quarta-feira, 28 de março de 2012

Crítica: Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios



Quem já viu algum filme de Beto Brant sabe que em suas histórias (adaptadas dos livros do escritor Marçal Aquino) os personagens são tensos, irritadiços, ansiosos...., parecem querer (sempre) distância do espectador. Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios, é um belo título, sugere um romance melodramático leve. No entanto, traz um drama pesado, melancólico, à beira do trágico.

A trama de Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios (Brasil, 2011), com direção de Beto BrantRenato Ciasca, se passa numa pequena cidade ribeirinha do Pará, onde a vida de três protagonistas flui em águas enganosamente mansas. O Pastor Ernani (Zé Carlos Machado) é um evangélico que acredita na redenção através da palavra de seu Deus. Lavínia (Camila Pitanga), a sua devotada esposa, tem razões para não duvidar da sua Fé, mas não se satisfaz com o seu amor imparcial. O fotógrafo Cauby (Gustavo Machado), de passagem pela região e apaixonado por ela, quer lhe dar muito mais que cânticos bíblicos. Ernani ama Lavínia que ama Ernani e Cauby, de maneiras (e intensidade!) diferentes. Em comum com os dois homens a mulher tem apenas o presente. O passado com Ernani é uma catarse em andamento. O futuro com Cauby está guardado numa pequena caixa (de Pandora?).


Quando se trata de amor a três (na literatura/música/teatro/cinema) todo mundo sabe que alguém (sempre) acaba sobrando (ou se dando mal) na relação. É que, razão, desejo e paixão são substantivos que não se conjugam no mesmo tempo. Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios tem uma história (se não tão original) ao menos curiosa e muito sensual, na tradução dos atos de amor cujo êxtase deixa seus protagonistas a um passo do Céu e ou do Inferno. Já que, na Fé ou em Eros, o orgasmo é o mesmo. No entanto, ao buscar ser mais do que realmente é (sem nenhum demérito: dramática, romântica, trágica, lasciva, com todos os clichês do gênero), apelando para uma cansativa narrativa viciada em fade, acaba comprometendo a leitura do espectador comum, que não está nem aí para o subtexto.

O filme tem algumas sequências magníficas e outras que não se sabe o que fazem ali. Parecem mais um tapa-buraco, uma pedra no meio do caminho dos amantes que não têm envolvimento algum com “cenas-denúncias” de devastação da Amazônia. Não há nem mesmo uma justificativa plausível para a morte de um pacifista e conciliador que incomodava (?). Barcas com madeira, garimpo, agronegócios..., podem até funcionar como mensagens subliminares, mas como trama paralela inexistem. Enquanto a caravana (coadjuvante) passa não há um cão (protagonista) sequer a ladrar. Já que o Pastor só está interessado em evangelizar e Lavínia e Cauby em fazer sexo. Cada um na sua crença e (aparentemente) alheios ao mundo ao redor.


Baseado no livro homônimo de Marçal Aquino, com roteiro de Beto Brant, Renato Ciasca e do próprio autor, Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios tem excelente elenco, com destaques para a intepretação espetacular de Camila Pitanga (uma das mais intensas do cinema nacional recente), que se entrega de corpo e alma à instável Lavínia, cheia de graça e pecado, e a performance vigorosa de Zé Carlos Machado, na criação de um Pastor tão carismático quanto perturbador. Mas quem rouba as pequenas cenas é Gero Camilo, na pele do colunista Viktor Laurence, cuja verve, docemente venenosa, pode ser o fiel da balança do Senhor (de todos os verbos). Há lacunas a serem preenchidas e excessos a serem lapidados (pelo público). O excesso de fade deixa o filme tão moroso que, a certa altura, parece não ter fim. Ainda assim, apesar dos estorvos, a quase ausência de trilha sonora e a bela fotografia compensam a sessão.

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