segunda-feira, 21 de junho de 2021

Crítica: Os Melhores Anos de Uma Vida

 

OS MELHORES ANOS DE UMA VIDA

por Joba Tridente 

Ah, o amor, vivido e cantado que perdura anos a fio ou calado e em frangalhos que se pendura no fundo de um guarda-velharias. Do amor, o que fica na memória ou vira pó é uma questão de pele. Uma questão de relamento que causa arrepios (frisson) só de pensar na conjugação com o outro. Afinal, o que é o amor..., esse sentimento capaz de demolir e de restaurar o ser “humano”? 

Todas as histórias de amor acabam mal.

Elas só acabam bem em filmes. 


Quantas histórias de amor possível ou impossível um mesmo casal de personagens (interpretados pelos mesmos atores e atrizes) já viveu nas telas de cinema sem se tornar aborrecido? Além de Jean-Louis Duroc (Jean-Louis Trintignant) e Anne Gauthier (Anouk Aimée) e seus encontros desencontrados em Um Homem, Uma Mulher, de Claude Lelouch, só me recordo de Jesse (Ethan Hawke) e Céline (Julie Delpy) e seus encontros breves nos arrebatadores Antes do Amanhecer (1995), Antes do Pôr do Sol (2004), Antes da Meia-Noite (2013), de Richard Linklater. Os casais apaixonados se encontram, se declaram e..., depois, nada mais. Nestas duas produções inebriantes, em que o Cupido está sempre a cochilar, a única testemunha do amor, que nem a distância esfria, é o tempo que envelhece o corpo, mas não apaga a chama do primeiro olhar, a sensação do primeiro toque, ainda que a pele tenha adquirido outra maciez... 

A trilogia do Antes..., que dialoga harmoniosamente com a trilogia Um Homem, Uma Mulher..., está encerrada, comenta-se um epílogo, que talvez nunca seja feito. Agora, com Os Melhores Anos de Uma Vida (2019), Claude Lelouch, também encerra a sua trilogia começada lá em 1966, com Um Homem, Uma Mulher, seguida de Um Homem, Uma Mulher - 20 Anos Depois, em 1986. 


Os Melhores Anos de Uma Vida (Les Plus Belles Années d’une Vie, 2019), com roteiro de Lelouch e Valérie Perrin, é um filme/canção de arremate de uma grande paixão do passado que jamais foi enterrada no passado. Pelo contrário, por anos e anos, assim como o lusco-fusco saúda a noite e ou o dia, esta paixão recolhida esteve à espera do casal de ocasião (e seus fantasmas). O tempo passou e agora já idosos, o ex-piloto Jean-Louis Duroc (Jean-Louis Trintignant), com Alzheimer, está internado numa clínica e a ex-produtora de cinema Anne Gauthier (Anouk Aimée) tem uma loja de produtos veterinários. Uma vez que na memória oscilante de Jean-Louis a lembrança mais vívida é a de Anne..., seu filho Antoine Duroc (Antoine Sire), a procura, na esperança de que a sua presença e alguma conversa ajude na melhora do pai. 

Para Claude Lelouch, o filme não é necessariamente a sequência (não consta Um Homem e Uma Mulher no título e o segundo filme é ignorado) ou a conclusão de uma história de amor que varou décadas..., pois é acessível (sem grande perda de conteúdo) a quem não conhece a vida amorosa do belo casal que encantou o mundo em meados dos anos sessenta (Palma de Ouro no Festival de Cannes e Oscar de melhor filme internacional e  melhor roteiro original). Um dos mecanismos narrativos (já não mais tão criativo e ou surpreendente, na repetição), para situar o novo espectador na trama, é o uso de flashbacks (em preto e branco) do começo inseguro do namoro do casal, marcado pela envolvente e inesquecível música de Francis Lai e pelo famoso Je t’aime, num telegrama de Anne para Jean-Louis, que mudou o rumo amoroso dos protagonistas. 


Segundo o romancista Victor Hugo: “Os melhores anos da vida são aqueles que ainda não foram vividos”. Para Lelouch, Os Melhores Anos de Uma Vida são aqueles vividos intensamente e que persistem entre as falhas da memória. É o que ele busca contar, numa história breve (esticada com os truques do flashback), em que os eternos protagonistas, agora idosos, trocam lembranças calorosas em meio a devaneios de intenção de um amor crepuscular. É um filme nostálgico e por vezes melancólico, ao nos lembrar das coisas boas da vida que deixamos de aproveitar e das mágoas que engolimos sem regurgitar. Seu humor é leve (mas sem perder a sensualidade), como convém aos octogenários. Alguns diálogos são saborosos ou irônicos: "Por que você é mais bonita do que eu? Porque eu uso mais maquiagem." Outros apenas norteiam a narrativa: “Todas as histórias de amor acabam mal. Elas só acabam bem em filmes.”..., há controvérsia! 


Jean-Louis Trintignant e Anouk Aimée continuam excelentes protagonistas no reencontro com seus famosos personagens e, para maior veracidade da trama, até os atores Antonine Sire e Souad Amidou, respectivamente filhos (Antoine e Françoise) das personagens Jean-Louis e Anne, no filme de 1966, retornam (agora adultos, é claro) aos seus papéis. Enfim, é um filme de muitos encontros e curiosidades e sentimental o suficiente para comover os velhos espectadores e aqueles que não se importam com a idade dos personagens e protagonistas, desde que a história de amor seja boa. Pois um bom romance nunca fez mal a nenhuma espectador. Ou será que fez? Ainda que traga a famosa música-tema de Francis Lai (1932-2018) e Pierre Barouh (1934-2016), a trilha romântica que embala e entrelaça as lembranças dos velhos amantes é assinada por Calogero. Um ótimo programa para aquietar o espírito em tempos pandêmicos e de desgoverno! 

Nota: Os Melhores Anos de Uma Vida será o grande destaque da reabertura do Petra Belas Artes, e outras salas de cinema, no dia 24 de junho de 2021.

 

NOTA: As considerações acima são pessoais e, portanto, podem não refletir a opinião geral dos espectadores e cinéfilos de carteirinha. 

Joba Tridente: O primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros videodocumentários fiz em 1990. O primeiro curta-metragem (Cortejo), em 35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003), de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba.


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