quarta-feira, 3 de março de 2021

Crítica: O Último Jogo

 


O ÚLTIMO JOGO

por Joba Tridente

Confesso que não sou muito chegado ao futebol..., nem mesmo em tempo de Copa do Mundo. Entendo praticamente nada. Trauma de infância, quando a molecada se juntava pra bater uma bola, no meio da rua, e me dizia que eu fazia nada na linha e tinha que ir pro gol, que eu odiava e continuo odiando. Para mim, goleiro não é jogador, é pegador. Tenho até uma unha do dedão esquerdo estropiada pelo chute numa pedra, quando criança e da lembrança de uma bolada na cara, que me jogou longe, quando assistia, no gradil da quadra, à uma partida de futebol de salão. O que me serviu para ficar distante do esporte bem domado (?) e bem dopante no Brasil.


Há uns dois anos, ou três, fiquei sabendo de um festival de cinema voltado tão somente ao assunto: CINEFOOT – Festival de Cinema de Futebol. Em 2020 arrisquei e gostei muito de alguns filmes da edição online e gratuita. Exceções à parte, e sem saber o que esperar, já que não chuto bem nem com a direita e nem com a esquerda, me preparei para cabine online do filme O Último Jogo (estreia, nos cinemas, adiada para 01 de abril de 2021), para palpitar com conhecimento de causa, e digo sem vacilar: a produção molhou a camisa e o gol de placa é o melhor possível. Assim, se você é um espectador que também não dá a mínima bola pro futebol, pode não mudar o seu conceito futebolístico, mas certamente vai rir um bocado com esta despretensiosa comédia e sua deliciosa crônica do futebol de várzea...


Livremente inspirada no romance El Fantasista, do escritor chileno Hernán Rivera Letelier, O Último Jogo (Brasil, Argentina, Colômbia, 2018), com direção de Roberto Studart, que dividiu o roteiro com Ecila Pedroso, leva para o meio de campo uma história com elementos do realismo fantástico, numa trama onde a bola vai rolando no ritmo da marcante toada musical (blues pontuando cartum) de Julian Carando e num casamento perfeito entre a fotografia alegre de Michel Gomes e a montagem bem driblada de Ximena Franco Lizarazo. De passe em passe a narrativa vai costurando, com leveza, pequenos dramas (cheios de alma) dos protagonistas, com seus sonhos e ou frustações profissionais e pessoais..., mas sem deixar de lado o tom jocoso que envolve a todos na escancarada rivalidade entre os moradores dos fronteiriços vilarejos de Belezura (Brasil) e Guapa (Argentina). De onde vem tal rivalidade (ancestral?) ninguém sabe e nem é a intenção do roteiro polemizar, já que está às voltas com o destino dos moradores de Belezura, que serão demitidos com o fechamento da filial da fábrica de móveis, cuja matriz é argentina e fica em Guapa (onde tem até hospital!).


Em meio a essa angústia coletiva, há ainda um jogo revanche entre os times de futebol de várzea das duas cidades (cujos jogadores são funcionários das fábricas). Na última peleja, o time de Belezura perdeu e o goleiro foi machucado. Agora, uma semana depois, é ganhar ou ganhar. Para tanto, o treinador argentino do time brasileiro, Arlindo (Norberto Presta, magnífico!), precisa motivar ainda mais seus jogadores, principalmente o inconformado Califórnia (Pedro Lamin), dublê de poeta e artista plástico nas horas vagas. Quando parece que a solução mais honrosa é jogar a camisa, eis que aparece em Belezura o andarilho Expedito, o Fantasista da Bola Branca (Bruno Belarmino), um craque das embaixadinhas..., e a sua noiva Ruiva (Betty Barco). Os olhos de Arlindo crescem, só de pensar no craque jogando em seu time, e os moradores da cidadezinha vão fazer de tudo (mesmo) para que o casal fique na cidade até o dia do jogo. Será que vão conseguir com seus mimos e mentiras convencer Expedito, que também tem lá seus segredos, a jogar? Só assistindo pra ver até onde jogadores e torcedores brasileiros (e seus arquirrivais argentinos) vão pela “paixão nacional”.


O Último Jogo é o tipo de filme que te ganha logo nos primeiros minutos, enquanto rolam os créditos iniciais, com a voz berrante do inspirado e dramático locutor de jogos Casemiro (Lucio Tranchesi, excelente!) e não te larga nem com os créditos finais..., já que você vai ficar refletindo e rindo um bocado ao lembrar das catimbas dos adoráveis personagens um tanto surreais. A direção de Roberto Studart (Pra Lá Do Mundo e Mad Dogs) tem foco, não vacila nem quando a bola faz curva pra chegar onde ele quer: o grande jogo da final. Aliás, a filmagem do jogo (que te coloca dentro do campo, comendo poeira e esbarrando nos jogadores) é um espetáculo (crível!) à parte. Sobre isso, disse Studart: “Era preciso encontrar atores que soubessem jogar futebol. Alguns personagens precisavam jogar bola, caso contrário, as filmagens seriam um inferno, pelo pouco tempo que tínhamos. É claro que no Brasil isso não é exatamente um problema. As duas partidas mostradas têm um papel fundamental e realizá-las foi algo insano. Decidi que iríamos filmar os jogos com uma intensidade parecida com a do futebol americano, algumas marras do basquete. Era uma maneira de trazermos algo diferente. Os moradores das cidadezinhas onde filmamos eram fanáticos por futebol, jogavam torneios de várzea, então os colocamos no filme. Foi realmente incrível, eles não tinham ideia de como se fazia um filme. Se doaram inteiramente. Tínhamos muitos minutos de jogo no roteiro. Rodar essas cenas sempre exige um número maior de ângulos, diversas repetições e muito mais tempo de preparação. Para completar, ainda aconteciam vários conflitos entre as torcidas”.


Enfim, pra não dar spoilers para quem ainda não assistiu à O Último Jogo e não quer saber o resultado de antemão, o melhor é encerrar os comentários dizendo que a criativa comédia, com sua comicidade universal, gags hilárias (a primeira do hospital argentino é antológica – chorei de tanto rir), elenco perfeito (até mesmo dos ilustres figurantes), enredo inteligente, direção singular..., é uma espécie de filme (escapista? que seja!) capaz de colocar um sorrisão nos lábios de seu público, nesses dias tão turbulentos e de tristeza (parece) sem fim.  Afinal, estamos (quase) todos precisando de um fiapo que seja de divertimento sincero e de alguma leveza para encarar tanta perturbação...

NOTA: As considerações acima são pessoais e, portanto, podem não refletir a opinião geral dos espectadores e cinéfilos de carteirinha.


Joba Tridente: O primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros videodocumentários fiz em 1990. O primeiro curta-metragem (Cortejo), em 35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003), de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba.


2 comentários:

  1. Joba, sou o diretor de foto do filme. Ler sua crítica foi um deleite. Assim como foi ver o filme pela primeira vez em sua pré-estreia mês passado. Parabéns pelo texto maravilhoso! Abraço!

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  2. ..., olá, Michel Gomes. ..., que alegria tê-lo por aqui e pela oportunidade de cumprimentá-lo pela fotografia de mestre. ..., no tom exato para encher os olhos e fazer a gente se movimentar (na cadeira) para não perder nenhuma jogada. ..., grato pelas consideração. ..., espero que O Último Jogo faça uma carreira brilhante no circuito cinematográfico. ..., grande abraço! ..., T+

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