sexta-feira, 19 de novembro de 2021

Crítica: Nazistas Africanos do Kung-fu

NAZISTAS AFRICANOS DO KUNG-FU

por Joba Tridente

links: texto em laranja 

Já comentei, por aqui, a minha satisfação em assistir aos chamados trash-movies, principalmente aqueles frutos do inconsciente, que são os mais absurdos. Para quem é fã do, digamos, gênero, uma boa pedida é o filme Nazistas Africanos do Kung-fu (African Kung-Fu Nazis, 2019), de Sebastian Stein e Samuel K. “Ninja” Nkansa, que mistura comédia, ação e horror gore (aquele que faz jorrar sangue feito uma fonte e que chega a espirrar até mesmo na câmera) para contar uma história nazista mirabolante. Ele estreia, no serviço de streaming Petras Belas Artes à la Carte, no dia 22/11/2021. 


Não é de hoje que se especula que o abominável Adolf Hitler não cometeu suicídio, ao lado da sua mulher Eva Braun, dentro do seu Führerbunker..., mas que, junto de outros nazistas de primeiro escalão, teria fugido para a América do Sul e se escondido na Argentina e/ou no Brasil. Teoria da Conspiração até hoje não comprovada. Bom, ao menos em parte, já que o roteirista e codiretor alemão Sebastian Stein, está chegando com o seu alucinado Nazistas Africanos do Kung-fu, para jogar um pouco de luz e ou de cal no assunto. Para ele, na verdade, Hitler e os detestáveis Hideki Tōjō e Hermann Göring, estavam bem vivinhos e aprontando um monte em Gana, na África Ocidental, até um tempo atrás. 


Claro que você pode duvidar. Pois, se estivessem vivos, Hitler teria uns 130 anos, Tōjō uns 135 e Göring uns 126. Certo? Bem, acontece que todo mundo (é, acho que todo mundo que assiste àqueles documentários do History) sabe que Hitler e sua maléfica gangue íntima eram chegados numa magiazinha negra e colecionavam relíquias sagradas, acreditando que elas garantiriam a eternidade do déspota e do seu 3º Reich. Então, só para esclarecer, logo na abertura dos créditos, uma narradora conta que, além do Chanceler do Reich e Führer da Alemanha Nazista, Adolf Hitler, não cometer suicídio algum, ele, na companhia do líder militar japonês Hideki Tōjō, condenado à morte por um Tribunal Militar, e do criminoso de guerra Hermann Göring, fugiu num submarino em direção a Gana. E tem mais... 

Ali, “Graças ao intenso treinamento de Caratê Japonês e de seus superpoderes arianos, eles conseguiram retardar o envelhecimento e, mais fortes do que nunca, praticaram lavagem cerebral na população local, com o feitiço do mágico Blutfahne ou Bandeira de Sangue, para formar um poderoso exército Gana-Ariano (soldados de infantaria estúpidos) para criar o 4º Reich de Hitler e o Novo Império Japonês de Tōjō.” e, assim, mais uma vez tentar dominar o mundo..., agora sem a Itália e com o “apoio” da raça negra, que eles odeiam. Tá bom de prólogo ou quer mais? 


A trama ensandecida de Nazistas Africanos do Kung-fu não deixa suástica sobre suástica. Aqui, no caso, é usada a suástica budista (voltada para a esquerda), e não a invertida para a direita, do Partido Nazista. Depois de um bom tempo se “aclimatando”, o trio perverso resolveu botar as maldades para fora e agir em nome do Novo Eixo: Alemanha, Japão e Gana. Para tanto, Adolf Hitler (Sebastian Stein), Hideki Tōjō (Yoshito Akymoto) e o “CavaleiroGöring (Marsuel Hoppe) aterrorizaram a população local e aliciaram jovens para seu exército de caratecas Gana-Arianos

Eles só não esperavam que, no meio do caminho da sua ascensão imperialista, estivesse a Academia de Kung-fu Chinês do Shadow Snake Master (Andrews Ntul Mensah) e, entre os alunos, o intrépido Addae (Elisha Okeyere), que era apaixonado por Eva (Nkechi Chinedu), e uma pedra nas suas botas nazistas. Assim, para demonstrar força e superioridade “mental”, enquanto Hitler, na certeza de que o Caratê Japonês era melhor que o Kung-fu Chinês, criou um Torneio de Lutas Marciais, esperando não ser afrontado por nenhum ganês, como foi pelo atleta negro norte-americano Jesse Owens (4 medalhas de ouro), nas Olimpíadas de 1936..., Tōjō atacou a Academia de Kung-fu. 


Tendo as suas razões para abalar as estruturas do 4º Reich em formação, destruir de vez o trio diabólico, e ainda conquistar definitivamente o coração de Eva, o jovem Addae se inscreveu para o Torneio e se preparou fazendo aulas de luta corporal com três mestres doidos de pedra: o bêbado Mestre Akpeteshie (Steven Yaw Mawunio); o maluco Joe dos Três Dedos (Blinks); a misteriosa Sacerdotisa (Mariam Adadzi). No dia do campeonato Hitler mudou as regras do jogo. Será que Addae estava preparado para tais mudanças? Será que o lutador especial de Hitler iria se dar bem na luta? Quem riria por último neste sanguinolento torneio? 


Nazistas Africanos do Kung-fu é uma sátira política bastante divertida. O enredo bizarro, sem pé nem cabeça, é o que se espera de um trash-movie raiz. Os seus achados geniais funcionam muito bem como metáforas (por exemplo: a irônica inversão de cor da pele, prática antiga de atores brancos, no teatro e no cinema, para representar negros) em meio à balbúrdia da idiossincrática supremacia branca alemã. A maioria das gags é engraçada, mas uma piada (em especial) pode incomodar principalmente os asiáticos. Falado em alemão, japonês e inglês (sim, em Gana se fala inglês), excetuando o japonês Yoshito Akymoto e o alemão Sebastian Stein, na codireção com o ganês Samuel K. “Ninja” Nkansa, a produção, que custou meros 20 mil dólares, é ganense, assim como a maior parte do elenco, que divide cenas com nigerianos. 


Vale destacar as ótimas coreografias das artes marciais e a entrega dos atores à farsa (que, se a gente pensar bem, do jeito que o autoritarismo está crescendo no mundo, há que se preocupar com o pasto do gado e das antas); a simplicidade dos cenários; a suntuosidade decadente do Q.G. do Eixo do Mal; o estratégico deslocamento do banner de merchandising da Adonko Bitters, “bebida alcoólica que combina onze tipos diferentes de ervas cuidadosamente escolhidas a dedo nas profundezas de muitas florestas virgens de Gana”; a fotografia razoável; as cenas tronchas, como a do baile animado pelo DJ Adolf ou as que remetem ao mirabolante cinema de ação indiano; o amadorismo dos efeitos especiais pra lá de risíveis..., tudo funciona satisfatoriamente para o humor escancarado.


É claro que o trash-movie Nazistas Africanos do Kung-fu não é um filme cabeça tradicional, daqueles de dar nós no Tico e Teco e de se ficar dias pensando nele (a subliminaridade está nas entrelinhas)..., mas, ainda que tenha momentos de grande relevância (sociopolítica?), é uma deliciosa comédia maluca, com situações caricatas que beiram o pastelão. Não é uma trama para ser levada assim tão a sério (será?), pois a intenção é a de sacanear abertamente o culto ao nazismo, ao imperialismo, ao fascismo, numa narrativa que beira o ridículo (com boas cutucadas), para que a diversão ligeira e inofensiva solte o riso até virar uma boa gargalhada. Mas, nada impede que você pense mais profundamente sobre o que assistiu..., mesmo tendo “nada” a ver! Tô viajando na maionese... 


Curiosidade: Lançado com sucesso na Alemanha e no Japão, onde segue em cartaz, o filme se tornou um cult nas redes sociais graças à sua sagaz combinação de gêneros e sátira política. Nazistas Africanos do Kung-fu nasceu da colaboração entre os amigos Stein e Nkansah. O alemão, que além de diretor e ator, é um jornalista que mora em Tóquio, e se uniu ao ganense (também conhecido como O Ninja de Gana) para produzir essa comédia totalmente independente e repleta de sopapos, que é, no fundo, uma homenagem aos filmes da Era de Ouro dos filmes de Artes Marciais dos anos de 1970 – em especial a Jackie Chan.

Em entrevista à revista americana Vice, Stein, entre risos, confessa que a ideia para o filme veio quando ele estava bêbado. “Eu estava pensando em nazista, kung-fu e África, e disse: ‘Seria muito engraçado se isso acontecesse’.” Ele também conta que deixou bem claro que era uma sátira política e cinematográfica: “Eu mostrei o filme à minha tia judia, e ela adorou. Todo mundo em Gana, ama. Eu cresci na Alemanha, e sempre disseram que não se devia fazer piada com Hitler e os nazistas. E isso se tornou um tabu. Mas se você olha para outros países, eles zombam de Hitler, e isso é hilário. Se você transforma algo num tabu, acaba dando-lhe certo poder. Por outro lado, se tira um sarro, o que há de misterioso acaba desaparecendo. Especialmente se você coloca em cena homens africanos com suásticas e o rosto pintado de branco, isso tudo vai tirar o poder desses símbolos.

A entrevista completa, com Sebastian Stein, aqui.


NOTA: As considerações acima são pessoais e, portanto, podem não refletir a opinião geral dos espectadores e cinéfilos de carteirinha. 

Joba Tridente: O primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros videodocumentários fiz em 1990. O primeiro curta-metragem (Cortejo), em 35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003), de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba.

 

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