ENQUANTO HOUVER AMOR
(Hope Gap)
por Joba Tridente
O cinema está cheio de histórias de amor e de desamor
na adolescência, na vida adulta e na terceira idade. Histórias que vão da
comédia ao melodrama..., em tons de melancolia e de catarse. Uma vez que a
maioria é contada por homens (e mesmo quando por mulheres), as personagens
femininas, geralmente, parecem viver eternamente na dependência do amor masculino, para serem felizes, assim
como na maioria das óperas (onde mulheres enlouquecem pelo amor de um homem que
acabaram de conhecer e até morrem pelas mãos do amado que mal conheciam). Haja
passionalidade! Mas se é o que vende...
E por falar em rupturas amorosas também na terceira
idade, está chegando às salas de cinema o melancólico drama Enquanto Houver Amor (Hope Gap, 2019), escrito
e dirigido pelo britânico William
Nicholson, tendo como base a sua peça Retreat from Moscow. Com pitadas de humor inglês nos
diálogos, a trama..., situada na cidade costeira de Seaford, perto da
enseada de Hope Gap, na
Inglaterra, com seus penhascos brancos e sua paisagem tão bucólica quanto
desolada..., desvela minúcias do longo casamento de Grace (Annette Bening) e
Edward (Bill Nighy), que estão juntos há 29 anos e têm um filho, Jamie (Josh O'Connor), que mora em Londres e aparece de vez em quando para
visitar os pais idosos.
Ela é antologista de poesia e prepara uma seleção com
grandes nomes da literatura mundial. Ele é professor de história e trabalha
intensamente num curioso texto sobre a Retirada
de Napoleão de Moscou (focado na morte dos soldados mais fracos deixados
para trás), para publicar na Wikipédia. A altiva Grace é uma devotadíssima católica subserviente ao deus judaico-cristão
e às suas leis. O introspectivo Edward
não tem certeza do credo. Trabalham quase
lado a lado, ou melhor, com certa distância e cada um na sua janela. Compartilham
tradicionalmente chás, observações sobre seus trabalhos e as escassas notícias
do filho.
“Por que você só bebe metade do seu chá?”
“Acho que é porque não gosto que as coisas
acabem.”
Na primeira impressão, um casal de meia-idade feliz
ou, ao menos, harmonioso. Porém, na segunda, com o recorte preciso das arestas,
as máscaras caem e, no face a face, pelo
esboço dos diálogos ferinos, nota-se
que algo claudica na intimidade do velho casal para além do mero desgaste natural
de um casamento de quase trinta anos. Será que segredos não confessados estariam
minando a relação? Hoje em dia tem casamento que não dura uma semana.
Antigamente durava mais (por tradição familiar, social, religiosa)..., são
poucos os remanescentes.
A resposta chega junto com a visita de Jamie e na véspera da comemoração de Bodas de Ervas dos pais, quando Edward, que sempre foi incapaz de reagir
às intensas provocações da esposa, anuncia ao filho e à Grace que está indo embora. E vai..., levando apenas o essencial em
uma mala. A razão da sua partida (que não vou contar) faz sentido, diante da
personalidade imponente da mulher. Mas, não justifica ter demorado tanto para
acontecer.
Bem, talvez seja melhor assim, não? A felicidade de
um, a infelicidade da outra e fim. Faz parte do jogo, certo? Errado, esse é só
o longo prólogo. Agora é que o drama pega fogo, com a inconformada Grace tentando recuperar o seu amor
perdido e Edward tentando se safar e querendo
simplesmente seguir em frente. Não será fácil para nenhum dos dois. Muito menos
para Jamie, que a possessiva Grace insistirá em usar como joguete
para reverter a situação e trazer o seu amado
marido de volta ao cabresto. Ah, o ser ou
não ser subserviente a deus ou à esposa na
questão conjugal!
“Eu sou a vítima aqui.
Ele assassinou nosso casamento.”
Em seu dramático Enquanto
Houver Amor, Nicholson, fala de uma história de amor que começou
casualmente e que, também, casualmente terminou, mas que foi se arrastando até
se tornar insuportável..., aparentemente sem tomar partido das ações e reações
dos seus personagens (enraivecidos ou aliviados) com a situação. Aparentemente,
porque, ainda que não aprofunde muito a personalidade deles, percebe-se onde a empatia
por algum membro desta harmoniosa família dá a impressão de ser maior. O
que não quer dizer que o espectador vá concordar com ela. Na hora de colocar os
pingos nos is: A provocativa Gracie é
a estridente senhora cheia de si, aquela que grita: Não! O observador Edward,
de fala mansa, é aquele que não gosta de incomodar e prefere sempre balbuciar: Sim! Quanto ao Jamie, praticamente a cópia do letárgico Edward, em sua herdada insegurança, é o que diz: Talvez! Uma família possível, mas
disfuncional, inspirada na família do diretor (Jamie é baseado nele).
Enfim, uma trama que, em busca de reflexão sobre
rotinas e desgastes de casamentos, mergulha fundo em sentimentos obsessivos e
de desapego para entender as consequências de uma decisão de ruptura amorosa, protelada por anos, na
vida de cada membro de uma família que se acreditava estável, mas que sempre
esteve aprisionada sob camadas de frustação e de idealização amorosa. Um enredo cujo
subtexto explicita a importância do diálogo (familiar) que vá além do
cumprimento diário, que ponha o dedo nas incômodas feridas do desamor, antes que
a humilhação vire hábito e que a amargura torne a relação incurável..., fazendo
sobrar lugar demais na cama de casal e na mesa das refeições.
Ótima performance do elenco que dá vida ao trio de
personagens frágeis (ainda que imponentes) e solitários que, uma vez
confrontados com seus fantasmas tremulando na inconstância cotidiana da mágoa, tentam
resgatar o instante de felicidade que antecedeu o fim do idílio familiar, para seguirem renovados. É claro que Enquanto Houver Amor não é uma história
de ruptura amorosa das mais originais (não faltam visões cinematográficas do
mesmo tema), mas é um filme sentimental com qualidades e que deve agradar
principalmente aquele público que se identifica com histórias de amor na
terceira idade..., e com um final satisfatório ao credo de cada um (quem
assistir entenderá!).
Segundo William Nicholson: "A separação dos meus pais não é algo particularmente especial, acontece
com tantas pessoas. Mas, quando me decidi a escrever sobre isso, foi muito
emocionante. Existem alguns momentos emocionais muito fortes, dos quais alguns
realmente aconteceram comigo e com meus pais. Nós tendemos a agir como se o
divórcio fosse devastador para crianças pequenas, mas bom para adultos. Não é.
Se você cresceu e seus pais se separaram, isso faz você repensar a base da sua
infância.”
Trailer: aqui
NOTA: As considerações acima são pessoais e,
portanto, podem não refletir a opinião geral dos espectadores e cinéfilos de
carteirinha.
Joba
Tridente: O
primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros
videodocumentários fiz em 1990. O primeiro curta-metragem (Cortejo), em
35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e
coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e
divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro
tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder,
2003), de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba.
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