sexta-feira, 5 de novembro de 2021

Crítica: Ezio Bosso - As Coisas que Restam


EZIO BOSSO - AS COISAS QUE RESTAM

Ezio Bosso - Le Cose che Restano

por Joba Tridente 

Por mais que se viva é impossível apreciar todas as artes do mundo, prestigiar todos os artistas do mundo..., nem mesmo os da própria aldeia há tempo, na urgência dos dias que fazemos parecer célere de tanto nos ocuparmos com a subsistência do corpo e da cultura. Na abertura para absorver o conhecimento possível, encontrei o excelente documentário italiano Ezio Bosso - As Coisas que Restam, de Giorgio Verdelli, que desvela a vida e o legado do músico, instrumentista, compositor, maestro Ezio Bosso (13.09.1971 - 14.05.2020). O filme será exibido, online e gratuitamente, no 16º Festival de Cinema Italiano (05/11/2021 a 05/12/2021). 

“A música não é só uma linguagem,

música é uma espécie de transcendência.

A transcendência é o que nos leva além.”


O esfuziante Ezio Bosso teve uma carreira brilhante na música. Foi do pop/rock ao jazz, sem jamais dispensar a sua origem no clássico..., se destacando pela forma única de interpretar Beethoven, Bach, Chopin, Gluck, Cage, entre outros. Compôs trilhas para filmes de Gabriele Salvatore, Royal Balet e San Francisco Ballet, teatro, performances literárias. Em 2011, após um acidente de carro, sem sequelas, num exame de rotina foi descoberto um tumor cerebral e, com a remoção, Bosso começou a sofrer de doença neurodegenerativa..., condição que, em vez de lançá-lo num poço de lamentações, colocou-o com mais disposição ainda para o trabalho. Ezio não quis saber de chororô, e nem de pensar na perda da força física e do domínio do próprio corpo, se dedicou à regência, continuou compondo e adaptou o próprio piano à sua deficiência, para seguir até os últimos dias tocando e encantando o seu grande público. 

a música é como a vida,

ela só pode ser feita junto com outros 


A cinebiografia Ezio Bosso - As Coisas que Restam (Ezio Bosso - Le Cose che Restano, 2021), poderia tranquilamente descambar para a cine-hagiografia, mas não é o que acontece. Entre a  grande maioria dos depoimentos, merecidamente elogiosos, há alguns discutíveis, relacionados à sua personalidade e divergência sobre interpretação de compositores clássicos. Bobagem! Condenar sua antológica interpretação de seis minutos da magnífica Sonata para piano n.º 14, Op. 27 n.º 2, a popular “Sonata ao Luar”, de Beethoven, que leva qualquer ouvinte às lágrimas, é realmente estar entre os mais chatos dos chatos academicistas, que acham que a única coisa que conta numa partitura é a marcação técnica e não a sensibilidade do intérprete. 

"uma presença, não uma memória" 


Muitos profissionais da música (que são apenas profissionais técnicos da música e não artistas da música!), não entendem que a interpretação/leitura do andamento musical é estritamente pessoal e jamais (jamais!) desmerece o compositor, que nem está vivo para dizer (ao intérprete ou maestro) que aquela “sua particularidade” está mais ou menos lenta ou rápida. É uma questão se sensibilidade e todo compositor sabe disso. Mas, para um instrumentista técnico, o negócio é não infringir as regras e manter o emprego na orquestra. Certa vez entrei num embate em defesa desse ponto de vista..., para nunca mais. 

Cada um contará sua própria história

e só posso sugerir a minha 


Ezio Bosso era Apolo e Dionísio num mesmo corpo, tamanho o amor à música e às artes (cinema, teatro, literatura): construir, desconstruir e ir além da música. De uma felicidade espontânea, sapiência invejável e disponibilidade infinita, para apresentar a sua obra, interpretar os grandes clássicos, colaborar com artistas populares..., Ezio nasceu para voar em suas notas, como é dito no emocionante documentário Ezio Bosso - As Coisas que Restamde Giorgio Verdelli, que une depoimentos de cineastas, músicos, atores, diretores de teatro, jornalistas..., que em algum momento da vida trabalharam com o grande artista que começou aprender piano aos quatro anos de idade. Um filme tocante que mira o artista e não a sua doença degenerativa que, se fura a cena, é como mero complemento de palco e não apelo melodramático. Um filme narrado na primeira (Ezio Bosso), segunda (música) e terceira (depoentes) pessoa do presente e da eternidade. Indicativo simplesmente adorável. Imperdível para os amantes da música de excelência!


Nota: Procurando outras informações sobre o músico, encontrei no site português Histórias, a ótima matéria/entrevista EZIO BOSSO. ONDE NASCE A MÚSICA, de Anna Leonardi, postada em 25.06.2018, que recomendo. Alguns trechos remetem ao documentário, outros não. Um deleite maravilhoso. Leia! Em vida Ezio Bosso lançou os CDs: The 12th Room (2015); ... E as coisas que permanecem (2016); The Venice Concert (2016); Ezio Bosso Stradivarifestival Chamber Orchestra (2017); The Roots (A Tale Sonata) (2018). 

Trailer: aqui


NOTA: As considerações acima são pessoais e, portanto, podem não refletir a opinião geral dos espectadores e cinéfilos de carteirinha. 

Joba Tridente: O primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros videodocumentários fiz em 1990. O primeiro curta-metragem (Cortejo), em 35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003), de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba. 


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