terça-feira, 23 de novembro de 2021

Crítica: Deserto Particular

 

DESERTO PARTICULAR

por Joba tridente 

Vivemos em um mundo de segredos e de mentiras. Não há quem não tenha segredos e/ou quem não cometa mentiras..., para si mesmo e/ou para os outros ao seu redor. Segredos invioláveis é uma questão de tempo. Mentiras inofensivas é uma questão de vítima. Há sempre uma chave-mestra para tudo. Ou quase! Para falar dessa complicada sensação de “assim é se lhe parece” (muito bem delineada pelo mestre Pirandello), o premiado diretor e roteirista baiano Aly Muritiba (Para Minha Amada Morta, Ferrugem, Pátio, Jesus Kid) mergulha na dupla questão (segredo/mentira) e traz à tona um pouco de cada coisa, numa dramática crônica de costumes em que afetos e desafetos familiares e pessoais dão o tom da paixão e da solidão de seus personagens (em busca de si mesmos) em Deserto Particular. O filme estreia nesta quinta-feira, 25.11.2021. 


Escrito por Henrique dos Santos e Muritiba, Deserto Particular fala de amores virtuais que (obviamente) nem sempre correspondem à realidade idealizada..., por quem está de um lado ou do outro da telinha de um notebook ou celular, preenchendo suas carências sexuais e/ou afetivas. Em Curitiba (Paraná) vive Daniel (Antonio Saboia), um policial militar afastado das funções por causa de uma ação desastrosa na corporação. Enquanto aguarda o julgamento, ele cuida do pai (com sinais de Alzheimer). A desconfortável situação profissional e doméstica, aliada à falta de dinheiro, torna-o, a cada dia, mais introspectivo. A sua válvula de escape é o bate-papo com a baiana Sara, que conheceu pela internet e com quem troca mensagens amorosas e fotos excitantes. Quando a garota para de responder às suas mensagens, sem a menor explicação, Daniel deixa o pai aos cuidados da irmã e vai à sua procura. A Sara que ele encontra, em Sobradinho (Bahia), vai lhe tirar o chão e testar seus princípios e, principalmente, sua hombridade. 

Em tempos de extremismo exacerbado no país (e no mundo) Deserto Particular busca jogar por terra as máscaras cotidianas que os cidadãos de “honra estuprada” e “prenhes de falsa religiosidade” usam para parecer “gente de bem” (camuflando seus preconceitos) no curral das ideologias tacanhas que alimentam a “humanidade” há séculos e séculos em seus “améns”. É um drama melancólico que, além da idealização amorosa (virtual e presencial) esmiúça mais o que há de verdade e de mentira em Daniel (de formação militar), do que em Sara (de formação evangélica)..., também às voltas com o ser e o parecer ser aos olhos alheios, que, invariavelmente, lhe enxergam na sublimação do ideal e não na representação do real. Entre as certezas do ideal e as falhas do real, as aparências enganam (“..., aos que odeiam e aos que amam / porque o amor e o ódio se irmanam na fogueira das paixões”: Sergio Natureza/Tunai). E como enganam! 


Deserto Particular, cujo título serve tanto ao vazio existencial de Daniel quanto ao de Sara, é um filme intenso, mas sem deixar de lado a ternura tão cara e necessária aos seus personagens bem desenvolvidos..., ainda que a caracterização de Sara fique a desejar e comprometa totalmente a credulidade no encontro com Daniel. O elenco, que além de Antonio Saboia (excelente), traz Pedro Fasanaro (ótima revelação), Thomas Aquino, Laila Garin e Zezita Matos, está afiadíssimo, com interpretações seguras, na medida do essencial. No viés narrativo, a fotografia de Luis Armando Arteaga capta de forma sóbria e envolvente (sem pieguice) a latência de seus protagonistas, complementando, sem redundar os econômicos (mas afiados) diálogos..., enquanto as músicas desesperadamente românticas que pontuam a trama de amores perdidos, não chegam a incomodar os ouvidos dos espectadores. 

Deserto Particular, de Aly Muritiba, escolhido para representar o Brasil na disputa pelo Oscar de Melhor Filme em Língua Estrangeira, recebeu (até o momento) os seguintes prêmios: Prêmio do Público - Mostra Venice Days; Melhor Filme e Melhor Atuação, para Pedro Fasanaro, no Mix Brasil-2021; Melhor Filme Internacional TLVFest 2021 - The Tel Aviv Internacional LGBTQ Film Festival; Premio Camilo (melhor longa com temática LGBTQ), no Festival de Huelva - Cine Iberoamericano.

 

NOTA: As considerações acima são pessoais e, portanto, podem não refletir a opinião geral dos espectadores e cinéfilos de carteirinha. 

Joba Tridente: O primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros videodocumentários fiz em 1990. O primeiro curta-metragem (Cortejo), em 35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003), de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba. 


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