quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Crítica: A Onda


por Joba Tridente

Entre os Muros da Escola..., A Onda - 2
Uma Educação de Risco?

Quando vi a recente versão cinematográfica de A Onda, do cineasta alemão Denis Gansel, que fala de uma experiência pedagógica sobre autocracia, lembrei imediatamente de uma “brincadeira” infantil chamada Boca do Forno. Aquela em que os participantes elegem um “mestre”, concordam em cumprir as suas ordens e o último a chegar é punido com tapas em uma das mãos. Para quem não se lembra, talvez as falas ajudem: Boca de Forno! Forno! Fará tudo o que seu mestre mandar? Sim! E quem não cumprir? Leva bolo!... É o “mestre” quem dá a palavra final e castiga o participante: Bolo de Anjo: batida leve; Bolo de Padre: batida leve e a ordem de não se atrasar novamente; Bolo de Tia: fingir que vai bater com força e bater leve; Bolo de Mãe: bater com vontade; Bolo de Pai: bater com força; Bolo de Capeta: bater com muito mais força. Eu e muitas outras crianças saíamos da brincadeira com as mãos em brasa e doloridas. Os “mestres” geralmente eram os mais fortes e mais velhos. Até assistir A Onda não tinha noção de que a “brincadeira” pudesse ser tão humilhante. Não sei a origem da “brincadeira”. Mas acredito que ela possa ter surgido em algum tipo de campo de concentração ou coisa do gênero.

No filme A Onda (Die Welle, Alemanha, 2008), de Denis Gansel, não tem a “brincadeira” Boca do Forno, mas tem uma experiência pedagógica, sobre autocracia, que sai do controle do professor e acaba em tragédia. Lançado no Brasil em 2009, o filme é quase uma versão estendida do média-metragem americano A Onda (The Wave), dirigido por Alex Grasshof e protagonizado por Bruce Davison (Burt Ross), feito para TV em 1981. Os dois são baseados na história real ocorrida na Cubberley High School, em Palo Alto, Califórnia, em 1967.

A História: Numa aula sobre o nazismo, o professor Ron Jones foi questionado quanto a responsabilidade do povo alemão sobre as atrocidades do terceiro Reich. Para exemplificar ele decidiu fazer uma simulação envolvendo todos os alunos. Ensinou postura, respiração, comportamento, respeito, sujeição, a importância de cada um na formação de um grupo. Nos dias seguintes deu um nome ao grupo (Terceira Onda), um slogan, uma saudação, um cartão de "sócio" e até uma "polícia" de estudantes, para vigiar as ações uns dos outros, e assumiu a liderança do grupo. A simulação era perfeita e os alunos se envolveram de tal modo que passaram a acreditar que tudo aquilo era real. Eles se sentiam tão poderosos que começaram a agir, por conta própria e com violência, fora da escola, achando mesmo que a Terceira Onda era uma organização que iria dominar o país e o mundo, tendo como líder o seu professor de história. A vivência terminou com um garoto perdendo uma mão, quando mexia com explosivos, e o professor explicando aos alunos o fim da experiência, provando ser possível manipular, coagir, controlar pessoas através da ordem... A palavra pode construir e destruir mundos. Depende apenas da intenção e da força do usuário.

O Filme: Em A Onda, de Denis Gansel, a experiência americana de Ron Jones foi atualizada e a ação situada na Alemanha ganhou uma leitura mais trágica. Rainer Wenger (Jürgen Vogel), é um professor muito querido pelos alunos porque, além de ser treinador da equipe de pólo aquático, é louco por rock. Ele pretendia dar aula sobre anarquia e se vê obrigado, pela diretoria, a falar sobre autocracia. Muitos alunos estão na sua turma só porque precisam apresentar um trabalho e aquele parece ser um assunto menos maçante. Procurando motivar a classe, falando de um tema que a maioria não tem a menor idéia do significado, ele propõe a simulação de um regime totalitário. Os alunos meio que de brincadeira entram no jogo. Aprendem a sentar, respirar, obedecer, responder, conviver e valorizar o grupo, respeitar e impor respeito. Ganham um líder: "Sr. Wenger", um nome: A Onda, uma logomarca, um uniforme, uma saudação, um site. Juntando interesse com oportunidade, já que muitos alunos encontram na experiência um ponto de fuga de seus problemas pessoais, envolvendo família, amor, futuro profissional..., em uma semana a turma já está entregue de corpo e alma ao projeto e até agindo, por conta própria, fora da escola. Aliciam, através da força e do medo, crianças e jovens para o movimento e punem, com violência, os discordantes. Acreditam que A Onda é a nova ordem que vai dominar o mundo. Sem regras claras o desastre é iminente. Quando o professor tenta retomar o controle da situação é tarde demais e a vivência termina tragicamente. Era uma simulação, uma farsa, um teatro, mas os alunos acreditaram demasiadamente nos seus papéis.

No dia-a-dia não é fácil nos livrarmos das cordas que arrebanham e arrastam multidões para o consumo de bens, para a defesa de uma causa, para a luta de classe... Estamos constantemente sendo manipulados por religiosos, políticos, publicitários, imprensa, professores, artistas..., para o bem ou para o mal. Soldados vão não sabem onde matar não sabem quem..., cumprindo ordens. Na autocracia as pessoas estão sempre cumprindo ordens..., na democracia também. As palavras de ordem (sim! e não!) estão por toda parte. Na sala de aula, no cinema, na igreja, no supermercado, no bar, no quartel, na casa, no campo, no esporte, na favela, na rua..., até mesmo na praia.

A Onda é um filme muito interessante para o professor trabalhar em sala de aula (ou fora dela) e propor ampla discussão sobre o Poder: Princípio, Meio (também como forma) e Fim (também como objetivo). Motivação: aristocracia, autocracia, democracia, teocracia..., e a perda da individualidade. E ainda: fanatismo, intolerância, massificação, controle, sujeição, medo, ordem, disciplina, repressão, autonomia, anarquia. Fragmentos que, de uma forma ou de outra, estão presentes na experiência pedagógica de A Onda.

Notas:
- Na versão americana de A Onda, o professor Ron Jones virou Burt Ross e na alemã virou Rainer Wenger.
- No filme feito para a TV há o famoso discurso do professor Ross:
"Vocês trocaram sua liberdade pelo luxo de se sentirem superiores.
Todos vocês teriam sido bons nazi-fascistas.
Certamente iriam vestir uma farda, virar a cabeça
e permitir que seus amigos e vizinhos fossem perseguidos e destruídos.
O fascismo não é uma coisa que outras pessoas fizeram.
Ele está aqui mesmo em todos nós.
Vocês perguntam: como que o povo alemão pode ficar impassível
enquanto milhares de inocentes seres humanos eram assassinados?
Como alegar que não estavam envolvidos?
O que faz um povo renegar sua própria história?
Pois é assim que a história se repete.
Vocês todos vão querer negar o que se passou em “A Onda”.
Nossa experiência foi um sucesso.
Terão ao menos aprendido que somos responsáveis pelos nossos atos.
Vocês devem se interrogar:
O que fazer em vez de seguir cegamente um líder.
E que pelo resto de suas vidas nunca permitirão
que a vontade de um grupo usurpe seus direitos individuais.
Como é difícil ter que suportar que tudo isso
não passou de uma grande vontade e de um sonho".

2 comentários:

  1. Interessantes as observações sobre este filme. Vemos a manipulação política no dia-a-dia. "A palavra constrói e destrói mundos." Fico pensando na função do artista: será a marionete ou o manipulador ? Há alternativas ? beijos

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  2. Olá, Marília.
    Acho que depende do artista e do caminho que o leva à sua "arte". A arte pode ser um pincel de duas pontas e servir a propósitos distintos às circunstâncias. Já vi, por exemplo, no MON, monitoras induzindo crianças a "gostarem" de obras que elas tinham achado horrorosas. A mídia diariamente induz a desejos impossíveis e desnecessários. Alternativa? Plena abstração.
    Beijos.

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