por Joba Tridente
No universo artístico, conforme o tratamento recebido, a enfermidade, em geral, resulta em curiosa reflexão (sobre a fragilidade da vida) para o espectador saudável, e ou (até) a conformidade para o doente. Quanto mais grave a doença explorada, maiores os percalços do realizador da obra (cinematográfica, teatral, literária, plástica). Pois, dependo da posologia de sentimento, ela pode ter sucesso, ir pra encubação do amanhã ou ser totalmente ignorada até pelos hipocondríacos.
O cinema já falou de alcoolismo, surdez, cegueira, mudez, tabagismo, virose, depressão, psicopatia, câncer, Alzheimer, aids, autismo, esclerose... E também já expôs o drama de quem sofre de doença degenerativa e opta pela eutanásia (Amor; O Escafandro e a Borboleta; Mar Adentro; Menina de Ouro). Mas há sempre alguma variante, no glossário da medicina, a ser consultada. Não exatamente a variante da doença, mas a variante humana, a do doente atingido por uma enfermidade degenerativa e como ele se relaciona com a moléstia que aos poucos o deixa incapacitado, vegetando, apodrecendo numa cama e totalmente dependente de algum cuidador da família e ou não...
A Despedida (Blackbird, 2019) é a versão melodramática anglo-americana (ao gosto hollywoodiano) para o premiado drama dinamarquês Stille Hjerte (Coração Mudo, 2014), do diretor Bille August (Pelle, o Conquistador; As Melhores Intenções)..., aproveitando, inclusive, com algumas discutíveis atualizações, o mesmo roteiro do também dinamarquês Christian Torpe. Quem assistiu ao Coração Mudo não ficará indiferente à esta (desnecessária) releitura, com suas idiossincrasias anglo-americanas contemporâneas. Pois, ainda que razoavelmente parecidas, há sempre algo na bela cenografia, nos ótimos diálogos, na história crível, nas escolhas da direção, a se comparar nas duas produções.
Em Coração Mudo, o drama frio, direto e praticamente sem trilha
sonora, espreme-se pela casa aconchegante..., cujo clima de inquietação, que
beira o claustrofóbico, relando em um e outro visitante, a faz parecer pequena
para os convidados, sempre “amontoados” com suas dores e mágoas e a forçada
cordialidade. Em A Despedida, o melodrama espalha-se pela imensa casa, embalado
por trilha sonora chorosa, alcança todos os recantos de sua beleza gélida e individualiza
os convidados egocentrados em seus traumas, como se parte da decoração, distanciando
a cordialidade. Entre o conter e o ostentar, o melancólico perde espaço para o
melodrama e a recente tendência cinematográfica (acrescentando nada ao enredo)
assume as “novas” relações amorosas: sai o casal (Sanne/Dennis) e
entra o par lésbico (Hoje em dia é chique ter uma lésbica na família!) Anna/Chris...,
fazendo soar falsa a reação puritana ao álcool e ao fumo à mesa da última ceia
anglo-americana. Deste modo, a impressão é a de que a (desnecessária) mexida de
Christian Torpe, em seu próprio roteiro, tenha sido tão somente para tornar a
trama mais palatável (adocicada) ao gosto americano, também alheio às legendas.
Cortou aqui, acrescentou acolá, mas o importante é que não mudou a essência: o
desejo de eutanásia de Lily e o acerto de contas familiares. O motivo
que pode mudar o rumo dos acontecimentos, nas duas produções, não é dos mais
críveis, mas acaba funcionando no arremate (na versão dinamarquesa o epílogo é
mais interessante). Em um o suporte é a razão. No outro, a emoção. Em ambos, a preocupação
em questionar o tema com ternura e humanidade..., e longe de qualquer resquício
moralizante.
NOTA: As considerações acima são pessoais e, portanto, podem não refletir a opinião geral dos espectadores e cinéfilos de carteirinha.
*Estreia prevista para 31.03.2021, nas salas de cinema e no Now, iTunes, Google Play, Youtube Filmes, Vivo Play e Sky Play.
Joba Tridente: O primeiro filme vi (no cinema)
aos 5 anos de idade. Os primeiros videodocumentários fiz em 1990. O primeiro
curta-metragem (Cortejo), em 35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer
crítica em 2009. Já fui protagonista e coadjuvante de curtas. Mas nada se
compara à "traumatizante" e divertida experiência de
cientista-figurante (de última hora) no “centro tecnológico” do
norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003),
de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba.
Nenhum comentário:
Postar um comentário