FALLING - AINDA HÁ TEMPO
por Joba Tridente
Família é um assunto espinhoso para se levar às telas
de cinema. Principalmente na intenção do drama e/ou do melodrama, que pode
ferir e afastar e/ou acolher afetuosamente o espectador mais sentimental. Este
pode ser o caso de Falling - Ainda Há
Tempo (Falling, Reino Unido/
Canadá/ Estados Unidos/ 2020), de Viggo
Mortensen, um filme capaz de causar mais incômodo que prazer ao público em
busca de grandes emoções.
“Desculpe
trazê-lo ao mundo... Para morrer.”
Escrito e dirigido por Viggo Mortensen, que também se
ocupou da trilha sonora, a trama tensa de Falling
- Ainda Há Tempo acompanha alguns dias infernais na vida de um filho e de
um pai em situação de afinidade limite. O enredo, que esmiúça suas
reminiscências familiares (nos dias atuais e em flashbacks nos anos 60/70), é implacável na caracterização de seus
personagens. John (Mortensen): homem de
meia-idade, piloto de avião, homossexual, mora com o companheiro Eric
(Terry Chen) e a filha adotiva Mónica (Gabby Velis), em Los
Angeles, na Califórnia. Willis (Lance Henriksen): fazendeiro idoso,
viúvo, conservador que, ao demonstrar sinais de demência, é trazido a Los
Angeles, pelo filho John, para
consulta médica. Tampouco facilita a intensa relação pai e filho nos dias (ou
anos) de convívio. Willis é o tipo
mais abominável de pessoa que se possa imaginar: egocêntrico, autoritário, homofóbico,
obsceno, machista, racista..., que não respeita nem o próprio filho. Conforme
se costuram as cenas atuais com as de flashbacks
(da infância e adolescência de John: Grady Mackenzie, ótimo/ Etienne Kelicci/
William Healy), nota-se que Willis (novo: Sverrir Gudnason) sempre foi indomável, irascível no trato com suas
duas esposas, Gwen (Hannah Gross), mãe de John e Sarah (Carina Battrick/ Ava Kozelj/ Laura Linney), e Jill (Bracken Burns).
Com um enredo bastante amargo e vislumbre mínimo de
doçura (na fase infantil), Viggo Mortensen realiza um interessante estudo de
personagem pautado na agressividade
(de Willis: novo e velho) e na passividade
(de John: infância, adolescência e
adulto) que certamente não deixará o espectador indiferente. Ainda que seja
mais fácil digerir a passividade amadurecida (não de total submissão,
mas de compreensão da mente doentia paterna) de John (acompanhada desde que era um recém-nascido) do que a agressividade sem limites do
amedrontador Willis (cujo existir é
uma afronta: “Desculpe trazê-lo ao
mundo... Para morrer.”), a narrativa é desenvolvida sem acusações..., que
ficam por conta do espectador, que terá motivos mais do que suficientes para
odiar Willis, numa interpretação
irretocável de Henriksen. Embora o insuportável Willis (com ou sem demência) seja seu próprio juiz e carrasco, pela
maneira como se comporta em família e sociedade...
Envolto em paisagens bucólicas mergulhadas na bruma
da melancolia, mais por causa da mudança de humor do intransigente Willis, do que da mudança das estações, Falling - Ainda Há Tempo desvela o
retrato de uma família disfuncional, que poderia soar datado. Mas que continua
ganhando novos ângulos no momento em que o público LGBTQIA+ alcança maior
visibilidade e direitos, mesmo combatido pelos conservadores ortodoxos
(desculpe a redundância) aprisionados em suas velhas molduras. Vale lembrar que
o drama escrito por Viggo Mortensen não surfa na onda atual das produções LGBTQIA+. Aqui, a
homossexualidade é um detalhe conjugal, entre muitas outras desavenças infladas
entre o destemperado Willis e suas
mulheres, filhos, genros e netos.
Enfim, fruto (amargo) de um enredo possível..., em
que um filho, com sua inesgotável paciência, acredita que ainda há tempo para dialogar e resolver conflitos familiares e/ou
de formação de caráter, antes da queda
iminente do pai rabugento..., Falling - Ainda Há Tempo é um filme de
uma tristeza absurda. Não apenas por focar a senilidade, mas por também
questionar a qualidade dos nossos próprios sentimentos, principalmente daqueles
que ocultamos de nós mesmos para ficar bem na fita.
Assistir a este drama comovente, porém dilacerante
(ao tangenciar a realidade), é um grande desafio. Pois, excetuando alguns raros
momentos lúdicos (do menino John), não
há alívio cômico algum. Se a opção de Mortensen pelo drama foi na intenção de sublinhar
o comportamento inaceitável de Willis,
uma vez que comicidade poderia (num vacilo) apenas ridicularizar as ações do personagem,
sem causar o impacto pretendido, acertou em cheio (na boca do estômago!). Mas,
cá pra nós, que dificulta em muito a digestão, não há a menor dúvida.
Falling -
Ainda Há Tempo não teria a força que tem não fosse a excelência do seu
elenco, com destaque para as performances, na medida ideal da sutileza e da
provocação, de Viggo Mortensen e Lance Henriksen; a bela fotografia de Marcel
Zyskind (por vezes intimista e por vezes contemplativa) e a cuidadosa
edição de Ronald Sanders. A mim, além da atuação, Mortensen também surpreendeu
positivamente na direção, roteiro e trilha em sua estreia. Ansioso pelo que há
de vir por aí!
NOTA: As considerações acima são pessoais e,
portanto, podem não refletir a opinião geral dos espectadores e cinéfilos de
carteirinha.
Joba
Tridente: O
primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros
videodocumentários fiz em 1990. O primeiro curta-metragem (Cortejo), em
35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e
coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e
divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro
tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder,
2003), de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba.
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