BOB CUSPE - NÃO GOSTAMOS DE GENTE
por Joba Tridente
Muitos autores literários acreditam que seus
personagens fictícios têm vida própria e que, a certa altura de uma narrativa
qualquer, são eles que conduzem o fio da história. O cartunista Angeli, entre outros, está nem aí para tal
sentimento. Seus famosos personagens (Bob
Cuspe, Rê Bordosa, Skrotinhos, Rhalah Rikota, Irmãos
Kowalski, Wood e Stock), emoldurados nos mais diversos espaços das HQs,
foram criados por ele e, portanto, quando estiver de saco cheio de alimentá-los
com falas e traços, corta a porção devida de tinta nanquim e os mata. Simples
assim. Depois, é seguir em frente sem ficar remoendo o que ficou para trás.
“Punk’s not dead!”
É mais ou menos essa a lógica que embasa a animação Bob Cuspe - Não Gostamos de Gente,
dirigida por Cesar Cabral (Dossiê Rê Bordosa), com roteiro de Leandro
Maciel e Cabral, que traz, de um futuro pós-apocalítico, repleto de vampiros Pop Stars (André Abujamra e Márcio
Nigro), para um presente estressado, o punk
Bob Cuspe (Milhem Cortaz), na
companhia dos Irmãos Kowalki (Paulo
Miklos), para uma visita nada amigável ao cartunista Angeli (Angeli). É que..., assim como a criatura replicante Roy Batty, ciente da morte anunciada,
busca pelo criador Dr. Eldon Tyrell,
para que ele prolongue a sua vida, em Blade
Runner - O Caçador de Andróides..., a criatura Bob Cuspe (mesmo não acreditando ser um personagem de HQ), alertado
da sua iminente morte em uma história em quadrinhos, pelos Kowalki, que conhecem as Sagradas
Escrituras Chi-Ban, inicia uma jornada (de volta ao passado) para tirar
satisfações com o criador Angeli
(que vive no presente). E mesmo que o criador discorde, ao menos na animação,
suas criaturas têm vida própria dentro e fora da mente caótica dele.
Com o alerta inicial: Baseada em fatos reais da obra fictícia do cartunista Angeli..., a
primorosa animação em stop-motion Bob Cuspe - Não Gostamos de Gente, vencedora
do Prêmio Contrechamp, no Festival de Cinema de Animação de Annecy,
na França, entrelaça documentário (ou seria mocumentário?), com Angeli (dando a cara a tapa?), e road-movie, com boa dose de comédia e
horror (envolvendo seus personagens clássicos), para falar de autoria e de processo criativo. Alguns trechos da entrevista de Angeli, para a animação (?), inclusive,
remetem à entrevista para o documentário em curta-metragem Angeli 24 Horas (2010), de Beth Formaggini, que também discutia o assunto. Algumas
oportunas referências (?) icônicas a filmes como 2001: Uma Odisseia no Espaço, O
Iluminado, Mad Max, dão um charme
a mais à produção.
Em sua divertida trama, que desenha um mundo real de forte alegoria e um mundo fictício em constante mutação,
não faltam convidados (em papeis maiores e/ou menores) para apoiar Angeli, em bloqueio criativo, como o cartunista Laerte (Laerte) e Madame L
(Laerte), ou justificar o mau-humor
do criador, como a namorada Carol
(Carol Guaycuru)..., e nem para palpitar sobre a jornada de Bob Cuspe e Irmãos Kowalski, como o Rhalah Rikota (André Abujamra), o Toninho Mendes (Beto Hora), os Skrotinhos (Hugo Possolo) e a Rê Bordosa (Grace Gianoukas). Intelecto versus instinto, lado a lado na animada mesa de embate, cujo vencedor é o
espectador que apostar na certeza da vitória de Angeli (o carrasco!) ou de Bob
Cuspe (a vítima!), uma vez que o reflexo de um não embaça a imagem do
outro.
Com um roteiro mordaz (e sem grandes elucubrações),
voltado à diversão ligeira de uma história em quadrinhos, que se devora
rapidamente, página a página, na ansiedade da conclusão (e sem perder o prazer
da leitura)..., a narrativa de Bob Cuspe
- Não Gostamos de Gente envolve o espectador da abertura à última cena. O
apuro da animação é de encher os olhos, tanto pela técnica quanto pela carga
emotiva que transborda em algumas cenas nada menos que espetaculares e no
detalhamento do estúdio de Angeli e da
paisagem desolada do pós-apocalipse, por onde vagam, entre outros, Bob Cuspe e Irmão Kowalski. E por falar em Irmão
Kowalki, desculpa, aí, mas, por melhores que sejam os dois protagonistas,
quem rouba a cena é a dupla, exalando humanidade e no melhor estilo nonsense.
Enfim, Bob
Cuspe - Não Gostamos de Gente é filme para deixar qualquer amante do cinema
de animação brasileiro orgulhoso. Pois, no mesmo tom da sagacidade dos diálogos
(no contexto futuro/presente/passado de seus respectivos personagens) está a excelência
da arte sob responsabilidade de Thomate (diretor de animação), Daniel Bruson
(diretor de arte), Olyntho Tahara (criação de bonecos), Alziro Barbosa (direção
de fotografia) e Eva Randolph (montagem). O único senão, é o áudio. Em algumas
sequências é praticamente impossível entender o que os personagens estão
falando, principalmente quando a voz/dublagem é casada com ruídos e trilha. Mas
isso é apenas um detalhe...
Trailer: Aqui
NOTA: As considerações acima são pessoais e,
portanto, podem não refletir a opinião geral dos espectadores e cinéfilos de
carteirinha.
Joba
Tridente: O
primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros
videodocumentários fiz em 1990. O primeiro curta-metragem (Cortejo), em
35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e
coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e
divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro
tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder,
2003), de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba.
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