O título composto
é meio vago: John Carter: Entre Dois
Mundos. Quem, digamos, com menos de 50 anos e ou que não curte histórias em
quadrinhos (ou pulp-fitcion sci-fi)
conhece John Carter? Bem, essa questão
não pareceu ser um empecilho para a Disney apostar alto (dizem que US$ 250
milhões) no premiado diretor Andrew
Stanton e no personagem criado por Edgar
Rice Burroughs (autor de Tarzan,
esse todo mundo conhece) há cem anos. A história escolhida para esta primeira adaptação
(que deve virar franquia) é A Princess
of Mars (Uma Princesa de Marte) e
foi publicada em 1917.
Uma Princesa de Marte é um título inédito apenas no cinema,
porque foi lançado diretamente em vídeo, em 2009, algo próximo de um filme (abaixo
de qualquer crítica) com o título quase homônimo: Princess of Mars. Esta “maravilha” (que precisaria melhorar muito,
para ser considerada ao menos trash),
escrita, dirigida, fotografada, editada etc por Mark Atkins, especialista em mockbuster
ou knockuster (da Asylum): “filmes de
imitação”, para pegar aquele espectador (nem sempre) trouxa que pensa estar
levando vantagem ao comprar (barato) lebre por gato. No Brasil tem uma
loja/locadora muito popular que costuma vender essas tranqueiras a preço
irrisório. O mais irônico é que esses filmes (falsos) que se aproveitam dos
títulos (nem sempre parodiando os roteiros) de prováveis blockbusters, feitos a toque de caixa, com baixíssimo orçamento, e
lançados próximos aos originais, com a intenção de confundir o freguês, até
fazem sucesso. Alguns se tornam até cult
trash. Na internet muita gente baixa um pelo outro..., e ainda reclama da
“qualidade”. Mas esse não é o caso do fake
John Carter, de Atkins, que parece
ter aproveitado as sobras de clássicos como Simbad
e Planeta dos Macacos; de épicos
greco-romanos; de Star Wars e O Vingador do Futuro; de Guerra ao Terror..., para “adaptar” a HQ
John Carter of Mars - The Prisoner of the
Tarks, de 1952. Como nos EUA o título da Disney é John Carter e no Brasil é John
Carter: Entre Dois Mundos..., o tal Princess
of Mars, cujo protagonista (Antonio Sabato Jr.) é teletransportado para
Marte, via pen drive, acaba se passando por uma produção original. Ah, a
“princesa” é “interpretada” pela ex-estrela pornô Traci Lords, em trajes
sumários e com cara de melão.
De volta
ao que realmente interessa, John Carter:
Entre Dois Mundos (John Carter,
EUA, 2012), é uma boa e tradicional produção da Disney para o deleite da
família unida. Asséptico, como convém aos atuais filmes norte-americanos
destinados ao público infantojuvenil, quase sem (o “traumático”) sangue
vermelho, a ficção científica tem aventura, ação e efeitos especiais (de
primeira) suficientes para entreter a garotada e seus acompanhantes adultos. A livre
adaptação, com roteiro de Stanton, Mark Andrews e Michael Chabon, está próxima
do romance de Edgar Rice Burroughs (1875 - 1950). Ela narra a grande aventura do
ex-capitão militar John Carter (Taylor Kitsch) que, cansado de guerra
entre brancos e índios e soldados, ao tentar se isolar do conflito, é
inexplicavelmente transportado para Marte. Lá, por conta da gravidade, ele acaba
ganhando incríveis habilidades, aprende que o nome do planeta é Barsoom e, a
contragosto, se vê metido numa guerra entre os povos Tharks, Heliumites, Zodangans
e Therns, pela soberania do planeta.
O bacana,
ao contar a história de Carter em Marte
ou Barssom, é que o genial Burroughs
não se preocupou com a “veracidade” científica. O que lhe interessava era
inventar, dar asas à imaginação, fazer o incrível parecer crível..., pelo menos
para o leitor acostumado a fantasiar sobre a vida na Terra e em outros mundos. O
que Andrew Stanton faz, em sua estreia com live-action, é a mesma coisa. O
espectador de filmes do gênero e leitor de HQs, antenado com o mundo ao seu
redor, vai achar que já viu (em algum lugar) situações em comum. Mas é bom que
se diga que a maioria dos heróis, tipo Flash
Gordon e Buck Rogers, passando
pelos alucinados super-heróis e chegando a Indiana
Jones, Jedi (Star Wars) e congêneres, foi inspirada na obra de Burroughs. Nem Avatar escapa. Assim, se o público
“acredita” nesses heróis, não vai ter por que duvidar do “pacifista” John Carter e o seu curioso passeio por
Marte, entre tipos estranhos e “navios” voadores.
Stanton
procurou filmar em paisagens reais, desérticas, para dar mais veracidade à
história. A técnica empregada na criação dos cenários e personagens não
humanos, como os esverdeados Tharks, de três metros de altura, quatro braços e
cabeça de lagarto, é fantástica. Porém, quem rouba a cena é o cachorrão Woola, que tem em Carter o seu mestre. Ele parece ter saído diretamente de um desenho
animado para o solo arenoso de Barsoom. Se fosse de verdade e estivesse à
venda, dificilmente se encontraria algum para comprar. Os Tharks são os
primeiros habitantes locais a surpreenderem John
Carter, desnorteado e encantado com as suas habilidades. É através de Tars Tarkas (Willem Dafoe, excelente), o Jeddak (rei) dos Tharks e Sola (Samantha Morton, excelente) que o terráqueo vai se situar naquele
estranho mundo.
Antes que
você pense que os “marcianos” aprenderam a falar inglês por osmose (naquele
tempo ainda não existia TV e o rádio engatinhava), saiba que o método é outro, não
sei se mais fácil de engolir (ôps!), mas eficientíssimo. E é menos
escatológico, mas parecido com o mostrado no filme de Atkins que, aliás, tem uma
outra curiosidade, a máquina de “fabricar oxigênio”, que apareceu em O Vingador do Futuro, e nem é citada nesta
versão Disney, mas está na história de Burroughs. Tudo bem que um filme não
precisa explicar tudo (como a luz acende
e como o avião sabe voar, como dizia Raulzito), mas seria interessante dar
uma noção de como Carter e os locais
respiram. Detalhes!!!
Se ao
chegar o terráqueo dá de cara com os tribais Tharks, ao conhecer a bela Dejah Thoris (Lynn Collins) a princesa de Helium e os intrigantes e belicosos Sab Than (Dominic West), o Jeddak (rei) de Zodanga, e Matai Shang (Mark Strong),
o Holy Hekkador (rei) dos Therns, povos semelhantes aos humanos, John Carter entra em contato com uma
tecnologia fascinante. Uma maquinaria maravilhosa que remete o espectador ao
mundo das engrenagens de Julio Verne. Plasticamente o filme é irretocável e a
mistura do visual contemporâneo com o antigo lhe dá um sabor todo especial. É
evidente que o resultado não poderia ser diferente tendo na direção um mestre
da animação em CGI.
John Carter: Entre Dois Mundos é um filme leve no humor e também na
abordagem dos conflitos políticos, sociais e raciais interplanetários. A narrativa
se desenvolve no ritmo em que Edgar Rice
Burroughs (Daryl Sabara), sobrinho
de Carter, lê o seu livro de
anotações. Ela não dá lição de moral e não (?!) tem mensagens edificantes
piegas. Até tem, mas é tão subliminar que não chega a incomodar. John Carter é um personagem humano que
vive uma aventura (que qualquer um gostaria de viver) e gosta dela. O que ele faz
(bem ou mal) é mais pela sua sobrevivência de aventureiro. Não é um filme de todo
perfeito, tem, é claro, sequências questionáveis por um ou outro ponto de vista
(e de leitura), mas é delicioso de se ver. Passa rapidinho e pouco fica na
memória, além do Woola..., e nem precisa. Tem uma cena de flashback condenável (saída de Cowboys
& Aliens?), perdida no meio de bucólicas outras, mas também passa
batida. Quem conhece os personagens e as histórias pode sentir falta “disso” ou
querer mais “daquilo”, mas a trama é redondinha, com começo, meio e fim, o que
já é uma grande coisa num tempo em que as grandes produções se preocupam mais com
os efeitos (3D IMAX) do que com o roteiro. Em caso de franquia, os realizadores
vão ter muito tempo para revirar o baú da Marvel Comics e ver o que encontra de
“novo” por lá.
NOTA: Se quiser
conhecer o fantástico mundo de Edgar Rice Burroughs, sugiro visitar o site ERBzine. Lá se encontra o maior acervo da
internet sobre John Carter: HQs,
ilustrações, desenhos, artigos, estudos, prévia da animação de 1936, de Bob
Clampett (que não chegou a ser realizada). O material disponibilizado está em
inglês.
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