quarta-feira, 31 de março de 2021

Crítica: Respiro

 


R E S P I R O

por Joba Tridente

O premiado filme italiano Respiro, escrito e dirigido pelo diretor Emanuele Crialese, é daquelas produções que, dependendo do ânimo, faz a gente querer dar marcha à ré no tempo e viajar para um lugar paradisíaco, banhado pelo Mediterrâneo e lá se esquecer que os dias de hoje andam por demais tenebrosos. Lançado em 2002, a trama ensolarada remete à uma famosa lenda local de Lampedusa que conta a história de uma jovem cujo estilo de vida livre e independente incomodava os aldeões. Um dia a jovem desapareceu e suas roupas foram encontradas na praia. Com o remorso pelo suicídio da garota arranhando suas almas, os moradores oraram muito e ela voltou à vida e ao seio da sua família.


Respiro gira ao redor de Grazia (Valeria Golino), que é casada com o pescador Pietro (Vincenzo Amato), mãe de três filhos: Marinella (Verônica D´Agostino), Pasquale (Francesco Casisa) e Filippo (Filippo Pucillo), e vive na rústica e bela Isola di Lapedusa, onde a cultura da pesca movimenta a economia da aldeia. O briguento faz tudo Pasquale, filho do meio, é o mais próximo da mãe. Já o invocadinho Fillippo, o caçula, age como se guardião da honra da irmã adolescente Marinella. Ali, onde todos se conhecem por nome e sobrenome, quando não está ajudando os adultos, a garotada está brincando e ou brigando e ou namorando..., como em qualquer cidadezinha distante onde já se acostumou com a paisagem e se tem nada além para se ocupar. Mulher ainda jovem, esbanjando beleza e vitalidade, Grazia, que também trabalha na embalagem de pescados, se sente a cada dia mais sufocada naquela ilha sem pontes para além do horizonte. De personalidade forte (demais, para o gosto do povo) e espírito livre ansiando por outras aragens, ao ser provocada e ou contrariada, a esposa e mãe amada vai deixando aflorar um comportamento que faz todos ao seu redor pensar que ela é louca. Na verdade, Grazia é bipolar e quando toda a aldeia acha que ela foi longe demais na sua última ação e recomenda um tratamento médico em Milão, ela simplesmente desaparece, para desespero de seu marido que, assim como os moradores, acredita que tenha se suicidado. Agora, só resta esperar pelas comemorações à São Bartolo e orar para que, assim como na lenda, um milagre aconteça. 


Ainda que tematizado, Respiro não se propõe a ser um tratado maçante sobre o comportamento maníaco-depressivo. O assunto (sugerido aos olhos do espectador) é apenas tangenciado..., já que os moradores da Isola di Lapedusa e do convívio da família de Pietro, sabem que a mulher dele tem algum problema (loucura?) de comportamento, mas não sabem como definir tal postura. Assim, a trama resulta mais numa reflexão sobre os motivos que poderiam levar as pessoas a desenvolverem sintomas de esquizofrenia, do que na especulação do diagnóstico da doença que pode ter afetado Grazia, que quer (apenas) respirar novos ares, respirar novos lugares, respirar nova gente..., que quer se libertar de tudo e de todos que a oprimem...


Respiro é um filme poético, cuja narrativa parece saída das páginas de um livro de contos regionais de beira-mar, embalada pelo canto das ondas, pelo vozerio nos pesqueiros e o grasnar das gaivotas. Não lhe falta doses de romance, humor, perversidade infantojuvenil, erotismo, alegria, drama e tragédia, bem ao estilo da gesticulação italiana, e um belo arremate de realismo fantástico. O cenário é fascinante e o elenco, majoritariamente amador, da conta do recado com uma expressividade (entrega) absurda. O roteiro, feito os contornos de uma concha, dá suas voltas nas boas histórias paralelas e chega satisfatoriamente a um epílogo de plasticidade irretocável, graças à fotografia de Fabio Zamarion, que explora muito bem os efeitos sedutores da luz, da sombra e do reflexo nos corpos humanos e na paisagem. Com suas metáforas instigantes, Respiro é um filme bonito demais para deixar passar e não respirar.

Respiro está no catálogo streaming do Petra Belas Artes Á LA CARTE.

 

NOTA: As considerações acima são pessoais e, portanto, podem não refletir a opinião geral dos espectadores e cinéfilos de carteirinha.

Joba Tridente: O primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros videodocumentários fiz em 1990. O primeiro curta-metragem (Cortejo), em 35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003), de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba.


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