Dizem que
dificilmente os filmes subsequentes (o segundo é o mais perigoso!) de uma
franquia conseguem superar o primeiro. No caso de Fúria de Titãs (Clash of the
Titans - EUA, Reino Unido, 2010), de Louis Leterrier, uma refilmagem do
clássico homônimo dirigido por Desmond Davis, em 1981, não parecia missão
tão impossível, já que o filme de Leterrier foi detonado mundialmente. Quando se anunciou o Fúria de Titãs 2, com direção de Jonathan Liebesman (do equivocado Invasão do Mundo: Batalha de Los Angeles,
o original), se imaginava o pior. A boa notícia é que, indo contra quase todas
as previsões, a continuação deu certo, superando de longe o seu anterior.
Fúria de Titãs 2 (Wrath
of the Titans, EUA, 2012) é pura diversão e bem aos modos dos antigos filmes
de aventuras greco-romanas. Deixando a ranzinzice de lado: e precisa ser mais
que simples diversão? Talvez, depende da expectativa do cidadão. Exigir
conteúdo em produções como essa, dirigida ao público infantojuvenil (e aos
marmanjos de plantão), é bobagem. Esta nova aventura acontece dez anos depois do
intransigente e incrédulo semideus Perseu
(Sam Worthington) derrotar o Kraken. Ele ainda insiste em viver num
vilarejo de pescadores, onde cria o filho Hélio
(John Bell) e lamenta a morte da
esposa. Perseu não quer saber de
regalias e muito menos das desavenças entre deuses e Titãs. No entanto, Zeus (Liam Neeson) pensa diferente e a
intrincada e primordial relação de amor e ódio (e ciúme!) entre pais e filhos
(humanos “racionais” e deuses caídos e redimidos) acaba envolvendo Perseu na mais sintomática das guerras
(santas). O pior é que ela não garante o céu e ou o inferno aos “vencedores”,
já que, no tabuleiro dos sacrifícios, as pedras (sagradas e profanas) oscilam
entre a fé e a razão. Nesse embate todos são vítimas do próprio ego.
A questão
religiosa já estava em jogo quando Perseu
aniquilou o Kraken. Todavia, o que
parecia simples capricho devocional dos deuses, virou luta pela supremacia e
desejo de vingança (sobrando para os humanos!). Houve um tempo em que, para não
ser destronado, Cronos devorava os próprios
filhos. Mas não contava com a astúcia de Zeus,
Hades (Ralph Fiennes) e Poseidon
(Danny Huston), que sobreviveram e o
aprisionaram no Tártaro, onde se encontravam encarcerados os monstruosos Titãs, filhos de Urano e Géia. Ali, se
banhando em lavas, o vingativo Cronos
se aproveita da fraqueza moral de Ares
(Edgar Ramírez) e do perturbado Hades para tramar uma forma de punir Zeus e Poseidon e os humanos (que não querem mais saber de deuses). Certo
de que um filho de Zeus não foge à
luta titânica, Perseu acaba se
juntando à rainha Andrômeda (Rosamund Pike), ao semideus Agenor (Toby Kebbell), e a Hefesto
(Bill Nighy), para ajudar o pai e
evitar um mal maior. O que os heróis vão descobrir, no calor da batalha, é que,
com Cronos na parada, a vingança não
é um prato que se come frio.
O curioso
em uma obra cinematográfica (entre outras) é que o espectador (conforme a sua
cultura) pode fazer as mais diversas leituras e se ver “descobrindo coisas” que
(talvez) o diretor e os roteiristas nem pensaram em dizer. Às vezes essas
descobertas são meros grãos de areia que, fora do todo, podem gerar ideias
interessantes sobre algum tema pertinente, como o que se repete nos dois Fúria de Titãs: os percalços da Fé. Para
além da metáfora, são muito significativas as imagens de um belíssimo Templo em
ruínas e de deuses virando pó. O que nos remete a um conhecido aforismo (excerto
de Gênesis 3.19): Memento quia pulvis es
et in pulverem reverteris (lembra-te que és pó e ao pó tornarás), e que a
cada dia ganha novas interpretações.
É assunto
que dá pano para mais de metro de manga e, dependendo do foco, pode resultar em
calorosas e (até) divertidas discussões. Se não, veja só, enquanto os deuses
gregos, prisioneiros e dependentes da crença humana, fazem de tudo para evitar
o deicídio, Cron, o Deus do Conan, o Bárbaro, quer mais que os “seus” fiéis explodam. O próprio cimério
reza por rezar, porque sabe que Cron
não está nem aí para os problemas do mundo. O genial Millôr Fernandes (1923 -
2012) filosofou que: o homem só é
sinceramente ateu quando está muito bem de saúde. Pois é, onde e quando
menos se espera pode se encontrar alguma pérola. Não creio que todo o público vá
entender o simbolismo (inconsciente) de Fúria
de Titãs 2, mas é divertido ir descobrindo um a um.
Quanto ao
roteiro de Dan Mazeau e David Leslie Johnson, ele é tão simplório e econômico
que não tem nem romance. Ou será que um único beijo pode ser considerado
romance? É até menos rocambolesco que o do primeiro filme, mas (infelizmente)
não dispensou as (abomináveis) liberdades mítico-poéticas. Os diálogos são
mínimos, suficientes apenas para o espectador saber quem é quem e não perder o
fio da meada (em meio à pancadaria), e talvez (?) não comprometer o desempenho
do elenco competente, mas nada excepcional. Tampouco a história requer grandes
atuações. O que poderia ser diferente se a apressada narrativa se aprofundasse na
questão da ruptura entre filhos e pais em quatro gerações: Cronos versus Zeus versus
Ares e Perseu versus Hélio. Uma singularidade
curiosa e comum na cinematografia de Spielberg e que os psicólogos de ocasião adoram
decifrar. Porém, como disse acima, a intenção da produção é divertir, não é elucubrar.
Fúria de Titãs 2 é um filme verdadeiramente furioso, e
diria até meio mal-humorado. Os efeitos especiais e o bom uso do 3D IMAX proporcionam
um clima de ação desenfreada (e vertiginosa) do princípio ao fim. Confesso que
em alguns momentos fiquei meio zonzo com a movimentação. Algumas cenas
apavoram! E por falar em apavorar, os Ciclopes
(aqueles gigantes de um olho só!) são um espetáculo à parte. Perfeitos! Um
cinéfilo preocupado com detalhes vai achar que (o duplo) Hefestos lembra o Sméagol
de O senhor dos Anéis e ou que o seu
labirinto de pedras móveis se parece com o labirinto de aço do (arghhh!) Alien vs. Predador (2004). Na verdade, essa
“armadilha” remete ao labirinto de Minos, onde Teseu, com a ajuda de Ariadne,
venceu o Minotauro, que (é bom que se
diga) tem nada a ver com o monstrengo que aparece aqui. Enfim, este é um
entretenimento para quem quer apenas passar o tempo. E nada mais!
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