A GRANDE MENTIRA
por Joba Tridente
Dizem que na mesa do pôquer vence quem blefa melhor. Dizem
que na mesa da negociata um trapaceiro profissional pode cair do alto do seu
castelo de cartas sem nem saber de onde veio a rasteira. Dizem que na mesa da
vida a cobrança das ações do passado pode vir antes da sobremesa. Ou não! Vai
depender da dose de sorte (esperteza) e ou da dose de azar (estupidez) de cada
jogador para se saber quem vai brindar com champanhe ao final da partida. Situações
(meramente ilustrativas) que podem ser conferidas no bom thriller A
Grande Mentira, dirigido por Bill Condon (Deuses e Monstros, Kinsey,
Dreamgirls, Mr. Holmes), a partir da adaptação de Jeffrey Hatcher
para o romance The Good Liar (O Bom Mentiroso, 2015), do escritor
britânico Nicholas Searle (ex-oficial de inteligência do Reino Unido).
A trama de A Grande Mentira acontece no ano de
2009, em Londres, e envolve o vigarista profissional Roy Courtnay (Ian
McKellen) e a vítima da vez Betty McLeish (Helen Mirren). O casal
de octogenários viúvos se conheceu num site de relacionamento amoroso, onde Roy
costuma caçar as mulheres perfeitas para seus inescrupulosos ataques
financeiros. Com sua esperteza aprimorada em anos de golpes, ao lado do
cúmplice Vincent (Jim Carter), o maquiavélico Roy acaba
encontrando uma forma de se infiltrar cada vez mais na vida da rica e solidária
Betty, provocando desconfiança em Stephen (Russell Tovey),
o neto da viúva. Toda via mal-intencionada do predador, no entanto, conforme o
roteiro se desenrola, largando dicas/pistas para tudo quanto é lado, não é
difícil perceber que alguma coisa está fora de ordem e que o enredo hitchcockiano,
com suas reviravoltas (até rocambolescas), pode vir a surpreender com o ás da cartada
final. O Destino não é mesmo confiável!
Ainda que a história não seja assim uma obra-prima, entre
os contos regulares de trapaceiros sedutores e trapaceados charmosos levados ao
cinema, A Grande Mentira é um filme que se assiste com curiosidade e
prazer. Talvez, relevando alguns excessos do roteiro, nem tanto pelo desafio de
você descobrir, com maior ou menor grau de dificuldade, quem está contando a
grande mentira ou quem é o bom mentiroso, do título do elogiado
romance..., mas pela atuação impecável de Ian McKellen e Helen Mirren. Com os
dois em cena, não importa se alguma sequência parece absurda e até gratuita (na
violência), e sim a elegância de suas performances dando sagacidade ao casal da
ficção. É uma delícia se deixar envolver pelos gestos meticulosos, pelos
olhares de Esfinge: “decifra-me ou te devoro” ou “ama-me e te roubo”,
pelos diálogos (falsamente) provocativos e convenientemente subtendidos na
interpretação de cada um...
Enfim, com um primeiro ato mais leve e audacioso (jogo
de gato e rato) e um segundo mais obscuro e intenso (preparo da armadilha) A
Grande Mentira mantém o espectador firmemente conectado até o desfecho teatral,
onde apropriadamente destila a ironia do humor inglês (numa gag genial)
com uma advertência para os incautos: cuidado! Não sei se todo público
vai entender a piada que me fez gostar mais do filme (ao relembrá-la
primorosamente encaixada no contexto, na hora de escrever esta resenha) e nem
me importar se é ou não discutível certos desdobramentos da trama, já que, além
de se tratar de mera ficção, me pareceram plausíveis (e juridicamente ainda
possível). Ah, se você não matar a charada a tempo, quando a comédia
termina seu queixo vai cair, ao perceber que as pistas desveladas estiveram
(camufladas?) na sua frente a narrativa inteira. E aí, quem é a isca e quem é o peixe?
Assim, viajando no verde das azeitonas do dry martini,
digo, sem receio de cometer spoilers, que a segunda estrofe da bela
canção As Aparências Enganam, de Sérgio Natureza e Tunai, imortalizada
por Elis Regina, de certa forma sintetiza o enredo de A Grande Mentira:
(...) As aparências enganam aos que odeiam e aos que amam / Porque o amor e
o ódio / Se irmanam na geleira das paixões / Os corações viram gelo e depois / Não
há nada que os degele / Se a neve cobrindo a pele / Vai esfriando por dentro o
ser / Não há mais forma de se aquecer / Não há mais tempo de se esquentar / Não
há mais nada pra se fazer / Senão chorar sob o cobertor. Bom, isso não quer
dizer que você, um adulto sóbrio, também possa ter essa percepção...
Joba Tridente: O primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de
idade. Os primeiros vídeos-documentários fiz em 1990. O primeiro curta-metragem
(Cortejo), em 35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já
fui protagonista e coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à
"traumatizante" e divertida experiência de cientista-figurante (de
última hora) no “centro tecnológico” do norte-americano Power
Play (Jogo de Poder,
2003), de Joseph Zito,
rodado em Curitiba, no Paraná, Brasil.
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