quarta-feira, 29 de setembro de 2021

Crítica: Crepúsculo do Caos


CREPÚSCULO DO CAOS

(The Last of England)

por Joba Tridente 

O ativista, escritor, cenógrafo, roteirista, diretor Derek Jarman (Sebastiane; A Tempestade; Caravaggio; Wittgenstein; Blue) é um capítulo a parte na cinematografia britânica. Mestre do desconcerto visual, da erotização divinizada, da metaforização sociopolítica, suas obras (que incomodam espectadores de mente tacanha) são verdadeiros manifestos de cor e luz embalados por trilhas sonoras que, por vezes, tornam-se protagonistas. É, sem dúvida, um dos autores internacionais que mais sublimaram o fazer cinematográfico, buscando novas sensações e novas costuras na edição de imagens captadas pelos mais diversos meios. Nesse sentido, Crepúsculo do Caos (The Last of England, 1987 - o título vem de uma pintura, de 1855, do pré-rafaelista Ford Maddox Brown) radicaliza na mensagem, sem qualquer sinal de esnobismo, sobre a tolerância (sexual, social e racial). Na verdade, sobre a falta de tolerância. Crepúsculo do Caos estreia dia 30/09/2021 no serviço de streaming Petra Belas Artes À LA CARTE, com mais quatro novos títulos*. 

“o amanhã foi cancelado por falta de interessados” 


Lá se vão 34 anos e o Crepúsculo do Caos, de Derek Jarman (1942/1994), que poderia soar datado e tematicamente localizado, com sua visão pós-apocalíptica de uma Inglaterra totalitária sob o comando da mão de ferro Margaret Thatcher, continua mais atual que nunca, com a ascensão da extrema-direita na Europa (?) e dos novos fascistas emergindo no contingente de outros continentes. Com fotografia de Christopher Hughes e Derek Jarman, que aproveitou fotos e imagens (em super-8, VHS, 35 mm) também da família, sonorizado por Simon Turner e Andy Gill e narrado por Nigel Terry, a ficção futurista roteirizada por Jarman, com citações de Shakespeare, TS Eliot, Allen Ginsberg..., é um filme que atropela o espectador com a pungência e urgência da sua narrativa imagética.   


É impossível ficar indiferente diante do tropel de imagens que evocam violência física, desespero sexual, mendicância, fome, drogas, execução, colonização (Índia), tortura, terrorismo (Irlanda), guerra (Malvinas)..., num retrato ferino da morte sociocultural do que se conhece como civilização. Ama-se ou deixa-se a sala às primeiras imagens homoeróticas no viés da angústia de um belo jovem ('Spring' Mark Adley) seduzido pelo belo Cupido de Caravaggio. Ativista dos direitos dos homossexuais (ingleses), Derek, que sempre afrontou o conservadorismo (hipócrita) inglês, não se faz de galinha morta e canta de galo diante da homofóbica Cláusula 28, de Thatcher..., fazendo seu canto de revolta ecoar além Reino. 


Num olhar furtivo, realidades sociais, políticas e econômicas passadas e presentes amalgamam num painel ainda (?) atemporal. Têmpera raspada num vidro. Bandeiras virando trapo, símbolos ressignificados, cidadãos virando nada na sina migratória, virando lixo nas fronteiras, virando bicho na clandestinidade. Hoje, a sequência (bizarra?) do casamento de uma jovem (Tilda Swinton), que passa pela execução do marido (irlandês?) e culmina no corte em frangalhos do vestido de noiva, pode ser lida como a saída (Brexit) do Reino Unido da União Europeia, sem perder (ou ganhando mais) a força da indignação e da denúncia. 


Merecedor do Prêmio Teddy, de 1988, em Berlim, para Derek Jarman e do júri para Tilda Swinton, Crepúsculo do Caos, talvez seja o filme mais crítico à Grã-Bretanha já realizado. Com poesia e porrada ele desvenda o que se quer oculto e reescreve o que ser quer esquecido ou apagado das páginas da história. Não é de fácil digestão e vai muito além da sinopse: “Uma visão pessoal do diretor sobre o declínio de seu país, em uma linguagem mais próxima da poesia do que da prosa. Uma meditação sombria em Londres e Belfast sob Thatcher.”..., já que permite as mais diversas leituras e releituras por ingleses (desunidos) e espectadores que só estão de passagem apreciando a paisagem da troca, ou da troça. 


Crepúsculo do Caos é simplesmente catártico! Assim como a vida (do antes e do pós-pandemia), o artista busca cor na ausência da cor. No retardo da barbárie, a imundície iguala todos os miseráveis (executados e executores). No labiríntico cenário de todas as dores e amores mutilados, onde há trevas: a tocha dos ignorantes desvela a ferrugem das personas enodoadas pela ganância..., onde há fome: o descarte é o banquete que escancara os dentes podres dos desesperados. Um filme construído com imagens e pedaços de filmes novos e antigos..., imperdível em qualquer época. Uma obra para quem odeia ter a sua inteligência subestimada. Eros e Thanatos nos pratos da balança cujo fiel é o Caos.

 

NOTA: As considerações acima são pessoais e, portanto, podem não refletir a opinião geral dos espectadores e cinéfilos de carteirinha. 

Joba Tridente: O primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros videodocumentários fiz em 1990. O primeiro curta-metragem (Cortejo), em 35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003), de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba.

 

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*ESTREIAS

 PETRA BELAS ARTES À LA CARTE

 

Para a próxima quinta (30/09/2021), o À La Carte anuncia um filme brasileiro que pode, sim, ser chamado de obra-prima do cinema mundial: Cabra Marcado para Morrer (1984), de Eduardo Coutinho (1933–2014), um filme histórico, necessário, mais do que uma joia cinematográfica, um registro que continua a refletir a realidade sócio-político-cultural do Brasil de hoje.

 


CABRA MARCADO PARA MORRER

Brasil, 1984, cor e p/b, 119 min.

Documentário, 12 anos.

Direção: Eduardo Coutinho

Elenco: Elizabeth Teixeira e Eduardo Coutinho

Narração: Ferreira Gullar e Tite de Lemos. 

O diretor Eduardo Coutinho começou a rodar este documentário na Paraíba, Nordeste do Brasil, em 1964, quando veio o golpe militar. Obrigado a interromper o projeto, Coutinho voltou a ele em 1981, procurando os mesmos lugares e pessoas, mostrando o que havia acontecido desde então, e tentando reunir uma família cujo patriarca, um líder político que lutava pelos direitos dos camponeses, havia sido assassinado dois anos antes das filmagens originais. Este homem era João Pedro Teixeira. Líder da Liga Camponesa de Sapé, município paraibano, ele se tornou um símbolo histórico de resistência, um lutador contra a criminalização dos movimentos populares no campo, no período pré-golpe de 64. 

No dia 02 de abril de 1962, João Pedro foi assassinado a tiros de fuzil, disparados por dois policiais enquanto voltava de João Pessoa para a sua casa, vítima de um crime encomendado por um grupo de latifundiários liderados por Agnaldo Veloso Borges, que assumiu, às pressas, um cargo político, apenas para garantir sua imunidade, enquanto os demais envolvidos foram condenados e absolvidos de seus crimes três anos depois. 


Cabra Marcado para Morrer tem como protagonista Elizabeth Altino Teixeira, viúva de João Pedro. Ela, que por algum tempo assumiu as causas de seu companheiro assassinado, sendo presa diversas vezes, sobreviveu a mais de uma tragédia familiar e passou a viver na clandestinidade, adotando um nome falso e se refugiando no Rio Grande do Norte. Em 1981, quando foi reencontrada por Eduardo Coutinho, para a retomada e conclusão do filme, ela, enfim, voltou para a Paraíba, indo morar em João Pessoa, numa casa que ganhou do próprio Coutinho. Homenageada com o Diploma Bertha Lutz e a Medalha Epitácio Pessoa, hoje Elizabeth tem 96 anos de idade. João Pedro Teixeira, por sua vez, além de se manter vivo neste documentário e na memória nacional, virou nome de rua no município de Parnamirim, no Rio Grande do Norte. 

Narrado por Ferreira Gullar, imortal da Academia Brasileira de Letras e um dos mais importantes poetas do Brasil, Cabra Marcado para Morrer ganhou diversos prêmio nacionais e internacionais, e, em 2015, entrou para a lista da Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema) como um dos 100 melhores filmes brasileiros de todos os tempos. Embora para muita gente ele seja o melhor filme brasileiro já feito. Genial como sempre, mais atual do que nunca, Cabra Marcado para Morrer sempre será um clássico que todo mundo precisa conhecer. 


Prêmios: XXXV Festival de Berlim 1985 (Berlim/Alemanha): Prêmios FIPRESCI e Interfilm do Fórum de Cinema Jovem; FesTróia - Festival Internacional de Cinema de Tróia 1985 (Setúbal/Portugal): Prêmio Golfinho de Ouro; VI Festival do Novo Cinema Latino-americano 1984 (Havana/Cuba): Prêmio Coral de Melhor Documentário; I FestRio 1984 (Rio de Janeiro/RJ): Prêmio Tucano de Ouro de Melhor Filme, Prêmio da Crítica, Prêmio OCIC (Ofício Católico Internacional de Cinema) e Prêmio D. Quixote da FICC (Festival Internacional de Cinema); 13º Festival do Cinema Brasileiro de Gramado 1985 (Gramado/RS): Prêmio Hours Concours; Festival de Cine Realidade 1985 (Paris/França): Grande Prêmio. 

Diretor: Nascido em 11 de maio de 1933, em São Paulo (capital), Eduardo Coutinho foi graduado em Cinema na França pelo IDHEC (Institut Des Hautes Études Cinématographiques). Ele iniciou no cinema na década de 1960, participando do movimento Cinema Novo, passando a trabalhar na TV nos anos 70. Considerado um dos maiores diretores de documentários do Brasil, Coutinho escreveu e dirigiu filmes antológicos, como "Cabra Marcado para Morrer" (1984), "Edifício Master" (2002), "Santo Forte" (1999) e "Jogo de Cena" (2007). Com apenas dois longas-metragens ficcionais em sua filmografia, "O Homem Que Comprou o Mundo" (1968) e "Faustão" (1971), o diretor deixou uma filmografia de 23 títulos, incluindo quatro curtas, e uma longa lista de mais de 40 premiações em prestigiados festivais nacionais e internacionais. Eduardo Coutinho faleceu em 02 de fevereiro de 2014, aos 80 anos, no Rio de Janeiro.

 


VÍTIMAS DO PODER

(Eminent domain)

França | Israel | Canadá, 1990

Drama, 106 min, 14 anos

Direção: John Irvin

Elenco: Donald Sutherland, Anne Archer, Paul Freeman

Sinopse: Um membro do Politburo polonês de alto escalão foi banido do partido e deve descobrir por quê. Ambientado em 1979 na Polônia, antes dos eventos do Solidariedade.

 


GANGUE DE LADRAS

(Brave Ragazze)

Itália, 2019, Comédia, 95 min, 14 anos

Direção: Michela Andreozzi

Elenco: Ambra Angiolini , Ilenia Pastorelli,

Serena Rossi , Silvia D'Amico

Sinopse: A história é baseada em uma gangue de ladras francesas disfarçadas de homens, que operou na área de Avignon em meados da década de 1980.

 


PARA SEMPRE E UM DIA

(Forever and a day)

EUA, 1943, Drama, 104 min, 12 anos

Direção: René Clair, Edmund Goulding, Cedric Hardwicke,

Frank Lloyd, Victor Saville, Robert Stevenson e Herbert Wilcox.

Elenco: Kent Smith; Ruth Warrick; George Kirby,

Doreen Munroe, May Beatty

Sinopse: Durante a 2ª Guerra Mundial um americano viaja até a Inglaterra para vender uma velha propriedade da sua família, que fica nos arredores de Londres. Entretanto, ele encontra na casa uma mulher que lá vive e é contra a venda. Eles conversam e ela lhe conta a história da mansão, desde a construção por um almirante inglês em 1804 até o presente. Tanto o americano quanto a moradora da casa ficam exultantes, pois após um bombardeio a pintura do fundador da casa continua intacta, uma simbólica prova da resistência da Inglaterra nos momentos mais difíceis.

 

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