sábado, 9 de julho de 2016

João Carlos Amódio: O Cinema no Tempo dos Seriados

Em 31 de Julho de 2014, publiquei a saborosa crônica Cinema em Curitiba, de Luiz Renato Roble. Mesmo muito acessada, somente dois anos depois ela recebeu um comentário do cinéfilo João Carlos Amódio. Gostei tanto que, a meu pedido, o comentário foi revisto, ampliado e formatado nesta crônica que você confere abaixo.
  
Flash Gordon - 1936

O Cinema no Tempo dos Seriados
João Carlos Amódio

Sempre fui fanático por cinema, pois sou de uma geração que não tinha TV para ver. Teatro infantil nunca ouvi falar. Sou do tempo dos seriados no cinema. Após o ultimo filme, vinha o seriado, um espécie de filme-novela, geralmente de far west (faroeste) ou ficção cientifica, como o Flash Gordon, ou de aventuras, como O Fantasma que nunca morre!, com seu cão e seu anel em formato de caveira. Quando ele dava um soco na face do bandido, deixava a estampa da caveira marcada. Ainda acho que era para o todo sempre!

No cinema de meu bairro, o Guarani, nos bons tempos, tinha matinê aos sábados e aos domingos. Como os seriados só passavam aos sábados, éramos “obrigados” a ir aos sábados e aos domingos! Antes de morar no Portão, morávamos no centro da cidade de Curitiba e meus pais também gostavam muito de cinema. Quando eu tinha os meus 7 anos já podia entrar nos cinemas à noite, acompanhado dos pais. Ainda não havia uma censura por faixa de idade e os filmes eram livre ou impróprio para menores de 18 anos!

Phantom - Fantasma - 1943
Nessa época passavam muitos filmes italianos, alemães, ainda de antes da II Guerra. Os que mais me marcaram foram os italianos, os filmes noir, soturnos mesmo. Ainda lembro de um, que me marcou muito, em que havia uma cena noturna em uma pequena aldeia cercada por uma muralha, onde um vigia noturno, com um lampião nas mãos, a percorria toda, entoando: “Mezza notte! Tutti dormine tranquilo!” Vendo a sua sombra refletida por muitos metros no chão da calçada por onde passava e aterrorizado com o que podia acontecer a seguir falei: “Pai, quero ir fazer xixi!” Uma vez, duas, três, quatro! Aí minha mãe disse: “Carlos leve o Joãozinho para o banheiro!”.

Lá fui eu e ele para o banheiro. Na realidade eu não queria fazer xixi nenhum, queria era sair da cena soturna do filme. Entrei no reservado e fiquei contando os azulejos do banheiro. Meu pai, já louco de raiva por estar perdendo o melhor da fita (nesse tempo era esse o termo para filme), dizia: “Faz logo!” E nada de fazer! Então o jeito foi voltar para a poltrona. Enquanto a cena era outra, tudo bem, mas quando voltou a sequência aterrorizante, o jeito foi fechar os olhos. Embora continuasse ouvindo o som!

Bruxa - Branca de Neve - 1937
Esse filme italiano, que me marcou tanto, eu só vi uma vez. Imagina se tivesse visto mais vezes?! Também me lembro de quando foi exibido, pela primeira vez em Curitiba, o desenho Branca de Neve. Foi no Cine Avenida. Era manhã de domingo e lá fomos nós, meu pai e eu, numa matinada. Quando chegamos a sessão já tinha iniciado e, no que eu entro na sala, tudo escuro, aparece uma bruxa com uma enorme berruga na ponta do nariz e, segurando uma maçã em uma das mãos, solta aquela gargalhada. Ouvindo aquele som terrível, vindo lá do útero da malvada, agarrei a mão de meu pai e gritei: “VAMOS EMBORA!!!!”  Saí puxando ele. Na sala de espera, meu pai me acalmou e me convenceu a entrar novamente. Fui, mas com um “medaço” danado da dita bruxa!

Que sufoco! Ainda bem que meu pai tinha uma paciência de Jó!

*
fotos: web

João Carlos Amódio (por ele mesmo): “Meus guias são os cinéfilos! Pelo lado materno tem o primo Henrique de Oliveira Jr., fotógrafo, técnico de cinema, diretor de filmes e agitador cultural. Ele começou a fotografar aos 8 anos. Aos 12, empregou-se como ajudante num laboratório dentário e, com a experiência, tornou-se protético. Autodidata, projetou e construiu um projetor 35 mm e câmeras de diversas bitolas. O Sauro José Bartolomei, um tio e padrinho de batismo, que desde menino realizava suas seções de cinema na casa de minha avó, na vida adulta comprou câmeras 16 mm e projetor sonoro Bell e câmera Super-8 e projetor para Super-8, com que filmava e exibia as festas natalinas da família e todos os acontecimentos que considerava importantes. Como se não bastasse, uma sobrinha minha casou-se com um sobrinho do Pascoal Segreto, o cara que inaugurou o primeiro cinema no Brasil. Tem o cinéfilo o Ismail Macedo, um dos sócios proprietários do Cine Guarani, do Portão. Outro personagem muito importante no meu aprimoramento pelo cinema foi Waldomiro Jensen, técnico eletrônico, responsável pela parte técnica dos projetores e do sistema de som dos cinemas do grupo David Carneiro. Finalizo com o Professor Leonel Moro, inventor do processo de filmagem denominado Moroscope! É tudo isso e um pouco mais." Quem desejar saber detalhadamente sobre cada personagem aqui citado, é só visitar o meu blog Matinês no Cine Guarani.  

quinta-feira, 7 de julho de 2016

Crítica: Julieta


J U L I E T A
por Joba Tridente

Nos últimos anos o cinema de Pedro Almodóvar já não tem me caído tão bem como antigamente. Após o excelente Os Abraços Partidos  (Los Abrazos Rotos, 2009) - que boa parte dos críticos odeia - ele me pareceu piegas e enfadonho em A Pele Que Habito (La Piel que Habito, 2011) - que a maioria dos críticos adora - e totalmente descartável em Os Amantes Passageiros (Los Amantes Pasajeros, 2013)..., que não conheço nenhum crítico que o defenda!


Em Julieta, o seu mais recente trabalho, o cineasta espanhol Pedro Almodóvar, com sua vistosa paleta (explorando tons de vermelho e de azul), desfile de metáforas (para todas as decodificações) e constante estética visual, entre o beneficio e o malefício da dúvida, “sugere” um cine-questionamento sobre a casualidade (e a culpa!) no universo feminino (é claro!).


Inspirado em três contos do livro Fugitiva, da escritora canadense Alice Munro, o roteiro (de Almodóvar) circunda Julieta (Emma Suárez), uma mulher de meia idade que, prestes a se mudar da Espanha para Portugal, com o companheiro Lorenzo (Dario Grandinetti), casualmente, numa esquina de Madri, encontra Bea (Michelle Jenner), uma amiga de adolescência de sua filha Antía (Blanca Parés), que lhe fala de um recente encontro casual com a garota. O comentário faz Julieta mudar os seus planos e começar a escrever cartas para a filha que não vê há muitos anos. São essas cartas/narrativas (redundantes!) que levam o espectador a “mergulhar” nos fragmentos da sua memória, embarcando com a sua versão jovem (Adriana Ugarte) numa viagem de trem onde ela, casualmente, conhece o pescador Xoan (Daniel Grao), futuro pai de Antía que, adolescente (Priscila Delgado), casualmente conhece a jovem Bea (Sara Jiménez)... Há muitas outras casualidades, preguiçosamente alinhavadas para dar forma ao também fragmentado e raso script (“plantão médico”), mas é melhor que o espectador casualmente descubra sozinho.


Julieta (Julieta, 2016) é um melodrama(lhão) com pitadas de thriller, onde a solidão, o ciúmes, a traição, a fuga, a perda, o apego às mínimas lembranças se repetem num depressivo (!) ciclo vicioso, qual herança maldita conspirada pelo destino para aprisionar (e fortalecer?), na dor, mulheres de uma mesma família. Um drama introspectivo e sem espaço para qualquer alívio cômico, mas com iluminadas metáforas por todo canto..., que talvez passem despercebidas, já que, embora até pertinentes, podem não ser tão claras na leitura (consciente) de todo espectador. Ou (quem sabe?) não passem de jogo de cena (de mestre) na “composição” para enredar o público numa história pouco atraente: uma mãe em busca de respostas para o desparecimento misterioso da filha.



Assim, considerando a excelência do elenco e a homenagem a Luis Buñuel (com duas atrizes diferentes na pele de Julieta: Suárez e Urgate); atento à quantidade de mulheres enfermas (em Coma, com Alzheimer, pós Derrame/LER, com Depressão) e de homens (tristes e solitários) excessivamente carentes; pensando na beleza de algumas locações e ao menos de uma sequência fantástica (transição de atrizes no banheiro), que dão ao espectador a impressão de que na vida (almodovariana) de Julieta nem tudo é o que parece na calmaria azul do mar ou na leveza vermelha da argila; vendo os belos signos gráficos do diretor pontuando bem a trama, mas não lhe cobrindo por inteiro; questionando a fragilidade de todos os personagens e o (meu) desinteresse pelo destino de cada um..., Julieta me soa um Almodóvar pela metade. Ou seja, após a sessão, praticamente nada fica na memória!

terça-feira, 5 de julho de 2016

Crítica: A Era do Gelo: O Big Bang


A Era do Gelo: O Big Bang
por Joba Tridente

Quando estreou nos cinemas, lá nos idos de 2002, não se imaginava que a animação A Era do Gelo, envolvendo homens e animais pré-históricos, dirigida com competência pelo brasileiro Carlos Saldanha, chegaria tão longe. Nos anos seguintes, de Era em Era a trama (sempre) itinerante foi ganhando novos personagens (os humanos jamais retornaram, nem como pontas), exagerando na antropomorfização (ridícula e incômoda em A Era do Gelo 4) da vasta fauna protagonista e coadjuvante e perdendo a principal característica do estrondoso sucesso do fascinante primeiro filme: o nonsense!


A Era do Gelo: O Big Bang (Ice Age: Collision Course, 2016)..., que ao contrário do título brasileiro tem a ver é com a “formação” da Via Láctea e não com a “formação” do Universo..., nos traz novamente o adorável esquilo Scrat e sua Noz involuntariamente provocando mais uma catástrofe e levando pânico à bicharada descolada nos primórdios do Planeta Terra. Agora, na caça à sua indomável Noz, o esquilo Scrat encontra por acaso o OVNI congelado do primeiro filme (2002) e acaba literalmente lançado para o espaço, onde a aeronave descontrolada e a sua inabilidade como “piloto” acabam gerando o caos no Céu e na Terra. Enquanto lá em cima ele se ocupa com a sua Noz, aqui embaixo Manny e sua turma, sob orientação da esperta doninha Buck, se preocupam com um gigantesco e ameaçador meteoro em rota de colisão com o planeta.


O argumento de A Era do Gelo: O Big Bang, dirigido por Mike Thurmeier e Galen T. Chu, nem é dos piores, a “chateação” fica por conta das muitas subtramas, com seus diálogos sofríveis e situações já vistas do roteiro, como nas relações familiares (Manny e Elle versus Amora e o namorado Julian) e ou nas relações sentimentais (Sid ainda “caçando” uma companheira). A humanização dos animais pré-históricos, ainda mais excessiva que no A Era do Gelo 4, é um problema sério. A tentativa absurda de ironizar (ou espelhar) os avanços e aprisionamentos do homem aos modismos e às novas tecnologias do Século XXI chega a ser constrangedora...., principalmente porque é recheada de gags que não funcionam. Não custa lembrar que, apesar destes animais agirem como seres humanos do futuro (com todas as suas idiossincrasias), em nenhum momento das cinco narrativas o tom de A Era do Gelo é o da fábula (com o preceito moral).


Enfim, para a felicidade da garotada (o público preferencial), a narrativa dupla (do Scrat no Céu e do Manny na Terra) segue a divertida cartilha da ação e aventura desenfreadas..., mas, para o espectador mais velho, o humor parece ter sido esquecido em alguma Era. Tá bom, tem o humor pastelão do rouba cena Scrat (em seu engraçado filme paralelo), mas não me parece o suficiente. A verdade (para mim!) é que, excetuando os bichos da vez, que chegam para engordar a trama (e aumentar o elenco), como a preguiça Francine e o mestre yoga Shangri Lhama, da Cristalina Geotopia, em clara referência ao misticismo das comunidades hippies (moda nos anos 1960/1970) e à Shangri-la, do filme Horizonte Perdido (de Frank Capra, em 1937, e de Charles Jarrott, em 1973)..., não há muita novidade.


Assim, considerando a irretocável eficiência técnica e seu 3D espetacular; a beleza cenográfica e o desenho encantador dos personagens; que a animação é direcionada mais ao espectador jovem (que não sei se entenderá algumas referências e situações) que ao espectador adulto (que deve achar algumas sequências entediantes), se é fã da franquia, siga o seu desejo ou instinto tendo em mente que, na hora das sequências chatas, há sempre uma chance de o Scrat aparecer e salvar a fita, digo, o filme, ou melhor, o desenho animado...

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...