domingo, 28 de novembro de 2021

Crítica: Falling - Ainda Há Tempo

 

FALLING - AINDA HÁ TEMPO

por Joba Tridente 

Família é um assunto espinhoso para se levar às telas de cinema. Principalmente na intenção do drama e/ou do melodrama, que pode ferir e afastar e/ou acolher afetuosamente o espectador mais sentimental. Este pode ser o caso de Falling - Ainda Há Tempo (Falling, Reino Unido/ Canadá/ Estados Unidos/ 2020), de Viggo Mortensen, um filme capaz de causar mais incômodo que prazer ao público em busca de grandes emoções. 

Desculpe trazê-lo ao mundo... Para morrer. 


Escrito e dirigido por Viggo Mortensen, que também se ocupou da trilha sonora, a trama tensa de Falling - Ainda Há Tempo acompanha alguns dias infernais na vida de um filho e de um pai em situação de afinidade limite. O enredo, que esmiúça suas reminiscências familiares (nos dias atuais e em flashbacks nos anos 60/70), é implacável na caracterização de seus personagens. John (Mortensen): homem de meia-idade, piloto de avião, homossexual, mora com o companheiro Eric (Terry Chen) e a filha adotiva Mónica (Gabby Velis), em Los Angeles, na Califórnia. Willis (Lance Henriksen): fazendeiro idoso, viúvo, conservador que, ao demonstrar sinais de demência, é trazido a Los Angeles, pelo filho John, para consulta médica. Tampouco facilita a intensa relação pai e filho nos dias (ou anos) de convívio. Willis é o tipo mais abominável de pessoa que se possa imaginar: egocêntrico, autoritário, homofóbico, obsceno, machista, racista..., que não respeita nem o próprio filho. Conforme se costuram as cenas atuais com as de flashbacks (da infância e adolescência de John: Grady Mackenzie, ótimo/ Etienne Kelicci/ William Healy), nota-se que Willis (novo: Sverrir Gudnason) sempre foi indomável, irascível no trato com suas duas esposas, Gwen (Hannah Gross), mãe de John e Sarah (Carina Battrick/ Ava Kozelj/ Laura Linney), e Jill (Bracken Burns).    


Com um enredo bastante amargo e vislumbre mínimo de doçura (na fase infantil), Viggo Mortensen realiza um interessante estudo de personagem pautado na agressividade (de Willis: novo e velho) e na passividade (de John: infância, adolescência e adulto) que certamente não deixará o espectador indiferente. Ainda que seja mais fácil digerir a passividade amadurecida (não de total submissão, mas de compreensão da mente doentia paterna) de John (acompanhada desde que era um recém-nascido) do que a agressividade sem limites do amedrontador Willis (cujo existir é uma afronta: “Desculpe trazê-lo ao mundo... Para morrer.”), a narrativa é desenvolvida sem acusações..., que ficam por conta do espectador, que terá motivos mais do que suficientes para odiar Willis, numa interpretação irretocável de Henriksen. Embora o insuportável Willis (com ou sem demência) seja seu próprio juiz e carrasco, pela maneira como se comporta em família e sociedade... 


Envolto em paisagens bucólicas mergulhadas na bruma da melancolia, mais por causa da mudança de humor do intransigente Willis, do que da mudança das estações, Falling - Ainda Há Tempo  desvela o retrato de uma família disfuncional, que poderia soar datado. Mas que continua ganhando novos ângulos no momento em que o público LGBTQIA+ alcança maior visibilidade e direitos, mesmo combatido pelos conservadores ortodoxos (desculpe a redundância) aprisionados em suas velhas molduras. Vale lembrar que o drama escrito por Viggo Mortensen não surfa na onda atual das produções LGBTQIA+. Aqui, a homossexualidade é um detalhe conjugal, entre muitas outras desavenças infladas entre o destemperado Willis e suas mulheres, filhos, genros e netos. 


Enfim, fruto (amargo) de um enredo possível..., em que um filho, com sua inesgotável paciência, acredita que ainda há tempo para dialogar e resolver conflitos familiares e/ou de formação de caráter, antes da queda iminente do pai rabugento..., Falling - Ainda Há Tempo é um filme de uma tristeza absurda. Não apenas por focar a senilidade, mas por também questionar a qualidade dos nossos próprios sentimentos, principalmente daqueles que ocultamos de nós mesmos para ficar bem na fita. 

Assistir a este drama comovente, porém dilacerante (ao tangenciar a realidade), é um grande desafio. Pois, excetuando alguns raros momentos lúdicos (do menino John), não há alívio cômico algum. Se a opção de Mortensen pelo drama foi na intenção de sublinhar o comportamento inaceitável de Willis, uma vez que comicidade poderia (num vacilo) apenas ridicularizar as ações do personagem, sem causar o impacto pretendido, acertou em cheio (na boca do estômago!). Mas, cá pra nós, que dificulta em muito a digestão, não há a menor dúvida. 


Falling - Ainda Há Tempo não teria a força que tem não fosse a excelência do seu elenco, com destaque para as performances, na medida ideal da sutileza e da provocação, de Viggo Mortensen e Lance Henriksen; a bela fotografia de Marcel Zyskind (por vezes intimista e por vezes contemplativa) e a cuidadosa edição de Ronald Sanders. A mim, além da atuação, Mortensen também surpreendeu positivamente na direção, roteiro e trilha em sua estreia. Ansioso pelo que há de vir por aí!

Trailer:  aqui   

 

NOTA: As considerações acima são pessoais e, portanto, podem não refletir a opinião geral dos espectadores e cinéfilos de carteirinha. 

Joba Tridente: O primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros videodocumentários fiz em 1990. O primeiro curta-metragem (Cortejo), em 35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003), de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba.


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