quarta-feira, 7 de março de 2012

Crítica: John Carter: Entre Dois Mundos



O título composto é meio vago: John Carter: Entre Dois Mundos. Quem, digamos, com menos de 50 anos e ou que não curte histórias em quadrinhos (ou pulp-fitcion sci-fi) conhece John Carter? Bem, essa questão não pareceu ser um empecilho para a Disney apostar alto (dizem que US$ 250 milhões) no premiado diretor Andrew Stanton e no personagem criado por Edgar Rice Burroughs (autor de Tarzan, esse todo mundo conhece) há cem anos. A história escolhida para esta primeira adaptação (que deve virar franquia) é A Princess of Mars (Uma Princesa de Marte) e foi publicada em 1917.

Uma Princesa de Marte é um título inédito apenas no cinema, porque foi lançado diretamente em vídeo, em 2009, algo próximo de um filme (abaixo de qualquer crítica) com o título quase homônimo: Princess of Mars. Esta “maravilha” (que precisaria melhorar muito, para ser considerada ao menos trash), escrita, dirigida, fotografada, editada etc por Mark Atkins, especialista em mockbuster ou knockuster (da Asylum): “filmes de imitação”, para pegar aquele espectador (nem sempre) trouxa que pensa estar levando vantagem ao comprar (barato) lebre por gato. No Brasil tem uma loja/locadora muito popular que costuma vender essas tranqueiras a preço irrisório. O mais irônico é que esses filmes (falsos) que se aproveitam dos títulos (nem sempre parodiando os roteiros) de prováveis blockbusters, feitos a toque de caixa, com baixíssimo orçamento, e lançados próximos aos originais, com a intenção de confundir o freguês, até fazem sucesso. Alguns se tornam até cult trash. Na internet muita gente baixa um pelo outro..., e ainda reclama da “qualidade”. Mas esse não é o caso do fake John Carter, de Atkins, que parece ter aproveitado as sobras de clássicos como Simbad e Planeta dos Macacos; de épicos greco-romanos; de Star Wars e O Vingador do Futuro; de Guerra ao Terror..., para “adaptar” a HQ John Carter of Mars - The Prisoner of the Tarks, de 1952. Como nos EUA o título da Disney é John Carter e no Brasil é John Carter: Entre Dois Mundos..., o tal Princess of Mars, cujo protagonista (Antonio Sabato Jr.) é teletransportado para Marte, via pen drive, acaba se passando por uma produção original. Ah, a “princesa” é “interpretada” pela ex-estrela pornô Traci Lords, em trajes sumários e com cara de melão.


De volta ao que realmente interessa, John Carter: Entre Dois Mundos (John Carter, EUA, 2012), é uma boa e tradicional produção da Disney para o deleite da família unida. Asséptico, como convém aos atuais filmes norte-americanos destinados ao público infantojuvenil, quase sem (o “traumático”) sangue vermelho, a ficção científica tem aventura, ação e efeitos especiais (de primeira) suficientes para entreter a garotada e seus acompanhantes adultos. A livre adaptação, com roteiro de Stanton, Mark Andrews e Michael Chabon, está próxima do romance de Edgar Rice Burroughs (1875 - 1950). Ela narra a grande aventura do ex-capitão militar John Carter (Taylor Kitsch) que, cansado de guerra entre brancos e índios e soldados, ao tentar se isolar do conflito, é inexplicavelmente transportado para Marte. Lá, por conta da gravidade, ele acaba ganhando incríveis habilidades, aprende que o nome do planeta é Barsoom e, a contragosto, se vê metido numa guerra entre os povos Tharks, Heliumites, Zodangans e Therns, pela soberania do planeta.

O bacana, ao contar a história de Carter em Marte ou Barssom, é que o genial Burroughs não se preocupou com a “veracidade” científica. O que lhe interessava era inventar, dar asas à imaginação, fazer o incrível parecer crível..., pelo menos para o leitor acostumado a fantasiar sobre a vida na Terra e em outros mundos. O que Andrew Stanton faz, em sua estreia com live-action, é a mesma coisa. O espectador de filmes do gênero e leitor de HQs, antenado com o mundo ao seu redor, vai achar que já viu (em algum lugar) situações em comum. Mas é bom que se diga que a maioria dos heróis, tipo Flash Gordon e Buck Rogers, passando pelos alucinados super-heróis e chegando a Indiana Jones, Jedi (Star Wars) e congêneres, foi inspirada na obra de Burroughs. Nem Avatar escapa. Assim, se o público “acredita” nesses heróis, não vai ter por que duvidar do “pacifista” John Carter e o seu curioso passeio por Marte, entre tipos estranhos e “navios” voadores.


Stanton procurou filmar em paisagens reais, desérticas, para dar mais veracidade à história. A técnica empregada na criação dos cenários e personagens não humanos, como os esverdeados Tharks, de três metros de altura, quatro braços e cabeça de lagarto, é fantástica. Porém, quem rouba a cena é o cachorrão Woola, que tem em Carter o seu mestre. Ele parece ter saído diretamente de um desenho animado para o solo arenoso de Barsoom. Se fosse de verdade e estivesse à venda, dificilmente se encontraria algum para comprar. Os Tharks são os primeiros habitantes locais a surpreenderem John Carter, desnorteado e encantado com as suas habilidades. É através de Tars Tarkas (Willem Dafoe, excelente), o Jeddak (rei) dos Tharks e Sola (Samantha Morton, excelente) que o terráqueo vai se situar naquele estranho mundo.


Antes que você pense que os “marcianos” aprenderam a falar inglês por osmose (naquele tempo ainda não existia TV e o rádio engatinhava), saiba que o método é outro, não sei se mais fácil de engolir (ôps!), mas eficientíssimo. E é menos escatológico, mas parecido com o mostrado no filme de Atkins que, aliás, tem uma outra curiosidade, a máquina de “fabricar oxigênio”, que apareceu em O Vingador do Futuro, e nem é citada nesta versão Disney, mas está na história de Burroughs. Tudo bem que um filme não precisa explicar tudo (como a luz acende e como o avião sabe voar, como dizia Raulzito), mas seria interessante dar uma noção de como Carter e os locais respiram. Detalhes!!!

Se ao chegar o terráqueo dá de cara com os tribais Tharks, ao conhecer a bela Dejah Thoris (Lynn Collins) a princesa de Helium e os intrigantes e belicosos Sab Than (Dominic West), o Jeddak (rei) de Zodanga, e Matai Shang (Mark Strong), o Holy Hekkador (rei) dos Therns, povos semelhantes aos humanos, John Carter entra em contato com uma tecnologia fascinante. Uma maquinaria maravilhosa que remete o espectador ao mundo das engrenagens de Julio Verne. Plasticamente o filme é irretocável e a mistura do visual contemporâneo com o antigo lhe dá um sabor todo especial. É evidente que o resultado não poderia ser diferente tendo na direção um mestre da animação em CGI.


John Carter: Entre Dois Mundos é um filme leve no humor e também na abordagem dos conflitos políticos, sociais e raciais interplanetários. A narrativa se desenvolve no ritmo em que Edgar Rice Burroughs (Daryl Sabara), sobrinho de Carter, lê o seu livro de anotações. Ela não dá lição de moral e não (?!) tem mensagens edificantes piegas. Até tem, mas é tão subliminar que não chega a incomodar. John Carter é um personagem humano que vive uma aventura (que qualquer um gostaria de viver) e gosta dela. O que ele faz (bem ou mal) é mais pela sua sobrevivência de aventureiro. Não é um filme de todo perfeito, tem, é claro, sequências questionáveis por um ou outro ponto de vista (e de leitura), mas é delicioso de se ver. Passa rapidinho e pouco fica na memória, além do Woola..., e nem precisa. Tem uma cena de flashback condenável (saída de Cowboys & Aliens?), perdida no meio de bucólicas outras, mas também passa batida. Quem conhece os personagens e as histórias pode sentir falta “disso” ou querer mais “daquilo”, mas a trama é redondinha, com começo, meio e fim, o que já é uma grande coisa num tempo em que as grandes produções se preocupam mais com os efeitos (3D IMAX) do que com o roteiro. Em caso de franquia, os realizadores vão ter muito tempo para revirar o baú da Marvel Comics e ver o que encontra de “novo” por lá.

NOTA: Se quiser conhecer o fantástico mundo de Edgar Rice Burroughs, sugiro visitar o site ERBzine. Lá se encontra o maior acervo da internet sobre John Carter: HQs, ilustrações, desenhos, artigos, estudos, prévia da animação de 1936, de Bob Clampett (que não chegou a ser realizada). O material disponibilizado está em inglês.

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