realidade do país, o que torna o filme contemporâneo.” Para George Moura, “Getúlio não é um filme histórico no sentido estrito, é um filme sobre as mazelas do poder que estão presentes até hoje no Brasil e no mundo. É um thriller político. Nossa intenção não foi condenar ou absolver Getúlio por seus atos, mas sim apresentá-los sem a máscara do discurso oficial.

Getúlio (Brasil, 2014) é um filme para os mais ou menos iniciados em GV. Ou seja, para quem sabe que bem antes do famigerado atentado a Carlos Lacerda, O Corvo da Tribuna (da Imprensa), o estopim já estava aceso e era só uma questão de tempo para o epílogo governamental. 1954 começou “tenso” para o governo, com a imprensa (é claro!) repercutindo as mazelas do poder; revoltantes casos de impunidade (entre eles o assassinato do jornalista Nestor Moreira) - que ainda hoje continua tal e qual; a crescente repressão aos opositores etc..., e então a controvérsia da Rua Tonelero.

O que de fato aconteceu e quem de fato estava envolvido, talvez algum dia se saiba. Por enquanto, o que há são 60 anos de versões e achismos de protagonistas e coadjuvantes sobre os fatos daqueles fatídicos dias 5 e 24 de Agosto de 1954. Há, sem dúvida, alguma verdade sobre os eventos nas publicações que serviram de fonte de pesquisa para Jardim, mas não creio que a verdade (verdadeira) esteja ali. Diante de tantas emoções e partidarismo, me parece ingenuidade acreditar em imparcialidade.


Getúlio traz, em uma versão sóbria (até demais) e, por vezes, sombria, fragmentos dos últimos dias (definitivos) de Getúlio, que já vinha morrendo aos poucos, em família e politicamente. Digo fragmentos porque, de repente, a “trama Tonelero” vai ganhando cacos, cenas vagas, histórias paralelas (família x poder), personagens que entram mudos e saem calados, comprometendo a narrativa que, apesar do bom ritmo, perde a consistência de thriller político para a insistência de drama de um político.

Fazendo jus ao título, o enredo parece dar mais ênfase aos últimos dias do presidente caudilho, praticamente isolado e acuado no Catete, do que à investigação do atentado. Será porque o drama (pessoal) tinha um fim e o thriller (coletivo) continua em aberto? É meio estranho ver Getúlio, o déspota, pousando de bom moço, digo, velhinho. Todavia, todo morto vira gente boa. O trio protagonista, com destaque para Drica Moraes, está bem. Tony Ramos interpreta (sem sotaque gaúcho), não imita Getúlio Vargas. Excetuando a pança (hitchcockiana), ele pouco lembra o político de São Borja - RS.

Por vezes didático e por vezes brilhante, Getúlio desperta interesse, mas não arrebata. Talvez porque a linha para costurar fatos e dar coesão à narrativa está sempre quebrando. Há que se destacar a fotografia de Walter Carvalho e o aproveitamento do cenário real (na preciosa reconstituição de época) que é o lindo Palácio do Catete. A trilha sonora é intrusiva, decepciona na sua grandiloquência, como a maioria das trilhas que os cineastas adoram usar nas horas mais impróprias (preste atenção como uma musica apelativa consegue destruir a forte sequência em que Alzira Vargas ouve um tiro e atônita se dirige ao quarto do pai).  

Considerando que os fatos trazidos a lume não são novidade, mas que podem ajudar as novas gerações (que se interessarem pelo tema) e os adultos distraídos a compreenderem melhor os rumos que a política tomou de 1954 até hoje, vale dar um olhada. Em ano eleitoral, nunca é demais considerar a herança que o passado nos legou.
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