sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Crítica: Abraham Lincoln - Caçador de Vampiros



O roteirista e escritor Seth Grahame-Smith conta que a ideia para escrever Abraham Lincoln - Caçador de Vampiros surgiu em 2009, durante a turnê para divulgar seu livro Orgulho e Preconceito e Zumbis. Segundo ele: “Aquele ano foi o bicentenário do nascimento de Abraham Lincoln, e muitas livrarias da minha turnê promocional tinham duas exposições: uma oferecia livros sobre a vida do Lincoln; a outra era composta por livros sobre vampiros, inclusive os livros da série Crepúsculo e de Sookie Stackhouse (a série da televisão “True Blood” foi baseada em sua obra). Isso me fez querer juntar os dois assuntos.” O cineasta Tim Burton, que ouviu falar do livro em desenvolvimento, assim justificou o seu interesse de produtor: “Toda a vida de Lincoln reflete a mitologia clássica dos quadrinhos de super-heróis. É uma dualidade: durante o dia, ele é o presidente dos Estados Unidos; à noite, caçador de vampiros.

E é isso mesmo, o Lincoln, de Seth, Burton e Bekmambetov, que chega aos cinemas (não conheço o do livro), fazendo justiça com o seu machado de 1001 utilidades, pode ser visto como um super-herói raivoso, bem ao gosto (massacre) norte-americano. A história de Abraham Lincoln (1809 - 1865) caçando vampiros se passa em Kentucky, Illinois, Louisiana e Washington DC, entre 1820 e 1865. A lenda inicia quando, aos nove anos, Abraham (Lux Haney-Jardine) se envolve numa confusão para salvar escravos negros das chibatadas do malévolo comerciante Jack Barts (Martin Csokas), que ele logo descobre ser o vampiro responsável pela morte de sua mãe. Dez anos depois, Lincoln (Benjamin Walker) só pensa em vingança e encontra no misterioso Henry Sturgess (Dominic Cooper) toda ajuda técnica que precisa para dar cabo aos vampiros que vivem disfarçados (de ferreiros, farmacêuticos, banqueiros) entre os humanos. Abe também sabe como se disfarçar. Durante o dia é um pacato balconista em uma loja de conveniências e de noite é um conveniente exterminador de vampiros.


Ah, entre as duas intensas atividades, o super-herói de ocasião ainda conhece, conquista e se casa com a inocente e romântica Mary Todd (Mary Elizabeth Winstead), estuda Direito (por conta própria) e se mete com a política. E mais, além da “irada” Guerra de Secessão (1861 - 1865) ele vai enfrentar uma sucessão de ataques vampirescos comandados pelo milenar Adam (Rufus Sewell) e sua companheira Vadoma (Erin Wasson). Movido por um profundo instinto justiceiro (ou de vingança!), Lincoln nunca esqueceu o que sua mãe lhe disse: “...enquanto não for todo mundo livre, somos todos escravos”. Um pensamento que também parece ter pautado a sua vida política.

Abraham Lincoln - Caçador de Vampiros (Abraham Lincoln: Vampire Hunter, EUA, 2012), dirigido por Timur Bekmambetov (Guardiões da Noite, Guardiões do Dia, O Procurado), com roteiro frouxo do próprio autor do romance homônimo, Seth Grahame-Smith, é irregular e fragmentado. Apesar do título absurdo sugerir algo tipo B, tipo trash, tipo paródia, é tipo assim: um filme que prefere apostar na ação e horror e na ação e terror e na ação e sustos e na ação pela ação do começo ao fim com pelo menos duas sequências de tirar o fôlego. Ufa! A princípio parece um filme que, ao negar a paródia, também nega o humor, nadando contra a maré sugerida pelo título maluco. No entanto, mesmo querendo parecer sério (!?) há alguns momentos de humor involuntário, como na fantástica perseguição por cima, por baixo, por entre, por trás e pela frente de uma manada de cavalos desembestada. O assalto ao trem também tem algo de humor (negro). Na verdade a narrativa até ensaia algumas situações de humor, o problema é que elas só fazem efeito muito depois da sessão. Isto é, desde que você consiga se lembrar das pequenas cenas “engraçadinhas”. Well, se já é difícil levar a sério um livro com um título tão extravagante (tem quem leva!), que dirá um filme que exagera na bizarrice, que falseia fatos reais para dar veracidade à ficção.


Abraham Lincoln - Caçador de Vampiros é uma superprodução pensada para o lazer do público adolescente que não está nem aí para a (in)coerência histórica estadunidense e que, à espera de curtir vampiros mais radicais e menos românticos, vai ao cinema pela adrenalina e não pela eventual alegoria e ou metáfora (vampiros brancos: sulistas, confederados e sugadores de sangue de escravos negros). Também porque, do jeito que a questão (socioeconômica e racial) é colocada na trama, pairam dúvidas se é intencional ou um equívoco, um descuido narrativo que passou pela ilha de edição, onde ficaram partes importantes do drama. Enfim, se produtores, roteirista e diretor não se preocuparam em aprofundar o tema, por que desviar a atenção das cabeças rolando e voando para o colo do espectador que está na sala só para levar muito susto e ver o sangue jorrar? O adolescente que gosta de filme de ação pela ação com pitadas de horror gótico, é bem capaz de se divertir sem precisar incomodar o seu Tico e Teco.

O cinema do russo Bekmambetov é repleto de efeitos especiais mirabolantes que beiram o surreal. No começo é um deleite para os olhos, mas logo o cisco começa a incomodar. Ele é ousado ao apostar todas as fichas na pirotecnia dos impressionantes efeitos especiais, todavia, tudo o que é over (matança de vampiros, por exemplo) acaba cansando o olhar (do público mais velho?) pela repetição. É claro que nem sempre tudo funciona às mil maravilhas e no meio do excesso acaba se perdendo a essência do conteúdo. Aí, sem um bom roteiro, quem acaba dando as caras são os defeitos: a maquiagem é medonha, o único a envelhecer (na história) é o Abraham Lincoln. Quanto aos slides, fotografia (?) de vampiro, projetores..., é melhor ver (para não se aborrecer) como “liberdade poética”. Na excelência do elenco o destaque vai para Cooper e o seu sedutor e mortal Henry.

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Crítica: Rock of Ages - O Filme



Às vezes somos traídos pela memória e levados a acreditar que o gênero musical anda meio bissexto nas salas de cinema. Mas, nada como o Google para nos lembrar de que, na última década, pipocaram algumas boas variações de musicais por aqui: Moulin Rouge - Amor em vermelho (2001), de Braz Luhrmann; Chicago (2002), de Rob Marshall; Dreamgirls - Em busca de um sonho (2006), de Bill Condon; Hairspray - Em busca da fama (2007), de Adam Shankman; Across the Universe (2007), de Julie Taymor; Mamma Mia! (2008), de Phyllida Lloyd; Sweeney Todd - O Barbeiro Demoníaco da Rua Fleet (2008), de Tim Burton; Burlesque (2010), de Steve Antin; entremeados de alguns títulos europeus: 8 Mulheres (2002), de François Ozon; Canções de Amor (2007) de Christophe Honoré; Apenas Uma Vez (2007), de John Carney..., e algumas bobagens juvenis estadunidenses, na entressafra.

Rock of Ages - O Filme (Rock of Ages, EUA, 2012), dirigido por Adam Shankman, é a deliciosa versão de um musical homônimo, da Broadway, que fala do que de melhor e de pior aconteceu no mundo rock dos anos 1980. A comédia narra, por meio de hits do rock’n’roll (e suas variantes: rock pop, pop rock, hard rock, glam metal etc), a romântica história de Sherrie Christian (Julianne Hough), uma garota ingênua do interior, e Drew Boley (Diego Boneta), um garotão gente boa da cidade, que compartilham sonhos e decepções em Hollywood. Eles se conheceram em 1987, na famosa Sunset Strip, em Los Angeles, cidade sempre abarrotada de artistas em ascensão, em franca decadência e ou ilustres desconhecidos. Ali os jovens têm que encontrar o próprio caminho ou (se tiverem sorte) pegar um atalho pelo lendário The Bourbon Room, o clube onde trabalham. A famosa casa de shows está passando por algumas dificuldades, mas Dennis Dupree (Alec Baldwin), o proprietário, e Loony (Russel Brand), o técnico de som, acreditam que uma apresentação de Stacee Jaxx (Tom Cruise), o deus inconstante do rock, pode ser a solução para que este Templo do Rock’n’roll continue com as portas abertas para os seus fiéis seguidores.


O roteiro escrito por Justin Theroux, Chris D’Arienzo e Allan Loeb, baseado no musical, criado por D’Arienzo, traz uma história clássica (segundo a sinopse que li, sobre o musical da Brodway, com significativas mudanças) de pessoas comuns que não desistem dos seus sonhos mesmo quando os sonhos parecem desistir delas. A divertida história é uma viagem emocionante pelo rock do Def Leppard: Pour Some Sugar On Me, do Twisted Sister: We're Not Gonna Take It, do Journey: Don't Stop Believin, e por baladas como I Wanna Know What Love Is, do Foreigner, Every Rose Has It's Thorn, do Poison, e Can't Fight This Feeling, do REO Speedwagon. Aliás, a hiper-super-mega romântica down I Wanna Know What Love Is, do Foreigner, é a responsável por uma das melhores sequências (deliciosamente erótica, romântica, trash, brega) do filme, envolvendo o infeliz Jaxx (Cruise) e Constance Sack (Malin Akerman), a repórter da Rolling Stone. As músicas funcionam bem até quando ausentes, como é o caso da Rock of Ages, do Def Leppard, que não foi liberada para o teatro (e provavelmente nem para o filme), mas que está num diálogo “chapado” que marca o reencontro de Stacee (Cruise) e Dupree (Baldwin).

Rock of Ages - O Filme é uma produção (e que produção!) que trata com ironia (mas sem perder o humor!) dos bastidores nada glamouroso do showbiz, com suas estrelas talentosas e ou inventadas, constantemente manipuladas por agentes ordinários, feito Paul Gill (Paul Giamatti), que vampirizam seus artistas até a última gota do lucro fácil. É uma comédia divertida e cantante (para quem viveu aquela época), sem apelos escatológicos e que não subestima a inteligência de ninguém. Tem uma boa dose de safadeza rock’n’roll e chega a ser maldosa (?) com os fãs das (hoje) abomináveis boy bands que faziam a alegria da meninada naquele fim de década. Não sei se “maldosa” é a palavra correta, não importa, a verdade é que as cenas com os garotos são hilárias. Acredite, nunca mais você vai ver os adolescentes e suas bandas pop da mesma maneira.


O musical tem um bom elenco de coadjuvantes de luxo afinados com o humor escrachado e ou fetiche (este é o melhor!) e afinados com as (loucas) canções. Quem um dia imaginou ouvir Tom Cruise cantando (e bem!) rock e ou qualquer coisa? Já os protagonistas, atores-cantores, estilo High School, para adolescente se apaixonar, se não empolgam, também não chegam a decepcionar os mais velhos que querem mais é saber de rock’n’roll (básico, grudento, e daí?) e seus riffs fantásticos, na cabeça. Quer mais é cantar junto e sem culpa de ser feliz e de gostar e ou ter gostado daquela música até hoje (revisitada) e em mutação. Quem resistir ao: We built this city, we built this city on rock an' roll…, do Starship, que quebre o primeiro bolachão.

Bem, sei lá, em se tratando de música, sempre tem aqueles conservadores crentes de que o rock é coisa do Demônio, como imagina a obcecada vilã Patricia Whitmore (Catherine Zeta-Jones), a primeira-dama de Los Angeles. E ficaria ainda mais horrorizada se ouvisse o Rauzito exorcizando os carolas com o seu Rock do Diabo: O Diabo é o pai do rock! / O Diabo é o pai do rock! / Então é very god rock! / O Diabo é o pai do rock! / Enquanto Freud explica / O Diabo dá os toque...

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Crítica: O Ditador



Uma boa comédia depende do estado de espírito de quem a faz e de quem a assiste. Basta um descuido no script para o roteiro desandar. Basta o lugar comum do argumento para o cinéfilo se chatear. Gostar de O Ditador, de Sacha Baron, ou dos ditadores reais, é mais uma questão de ponto de vista (crítico) do que de gosto (discutível).

O Ditador (The Dictator, EUA, 2012), dirigido por Larry Charles, é uma comédia sobre a tresloucada visita do famigerado Almirante General Aladeen (Sacha Baron Cohen), ditador de Wadya, uma nação norte-africana, aos Estados Unidos, para discursar na ONU e (tentar) escapar das sanções econômicas impostas pelo governo norte-americano ao seu (miserável) país, que purifica o urânio apenas para “fins pacíficos e medicinais”. Em Nova York o nefasto Aladeen vai descobrir que o seu Tio Tamir (Ben Kingsley), que é o seu Chefe da Polícia Secreta, Chefe de Segurança e Negociante de Mulheres, esconde alguns trunfos nas mangas, e que Zoey (Anna Faris), uma ativista americana, pode lhe ensinar um algo a mais sobre o prazer sexual.


A premissa de que estamos diante de um choque cultural, capaz de fazer voar farpas para todos os lados, é um ledo engano. A promessa de uma crítica ferina, principalmente aos regimes políticos, não se concretiza. O discurso irônico e sagaz, que sugeria novidade e catapultava os politicamente incorretos Borat e Brüno, esvaziou-se em O Ditador, sinalizando cansaço da fórmula (para quem busca alguma novidade!). Para onde foi o prólogo promissor? A esperada diversão, calcada no excesso de grosserias e vulgaridades (clichês), típicas das produções cinematográficas do premiado roteirista, performer e criador de Ali G, Baron Cohen, se perde no caminho da previsibilidade.

Passando ao largo da paródia, e com as piadas (de sempre?!) racista, sexista, políticas e outras degenerações requentadas (caducas para quem busca novidade!), O Ditador se torna enfadonho ainda aos trinta minutos iniciais. No entanto, pode ser um prato cheio (de quê?!) para o público jovem que ri (?) de tudo, até mesmo de alguma insinuação escatológica que ele já ouviu e depois viu trocentas vezes em “comédias besteirol” (última moda em Hollywood e no Brasil). Se bem que a gargalhada final parece não chegar nem para quem ri por último. 

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Crítica: Corações Sujos



Falar da própria aldeia e alcançar a universalidade pode não ser tão fácil como pregava Léon Tosltói. É preciso, antes de mais nada, saber sobre o quê e ou quem falar. O verbo pode se tornar uma faca de dois gumes, se o autor não souber decifrar o conteúdo das entrelinhas diárias dos seus vizinhos. A cultura japonesa, possivelmente, é a mais fechada e indecifrável a um gaijin, mesmo em sua própria terra. Foi o que comprovou a recente revelação de documentos sobre as atividades criminosas da Shindô-Renmei no Brasil.

Corações Sujos, dirigido por Vicente Amorim, é um drama inspirado em eventos relatados no livro homônimo do escritor Fernando Morais, lançado em 2000, que trata dos atos terroristas da organização Shindô-Renmei, nas colônias japonesas do interior de São Paulo, após a derrota do Japão na Segunda Guerra Mundial. Neste mesmo ano foi publicado, dentro da Coleção Inventário DEOPS, Shindô-Renmei - Terrorismo e Repressão, de Rogério Dezem, uma obra que resgata importantes documentos guardados nos arquivos do Departamento de Ordem Política e Social de São Paulo (Deops), provenientes da investigação sobre as mesmas atividades criminosas da Shindô-Renmei (Liga do Caminho dos Súditos), entre 1945 e 1953. Parece que, de uma hora para outra, em meio aos preparativos da comemoração dos 100 anos da imigração japonesa (1908 - 2008), as portas da aldeia nipônica foram arrombadas e o silencio que era de ouro virou prata na palavra dos nisseis.


Baseado no roteiro de David França Mendes, Corações Sujos conta a história fictícia do fotógrafo Takahashi (Tsuyoshi Ihara), um imigrante japonês que vive com a esposa Miyuki (Takako Tokiwa) numa pequena cidade do interior paulista e, em 1946, após um incidente envolvendo soldados brasileiros e membros da colônia japonesa, é convencido a integrar o grupo Shindô-Renmei (Liga do Caminho dos Súditos). A organização, liderada por Watanabe (Eiji Okuda), um coronel reformado do Exército Imperial Japonês, é a responsável pelo “julgamento” e execução de japoneses considerados “traidores” do Império Japonês, por não acreditarem e ou duvidarem que o Japão tenha saído vitorioso da Segunda Guerra Mundial. Watanabe, que lutou na Guerra da Manchúria e não aceita a derrota do seu país de origem, é um hábil manipulador. É ele quem decide sobre a vida dos kachigumi (vitoristas) e ou morte dos makegumi (traidores - corações sujos), e quem transforma Takahashi em um assassino cruel.

Corações Sujos é impactante e corajoso ao tratar, com imparcialidade, um assunto  extremamente complexo e até controverso para alguns nisseis. Ele não esgota e tampouco aprofunda o tema, passando uma ideia errônea de apenas tangenciar fatos até recentemente desconhecidos da grande maioria dos brasileiros e dos japoneses. Uma infeliz escorregadela no roteiro também contribui para dar a impressão de que a história contada é maior do que a mostrada na tela. A sensação (de furo) é causada (principalmente) pela “presença” e “ausência” do subdelegado (Eduardo Moscovis) em momentos cruciais da trama. Fora isso, parece acertada a opção em falar apenas do Inferno (Shindô-Renmei) dentro do Inferno (Governo Vargas), logo após a Segunda Guerra, já que a repressão aos imigrantes alemães, italianos e japoneses, no período, é mais conhecida do que esta entre os próprios japoneses.


Corações Sujos não é uma tese de mestrado ou sequer um documentário sobre a Shindô-Renmei. Mas um filme de ficção que utiliza informações sobre uma organização criminosa real, como precioso pano de fundo, para contar uma interessante e envolvente história de amor e dor, vivida por estrangeiros em uma terra onde não se reconhecem nem mesmo estre os seus compatriotas. Se, enquanto cinema, chamar a atenção do público para o assunto polêmico, provocando acaloradas discussões socioculturais sobre o deveres patrióticos, honra, fé, tradição, justiça, valores humanos..., já terá valido o esforço.

A excelência do elenco, formado pelos maiores nomes do cinema japonês, em atuações impecáveis, dão à produção um invejável selo de qualidade. Vale destacar as performances de pelo menos três atores: Takako, no papel da compassiva esposa de Takahashi, emociona sem dizer uma palavra..., ela é toda e apenas olhar. A sequência em que “dialoga” com a cesta de milho, a casa e as galinhas pode ser considerada uma das mais fascinantes do cinema brasileiro; Tsuyoshi surpreende o espectador com a precisa transformação do jovial fotógrafo em um ensandecido e sanguinário “samurai”; O veterano Eiji Okuda, na pele de um “fundamentalista” que impõe a “sua verdade” aos colonos e age instintivamente em obediência cega ao Imperador Hiroíto e à tradição japonesa, provoca calafrios.

Corações Sujos tem uma excelente direção de arte de Daniel Flaksman e a fotografia de Rodrigo Monte, mesmo com um incômodo efeito de distorção (alegoria ou afetação?), é belíssima..., em alguns momentos beira o sublime. Quanto à música de Akihiko Matsumoto, ela é muito bonita, mas poderia se menos intrusiva.


Nota: Uma pergunta que não quer calar: O cartaz de Corações Sujos, criado pela Agência Ana França Design, é uma “homenagem” ao emblemático cartaz de Rogério Duarte para Deus e O Diabo na Terra do Sol (1964), de Glauber Rocha, ou é mera “coincidência” de ideia?

Para saber mais sobre a Shindô-Renmei:
No prefácio do livro Shindô-Renmei - Terrorismo e Repressão, de Rogério Dezem, o Prof. Dr. Sedi Hirano escreveu: “A tragédia ocorrida na sociedade dos imigrantes radicados no Brasil não poderia - jamais - ser compreendida de forma alguma no Japão, nem mesmo pelos jornalistas, ainda que estes estivessem sempre na vanguarda dos tempos. O sentimento dos imigrantes que na própria terra natal foram chamados de ignorantes, desprezados por serem desatualizados e que se envolveram em tramas devida ao único pecado que cometeram - o de serem súditos leais e submissos e de acreditarem incondicionalmente no paí­s de sua origem - não poderia ser compreendido por ninguém, a não ser por aqueles que conheceram a história da imigração e que sofreram as mesmas privações num país estrangeiro. Essa aventura da Shindô-Renmei, na verdade, é uma parte do lado trágico da história da imigração japonesa no Brasil. Ela deixou marcas profundas entre os imigrantes japoneses, necessitando ser desvendada e conhecida em profundidade.” O prefácio, na íntegra, pode ser lido aqui: Shindô-Renmei


quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Crítica: O Vingador do Futuro (2012)



Total Recall é o nome “fantasia” que o conto We Can Remember It For You Wholesale, de Phillip K. Dick, ganhou (e passou a ser conhecido!?) ao servir de inspiração (mínima) para o filme Total Recall (O Vingador do Futuro, 1990), de Paul Verhoeven, com Arnold Schwarzenegger (Doug Quaid) e a belíssima Sharon Stone (a dissimulada e fatal Lori), ambos no auge da carreira. O filme de Verhoeven continua bom, com malícia e humor na medida certa..., mas nem as famosas sequências de matança (como a da escada rolante) provocam o mesmo impacto dos anos 1990. Todavia, como a criatividade anda em falta em Hollywood, o conto (meio kafkiano) de K. Dick, publicado em 1966, voltou a servir de desculpa para inspirar (com o mesmo nome “fantasia”) o recall de Total Recall, que já nem é tão total assim, em 2012.

O Vingador do Futuro (Total Recall, EUA, Canadá, 2012), dirigido por Len Wiseman, fala de um Planeta Terra, em fins do século 21, praticamente arrasado por guerra química. Há apenas duas regiões habitáveis (Grã-Bretanha e Austrália), conhecidas como Federação Unida da Grã-Bretanha (rica) e Colônia (pobre), interligadas por um elevador chamado de Queda. Numa gigantesca favela de Colônia vive o pacato operário Douglas Quaid (Colin Farrel) e sua mulher Lori (Kate Beckinsale). Ele anda estressado por causa da sua rotina de trabalho e de um mesmo sonho que o atormenta toda noite. Acreditando que a ilusão de férias em Marte o ajudará, Doug procura a Rekal Incopored, especializada em memórias artificiais, e acaba descobrindo que ele não é exatamente quem pensa que é, e muito menos as pessoas ao seu redor. Ao tentar elucidar os fatos ele se vê metido numa dramática aventura, envolvendo a sua mulher, o chanceler da Federação, Vilos Cohaagen (Bryan Cranston), e os rebeldes Melina (Jessica Biel) e Matthias (Bill Nighy). O problema é que Quaid não tem certeza se o que está vivendo é real e ou faz parte do programa de falsa memória de férias da Rekal.


O frágil roteiro de Mark Bomback, James Vanderbilt e Kurt Wimmer, tem como base o filme de 1990 e não o conto de K. Dick. É uma versão pretensiosa, mas a sua ousadia acaba ficando pelo meio do caminho, ali entre a refilmagem (imitando cenas e até diálogos da produção anterior) e a busca de originalidade (situando a ação na Terra). É inevitável a comparação entre as versões de Verhoeven e Wiseman, principalmente porque abordam um mesmo futuro distópico e em convulsão social. Se o leitmotiv de um é a exploração (irracional) do minério (marciano), o do outro (desconhecendo o controle de natalidade?) é a apropriação (irracional) do território terceiro mundista.  

Wiseman se mostra fã de sci-fi e toma “emprestado” o clima e a cenografia de Blade Runner, de O Quinto Elemento e de diversos Animes, bem como os modelos de robôs de Star Wars e de Eu, Robô, para compor uma narrativa que acaba se tornando irregular por ser levada a sério demais. Se tanto empréstimo familiariza o espectador fã de ficção científica, também o decepciona pela falta de criatividade no desenvolvimento do roteiro e direção. Entretanto, quem não conhece os filmes citado e muito menos o de Verhoeven, vai ficar fascinado (ao menos) com o visual. Algumas cenas de ação até são bacaninhas, mas chega uma hora que cansa ver o tal do bate um pouquinho e apanha um pouquinho e sem um machucadinho em sequências sem fim com os mesmos bandidos e mocinhos... De novo?!


Preferindo sempre o original ao genérico, acho que uma boa história só deve ser recontada na total (ops!) falta de opção e ou desde que traga realmente um novo olhar sobre um velho tema. Nunca é demais lembrar que nos últimos 22 anos apareceram muitos filmes tramando com a memória “plantada” em um cidadão, tirando o “sabor de novidade” de O Vingador do Futuro. O que me leva a perguntar: Se o universo literário sci-fi, com milhares de histórias originais excelentes, é riquíssimo, por que remaquiar uma que já rendeu tantos genéricos? Até mesmo o conto We Can Remember It For You Wholesale, na íntegra, daria um filme melhor que as duas produções, já que o seu foco (real e de discussão) é outro. Leia o conto (é curtinho!) de K. Dick e descubra até onde vai (ou para onde vai) a imaginação dos roteiristas.

O público alvo é o adolescente (principalmente) norte-americano e o conteúdo, é claro, foi nivelado por ele. A prostituta de três seios e alguns elementos que faziam sentido na antiga versão, agora, fragmentados e totalmente fora de contexto, dizem absolutamente nada. Quanto ao elenco, ver a inexpressiva mulher do diretor no papel de uma psicopatética Lori, faz a gente sentir saudades da insinuante Lori da linda Sharon Stone e da antológica e sagaz cena do acerto de contas com Quaid: Doug... Você não iria me machucar, não é, querido? Querido, seja razoável. Afinal, estamos casados! (...) Considere isso um divórcio! A atriz Jessica Biel é outra que não disse a que veio, com a sua insossa rebelde Melina. Sobra mesmo para Colin Farrel, em boa e convincente interpretação, segurar o tranco da produção.

O Vingador do Futuro é descartável, como a maioria dos remakes. No entanto, pode surpreender quem não é familiarizado com o tema e ou não exigir muito de um filme pipoca clichê daqui e refresca clichê dali. Caso contrário, parodiando o Douglas Quail (Ele acordou e desejou Marte.), do conto de Phlip K. Dick, o espectador vai acordar e querer o seu dinheiro de volta.

fotos: divulgação

terça-feira, 14 de agosto de 2012

Crítica: Os Intocáveis


  
OS INTOCÁVEIS
por Joba Tridente

Depois do fascinante O Artista (de Michel Hazanavicius, 2011), outro filme francês volta a surpreender o mercado cinematográfico e seus consumidores: Os Intocáveis, uma comédia, levemente dramática, sobre as relações de trabalho e de amizade entre um milionário tetraplégico (branco) e seu pobre assistente (negro).

Os Intocáveis, dirigido por Eric Toledano e Olivier Nakache, é inspirado no livro Le second souffle suivi du Diable gardien (1998 e 2004), de Philippe Pozzo di Borgo, onde o autor (milionário e tetraplégico) fala da imprescindível participação do assistente Abdel na superação das suas tragédias pessoais. O livro, lançado no Brasil com o título O Segundo Suspiro (2012), traz em seu novo prefácio o comentário do autor sobre o encontro que teve com os dois cineastas franceses, que o procuraram após assistirem ao documentário À la vie, à la mort (2002), dirigido por Jean-Pierre Devillers: “O filme, de uma hora, retratava o improvável encontro entre o rico tetraplégico privilegiado que sou e o jovem de origem árabe da periferia de Paris, Abdel. Contrariando todas as expectativas, esses dois homens se ajudariam mutuamente durante anos.


Não fosse inspirado em fatos reais, com algumas liberdades pertinentes ao cinema do gênero, Os Intocáveis (Les Intouchables, França, 2012), para a grande maioria, passaria por uma improvável ficção com (inconcebíveis?) toques politicamente incorretos. A princípio, para quem já se acostumou em ver as indefectíveis histórias americanas de superação (física, social, psicológica) e altruísmo exacerbado, que a todo ano chegam aos cinemas e são fortes concorrentes ao Oscar, a produção francesa pode parecer lugar comum, com um clichêzinho aqui e outro acolá. Mas logo se percebe um certo equívoco, já que, ao enfatizar a história do cadeirante Philippe (François Cluzet) e seu conturbado e divertido cuidador Driss (Omar Sy), os diretores (e também roteiristas) buscam o humor em vez de lágrimas, sem com isso tirar a seriedade do tema.  Talvez daí, por conta dessa caixinha de surpresas que é a vida real, o charme que tem conquistado milhões de espectadores.

O filme esboça uma certa ironia (que fica entre deboche e a caricatura) na narrativa e no retrato socioeconômico dos protagonistas, numa França em crise, mas aberta ao “investimento” de risco. As sequências sobre a valorização de uma obra de arte são de pura galhofa. É bom que se diga que o humor francês é bem mais palatável que o inglês (meu favorito), mas o espectador deve ficar atento, porque ele é muito rápido (e perde-se muito na tradução/legenda) e nem sempre muito explícito. Os atores estão ótimos (destaque para Sy) e parecem se divertir com o “antagonismo” de seus personagens que, mesmo buscando cumplicidade, não deixam de alfinetar o ponto de vista sociocultural de um e de outro.


Eric Toledano e Olivier Nakache não adoçam o amargor da vida do saudável negro da periferia parisiense, marginalizado e sem muitas perspectivas, e nem tampouco a do imobilizado milionário, prisioneiro de um passado “feliz”, apenas procuram tornar mais leve (do que é!), aos olhos do público, o drama que os aflige. O filme tem pequenas falhas nas (desinteressantes) histórias paralelas, mas nada que comprometa o seu ritmo ou tire o prazer de assistir a esta deliciosa e boa comédia francesa.

Porque intocáveis? Segundo Philippe Pozzo: “Somos ambos “intocáveis” em diversos aspectos. Abdel, de ascendência do Norte da África, sentiu-se marginalizado na França - tal como a classe dos intocáveis na Índia. Não se pode “tocar” nele sem o risco de levar um soco, e ele corre tão rápido que os tiras - repetindo sua palavra - conseguiram pegá-lo apenas uma vez em sua longa carreira de delinquente. (...) Quanto a mim, atrás dos altos muros que cercam minha mansão em Paris - minha gaiola dourada, como diz Abdel -, abrigado da necessidade graças à minha fortuna, faço parte dos “extraterrestres”; nada pode me atingir. Minha paralisia total e a ausência de sensibilidade me impedem de tocar o que quer que seja; as pessoas evitam até roçar a minha pele, tamanho o medo que lhes causa minha condição física, e ninguém pode me tocar o ombro sem desencadear dores lancinantes. “Intocáveis”, portanto.

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Crítica: Outback - Uma Galera Animal



Nos últimos anos a Coréia do Sul tem sido o destino de muitos realizadores estrangeiros de animação (para reduzir custos), inclusive brasileiros. Por alguns filmes que nos chegam parece estar valendo a pena. A cada novo desenho (terceirizado e ou em parceria) percebe-se um maior domínio técnico. Vale ressaltar que a Coréia do Sul tem alguns belíssimos exemplares, em produções próprias, como, por exemplo, Oseam.

Outback é uma região “no meio do nada” na Austrália, o equivalente ao sertão brasileiro, inóspito e longe de tudo. É ali que vamos encontrar a Galera Animal, do título: Coalas, Dingos, Tilacino ou tigre da Tasmânia, Diabo da Tasmânia, Macaco, Avestruz, Wombats (um roedor gigante), Lagartos, Crocodilos, Cangurus, Abutres... A história começa com um fantástico voo de reconhecimento sobre Outback, até encontrar o anti-herói Johnny, um simpático coala que está sendo expulso de um território de eucalipto só porque é albino. Confuso e sem ter para onde ir, encontra os espertalhões Hamish, um Diabo da Tasmânia, e Higgens, um macaco fotógrafo, que propõem a ele trabalhar num circo. Porém, o que parece ser uma boa ideia acaba se tornando um grande problema.  Ou melhor, o começo de uma saga, repleta de perigo, onde o desajeitado coala se vê bancando o herói, em meio a uma briga por água, numa região dominada pelo brutamontes Bog, um imenso crocodilo.


Outback - Uma Galera Animal (The Outback, Coréia do Sul, EUA, 2012), dirigido Kyung Ho Lee, é uma animação suavemente colorida e chama a atenção pelos estranhos tons pastel na caracterização de alguns animais. O alvo é a criançada (dos 6 aos 12 anos), mas não chega a ser uma tortura para os acompanhantes mais velhos, desde que entrem no clima infantil da trama. O roteiro é simples, e o pequeno espectador não terá nenhuma dificuldade em distinguir quem é quem e ou mesmo acompanhar a narrativa. Na verdade o roteiro é simples até demais e pouco original na adaptação de uma história já vista, com alguma variação, na interpretação de outros animais..., quer dizer, nem tão outros assim, em várias animações de sucesso. Se bem que não há nenhum demérito em se recontar bem uma história (mesmo batida).

Geralmente um longa de animação, dependendo da técnica utilizada, leva uns quatro anos para ser finalizado e distribuído. Daí, talvez, as coincidências (?) de roteiro, personagens e sequencias. Assim, se a história de Johnny, o improvável herói (de ocasião), lembra a do Rango (2011), o circo logo nos remete a Madagascar 3: Os Procurados (2012). Agora, o que impressiona mesmo é a semelhança entre as cenas de combate dos Wombats (principalmente em asa delta) de Outback e dos roedores de Era do Gelo 4 (2012) que, por sua vez, lembra as dos fofos Ewoks em Star Wars Episódio VI: O Retorno de Jedi, 1983). Coincidências (ou não) à parte, o que está ficando cada vez mais difícil de engolir é a humanização excessiva dos animais selvagens. A cada animação os bichos aparecem mais civilizados que o próprio homem civilizado, absorvendo até mesmo as suas (discutíveis) idiossincrasias... Pode até ser engraçadinha a brincadeira com os super-heróis, mas é totalmente deslocada (ou seria tresloucada?).


Outback - Uma Galera Animal deve agradar e divertir as crianças mais pela curiosa fauna australiana, do que pela edificante e simplória narrativa, com suas mensagens educativas (sutis ou explícitas) sobre preconceito, amizade, poder, liberdade, heroísmo... Apesar de começar falando do abandono do coala (Johnny) à própria sorte, a narrativa evita o dramalhão e, sem se furtar ao assunto, trata de conquistar o público infantil trabalhando a trama de forma mais leve, misturando ação, aventura, música, dança e humor, num ritmo propício aos pequenos. O que quer dizer que um acompanhante mais velho vai se entusiasmar e achar alguma graça, lá pelo meio ou quase perto do final. Ou não, depende muito do seu estado de espírito e companhia. A dica é dar folga ao racional e levar somente o emocional para a sala de cinema.

Este é um filme de poucas novidades, para um cinéfilo, e nada memorável. Tecnicamente é até bem resolvido e o 3D é apenas um capricho (desnecessário) a mais.

fotos: divulgação

domingo, 5 de agosto de 2012

Crítica: Bel Ami - O Sedutor



Bel Ami, o clássico romance de Guy de Maupassant (1850 - 1893), escrito em 1885, e inacreditavelmente contemporâneo, fala de uma época onde a arte de seduzir, de intrigar e de manipular dados (e fatos!) é a mais eficaz arma para a ascensão social e política. Em sua recente versão para o cinema a história mantém a sua acidez crítica à sociedade, à política, à imprensa. Todavia, pela velocidade da narrativa e a pressa em finalizar o layout e a boneca, a adaptação aparenta mais um resumão da obra homônima do que mesa posta para degustação da fina ironia dos entretítulos e ou das entrelinhas.

Bel Ami - O Sedutor (Bel Ami, UK, França, Itália, 2012), dirigido pelos estreantes Declan Donnellan e Nick Ormerod, vindos do teatro, se passa em 1890, na França, onde o ambicioso jovem Georges Duroy (Robert Pattinson), vivendo à mingua, acaba esbarrando na sorte grande ao encontrar Charles Forrestier (Philip Glenister), um companheiro de combate na Argélia, que o apresenta ao lucrativo quarto poder, também conhecido como imprensa. Para um aspirante a alpinista social, sair do submundo miserável direto para os salões mais requintados de Paris, trocar a companhia de prostitutas e vagabundos por “gente” influente e da mais alta sociedade, é uma oportunidade que não tem preço. Na verdade até tem, mas esse ele paga de bom grato.


Os filmes de época geralmente fascinam o espectador pelo cuidado da produção na reconstituição detalhada de um tempo possível apenas na sua imaginação de leitor. No entanto, nem sempre o mesmo apuro técnico (cenografia, figurino e trilha sonora) é percebido na construção e condução satisfatória de um roteiro baseado em romance histórico. Em Bel Ami - O Sedutor, a narrativa apenas tangencia em pontos capitais da obra homônima de Maupassant. Aí, sem a profundidade necessária, fica difícil acreditar na ascensão do curioso personagem que é retratado como um completo imbecil. Não que ele fosse um poço de sabedoria, mas deve ter lá alguma qualidade além do talento (?) natural de “galinho”, pronto a satisfazer os inconfessáveis desejos sexuais das “galinhas” que cacarejam ao seu redor.

Além de alguns segredinhos colhidos nas suas “rapidinhas”, com o trio de mulheres: Madeleine Forrestier (Uma Thurman), a influente e maquiavélica autora das suas matérias jornalísticas; a alegre e oportunista Clotilde de Marelle (Christina Ricci) e a recatada Madame Rousset (Kristin Scott Thomas), mulher de Rousset (Colm Meaney), o editor do La Vie Française..., há pouca coisa para se ver e saber sobre a sua ascensão no jornal e em como, sendo um jornalista tão medíocre, causou tanto “estrago” no governo. Uma vez que o foco está mais interessado na estampa de Delroy, o tal Bel Ami (Belo Amigo) das mal-amadas, do que no conteúdo sarcástico da trama, o filme acaba por lembrar as famosas adaptações da obra Les Liaisons Dangereuses (As Ligações Perigosas, 1782), de Choderlos de Laclos, que também trata de sedutores charmosos e diabólicos.  


Bel Ami tem uma narrativa lenta (parece ter muito mais que 100 minutos) e truncada (por conta do saltitar de sequências), na suposição errônea de que o público já conhece a obra e não deve se importar com a falta de detalhes (importantes!) que dão consistência ao livro. O que se percebe em cena é uma abreviada interpretação (teatral) do texto original. É claro que toda obra literária sofre (necessariamente?) alguma mudança na adaptação (de linguagem) teatral e ou cinematográfica. O tempo e o tratamento de imagem do teatro são diferentes do cinema. Por isso, raramente o que funciona em uma mídia funcionará na outra. Bel Ami - O Sedutor, em sua síntese, é até razoável, mas resultaria melhor em um palco.

O adjetivo de Sedutor, ao título brasileiro, é uma “sutileza” tão misteriosa (?) quanto a barba de um dia (todo dia) de Pattinson, que ainda não perdeu o cacoete de tremer a boca e apertar os olhos (para ficar mais sedutor?). O ator continua se esforçando, mas ainda não encontrou um diretor que realmente acredite nele e exija que faça das tripas coração. Por enquanto ainda é um chamariz (Sedutor?). 

fotos: divulgação

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Crítica: À Beira do Caminho


Em tempos de pornochanchadas e ou “comédias” chulas, que têm levado milhões de espectadores (ávidos por baixaria) ao cinema, é mais do que bem-vinda a estreia do drama À Beira do Caminho, de Breno Silveira (Os 2 Filhos de Francisco). O filme, que foi o grande vencedor do 16º Cine PE (melhor filme, ator (João Miguel), ator coadjuvante (Vinicius Nascimento), roteiro, júri popular e Troféu Gilberto Freyre), é a cara do Brasil de gente comum com problemas comuns, e não subestima a inteligência de ninguém.  

Baseado no roteiro (quase linear) de Patrícia Andrade, com a colaboração de Domingos Oliveira, À Beira do Caminho (Brasil, 2012), assim como as músicas que o inspiraram, traz uma história simples e de fácil apelo popular. A narrativa densa, porém terna (sem ser piegas!), conta a história de João (João Miguel, cada dia mais soberbo em suas interpretações), um amargurado caminhoneiro que tenta expurgar seu passado, viajando solitariamente por todo o país. Um homem “sem” família, buscando se esquecer em um canto qualquer, longe de tudo e de todos, que acaba encontrando no cativante menino Duda (Vinicius Nascimento), um carona involuntário e vítima de uma triste sina, argumentos para solucionar um quebra-cabeça vital para a sua paz de espírito.


Apesar de inspirado em músicas do repertório do cantor Roberto Carlos, como Distância, Amigo e O Portão (compostas por ele e Erasmo Carlos), Outra Vez (Isolda), Nossa Canção (Luiz Airão), Esqueça (versão de Roberto Côrte Real para a singela Forget Him, de Mark Anthony), entre outras, é bom que se diga, não é um movie clip, mas um road movie. As músicas interpretadas por diversos cantores, assim com as frases de caminhão, apenas pontuam sequência, como se fossem prólogos ou epílogos de capítulos. Ou seja, as baladas compostas e ou na voz do romântico cantor e compositor poderiam, tranquilamente, ser de outros autores, mas a sorte conspirou a favor e elas caíram com uma luva. Haja emoção (e lenço) para tantas canções!

À Beira do Caminho, que pode ser visto como um híbrido entre o bom Central do Brasil (Walter Salles, 1998) e o antológico Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo (Marcelo Gomes e Karim Aïnouz, 2008), tem elementos suficientes para escorregar na breguice e tropeçar no dramalhão, mas Breno sabe como evitar as pontes mata-burro e público. A sua segurança, aliada a um roteiro enxuto e marcantes interpretações, lhe dá uma substanciosa veracidade num arco dramático que desenha um caminho sólido entre o chão de terra e o asfalto, a poeira e a verdejante mata, a cidade e o posto de gasolina, a estrada e o rio. Um arco que não teme escancarar todas as dores de um amor perdido ou à espera de reconciliação..., porque sabe por onde roda.


Assim como os caminhoneiros, na fala de Duda, devem sempre olhar pra frente, Silveira não perde tempo em desvios, com histórias paralelas, e o dramático À Beira do Caminho, com raríssimos momentos de humor, acaba economizando no frete para esbanjar em qualidade. A presença de Dira Paes (uma das mais brilhantes atrizes brasileiras), na pele de Rosa, antiga paixão de João, é intensa e divina. A perfeita química entre os atores (Dira e Miguel) resulta numa belíssima cena noturna. E se a expressividade de Vinicius é capaz de derreter qualquer coração de pedra, a excelente fotografia de Lula Carvalho tem a ousadia de colocar o público na contracena.

À Beira do Caminho é, sem dúvida, um filme contagiante que deve ser visto sem preconceitos ao tema e ou às bonitas músicas consagradas por Roberto Carlos. A análise depois é muito mais fácil e saudável..., vai ser difícil até lembrar se o roteiro tem alguns furos nos pneus.

Fotos divulgação: Tatiana Ferro e Gabriela Barreto

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