terça-feira, 23 de março de 2021

Crítica: Siron. Tempo Sobre Tela

 


SIRON. TEMPO SOBRE TELA

por Joba Tridente

O goiano Siron Franco é um dos mais renomados artistas plásticos brasileiros. Suas fascinantes obras repercutem em galerias e museus no Brasil e no exterior. Algumas são vendidas, para colecionadores, antes mesmo de idealizadas e pintadas. Siron Franco, cuja sua obra pessoal se alimenta de sonhos, traumas, pesadelos, memórias e cuja obra monumental se inspira na cultura milenar indígena e ou insanidades contemporâneas, assim se traduz: “Eu lembro mais das coisas que pintei do que das coisas que vivi”. É em busca dessas lembranças que se ocupa o ótimo documentário Siron. Tempo Sobre Tela (2019), roteirizado e dirigido por André Guerreio Lopes e Rodrigo Campos.

Siron. Tempo Sobre Tela, que foi gestado por 19 anos, começou a ganhar forma e conteúdo no ano 2000, quando os diretores, estudantes em Londres, a convite da produtora Malu Campos, passaram a registrar o processo criativo de Siron, que estava por ali produzindo uma série inspirada no bairro Soho. André, que define o filme como “uma tapeçaria do tempo”, conta que, ao analisar o material original, viram que o quê tinham em mãos era “um registro único e importante do trabalho de Siron” e, decididos a ir além, começaram a captar novas imagens no ateliê do artista, em Aparecida de Goiânia, a realizar entrevistas com Siron e a levá-lo a lugares de sua infância. “Pouco antes de começarmos a montagem, Siron nos disponibilizou seu acervo de vídeos, material riquíssimo e inédito, cerca de 180 fitas VHS e Super-8 que ele filmou ao longo da vida, trabalhando nos diversos ateliês, fazendo experimentos de videoarte, viajando para a Europa e para o México nos anos 70 etc.”, complementa André Guerreiro.


Pintor, desenhistas, escultor, performer, ativista, Siron Franco (autor de peças perturbadoras em referência ao Césio 137) tem a mesma intensidade expressiva de suas obras ao falar da sua trajetória profissional e do descaso das autoridades com a cultura no país, referindo-se, naquele momento, ao ato de vandalismo que destruiu, a marretadas, o Monumento As Nações Indígenas, composto de 499 totens, dispostos num espaço de cem mil metros de diâmetro, no setor Buriti Sereno, em Aparecida de Goiânia, com reproduções de obras raras e artesanais dos indígenas brasileiros, na comemoração dos 500 anos da descoberta do Brasil. Em redor do monumento, hoje tomado pelo mato e ponto de consumo de drogas, seriam construídas Escolas e Centros de Estudos da Cultura Indígena..., uma tristeza, ao se comparar o estado atual do local com as imagens do desenvolvimento do projeto e da inauguração. Ainda que não sejam citadas, mais duas obras monumentais de Siron Franco foram vandalizadas, uma em Salvador (BA) e outra em Goiânia (GO). A de Salvador, instalada em 2002, no paredão de concreto em frente ao Dique de Tororó, em homenagem aos 454 anos da cidade, teve suas 454 peças em alumínio fundido, inspiradas em pinturas rupestres, roubadas, uma a uma (a última em 2013). Na obra Caleidoscópio, com indígenas e crianças representando o passado e o futuro, instalada em 2015, na Praça Cívica, em Goiânia, os vândalos jogaram tinta misturada a ácido, em 2016.


André e Rodrigo tomaram cuidado para não perder o foco da matéria e assim, em Siron. Tempo Sobre Tela sabemos o que interessa sobre a genialidade e a arte original do artista, mas praticamente nada sobre sua família e familiares. O que não quer dizer que uma imagem aqui e uma confissão acolá não nos remeta a alguma intimidade de início de carreira, quando pintava retratos, dividindo os lucros com a mãe e a compra de material de pintura, para chegar às Madonas. Ou não permita espiar a solidão do artista diante de uma tela branca que será pintada e repintada exaustivamente, até desvelar as cores e as imagens do inconsciente de Siron que, quando jovem, queria “vender a minha alma: ser do bem e dedicar a minha vida à arte”.

Siron Franco se dedica cada vez mais intensamente à sua instigante arte que roda o mundo e, a cada década ou a cada domínio de técnica, muda de tom em busca de outras significâncias. Nas mãos do artista, imagens outras podem ganhar forma numa tela pintada há anos. Imagens sobre imagens. Ideias se sobrepondo a ideias e o que era um simples reparo vira uma nova obra, para o desespero do proprietário da pintura. Siron, que desde criança é fascinado por todo tipo de imagem, não se cansa de buscá-la onde, aparentemente, ela não está. O seu trabalho “nasce da exaustão, do cansaço, de pintar uma coisa e ver outra coisa e continuar pintando”..., e a cada pincelada dialogar com a sua crença religiosa, o seu posicionamento sociopolítico, os seus atos de fé.


Siron. Tempo Sobre Tela foi editado por Danilo do Valle, com acompanhamento direto dos diretores e suas anotações sobre o farto material disponível. Para André Guerreiro Lopes: “Não se filma Siron impunemente. Tentamos dar forma fílmica, da nossa maneira, à mente criadora de Siron, ao fluxo ininterrupto de pensamentos e ideias, às associações pictóricas, os tempos que se embaralham a cada quadro, o eterno fazer e desfazer de imagens até se chegar à obra final.” Para Rodrigo Campos, o documentário “elucida os meandros do pensamento, da personalidade e da arte desse grande criador brasileiro disponíveis para o maior número possível de pessoas, o que se torna particularmente importante neste momento atual, em que o desprezo das instituições oficiais e de uma grande parte da elite econômica do Brasil pela arte só não é maior do que seu desprezo pela vida em si mesma.

NOTA: As considerações acima são pessoais e, portanto, podem não refletir a opinião geral dos espectadores e cinéfilos de carteirinha.


Siron. Tempo Sobre Tela tem estreia prevista para 25 de março de 2021, simultaneamente nos cinemas e nas plataformas de streaming, Belas Artes A La Carte, Now, Vivo TV, Sky Play e Looke, com distribuição da Pandora Filmes.


Joba Tridente: O primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros videodocumentários fiz em 1990. O primeiro curta-metragem (Cortejo), em 35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003), de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba.


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