por Joba Tridente
links: texto em laranja
Já comentei, por aqui, a minha satisfação em assistir
aos chamados trash-movies,
principalmente aqueles frutos do inconsciente, que são os mais absurdos. Para
quem é fã do, digamos, gênero, uma boa pedida é o filme Nazistas Africanos do Kung-fu (African Kung-Fu Nazis, 2019), de Sebastian Stein e Samuel K. “Ninja” Nkansa, que mistura comédia, ação e horror gore (aquele que faz jorrar sangue feito
uma fonte e que chega a espirrar até mesmo na câmera) para contar uma história
nazista mirabolante. Ele estreia, no serviço de streaming Petras Belas Artes à la Carte, no
dia 22/11/2021.
Não é de hoje que se especula que o abominável Adolf
Hitler não cometeu suicídio, ao lado da sua mulher Eva Braun, dentro do seu Führerbunker...,
mas que, junto de outros nazistas de primeiro escalão, teria fugido para a
América do Sul e se escondido na Argentina e/ou no Brasil. Teoria da
Conspiração até hoje não comprovada. Bom, ao menos em parte, já que o
roteirista e codiretor alemão Sebastian Stein, está chegando com o seu
alucinado Nazistas Africanos do Kung-fu, para jogar um pouco de luz e ou de cal
no assunto. Para ele, na verdade, Hitler e os detestáveis Hideki Tōjō e Hermann
Göring, estavam bem vivinhos e aprontando um monte em Gana, na África Ocidental,
até um tempo atrás.
Claro que você pode duvidar. Pois, se estivessem vivos,
Hitler teria uns 130 anos, Tōjō uns 135 e Göring uns 126. Certo? Bem, acontece
que todo mundo (é, acho que todo mundo que assiste àqueles documentários do
History) sabe que Hitler e sua maléfica gangue íntima eram chegados numa magiazinha
negra e colecionavam relíquias sagradas, acreditando que elas garantiriam a
eternidade do déspota e do seu 3º Reich. Então, só para esclarecer, logo na
abertura dos créditos, uma narradora conta que, além do Chanceler do Reich e
Führer da Alemanha Nazista, Adolf Hitler, não cometer suicídio algum, ele, na
companhia do líder militar japonês Hideki Tōjō, condenado à morte por um Tribunal
Militar, e do criminoso de guerra Hermann Göring, fugiu num submarino em
direção a Gana. E tem mais...
Ali, “Graças ao
intenso treinamento de Caratê Japonês e de seus superpoderes arianos, eles
conseguiram retardar o envelhecimento e, mais fortes do que nunca, praticaram
lavagem cerebral na população local, com o feitiço do mágico Blutfahne ou Bandeira de Sangue, para formar um poderoso exército Gana-Ariano
(soldados de infantaria estúpidos) para criar o 4º Reich de Hitler e o Novo
Império Japonês de Tōjō.” e, assim, mais uma vez tentar dominar o mundo...,
agora sem a Itália e com o “apoio” da raça negra, que eles odeiam. Tá bom de
prólogo ou quer mais?
A trama ensandecida de Nazistas Africanos do Kung-fu não deixa suástica sobre suástica. Aqui, no caso, é usada a suástica budista (voltada para a esquerda), e não a
invertida para a direita, do Partido Nazista. Depois de um bom tempo se “aclimatando”,
o trio perverso resolveu botar as maldades para fora e agir em nome do Novo
Eixo: Alemanha, Japão e Gana. Para tanto, Adolf
Hitler (Sebastian Stein), Hideki Tōjō (Yoshito Akymoto) e o “Cavaleiro”
Göring (Marsuel Hoppe) aterrorizaram a população local e aliciaram jovens para
seu exército de caratecas Gana-Arianos.
Eles só não esperavam que, no meio do caminho da sua ascensão imperialista,
estivesse a Academia de Kung-fu Chinês do Shadow
Snake Master (Andrews Ntul Mensah)
e, entre os alunos, o intrépido Addae
(Elisha Okeyere), que era apaixonado
por Eva (Nkechi Chinedu), e uma pedra nas suas botas nazistas. Assim, para
demonstrar força e superioridade “mental”, enquanto Hitler, na certeza
de que o Caratê Japonês era melhor que o Kung-fu Chinês, criou um Torneio de Lutas Marciais, esperando não
ser afrontado por nenhum ganês, como foi pelo atleta negro norte-americano
Jesse Owens (4 medalhas de ouro), nas Olimpíadas de 1936..., Tōjō atacou a Academia de Kung-fu.
Tendo as suas razões para abalar as estruturas do 4º Reich em formação, destruir de vez o
trio diabólico, e ainda conquistar
definitivamente o coração de Eva, o
jovem Addae se inscreveu para o Torneio
e se preparou fazendo aulas de luta corporal com três mestres doidos de pedra: o
bêbado Mestre Akpeteshie (Steven Yaw Mawunio); o maluco Joe dos Três Dedos (Blinks); a misteriosa Sacerdotisa
(Mariam Adadzi). No dia do
campeonato Hitler mudou as regras do
jogo. Será que Addae estava preparado
para tais mudanças? Será que o lutador especial de Hitler iria se dar bem na luta? Quem riria por último
neste sanguinolento torneio?
Nazistas
Africanos do Kung-fu é uma sátira
política bastante divertida. O enredo bizarro, sem pé nem cabeça, é o que
se espera de um trash-movie raiz. Os
seus achados geniais funcionam muito bem como metáforas (por exemplo: a irônica
inversão de cor da pele, prática antiga de atores brancos, no teatro e no
cinema, para representar negros) em meio à balbúrdia da idiossincrática supremacia
branca alemã. A maioria das gags é
engraçada, mas uma piada (em especial) pode incomodar principalmente os
asiáticos. Falado em alemão, japonês e inglês (sim, em Gana se fala inglês),
excetuando o japonês Yoshito Akymoto e o alemão Sebastian Stein, na codireção com
o ganês Samuel K. “Ninja” Nkansa, a produção, que custou meros 20 mil dólares,
é ganense, assim como a maior parte do elenco, que divide cenas com nigerianos.
Vale destacar as ótimas coreografias das artes
marciais e a entrega dos atores à farsa (que, se a gente pensar bem, do jeito
que o autoritarismo está crescendo no mundo, há que se preocupar com o pasto do
gado e das antas); a simplicidade dos cenários; a suntuosidade decadente do Q.G.
do Eixo do Mal; o estratégico deslocamento do banner de merchandising da Adonko Bitters, “bebida alcoólica que combina onze tipos diferentes de ervas
cuidadosamente escolhidas a dedo nas profundezas de muitas florestas virgens de
Gana”; a fotografia razoável; as cenas tronchas, como a do baile animado
pelo DJ Adolf ou as que remetem ao
mirabolante cinema de ação indiano; o amadorismo dos efeitos especiais pra lá
de risíveis..., tudo funciona satisfatoriamente para o humor escancarado.
É claro que o trash-movie Nazistas Africanos do Kung-fu não é um
filme cabeça tradicional, daqueles de dar nós no Tico e Teco e de se ficar
dias pensando nele (a subliminaridade está nas entrelinhas)..., mas, ainda que tenha
momentos de grande relevância (sociopolítica?), é uma deliciosa comédia maluca, com situações
caricatas que beiram o pastelão. Não é uma trama para ser levada assim tão a
sério (será?), pois a intenção é a de sacanear abertamente o culto ao nazismo,
ao imperialismo, ao fascismo, numa narrativa que beira o ridículo (com boas
cutucadas), para que a diversão ligeira e inofensiva solte o riso até virar uma
boa gargalhada. Mas, nada impede que você pense mais profundamente sobre o que
assistiu..., mesmo tendo “nada” a ver! Tô viajando na maionese...
Curiosidade:
Lançado com sucesso na Alemanha e no Japão, onde segue em cartaz, o filme se
tornou um cult nas redes sociais
graças à sua sagaz combinação de gêneros e sátira política. Nazistas Africanos do Kung-fu nasceu
da colaboração entre os amigos Stein e Nkansah. O alemão, que além de diretor e
ator, é um jornalista que mora em Tóquio, e se uniu ao ganense (também
conhecido como O Ninja de Gana) para
produzir essa comédia totalmente independente e repleta de sopapos, que é, no
fundo, uma homenagem aos filmes da Era de Ouro dos filmes de Artes Marciais dos
anos de 1970 – em especial a Jackie Chan.
Em entrevista à revista americana Vice, Stein, entre risos, confessa que a
ideia para o filme veio quando ele
estava bêbado. “Eu estava pensando em
nazista, kung-fu e África, e disse: ‘Seria muito engraçado se isso
acontecesse’.” Ele também conta que deixou bem claro que era uma sátira
política e cinematográfica: “Eu mostrei o
filme à minha tia judia, e ela adorou. Todo mundo em Gana, ama. Eu cresci na
Alemanha, e sempre disseram que não se devia fazer piada com Hitler e os
nazistas. E isso se tornou um tabu. Mas se você olha para outros países, eles
zombam de Hitler, e isso é hilário. Se você transforma algo num tabu, acaba dando-lhe
certo poder. Por outro lado, se tira um sarro, o que há de misterioso acaba
desaparecendo. Especialmente se você coloca em cena homens africanos com
suásticas e o rosto pintado de branco, isso tudo vai tirar o poder desses
símbolos.”
A entrevista completa, com Sebastian Stein, aqui.
NOTA: As considerações acima são pessoais e,
portanto, podem não refletir a opinião geral dos espectadores e cinéfilos de
carteirinha.
Joba
Tridente: O
primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros
videodocumentários fiz em 1990. O primeiro curta-metragem (Cortejo), em
35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e
coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e
divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro
tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder,
2003), de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba.
saiba mais sobre o
Petra Belas Artes À LA CARTE
e sobre cadastro e assinatura
do serviço de streaming
Nenhum comentário:
Postar um comentário