O ÚLTIMO JOGO
por Joba Tridente
Confesso que não sou muito
chegado ao futebol..., nem mesmo em tempo de Copa do Mundo. Entendo
praticamente nada. Trauma de infância, quando a molecada se juntava pra bater
uma bola, no meio da rua, e me dizia que eu fazia nada na linha e tinha que ir
pro gol, que eu odiava e continuo odiando. Para mim, goleiro não é jogador, é
pegador. Tenho até uma unha do dedão esquerdo estropiada pelo chute numa pedra,
quando criança e da lembrança de uma bolada na cara, que me jogou longe, quando
assistia, no gradil da quadra, à uma partida de futebol de salão. O que me
serviu para ficar distante do esporte bem domado (?) e bem dopante no Brasil.
Há uns dois anos, ou três,
fiquei sabendo de um festival de cinema voltado tão somente ao assunto: CINEFOOT
– Festival de Cinema de Futebol. Em 2020 arrisquei e gostei muito de alguns filmes da edição
online e gratuita. Exceções à parte, e sem saber o que esperar, já que não
chuto bem nem com a direita e nem com a esquerda, me preparei para cabine online do
filme O Último Jogo (estreia, nos cinemas, adiada para 01 de abril de 2021), para
palpitar com conhecimento de causa, e digo sem vacilar: a produção molhou a
camisa e o gol de placa é o melhor possível. Assim, se você é um espectador que
também não dá a mínima bola pro futebol, pode não mudar o seu conceito futebolístico,
mas certamente vai rir um bocado com esta despretensiosa comédia e sua
deliciosa crônica do futebol de várzea...
Livremente inspirada no
romance El Fantasista, do escritor chileno Hernán Rivera Letelier, O
Último Jogo (Brasil, Argentina, Colômbia, 2018), com direção de Roberto
Studart, que dividiu o roteiro com Ecila Pedroso, leva para o meio de campo
uma história com elementos do realismo fantástico, numa trama onde a bola vai
rolando no ritmo da marcante toada musical (blues pontuando cartum) de Julian
Carando e num casamento perfeito entre a fotografia alegre de Michel Gomes
e a montagem bem driblada de Ximena Franco Lizarazo. De passe em passe a
narrativa vai costurando, com leveza, pequenos dramas (cheios de alma) dos
protagonistas, com seus sonhos e ou frustações profissionais e pessoais..., mas
sem deixar de lado o tom jocoso que envolve a todos na escancarada rivalidade
entre os moradores dos fronteiriços vilarejos de Belezura (Brasil) e Guapa
(Argentina). De onde vem tal rivalidade (ancestral?) ninguém sabe e nem é a
intenção do roteiro polemizar, já que está às voltas com o destino dos
moradores de Belezura, que serão demitidos com o fechamento da filial da
fábrica de móveis, cuja matriz é argentina e fica em Guapa (onde tem até
hospital!).
Em meio a essa angústia
coletiva, há ainda um jogo revanche entre os times de futebol de várzea das
duas cidades (cujos jogadores são funcionários das fábricas). Na última peleja,
o time de Belezura perdeu e o goleiro foi machucado. Agora, uma semana
depois, é ganhar ou ganhar. Para tanto, o treinador argentino do time
brasileiro, Arlindo (Norberto Presta, magnífico!), precisa
motivar ainda mais seus jogadores, principalmente o inconformado Califórnia
(Pedro Lamin), dublê de poeta e artista plástico nas horas vagas. Quando
parece que a solução mais honrosa é jogar a camisa, eis que aparece em Belezura
o andarilho Expedito, o Fantasista da Bola Branca (Bruno
Belarmino), um craque das embaixadinhas..., e a sua noiva Ruiva (Betty
Barco). Os olhos de Arlindo crescem, só de pensar no craque jogando
em seu time, e os moradores da cidadezinha vão fazer de tudo (mesmo) para que o
casal fique na cidade até o dia do jogo. Será que vão conseguir com seus mimos
e mentiras convencer Expedito, que também tem lá seus segredos, a jogar?
Só assistindo pra ver até onde jogadores e torcedores brasileiros (e seus
arquirrivais argentinos) vão pela “paixão nacional”.
O Último Jogo é o tipo de filme que te ganha logo
nos primeiros minutos, enquanto rolam os créditos iniciais, com a voz berrante
do inspirado e dramático locutor de jogos Casemiro (Lucio Tranchesi,
excelente!) e não te larga nem com os créditos finais..., já que você vai ficar
refletindo e rindo um bocado ao lembrar das catimbas dos adoráveis personagens
um tanto surreais. A direção de Roberto Studart (Pra Lá Do Mundo e Mad
Dogs) tem foco, não vacila nem quando a bola faz curva pra chegar onde ele quer:
o grande jogo da final. Aliás, a filmagem do jogo (que te coloca dentro do
campo, comendo poeira e esbarrando nos jogadores) é um espetáculo (crível!) à
parte. Sobre isso, disse Studart: “Era preciso encontrar atores que
soubessem jogar futebol. Alguns personagens precisavam jogar bola, caso
contrário, as filmagens seriam um inferno, pelo pouco tempo que tínhamos. É
claro que no Brasil isso não é exatamente um problema. As duas partidas
mostradas têm um papel fundamental e realizá-las foi algo insano. Decidi que
iríamos filmar os jogos com uma intensidade parecida com a do futebol
americano, algumas marras do basquete. Era uma maneira de trazermos algo
diferente. Os moradores das cidadezinhas onde filmamos eram fanáticos por
futebol, jogavam torneios de várzea, então os colocamos no filme. Foi realmente
incrível, eles não tinham ideia de como se fazia um filme. Se doaram
inteiramente. Tínhamos muitos minutos de jogo no roteiro. Rodar essas cenas
sempre exige um número maior de ângulos, diversas repetições e muito mais tempo
de preparação. Para completar, ainda aconteciam vários conflitos entre as
torcidas”.
Enfim, pra não dar spoilers
para quem ainda não assistiu à O Último Jogo e não quer saber o
resultado de antemão, o melhor é encerrar os comentários dizendo que a criativa
comédia, com sua comicidade universal, gags hilárias (a primeira do
hospital argentino é antológica – chorei de tanto rir), elenco perfeito (até
mesmo dos ilustres figurantes), enredo inteligente, direção singular..., é uma espécie de filme (escapista? que seja!) capaz de colocar um sorrisão nos lábios de
seu público, nesses dias tão turbulentos e de tristeza (parece) sem fim. Afinal, estamos (quase) todos precisando de um
fiapo que seja de divertimento sincero e de alguma leveza para encarar tanta
perturbação...
NOTA: As considerações acima são pessoais
e, portanto, podem não refletir a opinião geral dos espectadores e cinéfilos de
carteirinha.
Joba Tridente: O primeiro filme vi (no cinema)
aos 5 anos de idade. Os primeiros videodocumentários fiz em 1990. O primeiro
curta-metragem (Cortejo), em 35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer
crítica em 2009. Já fui protagonista e coadjuvante de curtas. Mas nada se
compara à "traumatizante" e divertida experiência de
cientista-figurante (de última hora) no “centro tecnológico” do
norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003),
de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba.
Joba, sou o diretor de foto do filme. Ler sua crítica foi um deleite. Assim como foi ver o filme pela primeira vez em sua pré-estreia mês passado. Parabéns pelo texto maravilhoso! Abraço!
ResponderExcluir..., olá, Michel Gomes. ..., que alegria tê-lo por aqui e pela oportunidade de cumprimentá-lo pela fotografia de mestre. ..., no tom exato para encher os olhos e fazer a gente se movimentar (na cadeira) para não perder nenhuma jogada. ..., grato pelas consideração. ..., espero que O Último Jogo faça uma carreira brilhante no circuito cinematográfico. ..., grande abraço! ..., T+
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