Excetuando as franquias baseadas em obras
literárias, que vão empurrando com a barriga, digo, bilheteria, o meio e o fim
da história lá pro terceiro e ou quarto episódio, os filmes normalmente se
bastam numa mesma produção. Se não for algo como, por exemplo, a saga de Harry Poter, que levou 10 anos para se
rodada (2000-2010) em oito filmes, praticamente com o mesmo elenco principal,
garantindo a fidelidade dos fãs pelo mesmo período nas salas de cinemas
(2001-2011), e ou as animações (em média três anos), em geral, entre um e dois
anos uma ficção chega ao cinema.
Foi curioso ver as garotada de Harry Poter crescendo e virando
adolescente, mas nada que se compare ao processo de envelhecimento dos
personagens de Boyhood – Da Infância à
Juventude, principalmente do casal de irmãos Mason (Ellar Coltrane) e
Samantha (Lorelei Linklater). A mais recente e impactante obra do genial
diretor Richard Linklater, que já
havia desafiado a passagem do tempo nos antológicos Antes do Amanhecer (1995), Antes
do Pôr do Sol (2004) e Antes da
Meia-Noite (2013), narrando com naturalidade impressionante os encontros e
despedidas do casal Jesse (Ethan
Hawke) e Celine (Julie Delpy), agora
conta a história de um garoto no decorrer de doze anos. Filmada em breves
períodos, de 2002 a 2013, ela começa com o menino Mason (Coltrane), aos seis anos, vivendo com a mãe Olívia (Patricia Arquette) e a irmã Samantha (Linklater), de nove anos, e
termina com o jovem-adulto Mason aos
dezoito.
O roteiro, do próprio Linklater, é extremamente
simples e envolvente: fragmentos do cotidiano de uma família norte-americana
moderna, porém comum, cuja mãe, divorciada, cuida do casal de filhos, enquanto
o ex-marido e pai-ausente Mason (Ethan Hawke) vaga pelo mundo em busca
de si mesmo. A história que Linklater conta foi sendo construída conforme o seu
encontro anual com o elenco protagonista (Coltrane, Lorelei, Arquete, Ethan) e
coadjuvante.
É uma história mais ou menos linear e no ritmo
das batidas de um relógio com pouca corda, onde, aos minutos, vão sempre se
juntando e ficando para trás, em segundos, personagens novos (amigos,
namorados, filhos, eleitores). Num tic-tac moroso, apenas a essência da vida em
movimento de Mason (filho) e o seu
redor de novidades ligeiras interessa. É esse movimento da vida e do tempo, a
cada ano e estação, que fascina, apagando e redesenhando o físico anterior,
principalmente do casal de irmãos: graciosos, desengonçados, definidos.
O curioso é que a gente só nota mudanças físicas
em nós e nas pessoas próximas em fotos e ou filmes. Por isso dá pra imaginar o
“susto” que Coltrane e Lorelei devem ter levado ao verem a “metamorfose” sofrida
nos últimos doze anos. Vale lembrar que, excetuando o diretor e a montadora
Sandra Adair, que editavam o filme a cada gravação (durante 144 meses), ninguém
mais da equipe sabia a narrativa que estava sendo costurada e como seria o
ponto final do chuleado. Tampouco se o interesse de todos os envolvidos se
manteria até o último “Corta!” e ou se
algum imprevisto por morte, mudança de país e ou..., mudaria o rumo do projeto.
Bem, ao menos em caso de morte de Linklater, o diretor já havia incumbido o seu
amigo e parceiro Hawke de seguir em frente com a obra.
Boyhood
- Da Infância à Juventude é um filme ousado, por isso singular na
linguagem convidativa a um público que prefere o desafio de ser enredado ao
novo à confortável rede bíblica de clichês abençoados. Diálogos mínimos (quase
desnecessários), sequências impagáveis, como a de Mason (pai) discutindo sexualidade com os filhos, fazem dele uma divertida
e emocionante jornada épica cujos capítulos surpreendem ao desvelar o prazer e
a dor do apego e ou desapego às pequenas coisas da vida..., inclusive à família.
Enfim, Richard Linklater só não economiza na criatividade.
É como diz o belo samba enredo O Amanhã, de João Sergio, para o
Carnaval de 1978 da União da Ilha do Governador: (...) Como será o amanhã?/ Responda quem puder. O que irá me acontecer?/ O meu destino será
como Deus quiser./ Como será?... Então, que o amanhã seja como tiver que
ser.
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