EZIO BOSSO - AS COISAS QUE RESTAM
Ezio Bosso - Le Cose che Restano
por Joba Tridente
Por mais que se viva é impossível apreciar todas as
artes do mundo, prestigiar todos os artistas do mundo..., nem mesmo os da
própria aldeia há tempo, na urgência dos dias que fazemos parecer célere de
tanto nos ocuparmos com a subsistência do corpo e da cultura. Na abertura para
absorver o conhecimento possível, encontrei o excelente documentário italiano Ezio Bosso - As Coisas que Restam, de Giorgio Verdelli, que desvela a vida e
o legado do músico, instrumentista, compositor, maestro Ezio Bosso (13.09.1971 -
14.05.2020). O filme será exibido, online
e gratuitamente, no 16º Festival de Cinema Italiano (05/11/2021 a 05/12/2021).
“A música não é só uma linguagem,
música é uma espécie de transcendência.
A transcendência é o que nos leva além.”
O esfuziante
Ezio Bosso teve uma carreira brilhante na música. Foi do pop/rock ao jazz, sem
jamais dispensar a sua origem no clássico..., se destacando pela forma única de
interpretar Beethoven, Bach, Chopin, Gluck, Cage, entre outros. Compôs trilhas
para filmes de Gabriele Salvatore, Royal Balet e San Francisco Ballet, teatro,
performances literárias. Em 2011, após um acidente de carro, sem sequelas, num
exame de rotina foi descoberto um tumor cerebral e, com a remoção, Bosso
começou a sofrer de doença neurodegenerativa..., condição que, em vez de lançá-lo
num poço de lamentações, colocou-o com mais disposição ainda para o trabalho. Ezio
não quis saber de chororô, e nem de pensar na perda da força física e do domínio
do próprio corpo, se dedicou à regência, continuou compondo e adaptou o próprio
piano à sua deficiência, para seguir até os últimos dias tocando e encantando o
seu grande público.
“a música é como a vida,
ela só pode ser feita junto com outros”
A cinebiografia
Ezio Bosso - As Coisas que Restam (Ezio
Bosso - Le Cose che Restano, 2021), poderia tranquilamente descambar para a
cine-hagiografia, mas não é o que acontece. Entre a grande maioria dos depoimentos, merecidamente
elogiosos, há alguns discutíveis, relacionados à sua personalidade e
divergência sobre interpretação de compositores clássicos. Bobagem! Condenar
sua antológica interpretação de seis minutos da magnífica Sonata para piano n.º 14, Op. 27 n.º 2, a popular “Sonata ao Luar”, de Beethoven,
que leva qualquer ouvinte às lágrimas, é realmente estar entre os mais chatos
dos chatos academicistas, que acham que
a única coisa que conta numa partitura é a marcação técnica e não a
sensibilidade do intérprete.
"uma presença, não uma memória"
Muitos profissionais da música (que são apenas
profissionais técnicos da música e não artistas da música!), não entendem que a
interpretação/leitura do andamento
musical é estritamente pessoal e
jamais (jamais!) desmerece o compositor, que nem está vivo para dizer (ao intérprete
ou maestro) que aquela “sua particularidade” está mais ou menos lenta ou
rápida. É uma questão se sensibilidade e todo compositor sabe disso. Mas, para
um instrumentista técnico, o negócio é não infringir as regras e manter o
emprego na orquestra. Certa vez entrei num embate em defesa desse ponto de
vista..., para nunca mais.
“Cada um contará sua própria história
e só posso sugerir a minha”
Ezio Bosso era Apolo e Dionísio num mesmo corpo,
tamanho o amor à música e às artes (cinema, teatro, literatura): construir,
desconstruir e ir além da música. De uma felicidade espontânea, sapiência invejável
e disponibilidade infinita, para apresentar a sua obra, interpretar os grandes
clássicos, colaborar com artistas populares..., Ezio nasceu para voar em suas
notas, como é dito no emocionante documentário Ezio Bosso - As Coisas que Restam, de Giorgio Verdelli, que une depoimentos de
cineastas, músicos, atores, diretores de teatro, jornalistas..., que em algum momento
da vida trabalharam com o grande artista que começou aprender piano aos quatro
anos de idade. Um filme tocante que mira o artista e não a sua doença
degenerativa que, se fura a cena, é como mero complemento de palco e não apelo
melodramático. Um filme narrado na primeira (Ezio Bosso), segunda (música) e
terceira (depoentes) pessoa do presente e da eternidade. Indicativo simplesmente
adorável. Imperdível para os amantes da música de excelência!
Nota: Procurando
outras informações sobre o músico, encontrei no site português
Histórias,
a ótima matéria/entrevista
EZIO BOSSO.
ONDE NASCE A MÚSICA, de Anna Leonardi, postada em 25.06.2018, que
recomendo. Alguns trechos remetem ao documentário, outros não. Um deleite
maravilhoso.
Leia!
Em vida Ezio Bosso lançou os CDs:
The
12th Room (2015);
... E as
coisas que permanecem (2016);
The
Venice Concert (2016);
Ezio
Bosso Stradivarifestival Chamber Orchestra (2017);
The Roots (A Tale Sonata) (2018).
Trailer: aqui
NOTA: As considerações acima são pessoais e,
portanto, podem não refletir a opinião geral dos espectadores e cinéfilos de
carteirinha.
Joba
Tridente: O
primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros
videodocumentários fiz em 1990. O primeiro curta-metragem (Cortejo), em
35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e
coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e
divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro
tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder,
2003), de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba.
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