quinta-feira, 4 de novembro de 2021

Crítica: O Grande Silêncio


O GRANDE SILÊNCIO

(Il Silenzio Grande)

por Joba Tridente 

Coincidência ou não, recentemente assisti a três produções cinematográficas baseadas em peças de teatro homônimas de sucesso: a obra-prima Este Mundo é um Hospício (Arsenic and Old Lace, 1944), de Frank Capra; o razoável Com todo meu Coração (Con tutto il cuore, 2021), de Vincenzo Salemme, e o excelente O Grande Silêncio (Il Silenzio Grande, 2021), de Alessandro Gassmann..., as duas últimas estão na programação online e gratuita do 16º Festival de Cinema Italiano (05/11/2021 a 05/12/2021). 

O silêncio é uma doença ruim.

Faz você adoecer sem perceber. 


A trama de O Grande Silêncio, de Alessandro Gassmann, se passa em meados dos anos 1960, na Villa Primic, em Posillipo, Nápoles, que abriga o famoso escritor Valerio Primic (Massimiliano Gallo), sua mulher Rose (Margherita Buy), seus filhos Massimiliano (Emanuele Linfatti) e Adele (Antonia Fotaras) e a sagaz empregada doméstica Bettina (Marina Confalone), considerada “da família”. Há anos que Valerio atravessa uma crise criativa e não consegue escrever uma nova obra. Como se nega a fazer concessões ao cinema e a televisão, a situação econômica da família está a cada dia pior, à beira de um colapso, assim como a Villa, que precisa de muitos reparos. Sem saída, a matriarca Rose, com aprovação dos filhos, discordância do marido e tristeza de Bettina, coloca a Villa à venda. É durante este difícil e decisivo período de negociação, que vai mudar significativamente a vida de todos, que a trama encaderna a história, por vezes melancólica, de cada um dos cinco moradores, tendo como referência Valério, marido e pai ausente, dentro da própria casa..., um escritor ensimesmado que, na busca pela melhor palavra escrita, perde-se na surdez da melhor palavra falada. 

Existir não é o mesmo que viver.


Adaptado da peça teatral homônima de Maurizio De Giovanni, por Alessandro Gassmann (que a dirigiu no teatro, tendo Massimiliano Gallo como protagonista), Andrea Ozza e o próprio De Giovanni, o drama O Grande Silêncio, com algumas pitadas de humor leve e nostálgico, toca profundamente na ferida da incomunicabilidade familiar, das palavras engolidas desviando o olhar, das pequenas pausas silenciosas entrecortando as falas até crescerem nas raias de um insuportável grande silêncio..., difícil de ser ignorado, difícil de ser anulado. Quanto mais gritante o silêncio, menos ouvintes os interlocutores na exposição dos seus dilemas. 


Ainda que linear, a comovente narrativa guarda algumas surpresas ou metáforas preciosas, nas sequências acomodadas no estúdio/biblioteca de Valério, onde os filhos e a esposa vêm desabafar com ele e onde a adorável empregada Bettina, que divide deliciosas esquetes com o imaginativo escritor, tece desconcertantes comentários (sobre ouvir, calar e responder), cheios de sabedoria popular, ao patrão letrado. 


Com seus pungentes monólogos (cinco personagens em busca de si mesmos), por vezes irônicos, angustiantes, incômodos, mas sempre ternos e urgentes, em seus questionamentos sobre o dom e o tom das palavras quando proferidas e ou engolidas..., O Grande Silêncio se desvela, cena a cena, um filme de grande sutileza, cujo final abraça apertado o espectador, enquanto cada integrante dessa família napolitana segue seu próprio caminho. 


Enfim, o elenco é maravilhoso (com destaque para Massimiliano Gallo e Marina Confalone), a fotografia em tons sépia de Mike Stern Sterzynski dá o clima ideal ao enredo e a direção de Alessandro Gassmann, conhecedor da intenção do texto atemporal (“Esta é uma história marcada por conflitos, mal-entendidos, luzes e sombras, silêncios e explosões de palavras, risos, visões, angústias, onde todos falam e ninguém realmente escuta.”), não poderia ser menos que excelente. 

Trailer: aqui

 

NOTA: As considerações acima são pessoais e, portanto, podem não refletir a opinião geral dos espectadores e cinéfilos de carteirinha. 

Joba Tridente: O primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros videodocumentários fiz em 1990. O primeiro curta-metragem (Cortejo), em 35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003), de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...