terça-feira, 9 de março de 2021

Crítica: América Armada


 AMÉRICA ARMADA

por Joba Tridente

A busca pela justiça e o resgate da cidadania é o foco de dois pertinentes documentários que serão lançados brevemente: América Armada (em plataformas de streaming: 11.03.2021 no NOW, Vivo Play, Oi Play e, em 25.04.2021, na Globo News) e ProibidoNascer no Paraíso (ainda sem data nos cinemas). 

No documentário América Armada, dirigido e roteirizado por Alice Lanari e Pedro Asbeg (Democracia em Preto e Branco e Geraldinos), o espectador segue os aflitivos passos de três destemidos ativistas sociais no enfrentamento da violência armada em busca de justiça, cidadania e dignidade. São eles: o brasileiro Raull Santiago; a colombiana Teresita Gaviria e o mexicano Heriberto Paredes. Raull nasceu e cresceu no Complexo do Alemão e é membro do Coletivo Papo Reto. Determinado em divulgar os abusos da polícia na sua comunidade, o jovem, munido de celular, registra e transmite em lives as abomináveis ações e armações policiais. Teresita, que carrega no corpo e na alma a dor da perda do filho assassinado há dezoito anos, é a militante com a voz mais grave do grupo Madres de La Candelária e, além de campanhas contra a violência, promove o encontro de mulheres com os assassinos presos de seus filhos e filhas. O jornalista Heriberto, mesmo ameaçado de morte, não deixa de acompanhar e divulgar a luta insana de grupos de autodefesa compostos por indígenas, que se viram obrigados a se armar para defender seus territórios e suas vidas contra o narcotráfico. 


Na crueza arrepiante de seus registros, Pátria Armada, com fotografia e câmera de Pablo Baião, não é mais um documentário alertando sobre as desordens governamentais, pois destas já estamos vesgos de tanto ver o raio cair sempre nos mesmos quintais..., mas um filme-denúncia em busca de um eco maior para a sua crítica e ou grito aos inertes. O tema não é inédito, já o vimos em telejornais, matérias especiais e até em filmes de ficção. Aqui, o que faz a diferença é o olhar de quem está dentro da guerra, de quem não é imune, mas (ainda?) está conseguindo sair ileso da constante rajada de raios ameaçadores, a se somar a outros olhares imprescindíveis sobre a destruição e a destituição de seus quintais. No corpo a corpo, no cara a cara com a truculência, uma fileira de “por que?” dirigida aos genocidas e seus correligionários de milícia. Por mais que pareçam perguntas ao vento, são questionamentos que precisam ser feitos..., até que a sociedade, mais organizada que o crime organizado (e institucionalizado), se dê conta de que é muito mais forte do que o estado ausente e a justiça claudicante a fazem crer e reaja.


As feridas abertas da América Latina sangram, gangrenam e estão longe de serem cicatrizadas, mas nem por isso devem ser dispensados os tratamentos de conscientização. O diretor Pedro Asbeg disse que, enquanto filmava, percebeu que “A situação do Brasil tem uma série de semelhanças com países e povos com quem, infelizmente, troca e aprende muito menos do que poderia e deveria. Acredito que a principal descoberta tenha sido a confirmação de que a violência é um fenômeno regional, que afeta todos os países da América Latina, em particular os três em que filmamos: Brasil, Colômbia e México.” Para Alice Lanari: “As diferenças históricas e culturais de cada país estão presentes, mas os processos sociais são vistos como peças de um mesmo jogo, que se repete em distintos tabuleiros. Foi assustador perceber que aquilo que estava acontecendo no Brasil durante as filmagens, e que só se aprofundou depois disso, tinha e tem muitas semelhanças com o que já aconteceu - com resultados trágicos - em outros países latino-americanos”.


A Comisión Mexicana de Defensa y Promoción de los Derechos Humanos escreveu, em seu site, que o documentário América Armadaretrata o caminho de três pessoas com lutas que parecem distintas, mas que, no fundo, clamam pelo mesmo: justiça, liberdade, verdade e reparação.” E como ressaltou Heriberto Paredes, que também não recua com as ameaças nada veladas de policiais, milicianos e traficantes: “Existe uma nova fase dentro do capitalismo que se vive na América Latina. Eu chamaria de capitalismo criminoso. Em que a violência também já é um grande negócio. Não significa que antes já não fosse. Mas de uns vinte anos para cá se consolidou como um grande negócio. O grande negócio na América Latina é a reprodução da violência.

NOTA: As considerações acima são pessoais e, portanto, podem não refletir a opinião geral dos espectadores e cinéfilos de carteirinha.

 

Joba Tridente: O primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros videodocumentários fiz em 1990. O primeiro curta-metragem (Cortejo), em 35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003), de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba.


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