Os anos 1986/87 foram um marco no mundo dos quadrinhos com o lançamento da estranha e antológica minissérie Watchmen, de Alan Moore e Dave Gibson, em 12 alucinantes capítulos, envolvendo um grupo de “heróis” num mundo (ainda) em convulsão política e social. Agindo isoladamente ou em parcerias, os Vigilantes Mascarados são sonhadores, egocêntricos, arrogantes, prepotentes e crédulos de que a paz na cidade de Nova York e no mundo depende da ação deles. Mas, se fantasiados procuram passar a imagem de verdadeiros paladinos, em defesa dos fracos e oprimidos (e também a serviço dos governantes e poderosos), sem a máscara (foras da lei ou não) são pessoas tristes, homens e mulheres com todas as suas idiossincrasias.
Duas décadas depois Watchmen (Watchmen, EUA, 2009) chega às telas de cinema e se vai causar o mesmo impacto é difícil de se prever, apesar da boa produção, e da mão pesada mas certeira de Zack Snyder, o mesmo diretor do espetacular 300, baseado na HQ 300 de Frank Miller. Também porque Alan Moore, com todos os seus subtextos políticos e paralelismo antropológico, é prolixo e exige um pouco mais (bem mais) de paciência com a sua obra do que Frank Miller.
Ao contrário da HQ V de Vingança, também de Alan Moore, que se passa na década de 1980 e foi atualizada pelos irmãos Wachowski para ganhar a telona em 2006, Watchmen continua em 1985, com toda a paranóia que tomou conta da década com a Guerra Fria, a iminência de conflito Nuclear e ainda os resquícios da Guerra do Vietnan. Uma década de medos e de alguma esperança na paz. Watchmen, com roteiro de David Hayter e Alex Tse (sem qualquer participação de Alan Moore), está um pouco mais palatável, mas não menos complexo e às vezes até ininteligível em algumas citações - como na estranha conversa/desabafo de Comediante com Moloch sobre a ilha onde estão os artistas, escritores e cientistas desaparecidos - que só faz sentido com o desfecho original da HQ,
É claro que quem espera encontrar a HQ, quadrinho a quadrinho, vai se decepcionar um pouco. A dramática história dos Vigilantes Mascarados está ali, com suas questões políticas, sociais, psicológicas ao extremo, retratando um grupo de pessoas, onde cada um é cada vez mais cada um, na sua megalomaníaca busca pela paz no mundo, acreditando que os seus atos (até mesmo os imperdoáveis) serão justificados no fim. Porém, em versão cinematográfica, onde situações (e personagens) que parecem não ter importância foram descartadas (jornaleiro e seus fregueses, leitor de gibis, história do gibi, investigadores, gangues) e outras reescritas, fazendo a violência, por exemplo, que é apenas insinuada na HQ, ganhar ares além do real (e da necessidade) na telona.
À primeira vista Watchmen encanta pela sua plasticidade e trilha sonora, mas a sensação final é de que para uma razoável reflexão sobre o que é ser humano o diretor lapidou demais os Vigilantes Mascarados. Para quem não conhece a HQ recomendo que a leia depois (ou antes) de ver o filme. Mas sem esquecer que Watchmen, a HQ, é uma coisa e Watchmen, o filme, é outra, apesar das semelhanças e diferenças.
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