sábado, 26 de junho de 2010

Crítica: Kick-Ass – Quebrando Tudo


Kick-Ass – Quebrando Tudo
por Joba Tridente

Se você é do tipo que não aguenta mais ver filmes violentos e tampouco suporta a violência cinecoreografada, aos modos de Tarantino, passe longe de Kick-Ass. Mas, se não se importa, talvez goste desta “adaptação” hiper-super-mega-tera violenta, de uma tresloucada série de quadrinhos que gira em torno de dois adolescentes e um adulto travestidos de super-heróis.

Kick-Ass - Quebrando Tudo é a cinequadrinização da HQ homônima, criada por Mark Millar e John Romita Jr. que, pelo jeito, nem eles e nem os personagens, e muito menos os leitores de quadrinhos e os realizadores do filme ouviram (?) falar de Watchmen, a minissérie de Alan Moore e Dave Gibson ou o filme de Zack Snyder. Será? Não nego que Kick-Ass – Quebrando Tudo, dirigida por Matthew Vaughn, tenha alguma originalidade, mas é difícil não vê-lo como um (filme e HQ) genérico “atualizado” de Watchmen, onde um grupo de pessoas comuns (mascaradas ou fantasiadas) e sem nenhum poder (mas com alguma psicopatia) combatem o crime, nos anos 1980. Tudo bem que a narrativa de Kick-Ass está a quilômetros de Watchmen e a sua abordagem fica apenas no social e na exploração das redes de comunicação, via internet, mas a psicopatia de alguns personagens de Moore está presente, aqui, nas figuras de uma singela e sanguinária garotinha de 11 anos, Hit Girl (Chloë Grace Moretz) e de seu pai, Big Daddy (Nicolas Cage) e, em desenvolvimento, num adolescente de 16 anos, Kick-Ass (Aaron Johnson).


Kick-Ass - Quebrando Tudo inicia com Dawe Lizewski (Aaron) falando (em off) da influência de personagens de histórias em quadrinhos na vida de muitas pessoas (enquanto um garoto alça vôo de um prédio), de como ele se tornou um super-herói e o custo de um gesto desses na vida de um adolescente fã de HQ. Não se sabe se está morto ou vivo. Ele pode ser uma alma penada, em busca de justiça, ou estar morrendo em algum lugar desconhecido, relembrando seus atos heróicos. Assim, saímos de um presente-passado rumo a um futuro-presente para conhecer (através da narração) a história deste garoto de 16 anos, que comprou uma roupa, pela internet, incrementou com dois bastões de baseball, treinou algumas poses ameaçadoras (conforme viu nos quadrinhos), criou o codinome Kick-Ass, e saiu às ruas da sua cidade para enfrentar bandidos de verdade.

Na primeira tentativa o garoto se dá muito mal, mas na segunda investida se sai melhor e (como na vida real) a sua ação é filmada, postada no YouTube, e ele vira celebridade e febre entre os adolescentes. Enquanto Dawe banca o visionário Kick-Ass, uma treinada dupla dinâmica, formada por Damon Macready (Cage), o pai, e Mindy Macredady (Moretz), a filha, disfarçados de Big Daddy e Hit Girl, caça e mata (sem nenhuma piedade) traficantes de droga, em busca de Frank D’Amico (Mark Strong), o chefão do crime que não acredita em super-heróis. A fantasia da dupla pode até lembrar a do Batman e a da Mulher Gato, do antológico seriado de TV dos anos 1960, mas as ações de Hit são de uma Elektra Natchios, de Frank Miller. 


A violência de Kick-Ass só tem páreo em Watchmen, o filme. O incômodo se dá porque é praticada por Hit Girl, a “heroína” de 11 anos, tirando a graça de uma história que parece ironizar a própria violência cinematográfica, utilizando apropriadamente, em cada sequência, uma música composta para outros filmes clássicos do gênero. Não é uma aventura para se ver racionalmente, já que vivemos numa sociedade onde os únicos que “podem” fazer justiça, com as próprias mãos, são os bandidos e a polícia. Pode parecer “divertido entretenimento” no cinema, mas, fora das telas, qualquer cidadão que agir por conta, certamente será preso e condenado. O que, de certa forma, já foi explorado em Watchmen (Quem vigia os vigilantes?) e X-Men, entre outras HQs. Na vida real, de violência real, é difícil saber quem tem mais medo de “heróis” (encapuzados ou não), se a sociedade civil ou militar. Talvez porque, por trás de uma máscara, são todos iguais.

Kick-Ass - Quebrando Tudo, no entanto, com seu humor negro e muito escracho, parece não levar a sério a maluquice de seus “heróicos” protagonistas, por isso, entre um ato ultraviolento daqui e outro megaviolento dacolá, eles aparecem em cenas domésticas, vivendo uma vida até normal: Dawe, enquanto não banca o “herói da periferia”, está com os amigos, lendo quadrinhos ou buscando prazeres solitários na internet ou tentando conquistar uma garota da escola; Mindy, na companhia de seu amoroso pai, treina e treina e treina, com as mais diversas armas, para ser uma assassina eficaz. Se haverá redenção para os adolescentes ou resgate da menina, para lhe devolver um mínimo de humanidade e a infância perdida, será preciso atravessar uma cortina de sangue até o final da narrativa. Alguém sobreviverá à inacreditável matança, resta saber quem!

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Crítica: O Escritor Fantasma


O Escritor Fantasma
um Polanski menor

O Escritor Fantasma (The Ghost Writer, Reino Unido, 2010), de Roman Polanski, é um thriller político curioso, mas muito aquém do talento do seu polêmico diretor. A narrativa, com situações pouco convincentes (e previsíveis), que levam a um final deplorável, fala de um escritor (Ewan McGregor) que aceita a incumbência de ser o “ghost writer” (o verbalizador das idéias ou criador, na falta delas) do livro de memórias de Adam Lang (Pierce Brosnan), um dissimulado ex-Primeiro-ministro inglês. O escritor (sem nome), na verdade, é contratado para finalizar ou reescrever a obra, praticamente pronta, de outro “ghost writer” (encontrado morto numa praia), em troca de um valor muito convidativo. Ao viajar aos Estados Unidos, onde se encontra “temporariamente” o político, ele logo vai descobrir que, nas entrelinhas da memória de alguns personagens pouco citados, mora um perigo que, aflorado pela sua curiosidade, poderá ser devastador.

Baseado no livro The Ghost, de Robert Harris, “livremente” inspirado nas relações belicosas (e perigosas) do ex-premier britânico Tony Blair com o ex-presidente Bush, o filme, que tem roteiro de Polanski e Harris, pretende uma história de bastidores políticos até possível, mas risível, envolvendo “inteligências”. Ele tem um começo promissor, mas, apesar do seu tom de dúbia ironia, depois de certo tempo começa a perder o encanto e, após um esperado evento trágico, degringola de vez. É uma pena. A impressão é a de que no meio do caminho faltaram idéias e o clima hitchcockiano, que permeia a história, não passa de um preciosismo (realmente) descartável.


Longe de ser uma metáfora ou sátira política, a trama de O Escritor Fantasma, sem nenhuma grande novidade que justifique tal suspense, é conduzida por uma música óbvia, mas que (felizmente) não consegue contaminar a excelente fotografia de Pawel Edelman. Há um ou outro diálogo interessante e boas atuações de um elenco afiado. O destaque fica com McGregor e seu “metamorfo” fantasma/investigador que, por conta dos vacilos do roteiro, só perde o rumo quando se dá conta (tarde demais) de que não era tão fantasma quanto imaginava. Se bem que, diante da “revelação” final, quem costuma ler ou ver ou ouvir jornais se perguntará: tanto barulho por isso? Enfim, um filme mediano para um público fã e não muito exigente.

terça-feira, 22 de junho de 2010

Crítica: A Flor Máis Grande do Mundo


A Flor Máis Grande do Mundo

E se as histórias para crianças fossem leitura obrigatória para os adultos? Seríamos realmente capazes de aprender aquilo que há tempo ensinamos? José Saramago (1922-2010)

José se foi. E agora, José? Livre pensamento ecoa. SarAMADO aqui. SarAMARGO acolá. SaraMAGO das palavras de afrontar poderosos de pés de barro. Que um dia também passarão, sem jamais ter sabido o que é ser passarinho.

Conheci o iluminado José Saramago, em 2000, quando esteve em Curitiba para divulgar o livro Caverna e para um bate-papo num auditório lotado. Eu estava acompanhado do cineasta Marcos Stankievicz Saboia, amigo, parceiro de direção no curta-metragem Cortejo e personagem do meu livro: Fragmentos da História Antropofágica e Estapafúrdia de um Índio Polaco da Tribo dos Stankienambás. É claro que não poderíamos deixar passar a ocasião de cumprimentar o genial escritor e aproveitamos um rápido intervalo, entre autógrafos, para lhe oferecer um exemplar da fictícia biografia. Saramago, muito gentil, ficou feliz com o presente e encantado em conhecer um personagem (vivo) de um livro de ficção, que também queria o seu autógrafo em diversos livros de ficção. Foi um encontro rápido, troca de elogios e apertos de mãos. Mas, inesquecível!

Com o seu passamento descobri casualmente na internet A Flor Máis Grande do Mundo, uma belíssima animação (stop motion), adaptada e dirigida por Juan Pablo Etchevarry, em 2006, a partir do conto A Maior Flor do Mundo, de José Saramago, experiência única na vida deste provocante autor. Excetuando o prelúdio e o grande final, narrados pelo escritor, o curta-metragem (re)conta a história através de primorosas “imagens em movimento”, pontuadas por linda música de Emilio Aragón.


No site: Outros Cadernos de Saramago, diz o mestre: Aí pelos começos dos anos 70, quando eu ainda não passava de um escritor principiante, um editor de Lisboa teve a insólita ideia de me pedir que escrevesse um conto para crianças. Não estava eu nada certo de poder desobrigar-me dignamente da encomenda, por isso, além da história de uma flor que estava a morrer à míngua de uma gota de água, fui-me curando em saúde pondo o narrador a desculpar-se por não saber escrever histórias para a gente miúda, a quem, por outro lado, diplomaticamente, convidava a reescrever com as suas próprias palavras a história que eu lhes contava. O filho pequeno de uma amiga minha, a quem tive o desplante de oferecer o livrinho, confirmou sem piedade a minha suspeita: “Realmente”, disse à mãe, “ele não sabe escrever histórias para crianças”. Aguentei o golpe e tentei não pensar mais naquela frustrada tentativa de vir a reunir-me com os irmãos Grimm no paraíso dos contos infantis. Passou o tempo, escrevi outros livros que tiveram melhor sorte, e um dia recebo uma chamada telefónica do meu editor Zeferino Coelho a comunicar-me que estava a pensar em reeditar o meu conto para crianças. Disse-lhe que devia haver um engano, porque eu nunca tinha escrito nada para crianças. Quer dizer, havia esquecido totalmente o infausto acontecimento. Mas, há que dizê-lo, foi assim que começou a segunda vida de “A maior flor do mundo”, agora com a bênção das extraordinárias colagens que João Caetano fez para a nova edição e que contribuíram de maneira definitiva para o seu êxito. Milhares de novas histórias (milhares, sim, não exagero) foram escritas nas escolas primárias de Portugal, Espanha e meio mundo, milhares de versões em que milhares de crianças demonstraram a sua capacidade criadora, não só como pequenos narradores, também como incipientes ilustradores. Afinal, o filho da minha amiga não tivera razão, o conto, de transparente simplicidade, havia encontrado os seus leitores.



A Flor Máis Grande do Mundo começa com narração do próprio Saramago: As histórias para crianças devem ser escritas com palavras muito simples, porque as crianças, sendo pequenas, sabem poucas palavras e não gostam de usá-las complicadas. Quem me dera saber escrever essas histórias. Mas nunca fui capaz de aprender. Se eu tivesse aquelas qualidades todas, poderia contar uma linda história que um dia eu inventei.

O expressivo protagonista da poética animação é um garoto, de uns sete anos, que mora num condomínio em construção. O lugar é inóspito e sem árvores. Numa tarde quente de verão, ao perseguir um escaravelho que lhe escapara, ele atravessa, encantado, um pequeno bosque e, perto dali, num lugar desmatado, encontra uma flor definhando ao sol abrasador. Com pena da flor, naquele solo ressecado, o menino faz várias viagens até um riacho, além do bosque, e traz água, nas mãos em concha, na esperança de salvá-la.

E Saramago encerra a história: Este era o conto que eu queria contar. Pena eu não saber escrever histórias para crianças. Mas ao menos ficaram sabendo como a história seria e poderão contá-la noutra maneira, com palavras mais simples do que as minhas. E talvez mais tarde venham a saber escrever histórias para crianças. Quem sabe se um dia eu virei a ler outra vez esta história, escrita por ti, que me lês, mas muito mais bonita.


A Flor Máis Grande do Mundo é uma animação capaz de tocar até o mais insensível às questões ecológicas. É um conto singelo que permite diversas leituras, releituras e até mesmo que seja reescrito, ao gosto do leitor (espectador), como sugeriu Saramago. Sem qualquer pieguice ele fala da responsabilidade de cada um para restabelecer o equilíbrio (roubado) da Natureza. A causa pode não ser nova, mas continua (cada vez mais) pertinente. Nesta fábula, não importa como a semente da consciência será lançada no solo da humanidade, mas como será cultivada. Além de gratificante entretenimento, assistir ao A Flor Máis Grande do Mundo é uma excelente oportunidade para se discutir em sala de aula, com alunos do fundamental ao pós-universitário, os valores de vida de cada um, diante de uma Terra em transe que eles irão herdar.

Infelizmente o filme não foi (?) lançado em DVD, mas poderá ser acessado (alta definição de imagem) no site do diretor galego Juan Pablo Etchevarry ou no YouTube (baixa qualidade).

Para quem quiser conhecer um pouco mais a obra do fascinante escritor José Saramago, sugiro o site Outros Cadernos de Saramago, mantido por sua Fundação.

domingo, 20 de junho de 2010

Crítica: Tudo Pode Dar Certo



Tudo Pode Dar Certo
num filme de Woody Allen, o que poderia dar errado?

Tudo Pode Dar Certo (Whatever Works, França, EUA, 2009), com roteiro e direção de Woody Allen, é a mais recente obra do genial diretor a estrear no Brasil. Para quem não gosta de seu trabalho e todo ano propaga a morte da sua criatividade cinematográfica, ele tem nada a dizer, mas ao seu público fiel cabe o presente de mais uma deliciosa e divertida comédia. E o melhor, sem clichê, vício irritantemente comum, aos roteiristas e diretores menores de Hollywood, e que o público com QI abaixo da média adora.

De passagem por Nova York, Allen realizou este Tudo Pode Dar Certo, um projeto antigo que ganhou forma, sem perder o humor cáustico que deixa salobre qualquer água benta. O humorista Larry David, é o seu alter ego da vez, na persona do adorável rabugento físico Boris Yellnikoff, ex-professor da Universidade de Columbia, quase ganhador do Nobel que, nas horas vagas, quando não está condenando toda a humanidade ao limbo, se torna um impaciente professor de xadrez, para azar das crianças. Certa noite, ao voltar para casa, ele encontra Melodie St. Ann Celestine (Evan Rachel Wood), uma bela garota interiorana, que implora por sua ajuda. Meio a contragosto ele oferece abrigo por uma noite e acaba se envolvendo muito mais do que gostaria. Um ano depois, na cola da garota, aparecem a mãe, Marietta (Patricia Clarkson), e, logo após, o pai, John (Ed Begley Jr.). Eles são conservadores, crentes fervorosos (mas cheios de pecadilhos) que, de uma forma ou de outra, vão repensar e mudar radicalmente o rumo das suas vidas, na grande cidade, e aceitar de bom grato o preço da felicidade. O único que parece incapaz de rever os seus filosóficos conceitos científicos (embasados na religião e na política) é Yellnikoff. O livre pensador acredita que o mundo seria muito melhor sem a raça humana.


Irônico, sarcástico, Boris odeia a ignorância e, por mais que a evite, está sempre rodeado por ela. A sua inteligência parece funcionar como um imã à estupidez. O seu mau humor, pela incapacidade de aceitar as pessoas como elas são, é uma constante que não se dissipa nem com as breves e gloriosas idéias de suicídio. Em Tudo Pode Dar Certo, não há a “quietude” erótica e exótica do inesquecível Vicky Cristina Barcelona (2008), apesar do desejo aflorando em todas as formas possíveis de serem colhidas, mas há a incomparável metralhadora verbal de Woody Allen, tão rápida e certeira, nos monólogos e diálogos ácidos de Boris Yellnikoff, que (acredito) muitos espectadores não têm nem tempo de assimilar ou entender as tiradas de mestre. A audácia maior, no entanto, fica por conta da ousada forma de anexar a platéia à narrativa do filme. Não é um recurso novo (já foi usado até em desenho animado), mas sempre funciona a história do ator que fala ou se dirige à plateia. Aqui a conivência é perfeita, cria-se até uma expectativa do momento em que a “conversa” será retomada durante a projeção do filme. Olhos e ouvidos atentos, o público sai da sua passividade e vira (literalmente) um coadjuvante explícito.

Engraçada do começo ao fim, texto rápido e interessante, pérolas perfeitas, direção irretocável e atuações excelentes, a comédia Tudo Pode Dar Certo, não tem porque dar errado. Quem sabe e domina o que faz, até na reciclagem (de idéias e temas) continua original e sem perder tempo (re)filmando obra alheia. Quando Woody Allen não tem mais (?) como (ou o quê) falar de suas neuras, se põe a falar das neuras dos outros. Contar histórias de suicidas frustrados pode até ser divertido, mas a graça está mesmo em saber como falar das (re)viravoltas da vida e da rasteira na Morte. Com Allen, cada expectador ri um pouco de si mesmo muito além da sala de cinema.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Crítica: O Profeta


O Profeta
e o Pateta

O Profeta (Un Prophéte, França, 2008) é o personagem do filme e o Pateta sou eu, por ter ficado mais de duas horas, dentro de uma sala de cinema, vendo esta tolice. Só o “drama” tem 155 minutos. Por que Pateta? Ora, para quem não teve paciência de assistir nem a metade do famoso Cidade de Deus (Fernando Meirelles, 2002) e se recusou (mais ainda) a ver seus congêneres virulentos que proliferaram (e continuam proliferando) nas teclas fáceis do tráfico + polícia + droga + favela + corrupção..., assistir a um similar ou genérico, nos moldes franceses, como se bandidos europeus e árabes fossem diferentes, só porque não são favelados brasileiros, vai além do meu Tico-Tico. Porém, se esse tipo de entretenimento, calcado nos programas de baixaria e “matérias” policialescas dos telejornais brasileiros (no ar, a qualquer hora do dia ou da noite, sem nenhuma censura), funciona (?), é premiado e até indicado (pelo Brasil) ao Oscar..., por que os estrangeiros iriam querer ficar de fora? No mundo do cinema, americano refilma e o francês reescreve. Acaba dando tudo no mesmo.

O Profeta começa com Malik El Djebena (Tahar Rahim), um jovem de 19 anos, chegando a uma penitenciária, para cumprir uma pena de seis anos, por um crime nunca revelado. Talvez seja pelo fato dele não se sentir nem francês e nem árabe e nem ter como língua-mãe o francês ou o árabe ou por não saber ler nem em francês e nem em árabe ou por não saber como se comunicar ou agir ou por ou etc em francês ou em árabe. Não importa, o sujeito está na Prisão da Mãe Joana Dark, para pagar por um crime (?) qualquer e mal sabe ele que seus momentos de paz (?) e tranquilidade (?), numa oficina de costura, estão com os dias contados, pois será obrigado (questão de vida ou de morte) a se envolver com César Luciani (Niels Arestrup), o bandidão “dono do pedaço” prisional. A escola que ele não teve fora da prisão, terá lá dentro, apenas com algumas variações sobre a escalada profissional, bastante influenciada pelos colegas de classe. Detalhes, bobagens, já que, de uma forma ou de outra, ele sairá de lá (muito bem) preparado para uma carreira brilhante no mundo marginal que o aguarda nas ruas de Paris e arredores. E então, dá-lhe clichês (tráfico de droga, máfia, bandidos, gangues, traficantes) e cachês (corrupção policial, suborno) e encaixes (assassinatos, tortura, violência múltipla), além de confusão de conceito religioso, daqui e dacolá, até chegar ao final previsto desde o princípio.



Com roteiro de Jacques Audiard e Thomas Bidegain, a partir do texto de Abdel Raouf Dafri, O Profeta, é um drama policial para quem é fanático por violência gratuita e tem orgasmos homéricos assistindo a filmes do gênero prisão, cuja criatividade é zero e a originalidade é nula, já que não passam de variações sobre os mesmos presos, digo temas, realizadas há décadas (principalmente) pelo cinema americano. Quando se vê uma produção do tipo, pode ser interessante, depois de umas duas ou três a curiosidade acaba e não há fotografia, técnica, trilha, direção que dê jeito, e a ensaiada violência, coreografada (?) pra impactar o público, acaba ficando com cara de coisa trash. Inventam-se armas, formas de tortura, pressão psicológica, em nome de um “realismo”, de uma “verdade” que (segundo o roteirista ou diretor) deve ser dita, custe o que custar, “idealizando” um espectador pagante que se divertirá e subliminarmente será conscientizado das armadilhas do sistema e sairá da sala de cinema de um shopping, empunhando uma bandeira e convocando passeadas em solidariedade aos criminosos e pela moralidade universal. Cinema é (tão somente) entretenimento, e a ficção persiste até nas “boas intenções” que tentam provar o contrário.

O Profeta, de Jacques Audiard, é hipócrita e pretensioso, com seu desfile da fauna-flora marginal, coleção européia, para todos os gostos e histórias batidas: pré-bandido, bandido amador, bandido profissional, bandido policial, polícia bandida. O sado-masoquismo (seu ponto forte) é minuciosamente estudado para a satisfação daquele público que se entretêm com programas que exploram e detalham crimes violentos, nos canais abertos de TVs e nas rádios. É uma produção que ganhou muitos prêmios e a baba da crítica. Já vi (e me cansei) filmes policiais demais, para achar quer este tenha algo (mínimo) que possa ser destacado.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Crítica: O Golpista do Ano


O Golpista do Ano
ou: Eu te amo, Phillip Morris

Eu Te Amo, Phillip Morris, que no Brasil recebeu o execrável título de O Golpista do Ano, pode deixar muito espectador em sauna justa, digo saia justa, se for fã do trio protagonista e entrar no cinema esperando ver uma coisa e assistir a outra. Tem tudo para agradar até quem ainda não decidiu sair do armário, mas, se o desavisado tiver tendências homofóbicas, vai querer receber o seu dinheiro de volta. É que o híbrido filme dos roteiristas e diretores John Requa e Glenn Ficarra conta a história realmente verdadeira de Steven Russell (Jim Carrey) e seus absurdos e inacreditáveis golpes para viver uma vida glamorosamente “gay, gay, gay”. Esqueça A Gaiola das Loucas (1978) ou Priscila, A Rainha do Deserto (1994), porque aqui a pegada é bem diferente.

Rebombinando: O Golpista do Ano (I Love You Phillip Morris, França, EUA, 2009), dirigido pelos politicamente incorretos Requa e Ficarra, é um filme que desfila pelos mais variados gêneros cinematográficos: biografia, comédia, drama, policial, prisão, para narrar a espetacularmente complicada e turbulenta vida de Steven Russel (Carrey): um bom policial, bom marido, bom pai de família, bom religioso que, após um grave acidente, decide assumir a sua homossexualidade. Parece simples, não? Acontece que Russel acredita que a felicidade gay está em ser fashion. E para viver no luxo, o faustoso personagem decide aplicar “inocentes” golpes em seguradoras. Bem, como uma mentira sempre puxa outra a reboque, acaba exagerando na dose e nos presentes para a ex-mulher e filha e para o seu namorado Jimmy Kemple (Rodrigo Santoro) e vai parar num presídio, onde se apaixona por Phillip Morris (Ewan McGregor), um prisioneiro ingênuo e romântico. E isso é só o começo do drama narrado pelo próprio Steven Russel, em seu leito (hospitalar) de morte. A ironia, o sarcasmo, a inversão de valores que vem depois..., é ver pra crer.


Baseado na biografia de Steven Russel, publicada no livro Eu te Amo, Phillip Morris (I love you Phillip Morris: a true story of life, love, and prison breaks), do jornalista Steve McVicker, lançado no Brasil pela Editora Planeta, o filme lembra (a princípio) dois outros grandes momentos cinematográficos, envolvendo golpistas brilhantes: Prenda-me se for capaz (Catch Me If You Can, 2002), de Steven Spielberg, com Leonardo DiCaprio, no papel de Frank Abagnale Jr, que aos 18 anos era um mestre na arte dos disfarces e dos golpes milionários; e Os Safados (Dirty Rotten Scroundels, 1988), dirigido por Frank Oz, onde Michael Caine (Lawrence Jamieson) e Steve Martin (Freddy Benson) são dois vigaristas que seduzem milionárias de meia idade – refilmagem de Dois Farristas Irresistíveis (Bedtime Story, 1964), direção de Ralph Levy, com Marlon Brando e David Niven. Porém, a lembrança é apenas por conta da malandragem, da esperteza, da classe dos golpes, já que segue por um viés bem mais incômodo.

O Golpista do Ano, que vem enfrentando problemas de distribuição nos EUA, é ferino, mordaz, com seu (involuntário) humor negro e suas cenas de sexo semi-explícito. Ele traça um painel divertidamente triste de um mundo (nem sempre) alegre, como fazem parecer os homossexuais que se assumem e botam o bloco na rua, na boate, na moda..., mas que, na maioria das vezes, fora do armário, se veem obrigados a suprir uma carência (principalmente) afetiva com agrados além das posses e da pose. Russel “viveu” tantas personas, em busca do prazer e da felicidade (também de quem amava) que, a certa altura, não tinha mais certeza de quem realmente era. Porém, o mais importante, sabia “quem” não queria ser.

Não é um filme linear e nem tão pouco clichê. Assim como o roteiro, a direção provoca o espectador e, ao mesmo tempo em que o diverte, o adverte sobre arraigados conceitos e preconceitos da (homos)sexualidade. Sem deixar de cutucar a religiosidade, família, negócios, amizade. Quem resistir ao “chocante” prólogo vai se surpreender com Jim Carrey, exercitando todo o seu talento dramático e cômico, na companhia de Ewan McGregor, ator que personifica Phillip com uma sutileza arrebatadora, e de um competente Rodrigo Santoro que, mais uma vez, não entra mudo, mas sai de cena de forma dramática. É um excelente programa (sem trocadilho) pra quem gosta de variar (sem queimar) o filme e costuma deixar o puritanismo trancado na gaveta do criado mudo.

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Crítica: Marmaduke


Marmaduke
simpático pra cachorro

Tem ator (atriz) que odeia contracenar com crianças e, principalmente, com animais, só porque eles (realmente) roubam a cena até de quem não é canastra. Owen Wilson e Richard Gere que o digam. Recentemente tivemos dois grandes exemplos (entre outros) de que os cães são mesmos danados. Um bom momento foi no divertido Marley e Eu (Marley & Me, 2008) e, depois, no emocionante Sempre ao Seu Lado (Hachiko: A Dog's Story, 2009).

O primeiro, baseado no best-seller homônimo de John Grogan, é dirigido por David Frankel e mostra o “caos” em que se torna a vida do casal John (Owen Wilson) e Jennifer (Jennifer Aniston), que, antes de ter um filho, decide adotar um filhote de cão labrador, se esquecendo que até os cachorros um dia crescem e, com eles, os “problemas”. No segundo, com direção de Lasse Hallström (refilmagem de Hachiko Monogatari, filme japonês dirigido por Seijiro Koyama, em 1987, baseado em um fato real ocorrido no Japão na década de 1920), traz Richard Gere na pele de Parker, um professor de música que encontra um filhote da raça akita, perdido numa estação de trem, e o leva pra sua casa. O belo cão que, segundo a tradição, escolhe o seu dono, ganha o nome de Hachiko e cria um maravilhoso vínculo com o Parker, que perdura além da vida.

Agora, apostando no público infantil e nos amantes dos cachorros, chega a comédia Marmaduke, dirigida por Tom Day, que narra as aventuras de um desastrado dog alemão com a família humana Winslow, no Kansas, e, depois com dois grupos de cães, separados por raças e pedigrees, na Califórnia. Marmaduke, narrado na primeira pessoa (?), é uma espécie de cinebiografia canina inspirada na História em Quadrinhos homônima, criada em 1954, pelo cartunista norte-americano Brad Anderson, que virou uma série animada pra TV (Heathcliff and Marmaduke), na década de 1980.

Já não me lembro da animação Heathcliff and Marmaduke (Lorde Gato). Das tirinhas de humor (que até hoje são publicadas nos EUA) conheço apenas as imagens postadas na rede, que me parecem muito divertidas, irreverentes, nonsense. Marmaduke, o filme, pode não ter conseguido captar humor estranho da HQ, mas não chega a ser tão decepcionante como o chato Scooby Doo ou o Garfield, que perderam a personalidade no cinema. Acho que está mais próximo (ainda que distante) do meu favorito Um Cão do Outro Mundo (Good Boy!, 2003), dirigido por John Robert Hoffman, que trata de uma canina invasão extraterrestre.


Focado na vida adolescente do imenso e desengonçado dog alemão, que se apaixona pela bela Jezebel, uma cadela afghan, namorada de um trunculento rottweiler (?), o alfa do Parque, onde a rapaziada canina vai passear, Marmaduke segue a linha das produções americanas que falam de adolescentes que mudam de cidade e encontram dificuldades pra se enturmar. Cães ou humanos, os problemas estão todos lá e deverão ser superados, um a um, até que o nosso “herói” cresça e aprenda com os seus próprios erros que, cá pra nós, conforme a raça e a idade, não passam de uma simples pisada na bola. E, assim, a cada tropeço, escada acima, ou escorregão, ladeira abaixo, há um momento para refletir e enaltecer a família e os (verdadeiros) amigos. Valores humanos de um lado e valores caninos de outro, é bom que se diga que, na trama, a lenta família Winslow é mera coadjuvante. Poderia até se chamar Windows, já que não passa de janelas abertas para Marmaduke brilhar.

Marmaduke é uma comédia simpática, apesar dos deslizes de situação “cômica”, de digitalização (animação) e do excesso de preceitos morais pra lá de humanos. Mas deve agradar ao seu público alvo. Os cães reais são bem treinados e propiciam alguns momentos engraçados e românticos, graças também à ilha de edição. No entanto, faltou ao diretor (e roteiristas) acreditar mais na força da imagem e síntese dos cartuns. É claro que uma coisa (cartum) é uma coisa e outra coisa (filme) é outra coisa, porém, entre o explícito e a falta de sutileza, acaba se perdendo a piada. Aí, ao colocar a raça canina agindo tal e qual a humana, no melhor e no pior da convivência familiar e grupal, a ironia acaba indo esgoto abaixo. E, na busca do humor vazio, honestamente, crianças e adultos bem que podiam ser poupados dos indigestos clichês humanos de escatológicas comédias humanas realizadas por humanos americanos!

Bem, quem não gostou da tecnologia usada na animação UP – Altas Aventuras (2009), pra fazer os cães se comunicarem com os humanos, pode muito bem gostar desta, em que os cães e gato, parecem mesmo falar. Quer dizer, desde que não se importe com a dublagem horrorosa. Como se tivesse outra opção!
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