quinta-feira, 11 de novembro de 2021

Crítica: Bob Cuspe - Não Gostamos de Gente

 

BOB CUSPE - NÃO GOSTAMOS DE GENTE

por Joba Tridente

Muitos autores literários acreditam que seus personagens fictícios têm vida própria e que, a certa altura de uma narrativa qualquer, são eles que conduzem o fio da história. O cartunista Angeli, entre outros, está nem aí para tal sentimento. Seus famosos personagens (Bob Cuspe, Rê Bordosa, Skrotinhos, Rhalah Rikota, Irmãos Kowalski, Wood e Stock), emoldurados nos mais diversos espaços das HQs, foram criados por ele e, portanto, quando estiver de saco cheio de alimentá-los com falas e traços, corta a porção devida de tinta nanquim e os mata. Simples assim. Depois, é seguir em frente sem ficar remoendo o que ficou para trás. 

Punk’s not dead! 


É mais ou menos essa a lógica que embasa a animação Bob Cuspe - Não Gostamos de Gente, dirigida por Cesar Cabral (Dossiê Rê Bordosa), com roteiro de Leandro Maciel e Cabral, que traz, de um futuro pós-apocalítico, repleto de vampiros Pop Stars (André Abujamra e Márcio Nigro), para um presente estressado, o punk Bob Cuspe (Milhem Cortaz), na companhia dos Irmãos Kowalki (Paulo Miklos), para uma visita nada amigável ao cartunista Angeli (Angeli). É que..., assim como a criatura replicante Roy Batty, ciente da morte anunciada, busca pelo criador Dr. Eldon Tyrell, para que ele prolongue a sua vida, em Blade Runner - O Caçador de Andróides..., a criatura Bob Cuspe (mesmo não acreditando ser um personagem de HQ), alertado da sua iminente morte em uma história em quadrinhos, pelos Kowalki, que conhecem as Sagradas Escrituras Chi-Ban, inicia uma jornada (de volta ao passado) para tirar satisfações com o criador Angeli (que vive no presente). E mesmo que o criador discorde, ao menos na animação, suas criaturas têm vida própria dentro e fora da mente caótica dele. 


Com o alerta inicial: Baseada em fatos reais da obra fictícia do cartunista Angeli..., a primorosa animação em stop-motion Bob Cuspe - Não Gostamos de Gente, vencedora do Prêmio Contrechamp, no Festival de Cinema de Animação de Annecy, na França, entrelaça documentário (ou seria mocumentário?), com Angeli (dando a cara a tapa?), e road-movie, com boa dose de comédia e horror (envolvendo seus personagens clássicos), para falar de autoria e de processo criativo. Alguns trechos da entrevista de Angeli, para a animação (?), inclusive, remetem à entrevista para o documentário em curta-metragem Angeli 24 Horas (2010), de Beth Formaggini, que também discutia o assunto. Algumas oportunas referências (?) icônicas a filmes como 2001: Uma Odisseia no Espaço, O Iluminado, Mad Max, dão um charme a mais à produção. 


Em sua divertida trama, que desenha um mundo real de forte alegoria e um mundo fictício em constante mutação, não faltam convidados (em papeis maiores e/ou menores) para apoiar Angeli, em bloqueio criativo, como o cartunista Laerte (Laerte) e Madame L (Laerte), ou justificar o mau-humor do criador, como a namorada Carol (Carol Guaycuru)..., e nem para palpitar sobre a jornada de Bob Cuspe e Irmãos Kowalski, como o Rhalah Rikota (André Abujamra), o Toninho Mendes (Beto Hora), os Skrotinhos (Hugo Possolo) e a Rê Bordosa (Grace Gianoukas). Intelecto versus instinto, lado a lado na animada mesa de embate, cujo vencedor é o espectador que apostar na certeza da vitória de Angeli (o carrasco!) ou de Bob Cuspe (a vítima!), uma vez que o reflexo de um não embaça a imagem do outro. 


Com um roteiro mordaz (e sem grandes elucubrações), voltado à diversão ligeira de uma história em quadrinhos, que se devora rapidamente, página a página, na ansiedade da conclusão (e sem perder o prazer da leitura)..., a narrativa de Bob Cuspe - Não Gostamos de Gente envolve o espectador da abertura à última cena. O apuro da animação é de encher os olhos, tanto pela técnica quanto pela carga emotiva que transborda em algumas cenas nada menos que espetaculares e no detalhamento do estúdio de Angeli e da paisagem desolada do pós-apocalipse, por onde vagam, entre outros, Bob Cuspe e Irmão Kowalski. E por falar em Irmão Kowalki, desculpa, aí, mas, por melhores que sejam os dois protagonistas, quem rouba a cena é a dupla, exalando humanidade e no melhor estilo nonsense. 


Enfim, Bob Cuspe - Não Gostamos de Gente é filme para deixar qualquer amante do cinema de animação brasileiro orgulhoso. Pois, no mesmo tom da sagacidade dos diálogos (no contexto futuro/presente/passado de seus respectivos personagens) está a excelência da arte sob responsabilidade de Thomate (diretor de animação), Daniel Bruson (diretor de arte), Olyntho Tahara (criação de bonecos), Alziro Barbosa (direção de fotografia) e Eva Randolph (montagem). O único senão, é o áudio. Em algumas sequências é praticamente impossível entender o que os personagens estão falando, principalmente quando a voz/dublagem é casada com ruídos e trilha. Mas isso é apenas um detalhe... 

Trailer: Aqui 


NOTA: As considerações acima são pessoais e, portanto, podem não refletir a opinião geral dos espectadores e cinéfilos de carteirinha. 

Joba Tridente: O primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros videodocumentários fiz em 1990. O primeiro curta-metragem (Cortejo), em 35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003), de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba. 


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