OS MELHORES ANOS DE UMA VIDA
por Joba Tridente
Ah, o amor, vivido e cantado que perdura anos a fio ou
calado e em frangalhos que se pendura no fundo de um guarda-velharias. Do amor,
o que fica na memória ou vira pó é uma questão de pele. Uma questão de
relamento que causa arrepios (frisson)
só de pensar na conjugação com o outro. Afinal, o que é o amor..., esse
sentimento capaz de demolir e de restaurar o ser “humano”?
“Todas as histórias de amor acabam mal.
Elas só acabam bem em filmes.”
Quantas histórias de amor possível ou impossível um mesmo
casal de personagens (interpretados pelos mesmos atores e atrizes) já viveu nas
telas de cinema sem se tornar aborrecido? Além de Jean-Louis Duroc (Jean-Louis Trintignant) e Anne Gauthier (Anouk Aimée) e seus encontros desencontrados em Um Homem, Uma Mulher, de Claude Lelouch,
só me recordo de Jesse (Ethan Hawke) e
Céline (Julie Delpy) e seus encontros
breves nos arrebatadores Antes do
Amanhecer (1995), Antes do Pôr do Sol
(2004), Antes da Meia-Noite (2013),
de Richard Linklater. Os casais apaixonados se encontram, se declaram e...,
depois, nada mais. Nestas duas produções inebriantes, em que o Cupido está sempre a cochilar, a única
testemunha do amor, que nem a distância esfria, é o tempo que envelhece o
corpo, mas não apaga a chama do primeiro olhar, a sensação do primeiro toque,
ainda que a pele tenha adquirido outra maciez...
A trilogia do Antes...,
que dialoga harmoniosamente com a trilogia Um
Homem, Uma Mulher..., está encerrada, comenta-se um epílogo, que talvez
nunca seja feito. Agora, com Os Melhores
Anos de Uma Vida (2019), Claude
Lelouch, também encerra a sua trilogia começada lá em 1966, com Um Homem, Uma Mulher, seguida de Um Homem, Uma Mulher - 20 Anos Depois,
em 1986.
Os Melhores
Anos de Uma Vida (Les Plus Belles
Années d’une Vie, 2019), com roteiro de Lelouch e Valérie Perrin, é um
filme/canção de arremate de uma grande paixão do passado que jamais foi
enterrada no passado. Pelo contrário, por anos e anos, assim como o lusco-fusco
saúda a noite e ou o dia, esta paixão recolhida esteve à espera do casal de
ocasião (e seus fantasmas). O tempo passou e agora já idosos, o ex-piloto Jean-Louis Duroc (Jean-Louis Trintignant), com Alzheimer, está internado numa clínica e a ex-produtora de cinema Anne
Gauthier (Anouk Aimée) tem uma
loja de produtos veterinários. Uma vez que na memória oscilante de Jean-Louis a lembrança mais vívida é a
de Anne..., seu filho Antoine Duroc (Antoine Sire), a procura, na esperança de que a sua presença e
alguma conversa ajude na melhora do pai.
Para Claude Lelouch, o filme não é necessariamente a
sequência (não consta Um Homem e Uma Mulher
no título e o segundo filme é ignorado) ou a conclusão de uma história de amor
que varou décadas..., pois é acessível (sem grande perda de conteúdo) a quem
não conhece a vida amorosa do belo casal que encantou o mundo em meados dos
anos sessenta (Palma de Ouro no Festival de Cannes e Oscar de melhor
filme internacional e melhor roteiro original). Um dos mecanismos
narrativos (já não mais tão criativo e ou surpreendente, na repetição), para situar
o novo espectador na trama, é o uso de flashbacks
(em preto e branco) do começo inseguro do namoro do casal, marcado pela
envolvente e inesquecível música de Francis Lai e pelo famoso Je t’aime, num telegrama de Anne para Jean-Louis, que mudou o rumo amoroso dos protagonistas.
Segundo o romancista Victor Hugo: “Os melhores anos da vida são aqueles que
ainda não foram vividos”. Para Lelouch, Os Melhores Anos de Uma Vida são aqueles vividos intensamente e que
persistem entre as falhas da memória. É o que ele busca contar, numa história
breve (esticada com os truques do flashback), em que os eternos protagonistas,
agora idosos, trocam lembranças calorosas em meio a devaneios de intenção de um
amor crepuscular. É um filme nostálgico e por vezes melancólico, ao nos lembrar
das coisas boas da vida que deixamos de aproveitar e das mágoas que engolimos
sem regurgitar. Seu humor é leve (mas sem perder a sensualidade), como convém
aos octogenários. Alguns diálogos são saborosos ou irônicos: "Por que você é mais bonita do que eu? Porque
eu uso mais maquiagem." Outros apenas norteiam a narrativa: “Todas as histórias de amor acabam mal. Elas
só acabam bem em filmes.”..., há controvérsia!
Jean-Louis Trintignant e Anouk Aimée continuam
excelentes protagonistas no reencontro com seus famosos personagens e, para
maior veracidade da trama, até os atores Antonine Sire e Souad Amidou,
respectivamente filhos (Antoine e Françoise) das personagens Jean-Louis e Anne, no filme de 1966, retornam (agora adultos, é claro) aos seus
papéis. Enfim, é um filme de muitos
encontros e curiosidades e sentimental o suficiente para comover os velhos
espectadores e aqueles que não se importam com a idade dos personagens e
protagonistas, desde que a história de amor seja boa. Pois um bom romance nunca
fez mal a nenhuma espectador. Ou será que fez? Ainda que traga a famosa música-tema
de Francis Lai (1932-2018) e Pierre Barouh (1934-2016), a trilha romântica que
embala e entrelaça as lembranças dos velhos amantes é assinada por Calogero. Um
ótimo programa para aquietar o espírito em tempos pandêmicos e de desgoverno!
Nota: Os
Melhores Anos de Uma Vida será o grande destaque da reabertura do Petra Belas Artes, e outras salas de
cinema, no dia 24 de junho de 2021.
NOTA: As considerações acima são pessoais e,
portanto, podem não refletir a opinião geral dos espectadores e cinéfilos de
carteirinha.
Joba
Tridente: O
primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros
videodocumentários fiz em 1990. O primeiro curta-metragem (Cortejo), em
35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e
coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e
divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro
tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder,
2003), de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba.
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