sábado, 22 de maio de 2010

Crítica: Fúria de Titãs


Já vi muita leitura cinematográfica sobre o mesmo tema, passíveis de comparação, mas releitura (refilmagem) de obra alheia, que cheira a oportunismo, movido tão somente pela conta bancária, é difícil de comparar. Por pior que seja o original, ele sempre tem mais chances que o suplantador de idéias. Infelizmente não é o que pensam os sobrinhos do Tio Sam, cada vez mais chegados numa cinecópia de obra estrangeira de sucesso. Acostumados a levar vantagem em tudo (impondo suas vontades em quase todo mundo), pensam com o bolso e não com a cabeça e, por isso, em vez de dar asas à imaginação, preferem copiar a criar algo novo, mesmo a partir de uma ideia velha.

Com a (re)tomada dos épicos (futuristas ou não) e a curiosidade sobre a Mitologia Grega, despertada pela série literária infantojuvenil Percy Jackson, do escritor Rick Riordan, a(ssa)ssinada no cinema por Chris Columbus, eis que os EUA resolveram pegar pesado com o Reino Unido. Sem se importar com a memória afetiva de milhões de espectadores, que o tem em alta consideração, decidiram que era hora de (re)mexer no inesquecível Fúria de Titãs (Clash of the Titans – Reino Unido, 1981), dirigido por Desmond Davis. Do filme, que para muitos é um clássico do cinema fantasia e para outros um clássico trash, sobrou pouco. Até mesmo a Coruja (mecânica) Bubo, numa cena de lamentável homenagem e tremendo mau gosto, ficou pra trás. Mas isso é o de menos.

Em Fúria de Titãs (Clash of the Titans – EUA, Reino Unido, 2010), os roteiristas Travis Beacham, Phil Hay e Matt Manfredi, destruiram o roteiro de Beverley Cross (do filme de Desmond) e reinventaram a história e a lenda, retirando e acrescentando o que lhes desse na telha e funcionasse melhor no CGI. Louis Leterrier fez o mesmo, com a direção pífia, se achando um erudito interpretando (à sua maneira) a saga do herói grego para a plebe ignara. Na sua visão trágica, Perseu se torna um caso patológico que Freud e Jung recusariam atendimento (ou seria entendimento?). Pobre herói, como se não tivesse provas suficientemente difíceis pra vencer, lhe arranjaram intrigas com seu pai, seu tio, seu avô... O pior, no entanto, é ainda ser obrigado a vencer o trauma da rejeição, a insignificância humana, os “monstros” reais, totalmente renovados e altamente revigorados, preso entre as dimensões 2D e 3D. Destituído de toda a glória de um semideus, retratado como um imbecil, no lusco-fusco de um simulacro 3D, ninguém merece!



No filme original havia alguma liberdade, sim, mas também respeito e integridade com os mitos. Agora vai tudo pras cucuias, junto com Kraken-CGI. Fúria de Titãs até começa com um belo visual cósmico, com os deuses e semideuses feito constelações. Mas, ao descer (?) até o futurista Olimpo e entrar na Grande Sala dos Deuses, a coisa degringola de vez. A cenografia consegue ser pior (ou mais ridícula) que o Olimpo de Percy Jackson. O hall onde os Deuses ficam expostos (?) em pedestais, parece um salão do saudoso Hotel Glória, em dia de Concurso de Fantasia de Carnaval, onde Zeus, com aquela estilosa roupita prateada, armadura ao gosto de Clóvis Bornay (1916-2005), poderia tranquilamente desfilar como O Esplendoroso Luar sobre a Acrópole, e Hades seria O Voo Divino da Mariposa Vespertina. Ora, até os Deuses merecem respeito! Será que não foram afrontados o suficiente, quando tiveram suas “identidades” cortadas e (re)cobertas por folhas de parreira, pela Igreja dominante que se apoderou de suas imagens?

Bem, continuando, se para amantes e estudiosos da Mitologia Grega o primeiro filme cometia pequenas infrações, até perdoáveis, a nova versão foi longe demais. Só não mudou o nome dos personagens. No resto, mexeu o quanto pode na narrativa clássica, transformando Perseu, o filho de Zeus e Danae, filha de Acrísio, Rei de Argos, num sem-pai e sem-mãe, e, depois, em sem-família, sem-barco, sem-mar, sem-peixe, sem-teto, sem-terra, sem-amigo, sem-amor..., movido a vingança e desdém aos Deuses. Isso tudo antes de casá-lo com uma mulher que nem faz parte da história. Não é à toa que ele vira um sujeito com irritante crise de identidade. Como o filme é de ação e aventura e não boa comédia (apesar do sugestivo roteiro) o que se vê na tela, entre um desfoque e outro do 3D, é só muita correria e pancadaria. Acho que Leterrier deve ter se espelhado mais no tolo Percy Jackson do que na produção de 1982. Cara esperto, esse incrível diretor de Hulk, digo, diretor do Incrível Hulk (2008), pegou a história de um e adaptou no filme do outro. Hmmmmm!

Deixando de lado a farsa do 3D, a produção de Fúria de Titãs é fantástica. Pena que Louis Leterrier (e equipe) tenha se preocupado (e se divertido) mais em criar cenários suntuosos, encontrar locações perfeitas e usar efeitos especiais realmente impressionantes (excetuando o Olimpo) do que em (re)contar uma boa história. E não foi por falta de elenco: Sam Worthington (Perseu), Liam Neeson (Zeus), Ralph Fiennes (Hades), Mads Mikkelsen (Draco), Gemma Arterton (Io), Alexa Davalos (Andrômeda). Poderia ser um filmaço, se a narrativa fosse original. Por outro lado, quem não conhece (?) a lenda ou o filme de Desmond Davis, com os efeitos em stop-motion, do mestre da animação Ray Harryhausen, pode até gostar, se assistir em 2D. Tem gosto (e cinema) pra tudo!

Cadu Simões, do site Nova Helade, postou uma excelente matéria comparativa sobre Fúria de Titãs.

2 comentários:

  1. Realmente o filme é podre e acaba com a memória da infância de muitos.Nem preciso comentar o herói com corte de milico!

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