O GRANDE SILÊNCIO
(Il Silenzio Grande)
por Joba Tridente
Coincidência ou não, recentemente assisti a três
produções cinematográficas baseadas em peças de teatro homônimas de sucesso: a
obra-prima Este Mundo é um Hospício (Arsenic
and Old Lace, 1944), de Frank Capra; o razoável Com todo meu Coração (Con
tutto il cuore, 2021), de Vincenzo Salemme, e o excelente O Grande Silêncio (Il Silenzio Grande, 2021), de Alessandro Gassmann..., as duas últimas
estão na programação online e gratuita do 16º Festival de Cinema Italiano (05/11/2021 a 05/12/2021).
“O
silêncio é uma doença ruim.
Faz você adoecer sem perceber.”
A trama de O
Grande Silêncio, de Alessandro
Gassmann, se passa em meados dos anos 1960, na Villa Primic, em Posillipo, Nápoles, que abriga o famoso escritor Valerio
Primic (Massimiliano Gallo), sua
mulher Rose (Margherita Buy), seus filhos Massimiliano
(Emanuele Linfatti) e Adele (Antonia Fotaras) e a sagaz empregada doméstica Bettina (Marina Confalone),
considerada “da família”. Há anos que Valerio
atravessa uma crise criativa e não consegue escrever uma nova obra. Como se
nega a fazer concessões ao cinema e a televisão, a situação econômica da
família está a cada dia pior, à beira de um colapso, assim como a Villa, que precisa de muitos reparos. Sem
saída, a matriarca Rose, com aprovação
dos filhos, discordância do marido e tristeza de Bettina, coloca a Villa à
venda. É durante este difícil e decisivo período de negociação, que vai mudar
significativamente a vida de todos, que a trama encaderna a história, por vezes
melancólica, de cada um dos cinco moradores, tendo como referência Valério, marido e pai ausente, dentro da
própria casa..., um escritor ensimesmado que, na busca pela melhor palavra
escrita, perde-se na surdez da melhor palavra falada.
“Existir
não é o mesmo que viver.”
Adaptado da peça teatral homônima de Maurizio De Giovanni, por Alessandro Gassmann (que a dirigiu no
teatro, tendo Massimiliano Gallo como protagonista), Andrea Ozza e o próprio De
Giovanni, o drama O Grande Silêncio,
com algumas pitadas de humor leve e nostálgico, toca profundamente na ferida da
incomunicabilidade familiar, das palavras engolidas desviando o olhar, das
pequenas pausas silenciosas entrecortando as falas até crescerem nas raias de
um insuportável grande silêncio..., difícil de ser ignorado, difícil de ser anulado.
Quanto mais gritante o silêncio, menos ouvintes os interlocutores na exposição dos
seus dilemas.
Ainda que linear, a comovente narrativa guarda
algumas surpresas ou metáforas preciosas, nas sequências acomodadas no
estúdio/biblioteca de Valério, onde os
filhos e a esposa vêm desabafar com ele e onde a adorável empregada Bettina, que divide deliciosas esquetes com
o imaginativo escritor, tece
desconcertantes comentários (sobre ouvir, calar e responder), cheios de
sabedoria popular, ao patrão letrado.
Com seus pungentes monólogos (cinco personagens em
busca de si mesmos), por vezes irônicos, angustiantes, incômodos, mas sempre
ternos e urgentes, em seus questionamentos sobre o dom e o tom das palavras
quando proferidas e ou engolidas..., O
Grande Silêncio se desvela, cena a cena, um filme de grande sutileza, cujo
final abraça apertado o espectador, enquanto cada integrante dessa família
napolitana segue seu próprio caminho.
Enfim, o elenco é maravilhoso (com destaque para Massimiliano
Gallo e Marina Confalone), a fotografia em tons sépia de Mike Stern Sterzynski
dá o clima ideal ao enredo e a direção de Alessandro Gassmann, conhecedor da
intenção do texto atemporal (“Esta é uma
história marcada por conflitos, mal-entendidos, luzes e sombras, silêncios e
explosões de palavras, risos, visões, angústias, onde todos falam e ninguém
realmente escuta.”), não poderia ser menos que excelente.
Trailer: aqui
NOTA: As considerações acima são pessoais e,
portanto, podem não refletir a opinião geral dos espectadores e cinéfilos de
carteirinha.
Joba
Tridente: O
primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros
videodocumentários fiz em 1990. O primeiro curta-metragem (Cortejo), em
35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e
coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e
divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro
tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder,
2003), de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba.
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